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- Por contraste, as ideias que não merecem a designação de conceções (ou ideias
no sentido genuíno, mas sim de suposições) parecem ser as que não são
constituídas por cópias de impressões (ou de acordo com o Princípio da Cópia),
razão pela qual são consideradas confusas. Há diversas evidências textuais que
mostram que Hume estabelece uma relação entre ideia não adequada, confusa e
suposição. Também por esta razão, aquilo que é objeto de suposição é considerado
inconcebível (o que marca a contraposição entre os dois tipos de conteúdo mental).
A adoção deste critério pode perceber-se pelo uso dos termos ‘clareza’,
‘adequação’, ‘ideia’, ‘conceção’, ‘suposição’ para descrever ideias (de questões de
facto) de forma contraposta, isto é, de tal forma que as ideias que são formadas
diretamente a partir de impressões são colocadas como claras, e as ideias que o
não são, confusas ou obscuras
- Assim, pensar e falar no objeto de uma conceção é falar e pensar num objeto que
se sabe que existe (pelo menos como objeto da experiência sensitiva), mas pensar
e falar no objeto de uma suposição é falar e pensar num objeto cuja existência é, no
mínimo, indeterminada
- Uma vez que o meu principal objetivo neste artigo é fundamentar e configurar uma
interpretação cética da teoria causal de Hume a partir do reconhecimento de que a
ideia que se tem da causalidade objetiva constitui uma ideia relativa, é útil começar
a presente secção pela consideração de que Hume desqualifica a ideia de
causalidade do campo das ideias claras. O filósofo afirma que não é possível obter
uma ideia da necessidade causal tal que seria impossível conceber o seu contrário
sem contradição – pois para tal, esse conhecimento teria de ser a priori
- Para compreender em que medida esta concessão de Hume deve ser considerada
uma parte fundamental de uma interpretação cética sobre as teorias causal de
Hume –, faz-se necessário determinar que configuração as ideias relativas
assumem na filosofia de Hume, e se a sua conceção de ideia relativa corresponde à
que Locke e Berkeley tinham da mesma
- Se se atentar apenas para o facto de Hume restringir o campo das ideias claras às
ideias que provêm de impressões, e se pensar que as ideias relativas são todas
aquelas que não são adequadas, tem-se que uma ideia é relativa a partir do
momento que se somam relações a essas impressões
- Além disso, uma vez que Hume considera qualquer conjunto de ideias de questões
de facto concebível, certas ideias claras seriam simultaneamente também ideias
relativas: claras em virtude do critério de inteligibilidade das conceções genuínas (a
precedência por impressões) e relativas em virtude do facto de integrarem uma
relação. Tal seria o caso das lembranças, da regularidade observável e das ideias
da imaginação fancy (por simples combinação)
- Com isto, a noção de ideia relativa na filosofia de Hume é a mesma que nas
filosofias de Locke e Berkeley, a saber, de um objeto desconhecido em virtude de
não se possuir uma ideia clara do mesmo e, portanto, sobre cuja existência não se
tem qualquer garantia (Flage, 2007, p. 146; Kail, 2007b, p. 95)
- Uma vez que as relações são estabelecidas pela imaginação (T 1.1.4.7; T 1.1.5.1),
nem todas as ideias provêm de impressões. Porém, o que define se a ideia é
adequada ou relativa é remeter ou não diretamente para uma possível impressão.
Portanto, ainda que as relações estabelecidas sobre as impressões não estejam
dadas na própria impressão, o que torna as ideias adequadas é o facto de
corresponderem a impressões – mesmo no caso da causalidade, em que Hume
oferece duas definições da mesma a partir do que é observável pelos sentidos20.
Mas se as relações forem empregues para construir a noção de um objeto apenas a
partir de relações que não se mantêm entre os objetos observáveis – como a
causalidade objetiva e um substrato exterior e independente dos objetos da
perceção –, é apenas o facto de este objeto construído por meio das relações estar
relacionado com as impressões – no primeiro caso, explicando a regularidade, e no
segundo, causando impressões tão indistinguíveis que se crê tratar-se de um só e
mesmo objeto
- Se se aceitar, com
base nestas evidências, que Hume aceita ambos os lados deste princípio, o
Princípio de Conceptibilidade pode ser definido como um bicondicional, tal que se
algo é concebível claramente, então é possível, e se algo é possível, então é
concebível claramente, e se não é concebível claramente, então é impossível.
Aceitar que Hume defendia isto24 implica aceitar que o campo daquilo que
efetivamente existe se esgota nas possibilidades de se conceber ideias claras.
- Além disso, a evidência textual em que Hume afirma ser impossível existir uma
montanha sem um vale em virtude da incapacidade de concebê-lo mostra que
Hume aceita que o que é contraditório é impossível, além de aceitar que aquilo que
não implica contradição é possível. Portanto, para Hume, a contradição parece ser
uma marca inequívoca da impossibilidade, e a não contradição, da possibilidade