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Da Pena de Morte

Capítulo XXVIII de Dos Delitos e Das Penas


Cesare Beccaria

Mastro Titta – famoso executor da sentença capital no final


do século XVIII, no Stato Pontificio

Escola Secundária Sebastião e Silva - História A

06/12/2020
Carolina Antas nº 4 11º L
O documento em análise corresponde ao capítulo XXVIII, denominado “Da Pena de
Morte” da obra “Dos Delitos e das Penas”, de Cesare Beccaria, publicada anonimamente, em
1764, e revista pelo autor, em 1766. Este documento é uma fonte histórica de natureza
jurídica, bem como o resto da obra.
Cesare Beccaria, nasceu em 1738, em Milão e faleceu em 1794, na mesma cidade. Este autor
não era apenas aristocrata, era também um criminologista, jurista e político, bem como o
principal representante do iluminismo penal e da Escola Clássica do Direito Penal. Dadas as
suas características, posição social e conhecimentos, esta obra para além de refletir a visão de
um membro da aristocracia italiana, reflete também o ponto de vista de um indivíduo que
conhecia a esfera punitiva do Direito Penal da Europa, nesta época, cujas obras são
consideradas a base do Direito Penal Moderno. Cesare Beccaria ficou conhecido por defender
a igualdade perante a lei, a abulição da pena de morte, que é o tema deste documento, e a
erradicação da tortura como meio de obtenção de provas.
Nesta obra, Beccaria enumerou métodos eficazes de intervenção social, de forma a
criar-se um sistema penal mais justo e eficiente. Este defendia que os erros do Homem eram
resultado das suas ações e não de Deus, que resultavam de uma escolha racional incorreta
(quando a vontade não responde ao entendimento). Como o crime resultava de uma escolha
própria, Cesare Beccaria defendia que este era influenciável, através da sua prevenção, em
vez de punição. Defendia as ideias centralizadas na razão, o que justifica a sua posição
relativamente ao efeito pedagógico que considerava ser o objetivo principal das penas. Estas
deveriam restabelecer o equilíbrio entre o indivíduo e a sociedade, que havia sido quebrado
quando este cometera um crime, contudo, considerava que quando as leis ultrapassavam a sua
função, tornavam-se abusivas e injustas. Por ser iluminista, defendia a separação da Igreja e
do Príncipe, devido à autoridade excessiva que possuíam enquanto unidade conjunta e, visto
que aborda esse tema em “Dos Delitos e Das Penas”, esta obra chegou a constar no Índex,
como um dos livros proibidos, em 1766.

Neste capítulo, como o título indica, Cesare Beccaria, aborda o tema da pena de
morte, mostrando-se contra esta, pois, apesar de apoiar a tese de Rousseau relativamente à
teoria do contrato social, não concorda com a legitimidade do homicídio, visto que os
cidadãos apenas cedem uma parte da sua liberdade para viver em sociedade e que, por isso,
esta não tem poder para o executar, tendo em conta que um dos seus direitos naturais é o
direito à vida. Para além desta posição, refere outros motivos pelos quais não concorda com
esta pena, desde a sua inutilidade, até à pessoa que a determina. Como alternativa, propõe a
sua substituição por penas de longa duração, nomeadamente a pena de escravidão perpétua.
Para além desta tese, defende a igualdade perante a lei e critica o sistema penal da época, que
sujeita homens em situações diferentes à mesma pena, a morte, mas que protege os mais
privilegiados, atenuando os seus castigos. Através desta tese, pode-se estabelecer um
paralelismo com os dias de hoje, visto que, apesar de se considerar a sociedade democrática
atual justa, ainda há muitas diferenças determinadas pela posição social e riqueza de cada
indivíduo.
Por último, Beccaria aborda e critica a intervenção da Igreja nos assuntos políticos e a
similaridade de atuação dos tribunais eclesiásticos e dos tribunais comuns. Todos os tópicos
que desenvolve e defende estão conectados à sua mentalidade iluminista, especialmente ao
iluminismo penal.

