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boletim pet

Avaliação E tratamento da dor


aguda e crônica em cães e gatos
Stelio Pacca Loureiro Luna
Professor Titular FMVZ – Unesp – Botucatu/SP

volume 05
2018
boletim pet Avaliação E tratamento da dor aguda
e crônica em cães e gatos
1. A Origem da dor
A dor ocorre em aproximadamente 80% das situações clínicas e em 100% das cirurgias. É uma
experiência aversiva multidimensional, que envolve os aspectos sensorial, cognitivo e emocional, a
Professor Titular partir da consciência do animal frente a um estímulo considerado nocivo. Como resposta, as altera-
Stelio Pacca Loureiro Luna ções fisiológicas e comportamentais visam minimizar ou evitar os danos.
Área Anestesiologia e Acupuntura Veterinária
Departamento de Cirurgia e Anestesiologia Veterinária Tudo se inicia com a nocicepção, que envolve a transdução, transmissão e modulação. A seguir
n Graduação em Medicina Veterinária – 1984 ocorre a projeção e finalmente, a consciência da dor1,2,3 (Fig. 1 – http://www.bioethicus.com.br – guia
FMVZ – Unesp – Botucatu prático ilustrado “Avaliação da dor em pequenos animais”). A dor é adaptativa ou nociceptiva quan-
n Residência em Anestesiologia Veterinária – 1985 do fisiológica, pela ativação de nociceptores de alto limiar frente a um estímulo. Neste caso a dor
FMVZ – Unesp – Botucatu
é aguda ou nociceptiva, quando ocorre subitamente e por curto tempo, em consequência de uma
n Mestrado – 1990
FMVZ – Unesp – Botucatu lesão potencial ou real. Nesta situação a dor serve para proteção, é fisiológica e sinalizadora de uma
n PhD – 1993 doença, podendo ser somática ou visceral. Quando ocorre lesão e inflamação no tecido, a dor evolui
Universidade de Cambridge Inglaterra para patológica ou clínica1,2,3. Neste ponto é muito importante o médico veterinário intervir com o tra-
n Diplomado pelo Colégio Europeu de Anestesiologia e Analgesia Veterinária tamento, pois do contrário, se não se prevenir ou tratar a dor adequadamente, esta se torna crônica
(European College of Veterinary Anaesthesiology and Analgesia) – 1995 e/ou neuropática (neuro, nervo, sistema nervoso; pathos, enfermidade, sofrimento).
n Certificado Acupunturista Veterinário pela International Veterinary
Acupuncture Society (EUA) – 2002
volume 05 Cérebro

2018
Interneurônio
Neurônio (modulação)
de projeção
percepção

Neurônio aferente
(transmissão)

nocicepção Nociceptor
(transdução)

Estímulo nocivo

Figura 1. Fisiologia da dor: transdução, transmissão, modulação e percepção (consciência).

3
Portanto, no estágio inicial, a dor aguda é um sinal de uma 100%
doença e chama a atenção do clínico. Quando a dor evolui para

sia
crônica ou neuropática, esta passa a ser a doença principal,

lge
ra
pois não tem sentido adaptativo. É autopermanente, desenca-

e
hip
Resposta da dor
deia alterações comportamentais, fisiológicas, neurohumorais,
metabólicas e imunológicas indesejáveis (Fig. 2), o que caracte- Dor
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patológica
riza uma resposta de estresse, dificulta a reparação tecidual e
gera um perpétuo sofrimento.

sia
Dor

lge
nia
fisiológica

ana
i
alod

l
ma
nor
Em resumo, a inflamação, em resposta à lesão de tecidos, induz a sensibilização periférica, em
que nociceptores de alto limiar se convertem em nociceptores de baixo limiar de excitação e ativam
0
outros nociceptores quiescentes, o que deflagra a alodinia e hiperalgesia primária (Figs. 2 e 3)1,2,3.
Portanto alodinia é sentir a dor por estímulos que não desencadeariam dor em situações normais. Estímulo Inócuo Estímulo Nocivo
Já na hiperalgesia um estímulo que causaria dor de uma certa intensidade, passa a causar dor
Intensidade do estímulo
em uma intensidade muito maior. A partir daí quando a dor não é inibida na modulação, advém a
sensibilização central pela magnificação dos estímulos dolorosos (Figs. 2 e 3)1,2,3, o que amplifica e
Figura 3. Representação gráfica da dor fisiológica e patológica. Na dor fisiológica apenas estímulos
prolonga a resposta a dor e aumenta a excitabilidade e as descargas ectópicas espontâneas3.
potencialmente nocivos são reconhecidos e a resposta à dor é proporcional à intensidade do
estímulo. Na dor patológica mesmo um estímulo inócuo, que não causaria dor numa situação normal,
desencadeia uma resposta de dor (alodinia). Já quando o estímulo é nocivo, na dor patológica, a
A SNC dor dor resposta à dor é intensificada e proporcionalmente maior que na dor fisiológica (a curva intensidade
de estímulo e resposta de dor é deslocada para a esquerda). Quando se provê analgesia para o
fibras animal, espera-se que não ocorra resposta de dor a um estímulo inócuo, enquanto a resposta de dor
fibras Aß
alodinia Aδ ou C hiperalgesia a um estímulo nocivo será similar à resposta normal observada na dor fisiológica (Fonte: Luna SPL &
Carregaro AB. Anestesia e analgesia em equídeos, ruminantes e suínos. Ed Medvet 20182).
ê limiar Mecano- Nociceptor 1ária é resposta
SN periférico receptor de baixo limiar 2ária é área
é é é
Estímulo nocivo
Inflamação
2. Como avaliar a dor
B sensação
SNC inóqua dor No homem, a forma mais acurada de mensurar a dor é o autorrelato, processo não aplicável em
medicina veterinária4. Embora hajam escalas consagradas para avaliar a dor em cães e gatos, que
fibras contribuíram para aumentar o uso de analgésicos nessas espécies, a maioria dos veterinários no
fibras Aß
Aδ ou C
Brasil ainda considera o seu conhecimento na área insatisfatório5.
Mecanorreceptor Nociceptor
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Só se consegue tratar com eficácia a dor quando avalia-se de forma confiá-


