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Superior Tribunal de Justiça

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AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.286.202 - GO (2018/0101145-8)

RELATOR : MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA


AGRAVANTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS
INTERES. : JUIZO DE DIREITO DO PRIMEIRO JUIZADO ESPECIAL
CIVEL E CRIMINAL DA COMARCA DE RIO VERDE
INTERES. : JUÍZO DE DIREITO DO JUIZADO DE VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA CONTRA A MULHER DA COMARCA DE RIO
VERDE
INTERES. : ORLEI CAMILO DOS SANTOS

DECISÃO
Trata-se de agravo interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO
ESTADO DE GOIÁS em adversidade à decisão que inadmitiu recurso especial
manejado contra acórdão do Tribunal de Justiça local, cuja ementa é a seguinte
(e-STJ fl. 195):

Conflito negativo de competência em face de decisão que determinou a


redistribuição do feito sob o argumento de não se tratar de matéria
relativa a violência doméstica contra a mulher. 1 - Para os efeitos da
Lei Maria da Penha, é necessária a demonstração que a violência
contra a mulher tenha se dado em razão do gênero e em contexto de
hipossuficiência ou vulnerabilidade da vítima (mulher) em relação a
seu agressor (homem ou mulher). No caso dos autos, a violência não
se deu em razão do gênero, mas sim, por desavenças entre mãe e filho.
Ausência de violência de gênero que afasta a competência do Juizado
da Violência Doméstica contra a Mulher. 2 - Conflito de competência
improcedente. Parecer desacolhido.

Nas razões do recurso especial, fundado na alínea "a" do permissivo


constitucional, alega a parte recorrente violação do artigo 5º da 11.340/2006.
Sustenta que a ação do recorrido, a qual causou sofrimento psicológico e físico à
sua mãe, caracteriza violência de gênero que reclama aplicação da Lei Maria da
Penha (e-STJ fl. 212).

Apresentadas contrarrazões (e-STJ fls. 228/236), o Tribunal a quo


não admitiu o recurso especial (e-STJ fls. 243/244), tendo sido apresentado o
presente agravo.

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Publicação no DJe/STJ nº 2545 de 30/10/2018. Código de Controle do Documento: E3F70F46-92C3-462A-A6DA-25F1B42D6E20
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O Ministério Público Federal, instado a se manifestar, opinou pelo


provimento do recurso (e-STJ fls. 274/279).
É o relatório. Decido.

Preenchidos os requisitos formais e impugnado o fundamento da


decisão agravada, conheço do agravo.

O recurso merece acolhida.

Nos termos do art. 4º da Lei Maria da Penha, ao se interpretar a


referida norma, deve-se levar em conta os fins sociais buscados pelo legislador,
conferindo à norma um significado que a insira no contexto em que foi concebida.

Esta Corte possui entendimento jurisprudencial no sentido de que a


Lei nº 11.340/2006, denominada Lei Maria da Penha, objetiva proteger a mulher da
violência doméstica e familiar que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual
ou psicológico, e dano moral ou patrimonial, desde que o crime seja cometido no
âmbito da unidade doméstica, da família ou em qualquer relação íntima de afeto
(AgRg no REsp 1427927/RJ, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, QUINTA TURMA,
julgado em 20/03/2014, DJe 28/03/2014).

Nesse contexto, é de se ter claro que a própria Lei n. 11.340/2006, ao


criar mecanismos específicos para coibir e prevenir a violência doméstica praticada
contra a mulher, buscando a igualdade substantiva entre os gêneros, fundou-se
justamente na indiscutível desproporcionalidade física existente entre os gêneros, no
histórico discriminatório e na cultura vigente. Ou seja, a fragilidade da mulher, sua
hipossuficiência ou vulnerabilidade, na verdade, são os fundamentos que levaram o
legislador a conferir proteção especial à mulher.

Nesse sentido, os seguintes julgados:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSO


PENAL. LEI MARIA DA PENHA. LESÃO CORPORAL
PRATICADA PELO RECORRENTE CONTRA A EX-MULHER.
PRETENSÃO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL POR FALTA
DE JUSTA CAUSA. MEDIDA EXCEPCIONAL. AUSÊNCIA DE
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JUSTA CAUSA NÃO EVIDENCIADA DE PLANO. EXAME DE


