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A ACUMULAÇÃO DOS ADICIONAIS DE INSALUBRIDADE E PERICULOSIDADE

Deise Neta dos Santos

RESUMO

Os adicionais de Insalubridade e Periculosidade são bens tutelados


distintos, o primeiro serve como contraprestação pela exposição a agentes
insalubres que agridem a saúde do trabalhador, enquanto o adicional de
periculosidade visa proteger o risco a própria vida. Atualmente é vedada a
cumulação dos adicionais de insalubridade e periculosidade, cuja previsão está
no parágrafo 2º do art. 193 da CLT, todavia tal dispositivo afronta aos princípios
constitucionais e as Convenções Internacionais do Trabalho n. 148 e 155. Busca-
se nesta pesquisa fazer uma análise doutrinária e jurisprudencial acerca de tal
problemática. Resta evidente que a vedação a cumulação destes adicionais
baseia-se em uma interpretação literal do dispositivo celetista, sem ao menos ser
analisados os riscos de acidente de trabalho que podem ocorrer em caso de labor
simultâneo e, ainda, a degradação que sofre o ser humano em decorrência da
exposição simultânea destes agentes. Buscamos mudar essa interpretação
distorcida de que os adicionais são sobre a remuneração, qualificando-os, apenas
como acréscimos ao salário. Buscamos demonstrar cumulação dos adicionais tem
caráter punitivo e pedagógico ao empregador. A cumulação faria com que os
empregadores criassem métodos de redução e minimização dos riscos ao obreiro,
a fim de não pagar os dois adicionais.

PALAVRAS-CHAVES: Adicional de Insalubridade. Adicional de Periculosidade.


Cumulação. Jurisprudência.

1. CONCEITOS GERAIS SOBRE OS ADICIONAIS DE INSALUBRIDADE E


PERICULOSIDADE.

1.1 Do Adicional de Insalubridade


O adicional de insalubridade está previsto no art. 7º, inciso XXIII, Constituição
Federal de 1988 e nos arts. 189 e seguintes da Consolidação das Leis do
Trabalho de 1943.
Sergio Pinto Martins traz um conceito claro e objetivo
acerca do que seria atividade insalubre. Segundo o
autor, insalubridade seria “o elemento prejudicial à
saúde, que dá causa à doença. O prejuízo é causado
diariamente à saúde do trabalhador. A insalubridade
causa doenças. Diz respeito à Medicina do Trabalho”
(MARTINS, 2008, p. 273).
O art. 189, da (CLT) também conceitua a respeito de quais as atividades ou
operações realizadas pelo obreiro seriam consideradas insalubres. Denota-se do
referido dispositivo que a distinção desta atividade como insalubre tem critérios
baseados nos princípios constitucionais de proteção a vida e de segurança do
trabalhador. A Portaria 3.214/78 (NR-15) do Ministério do Trabalho e Emprego
disciplina quais as atividades são insalubres, bem como seus índices de tolerância.

1.2. Do Adicional de Periculosidade

O Adicional de Periculosidade tem natureza diversa do adicional de


insalubridade.
A palavra “periculosidade” está ligada a ideia de risco,
perigo, possibilidade de ocorrência de acidentes ao
obreiro (MARTINS, 2008).
Para (BUCK, 2015, p. 91),
“risco é uma condição variável, com potencial necessário para causar danos.
Esses danos podem ser entendidos como lesões a pessoas, estragos a
equipamentos ou estruturas, perda de material em processo, ou redução de
capacidade de desempenho de uma função pré-determinada.”
Imperioso, neste momento fazermos a seguinte distinção
a respeito da insalubridade e da periculosidade. Na
insalubridade a exposição aos agentes insalubres
acarreta a perda gradativa da saúde do obreiro,
enquanto a periculosidade pode levar a incapacidade ou
a morte subida, em face da exposição dos agentes
periculosos (SUSSEKIND, 1999, p. 237).