Figura 2. Características da dor fisiológica (Imagem A) e da dor clínica ou patológica (Imagem B). A dor
vel6,7. Neste sentido as escalas são elaboradas para garantir o diagnóstico por
fisiológica serve para proteção, é de alto limiar, localizada e transitória. A dor clínica ou patológica envolve
determinarem a intensidade, a qualidade e a duração da dor, identificando os
dano em tecido periférico, com inflamação, é de baixo limiar (alodinia), envolve uma resposta exagerada
denominada hiperalgesia, que pode ser primária, que é o aumento da resposta de dor na área afetada, escores de resgate analgésico de forma precisa e homogênea entre diferentes
e/ou secundária, que é a dor presente em região mais abrangente que a área afetada (Fonte Luna SPL profissionais, o que garante que os animais beneficiem-se com o tratamento
& Carregaro AB. Anestesia e analgesia em equídeos, ruminantes e suínos. Ed Medvet 20182). e se possa avaliar sua eficácia6,7.

4 5
As escalas validadas internacionalmente para avaliar a dor aguda em cães são as da Universi- Quadro 2. Formulário curto da escala de dor multidimencional composta da UNESP-Botucatu para
dade de Melbourne8 e da Universidade de Glagow9. A última é bem mais simples e, pela experiência avaliação da dor aguda em gatos
do autor, mais confiável (Quadro 1). Para gatos, a escala para avaliar a dor pós-operatória é a da Descrição Escore
Unesp Botucatu7. Há exemplos de vídeos disponíveis no site www.animalpain.com.br, onde tam- Avalie a postura do gato no gatil por 2 minutos
bém pode-se imprimi-la (http://www.animalpain.com.br/assets/upload/escala-pt-br.pdf). Em casos
clínicos, pode-se também usar a escala de Glasgow10. Considerando-se que a escala anterior, já Natural, relaxado e/ou movimenta-se normalmente 0
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validada em gatos, é um pouco longa e inclui a pressão arterial, os autores estão desenvolvendo Natural mas tenso, não movimenta-se ou movimenta-se pouco ou está relutante
1
uma versão curta escala que será publicada em breve, mas que pode ser utilizada (Quadro 2). em mover-se
Postura arqueada e/ou decúbito dorso-lateral 2

Muda de posição frequentemente ou inquieto 3


Quadro 1. Escala curta de Glasgow para avaliação de dor aguda pós-operatória em cães9.

(I) Escore O gato contrai e estende os membros pélvicos e/ou contrai os músculos
abdominais (flanco)
Quieto 0
Os olhos do gato estão parcialmente fechados (não considere este item caso
Chorando/choramingando 1
presente até 1h após o fim da anestesia)
Gemendo 2
O gato lambe e/ou morde a ferida cirúrgica
A Gritando 3
Olhe para o cão dentro (II) O gato movimenta a cauda fortemente
do canil. O cão está: Ignorando a região dolorosa 0 Todos os comportamentos acima estão ausentes 0
Olhando a região dolorosa 1
Presença de um dos comportamentos acima 1
Lambendo a região dolorosa 2
Esfregando a região dolorosa 3 Presença de dois dos comportamentos acima 2
Mordendo a região dolorosa 4
Presença de três ou todos os comportamentos acima 3
(III)
B
Normal 0
Coloque a guia no cão e o retire Avalie o conforto, atividade e atitude após o gatil ser aberto e o quão atento
do canil. Quando o cão anda Manca 1 o gato está ao observador e/ou entorno
ele está: Devagar ou relutante 2
(em casos de não poder andar Confortável e atento 0
Rígido 3
pule para C)
Recusa a mover-se 4 Quieto e pouco atento 1
(IV) Quieto e não atento. O gato pode estar voltado para a parte de trás do gatil 2
Não faz nada 0
C Desconfortável, inquieto e pouco atento ou não atento. O gato pode estar voltado
Olha ao redor 1 3
para a parte de trás do gatil
Aplique uma pressão gentil Hesita/vacila 2
5 cm ao redor da região dolorosa.
O cão: Rosna ou protege a área 3
Avalie a reação do gato ao toque, seguido de pressão ao redor do local dolorido
Morde 4
Chora 5 Não reage 0
(V) Não reage quando o local doloroso é tocado, mas reage quando é pressionado
1
Feliz/contente 0 gentilmente

Quieto 1 Reage quando o local doloroso é tocado ou pressionado 2


Indiferente ou não responsivo ao ambiente 2 Não permite palpação 3
Nervoso ou ansioso ou com medo 3
D Depressivo ou irresponsivo ao estímulo 4
TOTAL
No geral, o cão está: (VI)
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Confortável 0 Resgate analgésico ≥ 4