Após demonstrar qual é a sua posição face à pena capital, o autor refere momentos
nos quais é justificável recorrer ao homicídio: quando um homem, apesar de preso, ainda
pode prejudicar a nação; quando o povo o quer ver morto e revolta-se contra o governo; ou

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em tempos de anarquia, devido à desorganização da sociedade. Retoma a sua tese original,
afirmando que, numa sociedade funcional e organizada, a pena de morte só se torna
justificável se esta fôr a única forma de dar o exemplo e desmotivar futuros criminosos.
Expressa essa opinião na passagem “não vejo necessidade alguma de destruir um cidadão,
senão quando a sua morte fosse o verdadeiro e único freio para dissuadir outros de
cometerem delitos”, na página 119, 1º parágrafo.
Esta opinião deve-se ao facto de que Beccaria defendia que a punição se encontrava dentro da
visão contratualista, ou seja, devia ser o freio que impedisse os homens de voltarem ao seu
estado natural de caos, mas devia ser a pena mais fraca, que tivesse o efeito pedagógico mais
forte e eficaz, tornando as penas que iam para além deste efeito abusivas e injustas. Esta
posição é visível na passagem “não deve haver senão aquele grau de intensidade que basta
para afastar os homens dos delitos", da página 120, 3º parágrafo. Para a sustentar os seus
ideais, o autor recorre a argumentos de autoridade, na página 119, referindo momentos da
história nos quais o derramamento de sangue acabou por se verificar inútil e até mesmo
prejudicial, como por exemplo na passagem “a experiência de todos os séculos, nos quais a
pena máxima não dissuadiu nunca os homens determinados a ofender a sociedade”.
Um dos argumentos utilizados por Beccaria para sustentar a sua tese é a explicação de
que o déspota e as leis estão simultaneamente a punir a traição e a autorizá-la, visto que estão
a executar um indivíduo que pertence à nação. Afirma que, quando alguém é condenado à
morte, não é apenas uma pessoa que o está a matar, é toda a sociedade, assim como o seu
soberano. Podemos verificar esta declaração na passagem “é uma guerra da nação com um
cidadão, porque julga necessária ou útil a destruição do seu ser.”, da página 118, 2º parágrafo.
O autor discorda da legitimidade deste ato, pois defende que o Homem não tem capacidade
nem conhecimento para determinar quem deve morrer ou viver. Isto é visível na passagem
“homem não é senhor de se matar”, da página 118, no 1º parágrafo. e que “é uma guerra da
nação com um cidadão, porque julga necessária ou útil a destruição do seu ser.”. Cesare
Beccaria defende que o ser humano abdica de um pouco da sua liberdade para viver em
sociedade (contratualismo), mas que este sacrifício não significa submissão total do seu
estado enquanto homem livre e que por isso, a sociedade não lhe pode retirar a liberdade de
viver, dado que este é um dos seus direitos naturais.
Realiza ainda outra crítica às leis que, tal como as paixões e as guerras, incitam o
derramamento de sangue, mas que não o deviam fazer, pois os homens não dão o seu direito
fundamental à vida ao seu soberano, direito este que se tem de assegurar sempre, protegendo
a fraqueza (acusados e condenados) da tirania.
O autor refere ainda que é bastante grave haver circunstâncias nas quais os homens
são incitados a matar, mas que isto ainda é mais preocupante quando é a própria justiça a
fazê-lo. Este argumento, bem como a crítica, são visíveis no 2º parágrafo, da página 123, na
passagem “as leis moderadoras das condutas dos homens não deveriam atormentar este cruel
exemplo, tanto mais funesto quanto mais a morte legal é dada de forma deliberada e solene.”,
sendo que o “cruel exemplo” remete para o exemplo que as paixões e as guerras dão de que
derramar sangue é aceitável. O autor repreende as leis que “detestam e punem o homicídio”
mas que são as mesmas a “cometer um e, para afastarem os cidadãos do assassínio, ordenem
um assassínio público”. Nestas passagens, ambas pertencentes à mesma frase, é feita a crítica
à hipocrisia do Direito Penal visto que este, através da pena de morte, castiga o homicídio
com outro homicídio, transformado-o num espetáculo.
Podemos ainda observar este argumento na passagem “O assassínio, que tem vindo a ser-nos
apresentado como um terrível delito, vemo-lo, todavia, a ser praticado sem repugnância e
sem furor”, da página 124, 3º parágrafo, na qual Beccaria escreve do ponto de vista de um
súbdito indignado, que não percebe como podem criticar o homicídio e depois recorrer a esse
ato para castigar um criminoso, sem qualquer tipo de hesitação.