2 ENTENDIMENTO DOUTRINÁRIO E JURISPRUDENCIAL ACERCA DA NÃO


CUMULAÇÃO DOS ADICIONAIS DE INSALUBRIDADE E PERICULOSIDADE.

O fundamento para a negativa relativo à aplicação concomitante dos


adicionais seria que art. 7º, inciso XXIII[11] da (CF) estabeleceu o direito aos
adicionais de: insalubridade, periculosidade e penosidade e que a lei ordinária iria
estabelecer a forma em que seriam aplicados, no caso a Consolidação das Leis do
Trabalho. Segundo Nascimento (2015, p.138), “legislador constitucional fez
referencia aos termos da lei, estabeleceu um campo de reserva para o legislador
infraconstitucional, o qual poderia restringir seus efeitos”.
O entendimento jurisprudencial majoritário sustenta que, tendo o trabalhador
a opção de escolher o adicional mais vantajoso, teria sim o legislador no art. 193,
parágrafo 2º da (CLT) criado um normativo que restringia, mas respeitava a
vontade do obreiro.
A jurisprudência majoritária do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região e
de algumas Turmas do (TST), têm baseado suas decisões sob o fundamento da
aplicação literal do art. 193, parágrafo 3º da (CLT). Abaixo transcrevemos algumas
decisões de ambos os colegiados:
"RECURSO ORDINÁRIO DO RECLAMANTE.
ADICIONAIS DE INSALUBRIDADE E
PERICULOSIDADE. CUMULAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.
De acordo com o art. 193, § 2º, da CLT, inviável
acumulação dos adicionais de insalubridade e
periculosidade. Inexiste, na hipótese, violação ao
disposto no art. 7º, incisos XXII e XXIII, da Carta Magna,
na medida em que o referido dispositivo constitucional
nada refere a respeito da possibilidade de cumulaçãodos
adicionais de periculosidadee insalubridade. Apelo não
provido.”
O (TST) também é grande parte de suas Turmas é contrária à cumulação
dos adicionais de insalubridade e periculosidade:
"ADICIONAIS DE PERICULOSIDADE E DE
INSALUBRIDADE CUMULAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.
Este Tribunal Superior, após interpretação literal do
artigo 193, § 2º, da CLT, firmou o entendimento de
impossibilidade de cumulação de recebimento dos
adicionais de periculosidade e de insalubridade. Ao ser
prevista a opção entre um adicional e o outro,
depreende-se que ao empregado ficou inviabilizada a
percepção de ambos os adicionais simultaneamente.
Assim, se a reclamante recebia o pagamento do
adicional de insalubridade e entende que a percepção do
adicional de periculosidade lhe será mais vantajosa,
poderá optar por deixar de recebê-lo e passar a receber
o outro, ou vice-versa. Precedentes desta Corte. Recurso
de revista não conhecido.
No mesmo sentido, e seguindo o disposto no normativo celetista, a Norma
Regulamentadora n. 15 do (MTE) no item 3, disciplinou expressamente que “no
caso de incidência de mais de um fator de insalubridade será considerado apenas
o de grau mais elevado, sendo vedado a cumulação”. Podendo ser estendido o
posicionamento da norma regulamentador para os casos de incidência de
insalubridade e periculosidade.
A fim de ratificar a vedação disposta no parágrafo 2º da (CLT), o (TRT) da 4ª
Região, sumulou a respeito da vedação a cumulação dos adicionais.
"Súmula nº 76- ADICIONAIS DE INSALUBRIDADE E
PERICULOSIDADE. ACUMULAÇÃO.
IMPOSSIBILIDADE. O pagamento cumulativo dos
adicionais de insalubridade e periculosidade encontra
óbice no artigo 193, § 2º, da CLT, o qual faculta ao
empregado o direito de optar pelo adicional mais
favorável. Inexistência de violação aos incisos XXII e
XXIII, do artigo 7º, da Constituição".
Por fim, mas sem exaurir o tema, existe o argumento baseado na questão
gramatical da norma Constitucional. Busca-se extrair-se do normativo
constitucional a real intenção do legislador. O legislador ao prever no seu art. 7º,
inciso XXIII, (CF): adicional sob a remuneração para as atividades penosas,
insalubres ou perigosas, o conectivo “ou” para a corrente majoritária significa uma
vedação para a hipótese de cumulação dos adicionais.

