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Uma questão de estratégia1

Pioneira entre as empresas que adotaram o conceito de responsabilidade social no Brasil, a


Natura enfrenta agora o desafio de atender à pressão do mercado de capitais sem perder sua
essência

Embora não existam ainda muitas verdades absolutas quando o assunto é sustentabilidade,
estudiosos do tema são unânimes quanto a um raciocínio: uma empresa só é capaz de ajudar a
melhorar, de forma efetiva, o caos ambiental e social do planeta se levar os preceitos do
desenvolvimento sustentável para o cerne de seu negócio. A teoria pode parecer simples, mas
colocar essa associação em prática é algo extremamente difícil - e ainda raro. Prova disso é que o
americano Michael Porter, um dos mais respeitados gurus de negócios do mundo,
constantemente critica as grandes companhias por terem duas estratégias - uma econômica e uma
de responsabilidade social - quando, na verdade, deveriam ter uma só. Neste ano, pela primeira
vez desde seu lançamento, em 2000, o Guia EXAME de Sustentabilidade decidiu eleger, entre as
20 empresas-modelo, uma vencedora: a Empresa Sustentável do Ano. A escolhida foi a Natura,
uma companhia que segue a premissa de Porter como poucas. Única empresa presente entre os
destaques das nove edições do anuário, a Natura tem a preocupação com a sustentabilidade
impregnada em sua estratégia desde a fundação, em 1969, quando lançou seus primeiros
cosméticos feitos com ativos naturais. "Acreditamos que os desafios sociais e ambientais não são
entraves ao nosso crescimento, mas alavancas para a inovação", afirma o executivo Alessandro
Carlucci, que assumiu a presidência da Natura em 2005, depois que seus fundadores - Luiz
Seabra, Guilherme Leal e Pedro Passos - deixaram o dia-a-dia da gestão para fazer parte do
conselho de administração.
A adoção de refis, ainda na década de 80, legitima a declaração de Carlucci. Hoje, cerca de 30%
da linha de mais de 800 produtos da Natura tem refil. Essas embalagens consomem, em média,
30% menos matéria-prima que as regulares e responderam por 21,3% do total de itens vendidos
pela empresa no ano passado. Em 2006, esse índice foi de 19,8%. O aumento de um ano para o
outro não se deve apenas a um despertar de consciência por parte dos consumidores mas também
aos esforços da empresa, que fez muitas promoções em 2007 para estimulá-los a optar pela
embalagem. "Com promoções e descontos no preço, conseguimos aumentar as vendas do refil",
diz José Vicente Marino, vice-presidente de marketing e vendas da operação brasileira da

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Artigo escrito por Ana Luiza Herzog e publicado na revista Exame, em 30/10/2008.

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Natura. O esforço dos executivos para aumentar as vendas desse tipo de produto é estimulado
também pelo sistema de remuneração variável da Natura. Desde 2003, quando implantou um
sistema de gestão da responsabilidade corporativa em todas as suas áreas, a companhia
determinou o cumprimento de metas sociais e ambientais. Uma das metas de 2008, por exemplo,
é que o percentual de refis vendidos seja equivalente a 18,5% do volume total da empresa (até o
final de setembro, esse objetivo vinha sendo cumprido com folga).
As metas "verdes" abrangem outras iniciativas relacionadas diretamente ao negócio. Uma delas,
iniciada em 2005, foi batizada internamente de "vegetalização dos produtos". Na época, a Natura
substituiu a base dos sabonetes, de gordura animal, por uma de origem vegetal. A medida não só
conferiu mais cremosidade aos produtos como cortou seu vínculo com o sacrifício de animais. O
processo teve continuidade no ano passado, quando o óleo mineral, de origem fóssil, foi
substituído pelo vegetal em todos os óleos de corpo da marca. O principal desafio das trocas foi
adequar as fórmulas dos produtos para que o novo ingrediente não os tornasse menos eficientes,
seguros ou atraentes para o consumidor. A vegetalização do óleo Séve, por exemplo, um dos
mais tradicionais e antigos da marca, consumiu um ano e meio de pesquisas. Para este ano, a
meta é substituir o álcool normal por orgânico em todos os produtos. O álcool orgânico é mais
caro que o convencional, mas a certificação dá à Natura a certeza de que ele foi produzido de
acordo com boas práticas ambientais. Segundo a empresa, as mudanças nas fórmulas não
aumentaram o preço dos produtos.
Todas essas iniciativas ganharam relevância ainda maior em meados de 2007, quando a
companhia anunciou um plano para se tornar "carbono neutro" até o final deste ano.
Diferentemente do que o termo passou a significar para a maioria das empresas, a decisão da
Natura não implica simplesmente sair plantando milhares de árvores - embora ela esteja
financiando um projeto de reflorestamento para neutralizar parte de suas emissões. O que
chamou a atenção dos especialistas foi o compromisso de reduzir 33%, até 2010, as emissões
diretas não só de sua operação mas de toda a sua cadeia produtiva - da extração da matéria-prima
ao descarte do produto. Uma das principais iniciativas da empresa nesse sentido foi colocar em
funcionamento um projeto piloto de logística reversa nas cidades de Recife e São Paulo, em
março de 2007. Na prática, a Natura está convencendo suas consultoras a ajudá-la numa tarefa
complicada: coletar as milhares de embalagens da marca descartadas diariamente e encaminhá-
las para cooperativas de reciclagem. Em 2007, o programa coletou cerca de 90 toneladas de
resíduos - um volume ainda considerado desprezível pela empresa. Aos poucos, o projeto deverá
ser expandido para todo o país, alcançando as 632 000 consultoras da Natura. Com isso, no
futuro, a idéia é que seja possível descontar, no cálculo das reduções de emissões da empresa, as
toneladas de embalagens recicladas.