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Beccaria defende que a pena capital é prejudicial para a sociedade, visto que
transforma um momento de castigo, reflexão e correção, num momento de espetáculo. No seu
argumento seguinte, o autor refere que o importante em aplicar penas aos criminosos é
prevenir que outros façam o mesmo. O facto da pena de morte ser encarada como o
espetáculo excessivamente cruel, faz com que a compaixão necessária para que as pessoas
não queiram estar no lugar do culpado, seja ofuscada pelo choque e desdém que o povo sente
relativamente a este castigo. Estes sentimentos são visíveis através da reação da população ao
ver o carrasco, como demonstra Beccaria na passagem “Quais são os sentimentos de cada um
sobre a pena de morte? Lemo-los nas expressões de indignação e desprezo com que cada um
olha o carrasco”, na página 123, 2º parágrafo. O autor afirma que o sentimento mais eficaz é
a compaixão que “deve prevalecer na alma dos espectadores”.
Cesare Beccaria pretendia tornar o sistema penal mais eficiente, defendendo que era
preferível que as leis fizessem os indivíduos ponderar antes de cometerem um crime. Assim
sendo, a Justiça dever-se-ia focar em prevenir os delitos, em vez de os punir, visto que este
tipo de funcionalismo, de acordo com Beccaria, é a base de uma nação equilibrada. O autor
argumenta que proibir atos não é o mesmo que prevenir que estes sejam cometidos, é apenas
possibilitar a criação de novos crimes.
Para os prevenir, é necessário aplicar penas com um efeito pedagógico eficaz. Beccaria
sugere a aplicação de castigos duradouros em substituição aos castigos mais curtos e rápidos,
visto que o lembrete contínuo de que algo é errado, é a melhor maneira de a pessoa não o
esquecer. Este argumento é visível na passagem “O império do hábito é universal sobre todo
o ser sensível (...) as ideias morais não se gravam na mente senão quando a percutem longa e
reiteradamente.”, da página 119, 3º parágrafo.
Para complementar esta perspetiva, recorre novamente ao argumento de que a execução
pública é vista como um espetáculo, não tendo o efeito pedagógico pretendido
comparativamente às penas longas, através da passagem “Não é o terrível mas passageiro
espetáculo da morte de um criminoso, mas o longo e penoso exemplo de um homem privado
de liberdade (...) que é o freio mais forte contra os delitos.”, nas páginas 119 e 120.
Imediatamente a seguir, explica que isto acontece devido à facilidade com que as pessoas se
imaginam a ser submetidas à mesma tortura que observam, algo que não acontece ao
assistirem a uma execução, pois vêem a morte como algo distante e desconhecido. Isto é
visível na passagem “eu próprio serei reduzido a uma tão longa e mísera condição se
cometer semelhantes crimes é bem mais poderoso do que a ideia da morte, que os homens
vêem sempre a uma distância obscura.”, da página 120, 1º parágrafo.
O autor não só critica o sistema punitivo, como também enumera soluções para o
converter num sistema mais justo e eficiente. A primeira sugestão que faz é a substituição da
pena de morte pela pena de escravidão perpétua.
Um dos problemas que a implementação desta pena resolveria eram os crimes cometidos por
homens que desejavam morrer. Nesta época, o suicídio convergia com os princípios da
religião e da sociedade e por isso, alguém que estivesse muito descontente com a sua vida e
quisesse morrer, podia-se sentir tentado a cometer um crime, na esperança de ser condenado à
morte (“outros por uma última e desesperada tentativa, ou de não viver, ou de sair da
miséria”, página 121, linhas 7 e 8). A substituição da pena de morte pela escravidão perpétua
desmotivaria estas pessoas, visto que o seu castigo não traria um fim aos problemas (“para o
desesperado não acabam mas começam os seus males”, página 121, linhas 10 e 11). Para
além de resolver esta questão, teria um efeito pedagógico bastante eficaz, visto que apenas
uma pena originava múltiplos exemplos (trabalhos que o condenado teria de fazer enquanto
escravo) que gerariam compaixão, contrariamente à pena de morte que só dava um exemplo,
a execução. Esta comparação está presente na passagem “Com a pena de morte cada exemplo