PROVAS INCOMPATÍVEL COM A VIA ELEITA. ALEGAÇÃO DE
INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DO JUÍZO ESPECIALIZADO.
RECIPROCIDADE AGRESSIVA NÃO DELINEADA NOS AUTOS.
VULNERABILIDADE ÍNSITA À CONDIÇÃO DA MULHER.
RECURSO IMPROVIDO.
[...]
4. A própria Lei n. 11.340/2006, ao criar mecanismos específicos para
coibir e prevenir a violência doméstica praticada contra a mulher,
buscando a igualdade substantiva entre os gêneros, fundou-se
justamente na indiscutível desproporcionalidade física existente entre
os gêneros, no histórico discriminatório e na cultura vigente.
Ou seja, a fragilidade da mulher, sua hipossuficiência ou
vulnerabilidade, na verdade, são os fundamentos que levaram o
legislador a conferir proteção especial à mulher e por isso têm-se
como presumidos. (Precedentes do STJ e do STF).
5. A análise das peculiaridades do caso concreto quanto ao fato de
haver, ou não, demonstração da vulnerabilidade da vítima, numa
perspectiva de gênero, mais uma vez esbarra na impossibilidade de se
examinar o conjunto fático-probatório na via estreita do writ.
6. Destarte, da forma como posta, a conduta praticada pelo ora
paciente, qual seja, lesão corporal perpetrada contra sua ex-mulher,
enquadra-se perfeitamente no tipo de injusto que exige a aplicação da
norma protetiva, firmando, portanto, a competência do Juizado de
Violência Doméstica e Familiar da Comarca do Rio de Janeiro/RJ
para processar e julgar o feito. Exame probatório após a instrução
devida.
7. Recurso ordinário em habeas corpus improvido. (RHC 55.030/RJ,
Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Quinta
Turma, julgado em 23/6/2015, DJe 29/6/2015).

(...) VIAS DE FATO. LEI MARIA DA PENHA. CONDUTA


PRATICADA CONTRA IRMÃ. INEXISTÊNCIA DE COABITAÇÃO.
IRRELEVÂNCIA. VULNERABILIDADE ÍNSITA À CONDIÇÃO DA
MULHER HODIERNA. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO
ILEGAL.
1. Esta Corte Superior de Justiça tem entendimento consolidado no
sentido de que a caracterização da violência doméstica e familiar
contra a mulher não depende do fato de agente e vítima conviverem
sob o mesmo teto, sendo certo que a sua hipossuficiência e
vulnerabilidade é presumida pela Lei n. 11.340/06. Precedentes.
2. Na hipótese, depreende-se que os fatos atribuídos ao paciente, não
obstante tenham ocorrido em local público, foram nitidamente
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influenciados pela relação familiar que mantém com a vítima, sua


irmã, circunstância que dá ensejo à incidência da norma contida no
artigo 5º, inciso II, da Lei Maria da Penha.
3. Habeas corpus não conhecido. (HC n. 280.082/RS, Rel. Ministro
JORGE MUSSI, Quinta Turma, DJe 25/2/2015).

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE


AMEAÇA PRATICADO CONTRA IRMÃ DO RÉU. INCIDÊNCIA
DA LEI MARIA DA PENHA. ART. 5.º, INCISO II, DA LEI N.º
11.340/06. COMPETÊNCIA DO JUIZADO DE VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER DE
BRASÍLIA/DF. RECURSO PROVIDO.
1. A Lei n.º 11.340/2006, denominada Lei Maria da Penha, tem o
intuito de proteger a mulher da violência doméstica e familiar que lhe
cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano
moral ou patrimonial, sendo que o crime deve ser cometido no âmbito
da unidade doméstica, da família ou em qualquer relação íntima de
afeto.
2. Na espécie, apurou-se que o Réu foi à casa da vítima para
ameaçá-la, ocasião em que provocou danos em seu carro ao atirar
pedras. Após, foi constatado o envio rotineiro de mensagens pelo
telefone celular com o claro intuito de intimidá-la e forçá-la a abrir
mão "do controle financeiro da pensão recebida pela mãe" de ambos.
3. Nesse contexto, inarredável concluir pela incidência da Lei n.º
11.343/06, tendo em vista o sofrimento psicológico em tese sofrido por
mulher em âmbito familiar, nos termos expressos do art. 5.º, inciso II,
da mencionada legislação.
4. "Para a configuração de violência doméstica, basta que estejam
presentes as hipóteses previstas no artigo 5º da Lei 11.343/2006 (Lei
Maria da Penha), dentre as quais não se encontra a necessidade de
coabitação entre autor e vítima" (HC 115.857/MG, 6.ª Turma, Rel.
Ministra JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA
DO TJ/MG), DJe de 02/02/2009).
5. Recurso provido para determinar que Juiz de Direito da 3.ª Vara do
Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de
Brasília/DF prossiga no julgamento da causa. (REsp 1239850/DF,
Rel. Ministra LAURITA VAZ, Quinta Turma, julgado em 16/2/2012,
DJe 5/3/2012).