Instável 1
Inquieto 2
Encurvado ou tenso 3
Rígido 4
Total
Resgate analgésico >4 quando não se avalia ítem B ou > 5 quando se avalia todos os ítens

6 7
Para avaliar a dor crônica de origem osteomuscular em cães, embora possa se usar escores de Quadro 4. Escala de qualidade de vida em cães com câncer12
claudicação, estes não são confiáveis mesmo quando avaliados por veterinários experientes11. Como
tratam-se de alterações comportamentais mais sutis, os tutores são os melhores avaliadores. Para tal 1. Você acha que a doença 5. Você acha que o seu animal 9. O seu animal tem vômitos?
atrapalha a vida do seu animal? sente dor?
recomenda-se usar a escala de Helsinque, já validada em português (Quadro 3). Uma outra escala não 0. ( ) sempre
0. ( ) muitíssimo 0. ( ) sempre 1. ( ) frequentemente
diretamente relacionada a dor, mas muito útil, pode ser usada para avaliar a qualidade de vida em animais 1. ( ) muito 1. ( ) frequentemente 2. ( ) raramente
2. ( ) um pouco 2. ( ) raramente 3. ( ) não
com câncer12 (Quadro 4). Sugere-se que ambas sejam respondidas pelos tutores em cada consulta ou 3. ( ) não 3. ( ) nunca
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semanalmente nas próprias residências, para que o veterinário possa acompanhar a evolução do trata-
mento por meio das diferenças em pontuação ao longo do tempo, comparado com a primeira consulta.
2. O seu animal continua fazendo 6. O seu animal tem apetite? 10. Como está o intestino do seu
as coisas que gosta (brincar, animal?
Quadro 3. Escala da Universidade de Helsinque para avaliar a dor em cães com osteoartrite . 13
passear...)?
0. ( ) não
1. ( ) só come forçado / 0. ( ) péssimo / funciona com
Estado geral do/a paciente agora 0. ( ) nunca mais fez só o que gosta dificuldade
Marque com um “X” apenas uma resposta para cada pergunta: aquela que melhor explica o estado de seu/sua cão/cadela na 1. ( ) raramente 2. ( ) pouco 1. ( ) ruim
semana passada. 2. ( ) frequentemente 3. ( ) normal 2. ( ) quase normal
3. ( ) normalmente 3. ( ) normal
1. Estado de ânimo está:
muito ativo ativo nem ativo, nem abatido abatido muito abatido
¨ ¨ ¨ ¨ ¨ 3. Como está o temperamento 7. O seu animal se cansa 11. O seu animal é capaz de se
do seu animal? facilmente? posicionar sozinho para fazer xixi
2. Vontade de participar de brincadeiras: 0. ( ) totalmente alterado 0. ( ) sempre e cocô?
com muita vontade com vontade relutante muito relutante não brinca 1. ( ) alguns episódios 1. ( ) frequentemente 0. ( ) nunca mais conseguiu
¨ ¨ ¨ ¨ ¨ de alteração 2. ( ) raramente 1. ( ) raramente consegue
2. ( ) mudou pouco 3. ( ) está normal 2. ( ) às vezes consegue
3. O cachorro/a cadela chora de dor: 3. ( ) normal 3. ( ) consegue normalmente
nunca dificilmente às vezes frequentemente muito frequentemente
¨ ¨ ¨ ¨ ¨
4. O seu animal manteve os 8. Como está o sono do seu 12. Quanta atenção o animal está
4. Facilidade em que o cão tem em andar: hábitos de higiene (lamber-se, animal? dando para a família?
muita facilidade com facilidade relutante muito relutante não anda p. ex.)? 0. ( ) muito ruim 0. ( ) está indiferente
¨ ¨ ¨ ¨ ¨ 0. ( ) não 1. ( ) ruim 1. ( ) pouca atenção
1. ( ) raramente 2. ( ) bom 2. ( ) aumentou muito (carênica)
5. Facilidade em que o cão tem em trotar: 2. ( ) menos que antes 3. ( ) normal 3. ( ) não mudou / está normal
muita facilidade com facilidade relutante muito relutante não trota 3. ( ) está normal
¨ ¨ ¨ ¨ ¨

6. Facilidade em que o cão tem em galopar:


muita facilidade com facilidade relutante muito relutante não galopa
¨ ¨ ¨ ¨ ¨ 4. Como tratar a dor com fármacos
7. Facilidade em que o cão tem em pular (por exemplo no sofá, no carro):
muita facilidade com facilidade relutante muito relutante não pula Uma vez avaliada a intensidade e o tipo de dor, procede-se o tratamento. Por experiência e em-
¨ ¨ ¨ ¨ ¨ basamento científico, as bases do tratamento farmacológico da dor aguda são os anti-inflamatórios
8. Facilidade em que o cão tem em deitar: não esteroides (AINEs), os opioides e os anestésicos locais.
com muita facilidade facilmente nem fácil, nem difícil com dificuldade com muita dificuldade
¨ ¨ ¨ ¨ ¨