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que se dá à nação pressupõe um delito; na pena de escravidão perpétua um só delito oferece
muitíssimos e duradouros exemplos”, da página 121, nas linhas 17-20.
O autor exclarece que, ao contrário da pena de morte, a escravidão perpétua é pior na
perspetiva dos espectadores (“pena de escravidão, que assusta mais quem a vê do que quem a
sofre”), pois a imaginação tende a agravar os males. Esta afirmação está presente na
passagem “aquele que sofre encontra compensações e consolações desconhecidas e
inacreditáveis para os espectadores”, da página 122.

Baseando-se nas suas outras teses, Beccaria refere que outra solução para remediar e
reduzir a criminalidade é eliminar a corrupção dos magistrados, bem como a sua liberdade de
interpretação das leis, juntamente com a intervenção da Igreja. Devido à sua mentalidade
iluminista, defende a separação da igreja do Estado, visto que não concorda que a população
deva estar submetida aos poderes da Igreja e do Príncipe, simultaneamente, pois a religião e a
política são coisas diferentes, e que por essa razão não devem ser fundidas numa só.
Para complementar esta medida, e porque é contra as acusações e julgamentos secretos,
Beccaria defende também que as leis devem ser anunciadas publicamente, de forma a que
toda a população as conheça, para que não haja a possibilidade de serem alteradas conforme
os interesses privados. Estas leis devem ser claras e simples, de forma a evitar as diversas
interpretações, defendidas por toda a gente e não somente por quem possui o poder, ou seja,
conforme o interesse público. Esta opinião é visível na passagem “Quais são as leis
verdadeiras e as mais úteis? São aqueles pactos e aquelas condições que todos quereriam
observar e propor, quando se cala a voz - sempre ouvida - do interesse privado ou quando
este se combina com o público.”, da página 123.
Ao analisar o sistema legislativo da época, o autor critica a injustiça e a
corruptibilidade das leis, que só favorecem os mais ricos e poderosos, ou seja, que não são
igualitárias, o que provoca o descontentamento da população mais desfavorecida: “Que leis
são estas que devo respeitar, que deixam uma tão grande distância entre mim e o rico?”.
O autor desaprova a hostilidade e desdém que as ordens privilegiadas demonstram face aos
mais pobres e garante que são essas atitudes que provocam a revolta dos homens
(“ataquemos a injustiça na sua origem”) e a sua vontade de atormentar quem, outrora, os
atormentou (“corrigirei os erros da fortuna, e verei estes tiranos empalidecer e estremecer à
vista daquele que, com insolente fasto pospunham aos seus cavalos e aos seus cães”).
Defende que a injustiça das leis poderá criar uma desculpa para a sacrificação de uma morte
calma, desde que isso signifique que poderá usufruir de vários anos de liberdade e melhores
condições de vida (“terei um dia de sofrimento para muitos anos de liberdade”).
Beccaria argumenta, mais uma vez, a favor da pena de escravidão perpétua , pois esta
faria com que os homens repensassem as suas fututras ações antes de cometerem os delitos,
devido à incerteza que sentiriam relativamente à utilidade de sacrificar a sua liberdade apenas
para obter alguns anos de vida com mais qualidade. Explica que esta hesitação poderia evitar
a realização de delitos. Este argumento é visível na passagem “Mas aquele que vê diante dos
seus olhos um grande número de anos, ou mesmo todo o curso da vida passado na escravidão
(...) estabelece um útil paralelo de tudo isto com a incerteza do êxito dos seus delitos, com a
brevidade do tempo em que gozaria os seus frutos.”, da página 123, 1º parágrafo completo.
Beccaria critica a injustiça da Justiça, referindo a facilidade com que os magistrados e
inquisidores condenavam uma pessoa à pena máxima, reprovando também, a intervenção da
Igreja em assuntos políticos, nomeadamente através da criação de tribunais da Inquisição.
Argumenta que as leis da época eram meramente simbólicas, visto que quem determinava se
os arguidos eram absolvidos ou não eram os magistrados e inquisidores que, muitas das
vezes, realizavam a sua própria interpretação da lei (aquela que mais lhes convinha) e
condenavam injustamente. Esta perspetiva é visível na passagem “estas leis não são senão o

