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Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência, a Convenção interamericana para a
eliminação de todas as formas de discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência (2001), ou
Convenção da Guatemala, esclarecia sobre o fato de não constituir discriminação a diferenciação ou preferência
adotada para promover a integração social ou o desenvolvimento das pessoas com deficiência, desde que a
diferenciação ou preferência não limite em si mesma o direito à igualdade dessas pessoas e que elas não sejam
obrigadas a aceitar tal diferenciação ou preferência. Por essa Convenção, as diferenciações são, em algumas
circunstâncias, admitidas, mas jamais serão permitidas a exclusão ou limitações e restrições se o motivo for a
deficiência. Desatrelada das conquistas de movimentos em favor da inclusão escolar, a educação especial, até
2008, diferenciava o atendimento a seus estudantes, excluindo-os dos ambientes comuns de escolarização, em
classes e escolas especiais.
Leia também:
+ Diferenciar para incluir ou para excluir? Por uma pedagogia da diferença
+ O que muda na educação especial com a perspectiva inclusiva?
O propósito atual da educação especial é alinhar-se ao que preceitua a nossa Constituição, ao estender e
aprofundar a compreensão do direito à educação pela internalização desses e de outros documentos
internacionais dos que o Brasil é signatário. Mas não é tão fácil e palatável aos sistemas de ensino e aos que
pleiteiam a educação especial na sua concepção excludente assumir essa virada de sentido da diferenciação.
Essa dificuldade, embora até certo ponto esperada, tem se traduzido por uma resistência vazia de argumentos e
de embasamento teórico metodológico que convença a volta atrás, o retrocesso aos tempos em que o
entendimento da educação comum e da educação especial permitia e sustentava os benefícios de diferenciar
para excluir.
Pais e professores, autoridades educacionais, políticos engajados no atendimento a pessoas com deficiência
ainda enfrentam o ceticismo, o pessimismo de muitos, cujos olhos, embaçados pelo assistencialismo, a
benemerência, o paternalismo, não conseguem vislumbrar o que esse novo sentido da diferenciação traz de
avanços e vantagens para todos, indistintamente. A diferenciação para excluir, que motiva a discriminação, e a
diferenciação para incluir, que promove a inclusão, têm sido exaustivamente explicitadas pelos que se dispõem a
esclarecer as atuais pretensões da educação especial.
As iniciativas em favor do acesso dos alunos da educação especial às turmas das escolas comuns e aos novos
serviços especializados propostos pela Política nacional de educação especial na perspectiva da educação
inclusiva, de 2008, visam à transposição das barreiras que os impediam de cursar com autonomia todos os níveis
de ensino em suas etapas e modalidades, resguardado o direito à diferença, na igualdade de direitos. Munidos
das prescrições de nosso ordenamento jurídico, é possível e urgente que se garanta a igualdade de direitos a uma
educação, que livra o aluno de qualquer diferenciação para excluir e/ou inferiorizá-los e que assegure o direito à
diferença, quando lhes é propiciado um atendimento especializado, que considera suas características e
especificidades.
A perspectiva inclusiva
A Política nacional de educação especial na perspectiva da educação inclusiva, de 2008, trouxe novas
concepções à atuação da educação especial, em nossos sistemas de ensino. De substitutiva do ensino comum
para alunos com deficiência, a educação especial se volta atualmente à tarefa de complementar a formação dos
alunos que constituem seu público-alvo, por meio do ensino de conteúdos e utilização de recursos que lhes
conferem a possibilidade de acesso, permanência e participação nas turmas comuns de ensino regular, com
autonomia e independência. Os objetivos da educação especial na perspectiva da educação inclusiva asseguram
a inclusão escolar de alunos com deficiência, transtorno do espectro autista (TEA) e altas
habilidades/superdotação, orientando os sistemas de ensino para:
• Garantir o acesso de todos os alunos ao ensino regular (com participação, aprendizagem e continuidade nos
níveis mais elevados de ensino;
• Formar professores para o atendimento educacional especializado (AEE) e demais professores para a inclusão;
• Prover acessibilidade arquitetônica, nos transportes, nos mobiliários, comunicações e informação;
• Estimular a participação da família e da comunidade;
• Promover a articulação intersetorial na implementação das políticas públicas educacionais;
• Oferecer o AEE.
As diretrizes da Política se fundamentam na diferenciação para incluir e são extensivas a todas as ações e
serviços da educação especial, devendo estar presentes transversalmente, em todas as modalidades e níveis de
ensino.
O AEE está sendo disseminado pelas escolas brasileiras, do ponto de vista conceitual e prático, de modo que
possa ser compreendido e executado segundo seus objetivos de: identificar, elaborar, e organizar recursos
pedagógicos e de acessibilidade, que eliminem as barreiras para a plena participação dos alunos, considerando
suas necessidades específicas. Ele complementa e/ou suplementa a formação do aluno, visando a sua
autonomia na escola e fora dela, constituindo oferta obrigatória pelos sistemas de ensino. Esse atendimento tem
funções próprias do ensino especial; não se confunde, portanto, com reforço escolar para a clientela da educação
especial.