9. Facilidade em que o cão se levanta de uma posição deitada:


Em todos os procedimentos cirúrgicos, por princípio, deveria-se realizar blo-
muito facilmente facilmente nem fácil, nem difícil com dificuldade com muita dificuldade queios anestésicos, pois assim impede-se a nocicepção na sua origem e mi-
¨ ¨ ¨ ¨ ¨ nimiza-se ou elimina-se a possibilidade de ocorrer dor neuropática pós-opera-
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10. Facilidade do cão em se movimentar após um longo descanso:


tória. Em adição deve-se também utilizar AINEs antes da cirurgia, para garantir
muito fácil facilmente nem fácil, nem difícil dificilmente muito dificilmente uma anestesia preventiva ou protetiva, a não ser em casos em que esta classe
¨ ¨ ¨ ¨ ¨ de fármacos seja contraindicada, como descrito a seguir. Já os opioides tam-
11. Facilidade do cão em se movimentar após exercício intenso ou pesado: bém devem ser empregados no pré e/ou no trans e pós-operatório. Estas três
muito fácil facilmente
algumas vezes
dificilmente muito dificilmente
classes de fármacos atuam em todas as vias da dor, daí sua importância para
com dificuldade garantir uma analgesia eficaz quando usados em conjunto.
¨ ¨ ¨ ¨ ¨

8 9
O tratamento farmacológico da dor crônica já é bem mais difícil e normalmente apenas paliativo,
Originalmente pensava-se que a COX-1 seria responsável em manter a homeos-
já que a eficácia da terapia antálgica é bem menor que na dor aguda.
tase e a COX-2 desencadearia a inflamação, entretanto hoje sabe-se que as duas
tem papel dúplice de acordo com o tecido. Assim o fato do AINE ser inibidor seleti-
4.1. Anestésicos locais vo de COX-2, não garante que não cause efeitos adversos ou que seja mais eficaz
ou seguro que os AINEs não seletivos.
Os anestésicos locais (AL) bloqueiam reversivelmente os impulsos nervosos aferentes e, desta
forma, causam perda transitória da sensibilidade dolorosa. Adicionalmente baixas doses de lidocaí- Os AINEs apresentam também outros mecanimos de ação além da inibição das COXs, como
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na IV são utilizadas para analgesia sistêmica e para potencializar em 40 a 70% a anestesia IV e ina- redução da hiperalgesia no SNC20, inibição de aminoácidos excitatórios, do metabolismo de endo-
latória em diversas espécies14. As técnicas de anestesia local podem ser encontradas em diversos canabinoides, aumento central da serotonina, ativação das vias opioides, α2-adrenérgicas e seroto-
livros textos na área de anestesiologia veterinária, bem como em websites desenvolvidos pelo autor ninérgicas inibitórias descendentes e inclusive atenuam a hipersensibilidade causada pelo N-metil
deste artigo https://www.youtube.com/channel/UCaDaAco76nwBq7BWEO-dLcA/videos. D-aspartato (NMDA)20,21,22, 23.

4.2. AINEs Partindo do princípio do hipotético efeito homeostásico da COX-1 e inflamatório da COX-2, há
uma tendência em se produzir fármacos que bloqueiem a COX-2, para que não haja inflamação,
4.2.1. Como agem?
mas que se garanta a homeostase. A classificação do AINE como seletivo, preferencial ou não se-
A inflamação está presente tanto na dor aguda como neuropática, assim os AINEs são os fár- letivo varia de acordo com a dose, os tecidos, as espécies e as técnicas de mensuração24.
macos preferenciais para tratar a dor, pois inibem os componentes da cascata inflamatória e geram
efeitos analgésico e antipirético. Já os efeitos adversos dos anti-inflamatórios esteroides limitam seu 4.2.2. Absorção
uso para este propósito. Como se tratam de sais de ácidos com alta lipossolubilidade no pH fisiológico (exceto o
mavacoxibe, que é uma base fraca), os AINEs são bem absorvidos por via oral, intramuscular
Os AINEs inibem a formação de prostaglandinas, que por um lado, pelo seu efeito vasodila-
e subcutânea25.
tador, garantem o fluxo sanguíneo aos órgãos, mas por outro lado, quando liberadas em gran-
de quantidade em resposta a um estímulo nocivo, ocasionam inflamação, pois a vasodilatação 4.2.3. Efeitos adversos
aumenta o aporte de sangue e de células inflamatórias no local lesionado e causa adesão de
Os AINEs são sem dúvida os fármacos mais eficazes para tratar a dor aguda e também apre-
neutrófilos ao endotélio. As prostaglandinas podem também aumentar a sensação de dor, pois
sentam efeito paliativo na dor crônica, entretanto também são os fármacos analgésicos que mais
acarretam hiperalgesia15.
causam efeitos adversos. Numa revisão recente26 em 55% (35 de 64) dos estudos clínicos e ex-
Na cascata inflamatória a oxigenação do ácido aracdônico, sob ação das enzimas prostaglandi- perimentais em cães tratados entre 1 e 120 dias, os AINEs desencadearam pelo menos um efeito
na sintases, também denominadas ciclo-oxigenases (COX), gera os prostanoides (prostaglandinas, adverso como vômito (30), diarreia (23), anorexia (11), letargia (5), melena (6), sangue nas fezes (4),
prostaciclinas e tromboxano). A maioria dos AINEs inibem predominantemente as COXs e, desta sangramento (3) e colite (3) (os números entre parêntese indicam o número de estudos no total de
forma, não se formam os prostanoides, o que evita a resposta inflamatória16. 64 cujos efeitos foram observados). Entretanto, quando se avalia cada AINE isoladamente, a inci-
dência de efeitos adversos atingiu menos que 5% dos animais em 65% dos estudos. Quando se
As COXs apresentam principalmente as isoformas 1 e a 2. A COX-1, também conhecida como compara os efeitos adversos em mais de 3.000 cães num total de 25 estudos, entre os AINEs e pla-
constitutiva, é expressa no sistema nervoso periférico e central e aumenta em resposta à dor e cebo, observa-se que apenas em 5 (20%) houve maior incidência de efeitos adversos nos animais
inflamação, pois catalisa a produção de tromboxano e prostaglandina Fα. A COX-2, denominada que receberam AINEs, dos quais os mais comuns foram lesões gastrointestinais, redução da agre-
induzível, é liberada em resposta ao dano e morte celular e gera a produção de PGE2 e prostaglan- gação de plaquetas, do consumo de alimento e do peso. A incidência de efeitos adversos é maior
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dina I217. Como a expressão máxima da COX-2 pelo RNA mensageiro tarda de 2 a 8 horas nos teci- em estudos clínicos do que experimentais (62 versus 38% respectivamente), possivelmente pela
dos periféricos, a liberação inicial de prostaglandina é causada primariamente pela COX-118. Deste idade dos animais e estado clínico por outras doenças intercorrentes, o que faz com que os AINEs
modo, os AINEs inibidores de COX-1 podem aliviar mais rapidamente a dor, pela inibição periférica sejam o maior fator predisponente em causar ulceração gastrointestinal em cães. Um efeito adverso
mais precoce da prostaglandina, do que os inibidores de COX-219. Já AINEs inibidores de COX-2 grave, como perfuração gastrointestinal ocorreu em apenas dois casos, em um por administração
podem ser importantes para prevenir a hiperalgesia central deflagrada pela PGE218. A COX-3 é uma de uma dose duas vezes maior que a recomendada de firocoxibe e em outro pelo tratamento si-
outra isoforma encontrada, até o momento, em cérebro e coração de cães e seres humanos16. multâneo com esteroide tópico. Outros estudos também reportaram o problema com o deracoxibe.