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pretexto da força e as meditadas e cruéis formalidades da justiça; não são senão uma
linguagem de convenção para nos matarem com maior segurança, como vítimas oferecidas
em sacrifício”, da página 124, 2º parágrafo.
Ainda para sustentar a sua posição face à intervenção da Igreja, afirma que, à época, a Igreja
estava mais preocupada com o seu poder e com submeter todos ao catolicismo, através da
intervenção nos assuntos políticos, do que em incentivar as pessoas a praticar o bem, como os
princípios da religião defendem. Para demonstrar esta crítica, Beccaria afirma que “o abuso
da religião tem mais poder do que a própria religião” (página 124, 3º parágrafo).
Como último argumento, bem como solução, Beccaria afirma que o aperfeiçoamento
da educação permetirá conhecer as verdades, curtas e escassas, e através desse conhecimento,
a população poderá perceber que as penas de longa duração são mais eficazes do que as de
curta duração, referindo que as “algumas poucas sociedades, e somente por pouco tempo, se
tenham abstido de aplicar a pena de morte” foram as que tomaram a decisão correta, e que
essas alturas são as partes da História que devem ser admitidas como verdadeiras, visto que
esta está cheia de mentiras, que moldam as opiniões das pessoas.

Esta obra foi escrita no século XVIII, período no qual predominava o regime
absolutista e, no caso italiano, o despotismo. Estes modos de governação estavam
interligados com a Igreja, visto que os países absolutistas defendiam o catolicismo e
reconheciam a autoridade do Papa. Verificava-se uma maior influência por parte da Igreja na
Península Itálica visto que, apesar de estar pouco organizada social e politicamente, era o
berço da Igreja Católica (Vaticano).
Foi neste século que o Iluminismo começou a dominar o mundo das ideias europeias,
devido à expansão dos países europeus e à obtenção de novos conhecimentos sobre outros
territórios, culturas e ideais. Com base nos conhecimentos provenientes das viagens a outros
continentes, o Iluminismo visava a razão (racionalismo), defendendo o antropocentrismo, e a
ideia de que os seres humanos eram capazes de tornar o mundo num lugar melhor através da
introspecção, priorizando o avanço da ciência. Foi com esta mentalidade que Beccaria
defendeu a importância do efeito pedagógico das penas, em vez de serem unicamente um
método para castigar os criminosos. Desta forma, as pessoas passariam a agir pelo dever (de
acordo com a teoria de Kant), e não contra o dever, nem conforme o dever. As ações
conforme o dever eram o resultado das execuções públicas, visto que as pessoas não
cometiam delitos por medo de serem condenadas, e não por perceberem que isso não era nem
racional, nem moralmente correto.
A teoria iluminista proporcionou a criação de diversas inovações, nos finais do século XVIII
e no início do século XIX. Esta mentalidade defendia o conhecimento racional, que superaria
os preconceitos e ideologias tradicionais, lutando contra a censura e intolerância, o que
colidia contra os dogmas defendidos pela Igreja Católica, mas que era apoiado pela Igreja