Leia também:
+ AEE e sala comum: trabalho colaborativo para a inclusão
Os objetivos do atendimento educacional especializado, ao serem absorvidos pelas redes de ensino, vão exigindo
das escolas: espaço físico, recursos, equipamentos, formação continuada de professores em serviço, integração
da educação especial nos projetos político-pedagógicos. Por meio desse e de outros tipos de atuação, a
educação especial está se introduzindo pouco a pouco nas escolas comuns e redesenhando os seus contornos
educacionais, conquanto não estejam ainda verdadeiramente comprometidas com a inclusão escolar.
A homogeneização das turmas escolares decorre da identidade que se impõe como a desejável, embora o normal
só se defina pelo anormal, o branco pelo preto, ao velho pelo novo, o bom pelo mau e vice-versa. Explica-se por
tais razões a facilidade que temos de apontar, decidir /definir quem fica e, automaticamente, quem sai das
turmas por ter ou não condições de ficar “dentro” delas. Na inclusão, ninguém sai; todos estão dentro da escola,
até mesmo o AEE, embora ainda preferencialmente.
Formação
Por ora, vivencia-se a intrincada situação de formar professores para a educação especial e mais precisamente
para o atendimento educacional especializado. A orientação da Política nacional de educação especial na
perspectiva da educação inclusiva é formar um profissional que não está encerrado no conhecimento específico
de uma dada deficiência, como ocorria antes. Essa formação não lhe confere poderes de ensinar a partir de
conhecimentos universalizados, referentes a uma deficiência – os problemas e soluções estão encarnados no
aluno e não se encaixam em um receituário geral.
Assim como os alunos excluídos se inseriram nas escolas, nas fases iniciais de garantia do direito de todos à
educação, os professores, ao introduzirem o AEE nas escolas, estão ocupando lugares na equipe pedagógica,
que são determinantes para que a inclusão escolar seja mais e melhor compreendida em seus princípios,
fortalecendo-se e expandindo-se no ensino comum e especial. Esse lugar não é abstrato, mas um espaço,
denominado sala de recursos multifuncionais (SRM), que reúne recursos humanos e materiais que envolvem
novos conhecimentos, equipamentos, arranjos e parcerias e uma gestão da presença da educação especial na
escola, que está sendo pouco a pouco sentida e considerada pela comunidade escolar e pelos pais a partir de
novas práticas de encaminhamento, estudos e planos de ação educativos.
A despeito das resistências de toda ordem, os alunos com deficiência já não encontram a oposição de tempos
atrás e estão adentrando em número cada vez mais crescente às nossas escolas comuns. Segundo a diretoria de
educação especial da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI) do
Ministério da Educação (MEC), o acesso de alunos público alvo da educação especial em classes comuns de
ensino regular, em 2010, chegou a 484.3332 estudantes, representando 69% do total de matrícula dessa
população. Em nota técnica recente, o MEC conclui que o crescimento ocorreu, a partir da promoção da
acessibilidade na escola, que alcançou 83% dos municípios brasileiros, por meio da implantação das SRMs, onde
se oferta o AEE, entre outros. A mesma nota destaca que, se o ritmo de crescimento de matrícula continuar
semelhante ao que aconteceu nos últimos 10 anos, em 2020 os sistemas de ensino atingirão 66% da população
público alvo da educação especial, na faixa etária e 4 a 17 anos, na rede regular de ensino.
Para que se alcance o que propõe a Meta 4 do Plano nacional de educação (PNE) correspondente ao decênio
2011-2020, isto é, universalizar para a população de 4 a 17 anos o atendimento educacional especializado, faz-se
necessário que o Ministério da Educação amplie e fortaleça as ações em desenvolvimento, articulado com os
sistemas de ensino estaduais e municipais. Estratégias estão sendo criadas para que meta atenda às
necessidades de: implantação de salas de recursos multifuncionais; investimentos na adequação dos prédios
escolares para acessibilidade das escolas públicas, transporte acessível, material didático, equipamentos e
outros recursos indispensáveis; implementação da rede nacional de formação continuada de professores de
educação especial pela Universidade Aberta do Brasil (UAB), à qual se associaram inúmeras universidades
federais e estaduais.
Marcando seus espaços, e desafiando os que nela atuam, questionando-os, no silêncio dessa ocupação, no
desconforto que provocam aos que não conseguem lidar com suas próprias diferenças. Porque é muito forte a
presença do novo em ambientes conservadores e que se pretendem imunes ao que não pertence a um meio
escolar no qual se pune e controla o ensino e o aprendiz e em que a exclusão é absolutamente previsível e
adequada. As mudanças na educação especial e na escola comum estão vivendo o assombro pelo outro, pelo
diferente, nas nossas escolas. Reconhecer o outro como “o diferente” não basta, porque esse outro é sempre “um”
outro e não “o” mesmo – ele difere infinitamente. O nosso entendimento do outro está comprometido pela imagem
do aluno rotulado que conseguimos conter em nossa cartela de categorias educacionais.
A aprendizagem que nos falta para distinguir a diferenciação para incluir da diferenciação para excluir sobrevém
aos encontros com esse Outro, que difere sempre e que não se deixa capturar. Ela é essencialmente ativa e
mobilizadora, pois o confronto com a alteridade, quando nos deixa perplexos, constitui o seu momento ideal,
impulsionado pela incerteza, pela dúvida, pelo desejo de enfrentar o desconhecido. As incursões da educação
especial nos sistemas de ensino promovem essas aprendizagens por aproximações necessárias e inusitadas, nas
turmas, nas atividades do cotidiano.