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M978i Murphy, Kenneth.

Imunobiologia de Janeway [recurso eletrônico] / Kenneth


Murphy ; tradução: Denise C. Machado, Gaby Renard,
Lucien Peroni Gualdi ; revisão técnica: Denise C. Machado. –
8. ed. – Dados eletrônicos. – Porto Alegre : Artmed, 2014.

Editado também como livro impresso em 2014.


ISBN 978-85-8271-040-1

1. Ciências biológicas. 2. Imunologia. 3. Imunobiologia.


I. Título.

CDU 577.27

Catalogação na publicação: Ana Paula M. Magnus – CRB 10/2052

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Apêndice I Ferramentas dos Imunologistas 723

Detecção, quantificação e caracterização dos anticorpos


e seu uso como ferramentas para pesquisa e diagnóstico
A.5 Cromatografia de afinidade
Um anticorpo específico pode ser isolado de um antissoro pelo emprego da cro-
matografia de afinidade, que utiliza a ligação específica do anticorpo ao antígeno
fixado em uma matriz sólida (Fig. A.5). O antígeno é ligado de forma covalente a pe-
quenas esferas quimicamente reativas que são colocadas em uma coluna; o antisso-
ro passará, então, pelas esferas. O anticorpo específico irá ligar-se ao antígeno fixa-
do, enquanto todas as outras proteínas do soro, incluindo anticorpos contra outras
substâncias, são lavadas da coluna. Os anticorpos específicos são, então, eluídos,
em geral pela redução do pH para 2,5 ou pelo aumento do pH para valores acima
de 11. Isso demonstra que os anticorpos se ligam, de forma estável, sob condições
fisiológicas de concentração de sais, temperatura e pH, mas as ligações são reversí-
veis pois as pontes são não covalentes. A cromatografia de afinidade também pode
ser utilizada para purificar antígenos de misturas complexas, por meio da ligação de
anticorpo específico às esferas. A técnica é conhecida como cromatografia de afini-
dade porque separa as moléculas com base na afinidade de uma pela outra.

A.6 Radioimunensaio, ensaio imunoenzimático e ensaio de inibição


competitiva
O radioimunensaio (RIA, do inglês radioimmunoassay) e o ensaio imunoenzimá-
tico (ELISA, do inglês enzyme-linked immunosorbent assay) são ensaios de ligação
direta a anticorpos (ou a antígenos); ambos usam o mesmo princípio, mas o meio de
detectar a ligação específica é diferente. O RIA é normalmente utilizado para medir
os níveis de hormônio no sangue e em líquidos teciduais, ao passo que o ELISA é
frequentemente utilizado no diagnóstico viral, por exemplo, para detectar casos de
infecção com o vírus da imunodeficiência humana (HIV, do inglês human immu-
nodeficiency virus), agente causador da síndrome da imunodeficiência adquirida
(Aids, do inglês acquired immunodeficiency syndrome). Para ambos, é necessária
uma preparação pura de um antígeno ou de um anticorpo conhecido, ou ambos,
para padronizar o ensaio. O ensaio será descrito com uma amostra de anticorpo
puro, que é o caso mais comum, mas, se for utilizado antígeno puro, o princípio é o
mesmo. No RIA para um antígeno, um anticorpo puro contra o antígeno é marcado
radioativamente, em geral com 125I. Para o ELISA, uma enzima é quimicamente liga-
da ao anticorpo. O componente não marcado, que nesse caso é o antígeno, é ligado
a um suporte sólido, como um poço de uma microplaca, que adsorverá uma deter-
minada quantidade de qualquer proteína.

Anticorpo contra antígeno Adicionar uma mistura Eluir moléculas com


Lavar moléculas não ligadas
A ligado a esferas de moléculas ligação específica

Mistura sem Antígeno


o antígeno A A purificado

Figura A.5 A cromatografia de afinidade usa a ligação antígeno-anticorpo ticorpo específico; as outras moléculas são lavadas. O antígeno de interesse será,
para purificar antígenos ou anticorpos. Para purificar um determinado antíge- então, eluído por alteração do pH, que, em geral, rompe as ligações anticorpo-
no dentro de uma mistura complexa de moléculas, usa-se um anticorpo monoclo- -antígeno. Os anticorpos podem ser purificados da mesma forma, com antígenos
nal ligado a uma matriz insolúvel, como as esferas de cromatografia. A mistura ligados a esferas (não mostrado).
será, então, passada pela matriz, para que o antígeno de interesse se ligue ao an-