10 11
Uma outra alteração descrita é a toxicose hepática, entretanto este efeito ocorreu em apenas
1,6% de 805 cães tratados por 84 dias com carprofeno. Como estes animais já apresentavam
evidência de doença hepática prévia, na prática para o clínico, é importante monitorar a função
hepática antes de prescrever AINEs por um longo período de tempo. Para concluir e responder a pergunta para o clínico de qual AINE seria o mais
seguro, baseado na literatura disponível até o momento, o carprofeno, firocoxibe e
Do ponto de vista de efeito adverso renal diversos estudos demonstram que, por meio de ava-
meloxicam são os mais seguros para cães, e para os gatos aparentemente o melo-
liação de exames de patologia clínica e testes de função renal, não há evidência de efeito adverso
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xicam e o robenacoxibe são os mais seguros, desde que a posologia seja seguida
dos AINEs no rim, mesmo em animais hipovolêmicos ou sob hipotensão ou anestesia. Há também a risca. Nos gatos ao se usar o meloxicam por tempo prolongado recomenda-se
claras evidências que os AINEs não comprometem de forma importante o tempo de sangramento administrá-lo na dose de 0,02 a 0,03 mg/kg SID.
e a coagulação em cães. Ambas as evidências, quanto a aparente segurança renal e na coagulação
eliminam o falso argumento de não utilizar AINEs antes da anestesia em animais saudáveis, pela Na Tabela 1 pode-se observar a posologia recomendada dos AINEs em cães e gatos.
possibilidade de comprometerem estas funções. Desta forma em animais saudáveis, deve-se
utilizar AINEs antes da cirurgia para garantir uma analgesia preventiva. Tabela 1. Posologia do principais AINES utilizados em cães e gatos30,31

Em estudo com um grande número de animais a incidência de efeitos adversos com o uso de Doses
AINE
AINEs foi de 0,000003% (2231 de 748 milhões de doses) em cães e 0,32% (190 de 60.000 doses) Cães Gatos
em gatos respectivamente pela administração oral e 0,02% em ambas as espécies pela administra- 2,2 mg/kg, VO, SC, BID ou 4 mg/ 4 mg/kg, SC, IV, seguido
Carprofeno
ção injetável, que apesar de ser baixo, é bem superior ao reportado em seres humanos27. Embora kg, SID de 2 mg/kg (1 dia)
não hajam diferenças significativas entre os AINEs mais usados, como o cetoprofeno, carprofeno, 2 mg/kg seguido de 1 mg/kg,
Cetoprofeno 2 mg/kg, VO, SC, dose única
meloxicam e o firocoxibe quanto a mortalidade, observa-se que a formulação injetável causa uma VO, SC, SID (max. 5 dias)
porcentagem de efeitos adversos mais importantes e uma mortalidade aproximadamente 10 vezes Deracoxibe 1 a 2 mg/kg, VO, SID 1 mg/kg VO, dose única
maior que a oral (0,05-0,07% e 0,005% respectivamente). Para o clínico a constação prática é 25 mg/kg, IV, IM, SC, VO, TID 12,5 mg/kg BID ou 25 mg/kg SID
Dipirona
que sempre que possível deve-se administrar AINEs por via oral. ou BID IV, IM, SC, VO
Etodolac 10 a 15 mg/kg, VO, SID
Uma outra informação relevante ao clínico é que paradoxalmente os AINEs não co- 1 mg/kg, VO, SC, IM, SID por
xibes aparentemente causam menor incidência de vômitos e de óbito, o que questiona a Flunixin meglumine 1 mg/kg, VO, SC, IM, dose única
3 dias (máximo)
suposta maior segurança atribuída aos coxibes. 2 mg/kg VO (2ª dose após
Mavacoxibe
14 dias e depois mensal)
Quando compara-se cães e gatos, embora a incidência de insuficiência renal seja três vezes
0,2 mg/kg seguido de 0,1 mg/kg, 0,1 mg/kg (2-3 dias) seguido de
maior em felinos, para este e outros efeitos adversos não há diferenças significativas para os felinos Meloxicam
VO, SC, SID 0,025 mg/kg SID
em relação a espécie canina27. 10 mg/kg VO, BID
Paracetamol Não recomendado
(antiendotoxêmica)
No que concerne o uso prolongado de AINEs, em felinos com mais de sete anos tratados por mais
0,3 mg/kg, VO, SID (2x),
de seis meses, o meloxicam numa dose mediana de 0,02 mg/kg oral não reduziu a longevidade em Piroxicam 0,3 mg/kg, VO, SID (2x)
depois a cada 48h
gatos com doença renal estável pré-existente, ou mesmo naqueles com estágio II ou III da doença, Robenacoxibe 1-2 mg/kg, SC, SID 1-2 mg/kg, VO, SID
o que sugere que este fármaco é aparentemente seguro para tratar dor crônica nestes pacientes28,29. Tepoxalina 10 mg/kg, VO, SID
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4.2.4. Classificação dos AINEs Vedaprofeno 0,5 mg/kg, VO, dose única