Protestante. Estes ideais proporcionaram a expansão dos direitos civis e a redução da
influência da aristocracia e do clero (“interesses privados”) nas decisões políticas.
No século XVIII, tanto os tribunais comuns, como os religiosos podiam determinar a
pena de morte, pelo que, muitas das vezes, esta era aplicada sem um motivo que a
justificasse. A Igreja Católica, importante e poderosa, dava grande uso à pena de morte,
através da Inquisição, condenando à morte quem se opunha ao catolicismo, realizando autos
de fé (figura 1). Isto era alvo de críticas por parte dos iluministas, incluindo Cesare Beccaria,
visto que estes defendiam que deveria existir uma separação do Estado e da Igreja, o que
negaria o poder ao Vaticano para aplicar a pena de morte.
A obra “Dos Delitos e das Penas” circulou pela Europa, influenciando a legislação
penal dos princípios protestantes, sendo por isso, o propulsor do movimento
filosófico-humanístico (Iluminismo) no âmbito do direito penal. Esta estigmatizava os erros e

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rigores das penas, revolucionando e introduzindo diversas ideias, como a igualdade de
punição para todos os cidadãos, que visava eliminar os privilégios que a aristocracia e clero
obtinham por terem uma relação próxima com o monarca (“monarca, alcançar o seu trono,
(...) saiba que se calará, diante dele, a sangrenta fama dos conquistadores”), que lhes permitia
ter penas atenuadas. A obra introduziu também o ideal da publicação das sentenças, de forma
a que fossem do conhecimento público. Incitava também o uso da razão, em vez do
cumprimento cego dos costumes tradicionais. Na conclusão do capítulo “Da pena de morte”,
Cesare Beccaria apela aos governadores de Itália, para que tivessem em consideração as
necessidades dos seus súbditos e quebrassem o despotismo.
Com base na desorganização do território italiano, na época, o autor termina o capítulo
salientando que, o monarca que tivesse em consideração as necessidades dos seus súbditos,
não teria de governar com mão de ferro (despotismo), pois o povo dar-lhe-ia acesso ao poder.
Isto é visível na última frase do documento “Se eles, digo, deixam substituir as antigas leis,
(...) isso é motivo para os cidadãos esclarecidos desejarem com maior ardor o contínuo
crescimento da sua autoridade.”

figura 1 - auto de fé (purificação


da alma através do fogo)

Bibliografia:
● Beccaria, Cesare - XXVIII Da Pena De Morte, Dos Delitos e Das Penas. 1764
● Costa, Alice; Gago, Marília; Marinho, Paula - Horizonte da História - volume 1 História
A 11.º ano. Lisboa: Texto Editores - Grupo LeYa, 2019

Webgrafia:
● https://www.wikiwand.com/pt/Forca
● https://www.blogderocha.com.br/nova-idade-media-cronica-de-ronaldo-rodrigues/roda-d
o-despedacamento/
● https://pt.wikipedia.org/wiki/Hist%C3%B3ria_da_It%C3%A1lia#Renascimento
● https://portal.estacio.br/docs%5Crevista_estacao_cientifica/10.pdf
● https://ponteeuropa.blogspot.com/2019/09/ha-479-anos-o-primeiro-auto-de-fe-da.html
● https://www.treccani.it/enciclopedia/dei-delitti-e-delle-pene_%28Dizionario-di-filosofia
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