3 FUNDAMENTOS FAVORÁVEIS A RESPEITO DA CUMULAÇÃO DOS


ADICIONAIS DE INSALUBRIDADE E PERICULOSIDADE

Por um longo período era predominante o entendimento jurisprudencial e


doutrinário a respeito da vedação acerca da cumulação dos adicionais de
insalubridade e periculosidade, quando o obreiro trabalhava simultaneamente em
condições insalubres e perigosas. Todavia, com o passar dos anos a
jurisprudência passou a ter decisões dissonantes, começou-se a questionar a
legalidade do parágrafo 3º da (CLT).
Um dos principais argumentos acerca da possibilidade de acumulação dos
adicionais era de que os fatores de exposição do trabalhador eram distintos
(NASCIMENTO, 2015, p. 139).
Para NASCIMENTO (2015, p.139):
“[...] O adicional de insalubridade serve como
contraprestação para eventuais danos impostos à saúde
do trabalhador, ao passo que o adicional de
periculosidade tutela a própria vida e objetiva compensar
danos à integridade física do prestador dos serviços. [...]
Em suma, são bens jurídicos diversos e com tratamento
normativo disitinto, seja quanto às hipóteses de
cabimento, seja quanto aos percentuais, seja quanto à
base cálculo.”
Sendo distintos ou diversos e tendo bens jurídicos diferentes a serem
tutelados não pode o trabalhador ser obrigado a optar por um dos adicionais e
trabalhar simultaneamente exposto aos dois.
A exposição simultânea aos dois adicionais e obrigação de optar por um
deles, leva a conclusão de que o labor por um dos adicionais será gratuito para o
empregador. O que certamente estaria configurando o enriquecimento sem causa
em favor do empregador. O obreiro labora em garantia de uma contraprestação
pecuniária, ao trabalhar exposto a dois adicionais e receber somente por um deles,
está enriquecendo seu empregador e sujeitando-se ao desequilíbrio da relação
contratual (FORMOLO, 2006, p. 56).
Para DAVIS (2002, p. 206):
“[...] cumpre reconhecer a diversidade dos adicionais
cotejados no que concerne, também, às respectivas
finalidades. O acréscimo salarial devido por força da
insalubridade visa compensar a morbidade do trabalho
enquanto aquele instituído em razão da periculosidade
compensa o risco à incolumidade física e à vida do
trabalhador.”
A Organização Internacional do Trabalho visa criar mecanismo de proteção
à saúde do trabalhador. Ela edita convenções sobre direitos trabalhista, no que
concerne a saúde e medicina do Trabalho. O país ao ratificar tais normas é
obrigado a criar normas, legislações de proteção ao trabalhador, seguindo as
regras previstas nas Convenções.
A Convenção n. 148 da (OIT), em 20/06/1977, editou normas sobre a
proteção dos trabalhadores contra os riscos profissionais devido à contaminação
do ar, ruído e as vibrações no local de trabalho. O Brasil ratificou esta convencao
em 14/01/1982. Após, o Brasil em 29/09/1994 ratificou a Convenção n. 155, da
(OIT), a qual tratava sobre segurança e saúde dos trabalhadores e o meio
ambiente de trabalho (FRANCO FILHO, 2013, p. 31).
As convenções da (OIT) são tratados internacionais, incorporados ao Direito
Brasileiro antes da EC n. 45/2004, e, portanto, sem o quorum previsto no art. 5º,
parágrafo 3º da (CF), têm nível de lei federal e tratando-se de normas de direitos
fundamentais devem ser respeitadas e priorizadas sobre a norma celetista
(FRANCO FILHO, 2013, p. 31).
As convenções n. 148 e 155 da (OIT) tem status de norma constitucional, ou
pelo menos, o status de norma supralegal. Considerando a importância destas
convenções, trata-se imperioso analisarmos o art. 4º, item 2. No item dois podemos
verificar a preocupação que esta Organização internacional tem em criar políticas
ambientais trabalhistas previnam acidentes e os danos à saúde do trabalhador[15].
No art. 11, item b[16], podemos verificar a expressa preocupação de criar políticas
acerca da minimização dos agentes insalubres e perigosos. O item b deixa
expresso que devem ser criados mecanismos que eliminem a ocorrência de
exposição simultânea aos agentes e substâncias (FRANCO FILHO, 2013, p.32).
No Brasil utiliza-se o caráter paliativo, através contraprestação em pecúnia
pelo labor prestado em condições insalubres e perigosas. Restando evidente que o
adicional sobre a remuneração, seja pelo salário base ou pelo salário mínimo,
jamais suficiente, tendo em vista à degradação da saúde do trabalhador, no caso
da insalubridade e o risco eminente a vida, no caso da periculosidade. Ao
possibilitarmos a cumulação dos adicionais e, por conseguinte o recebimento em
pecúnia, estaremos criando mecanismos pedagógicos frente aos empregadores.
Ao aumentar o custo de um empregado que está exposto à insalubridade e a
periculosidade poderia coagir o empregador a aumentar postos de trabalho ou criar
mecanismos que minimizem os agentes insalubres e perigosos.
As Normas Regulamentadoras são claras, que estando acima de
determinado nível de exposição, o trabalhador fará jus ao respectivo adicional. É
óbvio que é competência do empregador, pois ele detém as forças de trabalho e
obtém lucro de sua atividade, que ele crie em sua empresa mecanismos que
eliminem ou diminuam a exposição aos agentes insalubres e perigosos.