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A dificuldade de levar a cabo o programa de logística reversa só é superada por outro desafio:
tirar do papel os sonhos que a empresa tem para sua saboaria em Benevides, no Pará, única
unidade industrial da Natura fora de São Paulo. Benevides, como é chamada internamente,
começou a ser idealizada em 2003 com dois propósitos. O primeiro era marcar a presença da
Natura na Amazônia, região de onde ela extrai grande parte dos ativos naturais usados em sua
linha de produtos mais conhecida, a Ekos. Além disso, a presença no local daria à empresa a
oportunidade única não só de ganhar dinheiro mas também de gerar renda para mais de 2 000
famílias carentes espalhadas em 27 municípios próximos à sua fábrica. Inicialmente, o plano
previa que a Natura fizesse o noodle, a massa vegetal que responde por 90% da composição do
sabonete da companhia, usando 100% de óleo de palma fornecido pela Agropalma, empresa
sediada no Pará. A previsão era que, aos poucos, a matéria-prima da Agropalma fosse substituída
pelos óleos de uma dezena de outros frutos, tais como o murumuru e a copaíba, que seriam
fornecidos por famílias da região. "Benevides era o grande projeto de base da pirâmide da
Natura", afirma um ex-executivo da empresa. O que explica o uso do verbo no passado é o fato
de que as coisas não caminharam exatamente como planejadas. A entidade que seria o principal
elo da companhia com as comunidades extrativistas, a Cooperativa Nova Amafrutas, faliu em
novembro de 2006, seis meses antes de a Natura inaugurar a saboaria. Sem a parceira, a empresa
passou a se relacionar diretamente com as comunidades extrativistas para estruturar sua cadeia
de fornecimento. Além disso, a sede abandonada da Nova Amafrutas, localizada num terreno ao
lado do da Natura, passou a ser alvo de uma série de invasões. Para Guilherme Leal, co-
presidente do conselho de administração da Natura e um de seus fundadores, o sonho de
Benevides foi atropelado, mas não acabou. "É um projeto muito ambicioso, e não tenho dúvidas
de que será bem-sucedido no longo prazo", afirma. A expectativa da companhia é que os
primeiros resultados da iniciativa comecem a aparecer em 2009. "A partir do ano que vem,
vamos colocar no mercado sabonetes especiais com óleos produzidos pelas famílias extrativistas
de Benevides", afirma Paulo Lalli, vice-presidente de operações e logística da Natura.
Ainda que a atuação da Natura esteja permeada de ideais (ou, para usar o linguajar de seus
próprios executivos e funcionários, de "crenças e valores nobres"), a empresa não está protegida
contra críticas relacionadas à sua estratégia de sustentabilidade. Muito menos ao seu
desempenho financeiro. Pelo menos por enquanto, o mercado de capitais está pouco interessado
em saber sobre o andamento da unidade de Benevides ou sobre o percentual de material
reciclado usado nas embalagens. "Não acompanho o desempenho socioambiental", afirma a
analista Daniela Bretthauer, do banco Goldman Sachs, que cobre a Natura. Para analistas como
Daniela, o que interessa é saber se a Natura, que faturou 4,3 bilhões de reais em 2007,

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conseguirá cumprir a meta de aumentar em 23% sua margem Ebitda em 2008. O indicador é um
dos mais usados pelo mercado para medir a rentabilidade de uma empresa - e o da Natura
registrou queda nos últimos dois anos. Interessa também saber se a companhia será capaz de
recuperar o vigor de seus papéis - nos últimos 24 meses, as ações da Natura caíram 32,7%.
"Quem quer ser sustentável deve estabelecer limites para seu crescimento. E, uma vez no
mercado de capitais, ela não vai conseguir fazer isso", diz Giovanni Barontini, coordenador da
filial brasileira do Carbon Disclosure Project, iniciativa internacional criada por investidores
institucionais para incentivar as empresas a divulgar informações sobre suas políticas
relacionadas às mudanças climáticas. A medida sugerida pelo consultor foi adotada, por
exemplo, pela americana Patagonia, fabricante de roupas e acessórios para a prática de esportes
radicais, como alpinismo e surfe, com faturamento anual de quase 300 milhões de dólares. O
fundador da empresa e hoje presidente do conselho de administração, Yvon Chouinard, é
categórico ao afirmar que não pretende abrir o capital da Patagonia. Apesar das críticas, Leal
acredita que a abertura de capital foi uma decisão acertada e não atrapalhará os propósitos da
Natura de espalhar as idéias que, até hoje, nortearam sua gestão. "Poderia tentar mudar o jogo
estando fora do campeonato [fora do mercado de capitais], mas meu poder de influência seria
menor."

Voce foi contratado para analisar o contexto do conflito estratégico da Natura sob o ponto
de vista da sua expansão de negócio e sua política de sustentabilidade social, economica e
ambiental. Elabore um relatório dessa análise para os investidores da Natura.

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