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O anticorpo marcado pode ligar-se ao antígeno não marcado, sob condições nas
Adicionar anticorpo anti-A
covalentemente conjugado à enzima quais a adsorção inespecífica é bloqueada; todos os anticorpos não ligados e ou-
tras proteínas são retirados por lavagens. A ligação do anticorpo, no RIA, é medida
diretamente pela quantidade de radioatividade retida nos poços, ao passo que no
ELISA a ligação é medida por uma reação que converte um substrato incolor em um
produto colorido (Fig. A.6). A mudança de cor pode ser lida diretamente na placa
na qual ocorreu, facilitando a coleta de dados. O ELISA também evita os perigos do
uso da radiação, o que o torna o método preferido da maioria dos ensaios de liga-
Amostra 1 Amostra 2 ção direta. A marcação de anticorpos anti-imunoglobulinas (ver Seção A.10) pode
(antígeno A) (antígeno B)
também ser utilizada no RIA ou no ELISA para detectar a ligação de um anticorpo
não marcado a antígenos não marcados ligados a placas. Nesse caso, o anticorpo
Lavar o anticorpo não ligado
anti-imunoglobulina marcado é utilizado em uma “segunda camada”. O uso dessa
segunda camada amplifica o sinal, pois pelo menos duas moléculas de anticorpo
anti-imunoglobulina são capazes de se ligarem a cada anticorpo não marcado. O
RIA e o ELISA também podem ser desenvolvidos com anticorpos não marcados li-
gados à placa, e o antígeno marcado é adicionado.
Uma modificação do ELISA conhecida como técnica de ELISA sanduíche ou de
captura (ou, geralmente, ensaio de captura do antígeno) pode ser empregada para
detectar produtos secretados, como citocinas. Em vez de ligar o antígeno direta-
A enzima torna corado o mente à placa, são ligados anticorpos específicos para o antígeno. Eles são capa-
substrato incolor
zes de ligar o antígeno com alta afinidade, e de concentrá-lo na superfície da placa,
mesmo com antígenos que se encontram em baixíssimas concentrações na mistura
inicial. Um anticorpo distinto marcado que reconhece um epítopo diferente do an-
teriormente mobilizado na placa é utilizado para detectar o antígeno ligado.
Esses ensaios ilustram dois aspectos cruciais de todos os ensaios sorológicos. Pri-
meiro, pelo menos um dos reagentes deve estar disponível em forma pura e detectá-
vel, permitindo a obtenção de informações quantitativas. Segundo, deve haver uma
maneira de separar a fração ligada do reagente marcado da fração não ligada (livre),
Medir a absorção da luz de forma que a porcentagem de ligação específica possa ser determinada. Normal-
pelo produto corado
mente essa separação é obtida pela fixação do componente não marcado ligado ao
suporte sólido. As moléculas marcadas que não se ligam podem ser, então, lavadas,
Figura A.6 Princípio do ensaio imunoenzi-
deixando apenas o componente marcado que se ligou. Na Figura A.6, o antígeno
mático (ELISA). Para identificar o antígeno A, o
anticorpo específico purificado para o antígeno A não marcado é fixado ao poço, e o anticorpo marcado é capturado ao ligar-se a ele.
é ligado quimicamente a uma enzima. As amostras A separação do componente ligado do componente livre é uma etapa essencial de
a serem testadas são colocadas sobre a superfí- todos os ensaios que usam anticorpos.
cie de poços plásticos, aos quais se ligam ines-
pecificamente; locais de adesividade residual são
O RIA e o ELISA não permitem que a quantidade de antígeno ou anticorpo em uma
bloqueados pela adição de proteínas irrelevantes amostra de composição desconhecida seja medida diretamente, pois ambos depen-
(não mostrado). O anticorpo marcado é, então, adi- dem da ligação de um antígeno ou anticorpo puro e marcado. Existem diversas ma-
cionado aos reservatórios sob condições nas quais neiras de contornar esse problema, e uma delas é o uso de um ensaio de inibição
se evita a ligação inespecífica, de modo que ape- competitiva, conforme mostrado na Figura A.7. Nesse tipo de ensaio, a presença
nas o antígeno A retém o anticorpo na superfície. e a quantidade de um antígeno em uma amostra desconhecida são determinadas
O anticorpo marcado não ligado é removido dos pela sua habilidade de competir com um antígeno marcado pela ligação a um an-
reservatórios por lavagem, enquanto o anticorpo
ticorpo fixado à placa. Uma curva-padrão é inicialmente construída pela adição de
ligado é detectado por uma reação de troca de co-
loração enzima-dependente. Esse ensaio permite quantidades variáveis de uma preparação-padrão conhecida e não marcada. O en-
que séries de poços, conhecidas como placas de saio pode, então, medir a quantidade do antígeno em amostras desconhecidas por
microtitulação, sejam lidas em espectrofotômetros comparação à curva-padrão. O ensaio de inibição competitiva também pode ser uti-
multicanais de fibras ópticas, o que aumenta mui- lizado para medir anticorpos em uma amostra de composição desconhecida pela
to a rapidez do teste. Modificações desse ensaio fixação do antígeno apropriado ao poço e pela medição da habilidade da amostra
básico possibilitam que anticorpos ou antígenos em teste de inibir a ligação de um anticorpo específico marcado.
sejam medidos em amostras desconhecidas, como
mostrado nas Figuras A.7 e A.30 (ver também Se-
ção A.10). A.7 Hemaglutinação e tipagem sanguínea
A maioria dos ensaios sorológicos quantitativos utiliza a medição direta da ligação
do anticorpo ao antígeno. Entretanto, alguns ensaios importantes baseiam-se na ca-
pacidade de a ligação do anticorpo alterar o estado físico do antígeno ao qual se liga.
Essas interações secundárias podem ser detectadas de diversas formas. Por exem-
plo, quando um antígeno é exposto na superfície de uma grande partícula, como