4 CONCLUSÃO

A cumulação dos adicionais de insalubridade e periculosidade é um tema de


grande relevância, pois há a necessidade de que seja pacificado o entendimento
jurisprudencial sobre este tema. O Projeto de Lei n. 4.983/2013 visa que seja
alterado o dispositivo celetista a fim de garantir maior proteção a saúde e
integridade do trabalhador.
No caso em testilha, verificamos que existem as Convenções da (OIT) n.
148 e 155 que determinam políticas que assegurem um meio ambiente saudável e
também garantem a percepção de dois adicionais quando a exposição do
trabalhador é simultânea. Ainda, cabe destacar que a Constituição Federal de 1988
elencou como direitos fundamentais: a proteção à vida, a segurança do trabalhador
e o meio ambiente de trabalho saudável.
Devemos parar de analisar tal problemática de forma “engessada”, estamos
tratando de direitos trabalhistas que tem patamar de direitos fundamentais. Não
devemos analisar tais adicionais somente como um acréscimo na remuneração do
obreiro, mas sim o caráter pedagógico e incentivador para que o empregador
verifique que deve criar mecanismos que reduzam ou eliminem os riscos sofridos
pelos trabalhadores.
Não podemos analisar somente pelo fundamento do custo econômico que
acarretaria ao empregador, mas sim, a quantidade de acidentes de trabalhado que
ocorrem nas condições insalubres e perigosas.
A cobrança cumulativa dos adicionais pode servir para contribuir na
promoção de políticas de saúde e de segurança no trabalho em favor do
trabalhador. O pagamento cumulativo dos adicionais informaria ao poder público
quais seguimentos empresariais estão mais expostos a agentes insalubres e
perigosos e assim poderia criar uma maior fiscalização nesse sentido.
Infelizmente por uma questão cultural brasileira, o empregador e o empregado
veem os referidos adicionais como um bônus, acréscimo sobre o salário, mas na
verdade ele tem caráter contraprestativo, seja em razão da degradação da vida no
ser humano na exposição à agentes insalubres ou na exposição de risco eminente
a vida.

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