Legenda: IV= intravenosa, SC= subcutâneo, IM= intramuscular, VO= via oral; SID – a cada 24 horas; BID – a cada 12 horas; TID - a cada 8 horas.
A classificação mais prática dos AINEs do ponto de vista clínico se baseia na inibição da COX.
São inibidores não seletivos o piroxicam, ibuprofeno, paracetamol, fenilbutazona, cetoprofeno,
ácido meclofenâmico e ácido tolfenâmico entre outros. São inibidores preferenciais de COX-2 o Em casos de uso prolongado de AINEs recomenda-se usar em cães e gatos omeprazol (0,5-
meloxicam e carprofeno, e inibidores seletivos de COX-2 os coxibes, como o firocoxibe, deraco- 1 mg/kg SID). Caso ocorram sinais de doença gastrointestinal pode-se associar ao omeprazol, a
xibe, robenacoxibe e mavacoxibe. ranitidina (2 mg/kg TID) e o sucralfato 0,5 g/gato e 1 g/cão BID, todos por via oral.

12 13
4.3. Opioides Quadro 6. Classificação dos opioides segundo as afinidades com os receptores e relação de potência
com a morfina3,32,34.
Os opioides ativam os receptores opioides μ, κ e δ e seus subtipos. São encontrados princi-
palmente no sistema nervoso central, mas também estão presentes em praticamente todos os Opioide Receptores

tecidos. Seu principal mecanismo de ação ocorre por ativação da proteína G inibitória (Gi) e seus Mi – μ Kappa – κ Delta – δ
efeitos estão descritos no quadro 5. Agonistas totais
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Morfina +++ + +
Quadro 5. Efeitos sistêmicos produzidos por opioides de acordo com o receptor3,22.
Fentanila +++ + o
Mi – μ Kappa – κ Delta – δ Alfentanila +++ + +
Analgesia Analgesia Sufentanila +++ + +
Euforia Disforia Depressão respiratória Remifentanila +++ + o

Sedação Meperidina +++ + +

Constipação Metadona +++ o o


Etorfina ++++ ++++ ++++
Termorregulação
Agonistas parciais
Depressão respiratória Diurese
Buprenorfina +++ o/-- -
Prurido; ê inflamação
Tramadol + + +
Imunomodulação Imunomodulação
Agonistas-antagonistas
Fonte: Luna SPL & Carregaro AB. Anestesia e analgesia em equídeos, ruminantes e suínos. Ed Medvet 20182.
Butorfanol - +++ +
Nalbufina -- ++ o
Os efeitos dos opioides ocorrem segundo a afinidade aos receptores e a atividade intrínseca. O pri-
meiro é a capacidade do fármaco em se ligar ao receptor e o segundo a sua capacidade em promover Antagonistas
o efeito. Desta forma há opioides agonistas totais, parciais, agonistas-antagonistas e antagonistas (Qua- Naloxona --- -- --
dro 6). Os agonistas totais caracterizam-se pela alta afinidade e atividade intrínseca para um ou mais Naltrexona --- -- -
receptores opioides, com efeito dose-dependente. Enquadram-se neste grupo os opioides clássicos.
Os dois principais efeitos adversos dos opioides são a êmese e a liberação de histamina, o
Os agonistas parciais são aqueles que apresentam afinidade limitada pelos receptores μ e os
que desencadeia vasodilatação. Pela experiência do autor e de acordo com a literatura, a morfina
agonistas-antagonistas apresentam atividade intrínseca pelos receptores κ, mas não pelos μ. De for-
é o opioide que mais causa êmese. Quanto a liberação de histamina todos os opioides produzem
ma diversa dos agonistas totais, os agonistas parciais e os agonistas-antagonistas apresentam efeito-
liberação de histamina em diferentes intensidades. Aparentemente a campeã é a meperidina, se-
-teto, onde a partir de uma determinada dose não há aumento da intensidade dos efeitos e pode
guida da morfina e demais opioides agonistas totais. No que concerne a depressão respiratória,
inclusive, ocorrer o inverso, isto é, desencadearem hiperalgesia. Neste grupo de agonistas parciais
encontram-se a buprenorfina e a nalbufina e no grupo dos agonistas-antagonistas o butorfanol. Con- este efeito é mais importante para os opioides do grupo fentanila, entretanto como os mesmos são
trariamente ao que muitos pensam, a potência relaciona-se à dose e não à eficácia. Desta forma não utilizados apenas durante o trans-anestésico e são de curta duração, basta manter os animais sob
necessariamente um fármaco mais potente tem melhor eficácia. Por exemplo, embora a buprenorfina ventilação controlada neste período.
e o butorfanol sejam mais potentes que a morfina, esta última é mais eficaz. Por outro lado tanto os
A morfina é o “padrão ouro” dos opioides, tanto por ser a mais antiga, como pela sua reconhe-
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opioides agonistas parciais, como os agonistas-antagonistas apresentam menos efeitos adversos.