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Apêndice I Ferramentas dos Imunologistas 725

Figura A.7 Ensaio de inibição competitiva


Anticorpo anti-A ligado 100 para antígenos em amostras desconheci-
% de das. Uma quantidade determinada de anticorpo
controle não marcado é ligada a um conjunto de poços, e
de ligação uma preparação-padrão de referência de um antí-
1 2
geno marcado é ligada a ele. Adiciona-se o padrão
não marcado ou as amostras-teste em quantida-
50 des variáveis, sendo medido o deslocamento do
antígeno marcado, o que origina curvas de inibição
características. Obtém-se uma curva-padrão me-
diante o emprego de quantidades conhecidas de
Adicionar Adicionar antígeno Curva-
antígeno não marcado, idêntico ao que é utilizado
antígeno A marcado + antígeno -padrão
A marcado não marcado como espécie marcada; a comparação com essa
0 curva permite que seja calculada a quantidade do
antígeno em amostras desconhecidas. A linha ver-
Quantidade adicionada de competidor
de do gráfico representa uma amostra destituída
de qualquer substância com reação cruzada com
anticorpos anti-A.
Competir com

Lavar o antígeno não ligado Concentração Mistura contendo


conhecida de baixa concentração
antígeno A de antígeno A

Curva-padrão Menos inibição


Medir o marcador ligado Curva 1 Curva 2

uma bactéria, os anticorpos podem fazer as bactérias aglutinarem. O mesmo prin-


cípio aplica-se às reações utilizadas na tipagem sanguínea, mas aqui os antígenos
visados são os da superfície das hemácias. A reação de aglutinação causada pelos
anticorpos contra esses antígenos é chamada hemaglutinação (do grego haima
[sangue]).
A hemaglutinação é utilizada para determinar o grupo sanguíneo ABO entre doa-
dores e receptores de sangue. A aglutinação é induzida por anticorpos ou aglutini-
nas chamadas anti-A ou anti-B que se ligam ao grupo sanguíneo A ou B, respectiva-
mente (Fig. A.8). Esses antígenos de grupo sanguíneo estão arranjados em múltiplas
cópias na superfície da hemácia, fazendo as células se aglutinarem quando sofrem
reação cruzada com os anticorpos. Visto que a hemaglutinação envolve a reação
cruzada de hemácias pela ligação simultânea de anticorpo a antígenos idênticos em
células diferentes, essa reação também demonstra que cada molécula de anticorpo
deve ter pelo menos dois sítios idênticos de ligação ao antígeno.

A.8 Reação de precipitação


Quando quantidades suficientes de anticorpo são misturadas com antígenos ma-
cromoleculares solúveis, pode-se formar um precipitado visível, constituído de
grandes agregados antígeno-anticorpo. A quantidade de precipitado depende das
quantidades de antígeno e anticorpo e da proporção entre eles (Fig. A.9). Essa rea-
ção de precipitação proporcionou o primeiro ensaio quantitativo para anticorpos,
mas raramente é utilizada na imunologia. Entretanto, é importante entender a in-
teração do antígeno com o anticorpo que leva a essa reação, pois a produção de

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726 Apêndice I Ferramentas dos Imunologistas