Aliás, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a constitucionalidade


da Lei n. 11.340/2006 na ADC 19/DF (de relatoria do Ministro MARCO AURÉLIO
DE MELLO, DJe 29/4/2014), também se manifestou a respeito da vulnerabilidade da

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mulher e da necessidade de sua proteção, senão vejamos:

Para frear a violência doméstica, não se revela desproporcional ou


ilegítimo o uso do sexo como critério de diferenciação. A mulher é
eminentemente vulnerável quando se trata de constrangimentos físicos,
morais e psicológicos sofridos em âmbito privado. Não há dúvida
sobre o histórico de discriminação e sujeição por ela enfrentado na
esfera afetiva. As agressões sofridas são significativamente maiores do
que as que acontecem contra homens situação similar. Além disso,
mesmo quando homens, eventualmente, sofrem violência doméstica, a
prática não decorre de fatores culturais e sociais e da usual diferença
de força física entre os gêneros.

Assim, de acordo com o artigo 5º, inciso II, da Lei 11.340/2006,


configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão
baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou
psicológico e dano moral ou patrimonial no âmbito da família, compreendida como a
comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos
por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa.

O Tribunal a quo, ao decidir pela não ocorrência de violência


doméstica, assim consignou (e-STJ fl. 194):

No caso,, não há incidência da Lei 11.340/2006, pois a norma em


comento é direcionada a fatos de violência doméstica e familiar contra
a mulher em um contexto de gênero, caracterizado por relação de
poder e submissão da mulher, com a finalidade de objetá-la, o que não
se observa no caso dos autos. Ao que se vê, houve desavenças e
agressões verbais do filho (alcoolizado e sob efeito de drogas) contra a
mãe, não havendo evidências de inferioridade física ou econômica da
vitima (mãe) em relação ao agressor (filho), não se valendo da
condição de fragilidade e hipossuficiência relacionada ao gênero da
vitima para as supostas agressões.

Ora, o acusado é filho da vítima tendo, conforme a denúncia,


praticado vias de fato e ameaça de causar mal injusto e grave, que, "em virtude de
seu vício em bebidas alcoólicas e em substâncias entorpecentes, possui
temperamento agressivo, sendo certo que, constantemente, a ameaça e a ofende com

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palavras de baixo calão. (...) No dia 13 de julho de 2013, ao retornar para casa
embriagado e sob efeito de drogas, ele segurou sua genitora pelo pescoço,
apossou-se de um garfo, encostou-o no pescoço dele e a ameaçou de morte,
dizendo: 'eu te mato só com um soco, velha desgraçada'. (...) Ato contínuo,
descontrolado, ele a empurrou e passou a jogar diversos utensílios domésticos no
chão, bem como a insultou (e- STJ fl. 191), tendo a violência ocorrido no bojo do
âmbito familiar, na casa da família.

Ora, verifica-se que restou amplamente caracterizada a relação de


afeto entre o agressor e a ofendida (filho e genitora), tendo o acusado, homem,
valido-se, covardemente, de sua superioridade física e do vínculo familiar para
intimidar a vítima mulher, causando-lhe temor, situação relacionada à
vulnerabilidade e à inferioridade física existente entre o agressor homem e a vítima
mulher.

Dessa forma, perfeitamente possível a prática de violência doméstica


e familiar no presente caso, uma vez que os fatos foram praticados, dentro do âmbito
familiar, em razão da relação de intimidade e afeto existente entre o agressor e a
vítima.

Nessa linha, os seguintes precedentes:

RECURSO ESPECIAL. MAUS-TRATOS. CASTIGO E/OU


AGRESSÃO PERPETRADA DE PAI CONTRA FILHA. RELAÇÃO
FAMILIAR. VULNERABILIDADE DECORRENTE DO GÊNERO.
LEI N. 11.343/2006. COMPETÊNCIA. JUIZADO DE VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA E FAMILIAR. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. O excesso na imposição de castigo pelo pai à filha menor que com
ele coabita atrai a incidência do art. 5º da Lei Maria da Penha,
quando observado que a violência, além de estar estritamente ligada
ao contexto familiar, decorre inequivocamente da vulnerabilidade do
gênero feminino e da hipossuficiência ou inferioridade física da vítima
frente àquele que é imputado como seu algoz. É dizer, quando
constatado que a condição de mulher da vítima foi fator determinante
para a agressão supostamente perpetrada por seu genitor.
2. Recurso especial provido para determinar o retorno do caso ao
Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. (REsp
1616165/DF, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA

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TURMA, julgado em 12/06/2018, DJe 22/06/2018)

PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTO


DE RECURSO ORDINÁRIO. ESTUPRO DE VULNERÁVEL.
CRIME PRATICADO POR PADRASTO CONTRA ENTEADA.
APLICABILIDADE DA LEI MARIA DA PENHA.
CARACTERIZAÇÃO DA AÇÃO BASEADA NO GÊNERO. WRIT
NÃO CONHECIDO. 1. Esta Corte e o Supremo Tribunal Federal
pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus
substitutivo de revisão criminal e de recurso legalmente previsto para
a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo
quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial
impugnado a justificar a concessão da ordem, de ofício. 2. Para
incidência da Lei Maria da Penha, é necessário que a violência
doméstica e familiar contra a mulher decorra de: (a) ação ou omissão
baseada no gênero; (b) no âmbito da unidade doméstica, familiar ou
relação de afeto; decorrendo daí (c) morte, lesão, sofrimento físico,
sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial. 3. A definição do
gênero sobre o qual baseada a conduta comissiva ou omissiva decorre
do equivocado entendimento/motivação do sujeito ativo de possuir
"direitos" sobre a mulher ou de que ela lhe pertence, evidenciando
vulnerabilidade pela redução ou nulidade da autodeterminação,
caracterizando-se, assim, conduta baseada no gênero para efeitos da
Lei n. 11.340/2006.
4. No caso em comento, segundo as circunstâncias fáticas apuradas
até então e analisadas pela Corte de origem, verifica-se o
preenchimento dos pressupostos elementares da violência doméstica e
familiar contra a mulher, restando caracterizada a ação baseada no
gênero.
5. Ordem não conhecida. (HC 349.851/SP, Rel. Ministro RIBEIRO
DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 28/11/2017, DJe
04/12/2017)

HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL.


NÃO CABIMENTO. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR
CONTRA A MULHER. MAUS TRATOS E INJÚRIA
SUPOSTAMENTE PRATICADOS CONTRA GENITORA.
INCIDÊNCIA DA LEI MARIA DA PENHA. INEXISTENTE
MANIFESTO CONSTRANGIMENTO ILEGAL.
1. Incabível o ajuizamento do writ em substituição ao recurso especial.
Se se evidenciar a existência de manifesto constrangimento ilegal, é
expedida ordem de habeas corpus de ofício.
2. A Lei Maria da Penha objetiva proteger a mulher da violência
doméstica e familiar que, cometida no âmbito da unidade doméstica,

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da família ou em qualquer relação íntima de afeto, cause-lhe morte,


lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico, e dano moral ou
patrimonial.
3. Estão no âmbito de abrangência do delito de violência doméstica e
podem integrar o polo passivo da ação delituosa as esposas, as
companheiras ou amantes, bem como a mãe, as filhas, as netas do
agressor e também a sogra, a avó ou qualquer outra parente que
mantém vínculo familiar ou afetivo com ele.
4. No caso dos autos, não há ilegalidade evidente a ser reparada, pois
mostra-se configurada a incidência da Lei n. 11.343/2006, nos termos
do art. 5º, I, ante os relatados maus tratos e injúria em tese sofridos
pela mãe do suposto agressor.
5. Habeas corpus não conhecido. (HC 310.154/RS, Rel. Ministro
SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em
28/4/2015, DJe 13/5/2015).

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. LESÃO


CORPORAL (ARTIGO 129, § 9º, DO CÓDIGO PENAL). CRIMES
PRATICADOS POR PADRASTO CONTRA ENTEADA. LEI MARIA
DA PENA. INCIDÊNCIA. DESNECESSIDADE DE COABITAÇÃO.
EXISTÊNCIA DE RELAÇÃO DE INTIMIDADE E AFETO ENTRE
AGRESSOR E VÍTIMA. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO DE
MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA PARA A DESCONSTITUIÇÃO
DE TAL ENTENDIMENTO. IMPOSSIBILIDADE NA VIA ELEITA.
CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO.
DESPROVIMENTO DO RECLAMO.
1. Nos termos do artigo 5º, inciso III, da Lei 11.340/2006, é
perfeitamente possível a prática de violência doméstica e familiar nas
relações entre o convivente da mãe e a filha desta, ainda que não
tenham coabitado, exigindo-se, contudo, que os fatos tenham sido
praticados em razão da relação de intimidade e afeto existente entre o
agressor e a vítima. Precedente.
2. Na hipótese dos autos, tanto o magistrado de origem quanto a
autoridade apontada como coatora consignaram que o recorrente era
padrasto da vítima e a agrediu após uma discussão desencadeada em
razão do relacionamento amoroso que possuía com a mãe da
ofendida, tendo a violência ocorrido no bojo de uma relação íntima de
afeto.
3. A desconstituição de tal entendimento demandaria revolvimento de
matéria fático-probatória, providência que é vedada na via eleita.
[...] (RHC 42.092/RJ, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA
TURMA, julgado em 25/3/2014, DJe 2/4/2014).

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Ante o exposto, com fundamento no art. 932, inciso VIII, do CPC,


c/c o art. 253, parágrafo único, inciso II, alínea "c", parte final, do RISTJ, conheço
do agravo para dar provimento ao recurso especial, para reconhecer a competência
do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.

Publique-se. Intime-se.

Brasília (DF), 24 de outubro de 2018.

Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA


Relator

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