cida atividade analgésica. É amplamente utilizada por via epidural pois garante em doses baixas (0,1
Os opioides antagonistas, como a naloxona, apresentam alta afinidade, mas nenhuma atividade mg/kg), analgesia de longa duração por ao redor de 16 horas.
intrínseca, ou seja, se ligam ao receptor sem desencadearem nenhuma ação e, desta forma, por com-
petirem com os receptores, bloqueiam os efeitos dos agonistas totais. Em situações clínicas pode-se A metadona é um opioide sintético que, além de ter ação agonista em receptores μ, é duas
usar o butorfanol para reverter os efeitos indesejáveis dos opioides agonistas totais, já que ele age vezes mais potente que a morfina31. Adicionalmente à ação opioide, a metadona é antagonista dos
como antagonista μ. receptores N-metil-D-aspartato (NMDA)35 e inibe a recaptação de serotonina e norepinefrina36.

14 15
A fentanila e sua família (alfentanila, sufentanila e remifentanila) são agonistas totais μ altamente Tabela 2. Posologia do principais opioides utilizados em cães e gatos34
lipossolúveis. Apresentam curta latência e ação, são normalmente usados em bolus ou infusão con-
Doses Via de Período de ação
tínua durante a anestesia. A fentanila também está disponível sob a forma de adesivo transdérmico, Fármacos
Cão Gato administração (horas)
que proporciona efeito duradouro. Neste caso apresenta-se em concentrações entre 2 e 16,8 mg,
com liberação entre 12 e 100 μg/h. Seu efeito analgésico já se inicia a partir de 2 horas, mas de forma Agonistas puros

mais evidente em 12 horas, com duração de ao redor de 96 horas tanto em cães como em gatos. IM, SC ou IV
0,5-1 ou 0,5 +
0,2-0,3 mg/kg (infusão), epidural 4-6
Avaliação E tratamento da dor aguda e crônica em cães e gatos

Morfina 0,1-1 mg/kg/hr


A meperidina apresenta uma fraca potência de 10 vezes menor que a morfina e curta duração. (0,1 mg/kg)

Emprega-se principalmente para sedação antes da anestesia, dado seu fraco efeito analgésico deve- 0,1 mg/kg 0,1 mg/kg Epidural Até 18 horas
-se sempre complementá-la com analgesia trans e pós-operatória. É dentre os opioides provavel- Meperidina 3-5 mg/kg 1-3 mg/kg IM, SC 0,75-2
mente o que mais causa liberação de histamina. Metadona 0,2-0,3 mg/kg 0,2 mg/kg IM, IV 3-4
Oximorfona 0,05-0,2 mg/kg 0,03-0,1 mg/kg IM, IV 3-4
A buprenorfina é um agonista parcial μ com quase nenhuma afinidade pelos receptores κ e δ. Hidromorfona 0,1-0,4 mg/kg 0,05-0,1 mg/kg IM, IV 3-4
Apresenta efeito-teto e é muito usada em cães e gatos para analgesia pós-operatória, pela prolon- 5 μg/kg + 3-6 μg/ 2 μg/kg + 2-3 μg/
gada duração de 8 a 12 horas. Infelizmente no Brasil é encontrada apenas sob a forma de adesivos, IV Infusão
Fentanila kg/hr kg/hr
que não apresentam vantagens em relação ao adesivo de fentanil. 2 μg/kg Epidural 4-6
5 μg/kg + 0,5 μg/
O tramadol caracteriza-se por um mecanismo de ação diferente em relação aos outros opioides. Alfentanila 1 μg/kg/min IV Infusão
kg/min
Sua baixa afinidade aos receptores opioides μ e nenhuma afinidade aos receptores κ e δ37, sugere
5 μg/kg + 0,1 μg/ 0,1 μg/kg + 0,01
que sua analgesia pela via opioide ocorra pelo seu principal metabólito, o-desmetiltramadol (M1), que Sufentanila IV Infusão
kg/min μg/kg/min
apresenta 10% da potência da morfina como agonista dos receptores μ. Já a via não opioide de anal- Remifentanila 0,6 μg/kg/min 0,2 μg/kg/min IV Infusão
gesia ocorre pelo seu isômero O (+)-tramadol que inibe a recaptação de serotonina e O (-)-tramadol, Agonista-antagonista
que inibe a receptação de noradrenalina38. Tendo em vista tal mecanismo desaconselha-se usá-lo Butorfanol 0,2-0,4 mg/kg 0,1-0,4 mg/kg IM, SC, IV 1-3
em associação a antidepressivos tricíclicos, como a amitriptilina e outros fármacos que apresentam Agonistas parciais
o mesmo mecanismo de ação, por conta do risco de ocorrer a síndrome seratoninérgica e desenca- Nalbufina 0,3-0,5 mg/kg 0,03-0,1 mg/kg IM, SC, IV 3-4
dear convulsões. Esta via não opioide de analgesia é particularmente importante em cães, pois nesta IM, SC, IV,
espécie ocorre baixa biotransformação do fármaco, enquanto que em felinos ocorre maior produção Buprenorfina 0,01-0,05 mg/kg 0,01-0,03 mg/kg 4-12
sublingual £
do metabólito M1. Uma outra vantagem do tramadol em gatos é que a sua biodisponibilidade é maior Antagonista
que em cães (93 versus 65%). Estas diferenças sugerem que o efeito analgésico do tramadol, Naloxona 5-15 µg/kg 5-15 µg/kg IV 1
baseado na via opioide, é mais intenso em gatos que em cães, o que requer que a dose Analgésico opoioide e não opioide
para cães seja mais que o dobro e deve-se aguardar em torno de 2 horas após administra- Tramadol 4-5 mg/kg 2 mg/kg IM, SC, VO 6-8
ção intramuscular para atingir o pico da concentração plasmática do metabólito M1.