Figura A.8 A hemaglutinação é utilizada para


identificar os grupos sanguíneos e parear doa- Hemácias de indivíduos do tipo
dores e receptores compatíveis para transfusão
de sangue. As bactérias da flora intestinal têm
antígenos similares ou idênticos aos antígenos do O A B AB
grupo sanguíneo. Essas bactérias estimulam a for-
mação de anticorpos contra esses antígenos nos
indivíduos que não têm o antígeno correspondente Expressam as estruturas de carboidrato
em suas próprias hemácias (coluna à esquerda);
assim, indivíduos do tipo O, que não têm A e B, R – GlcNAc – GaI – GaINAc
têm anticorpos anti-A e anti-B, ao passo que os R – GIcNAc – GaI R – GIcNAc – GaI – GaINAc R – GlcNAc – GaI – GaI Fuc
Soro de indivíduos +
indivíduos do tipo AB são destituídos de ambos os Fuc Fuc Fuc R – GIcNAc – GaI – GaI
do tipo
anticorpos. O padrão de aglutinação das hemácias Fuc

de um doador ou receptor de anticorpos anti-A e O


anti-B revela o grupo sanguíneo ABO do indivíduo. Ausência de Aglutinação Aglutinação Aglutinação
Antes da transfusão, o soro do receptor também é Anticorpos anti-A aglutinação
testado quanto aos anticorpos que aglutinam as e anti-B
hemácias do doador, e vice-versa, procedimento A
conhecido como pareamento cruzado, que pode Ausência de Ausência de
Aglutinação Aglutinação
detectar anticorpos potencialmente prejudiciais aglutinação aglutinação
Anticorpos anti-B
contra outros grupos sanguíneos que não fazem
parte do sistema ABO. B
Ausência de Aglutinação Ausência de Aglutinação
aglutinação aglutinação
Anticorpos anti-A

AB
Ausência de Ausência de Ausência de Ausência de Ausência de
anticorpos aglutinação aglutinação aglutinação aglutinação
contra A ou B

complexos antígeno:anticorpo, também conhecidos como complexos imunes,


ocorre in vivo em praticamente todas as respostas imunes, e pode, às vezes, causar
patologias significativas (ver Caps. 14 e 15).
Na reação de precipitação, várias quantidades de antígeno solúvel são adicionadas
a uma quantidade fixa de soro contendo o anticorpo. Conforme a quantidade de
antígeno aumenta, a quantidade de precipitado produzida também aumenta até
um valor máximo, para depois diminuir (ver Fig. A.9). Quando pequenas quanti-
dades de antígeno são adicionadas, os complexos antígeno:anticorpo são formados
sob condições de excesso de anticorpo, de forma que cada molécula de antígeno
está amplamente ligada por anticorpos e com ligação cruzada a outras moléculas
de antígeno. Quando grandes quantidades de antígeno são adicionadas, formam-se
apenas pequenos complexos antígeno:anticorpo, muitas vezes solúveis nessa zona
de excesso de antígeno. Entre essas duas zonas, todo o antígeno e o anticorpo será
precipitado, gerando uma zona de equivalência. Na zona de equivalência, grandes
mosaicos de antígeno e anticorpo são formados por ligação cruzada. Embora todos
os complexos antígeno:anticorpo possam potencialmente causar doença, os peque-
nos complexos imunes solúveis formados na zona de excesso de antígeno podem
persistir e causar doenças in vivo.
Excesso de Excesso
anticorpo
Equivalência
de antígeno A reação de precipitação pode ser afetada pelo número de sítios de ligação que cada
anticorpo tem para seu antígeno e pelo número máximo de anticorpos que podem
ser ligados por uma molécula de antígeno ou partícula em determinado momento.
Essas quantidades são definidas como a valência do anticorpo e do antígeno: a va-
Quantidade de anticorpo precipitado

lência, tanto de anticorpo como de antígeno, deve ser maior do que dois antes que

Figura A.9 O anticorpo pode precipitar antígenos solúveis. A análise do precipitado pode ser utilizada para
criar uma curva de precipitação. Diferentes quantidades de antígeno são adicionadas a uma quantidade fixa de
anticorpo, formando precipitados devido à interação das moléculas dos dois reagentes. O precipitado é recupe-
rado e quantitativamente avaliado quanto ao anticorpo, e o sobrenadante é testado para antígenos ou anticorpos
residuais. Isso define zonas de excesso de anticorpo, de equivalência e de excesso de antígeno. Na zona de
equivalência, formam-se os maiores complexos antígeno:anticorpo. Na zona de excesso de antígeno, alguns dos
Quantidade de antígeno acrescentado complexos formados são muito pequenos para precipitarem. Esses complexos imunes solúveis podem causar
danos aos pequenos vasos sanguíneos quando se formam in vivo (ver Cap. 15).

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