O butorfanol é um opioide sintético agonista κ e antagonista μ, cinco vezes mais potente que a Dor Crônica
morfina. Embora apresente menos efeitos adversos, por ser antagonista μ, sua analgesia é limitada e Para tratar a dor crônica, além de todas as opções anteriormente citadas para tratar a dor agu-
é normalmente usado em pequenos animais para sedação juntamente com sedativos e/ou tranqui- da, embora hajam poucas evidências científicas, os fármacos mais indicados são em ordem de efi-
lizantes. Também pode ser usado na clínica como antagonista dos efeitos adversos, especialmente
cácia a gabapentina, a amantadina e a amitriptilina (Tabela 3). A gabapentina é um gabaérgico que
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excitação, causados pelos agonistas totais, como a morfina e a metadona.


aumenta a síntese e reduz a degradação do GABA, bloqueia os canais de cálcio pré-sinápticos, o
Outros fármacos que podem ser empregados para tratar a dor aguda são os agonistas de adre- que reduz a liberação de neurotransmissores excitatórios e ainda atua como antagonista de NMDA,
norreceptores α2, a acepromazina, pelo seu efeito sinérgico com os opioides e em especial a ceta- este último efeito compartilhado pela amantadina. Já a amitriptilina e outros antidepressivos
mina. Na experiência do autor a cetamina (1-2,5 mg/kg IM), pelo seu efeito antagonista de receptores tricíclicos diminuem a recaptação de serotonina e noradrenalina, por este motivo, evita-se associar
NMDA é uma ótima opção para resgate analgésico em casos de dor pós-operatória que não respon- com o tramadol. Como efeitos adversos, estes fármacos podem causar sedação e ganho de peso
dem bem aos AINEs e opioides. no caso da amitriptilina e gabapentina e ataxia no caso da gabapentina.

16 17
Tabela 3. Posologia de fármacos analgésicos adjuvantes utilizados para tratar a dor crônica em cães
e gatos30.

Doses (mg/kg) Via de


Fármacos Frequência
Cão Gato administração

Gabapentina 4-10 VO TID INDICAÇÕES


Anti-inflamatório, analgésico e
Avaliação E tratamento da dor aguda e crônica em cães e gatos

Amantadina 3-5 VO BID ou SID antitérmico para cães e gatos.


Amitriptilina 0,5-4 VO BID ou SID

A Figura 4 demonstra a sequência preferencial da escada de tratamento farmacológico de dor


crônica ou neuropática.

INDICAÇÕES
AINE Anti-inflamatório, analgésico
Opioide e antitérmico para cães.
AINE ± dipirona
AINE Opioide ± gabapentina
AINE Opioide fraco ± dipirona ± amantadina
± dipirona ± dipirona ± gabapentina ± amitriptilina
Cloridrato de Tramadol
INDICAÇÕES
Analgésico opioide indicado para o alívio da dor nos quadros
Dor persistente Dor persistente Dor persistente agudos e crônicos e no protocolo pós-cirúrgico de cães e gatos.
Dor
ou aumentando ou aumentando ou aumentando

Figura 4. Escada de tratamento da dor crônica ou neuropática: inicia-se por AINE, depois associa-
-se se necessário à dipirona, seguido de um opioide, gabapentina, amantadina e por fim amitriptili-
na. O sinal de ± indica que ao se incluir um novo fármaco pode-se ou não excluir o anterior.

INDICAÇÕES
Anti-inflamatório, analgésico e
antitérmico para cães e gatos.
ConclusÕES
O tratamento farmacológico da dor aguda é normalmente eficaz e se baseia nos AINEs,
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opioides e anestésicos locais. Recomenda-se que, desde que não haja contraindicação,
em todas as cirurgias sejam utilizados estes três fármacos no pré-operatório, opioides
e anestésicos locais sob a forma de infusão no trans-operatório e opioides e AINEs no
pós-operatório. Já para a dor crônica além dos AINEs e opioides, pode-se usar a gaba- INDICAÇÕES
pentina, amantadina e amitriptilina. Salienta-se que a prevenção da dor é fundamental Antiácido à base de Omeprazol,
para evitar a progressão para dor neuropática, que é de tratamento difícil ou impossível. indicado para cães e gatos.

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Material dirigido direto e unicamente a profissionais Médicos Veterinários e equipe de vendas.

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