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A LINGUAGEM GRÁFICA DA CRIANÇA (*) - Pilar Tetilla Manzano Borba -

“Garatujas são cartas que as crianças escrevem para si mesmas; são entendimentos consigo
mesmas” Goethe

No desenho livre da criança, as figuras parecem formar-se com base em processos que
pertencem às leis do crescimento. Quando o empenho gráfico chega ao fim, parece esgotado o
interesse da criança pelo que recém produziu.
Em seus desenhos, a criança nos mostra diferentes estados de consciência, que guarda
paralelismo com as épocas culturais da humanidade. (sensação, consciência de sono)
Seus desenhos pendulares e/ou circulares são chamados de garatujas.
Por volta dos três anos, quando a criança diz eu para si mesma, ela fecha o círculo colocando
um ponto dentro dele. Esse ponto é o símbolo gráfico do eu. Ela pode também desenhar uma
cruz dentro do círculo ou repartir esse círculo com vários raios. O círculo para a criança
representa aqui o ambiente externo, o mundo de fora, e o ponto, o ambiente interno, seu
mundo de dentro, seu Eu.
O fechamento do círculo pela criança coincide com a consolidação da última sutura dos ossos
frontais do crânio. Até então a criança e o mundo eram sentidos como uma unidade. A birra
aos três anos demonstra essa separação entre o eu e o não eu
No desenho, a garatuja espiralada denota a ação dos processos vitais ocorrendo dentro de seu
organismo como a circulação e a respiração. Já no cruzamento das linhas ocorre o processo de
endurecimento (consciência). O desenho da cruz acontece quando a criança já consegue um
maior equilíbrio quando parada na posição vertical, por volta dos dois anos e oito meses.
Dos três aos cinco anos a criança já se identifica com os ritmos, vive no movimento e se deixa
levar por eles. (percepção, consciência de sonho). Aqui não devemos perguntar nunca à criança
‘o que foi que ela desenhou’, pois todo desenho é o reflexo do processo interno de elaboração
corporal. Quando trazemos a consciência para a criança perturbamos sua formação orgânica
para o resto da vida.
A idade madura para a criança denominar-se por eu é por volta dos três anos. Quando ela fala
eu para si mesma antes dessa idade é porque o amadurecimento psíquico ocorreu antes do
amadurecimento somático e, isso o desenho do círculo pode nos revelar.
Na terceira fase do desenho, dos cinco aos sete anos, a criança já possui um propósito, um tema
para desenhar e elementos de fora dela podem surgir no desenho. Nesta fase a consciência já
está mais acordada pois seus órgãos já estão mais desenvolvidos se comparados com seu
nascimento.
Na evolução do desenho, partindo das garatujas surgem as curvas e as retas.
Por volta dos três anos, no desenho da figura humana, os braços aparecem na posição
transversal do tronco. A cruz aparece aqui como o elemento central. A própria criança se
inserindo nas direções do espaço. A partir dos três anos, o desenho da figura humana não
começa mais da cabeça mas sim do tronco. O centro de gravidade se desprende da cabeça e vai
para a parte do tronco.
Surge o esboço da figura humana com um círculo e uma linha vertical, como se fosse uma
árvore. A cabeça é ainda espiralada e o tronco aparece na vertical. Depois aparece uma cabeça
em cima de uma escada significando o sistema rítmico em desenvolvimento, as costelas e os
arcos vertebrais.

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Quando o homem-tronco aparece com os pés, em forma de grandes plataformas a criança
sente que seus pés ‘chegaram’ na terra. Mais tarde surge no desenho as pernas. A árvore agora
tem uma feição humana e a figura humana se parece com um tronco.
O movimento de oscilação, fluidez e repetição rítmica articulam esse ‘tronco humano’: a
verticalidade. A orientação espacial em torno do eixo de simetria (coluna vertebral) é agora
comum a todos os desenhos. O eixo determina a direção vertical. Linhas verticais, horizontais e
circulares aparecem nos desenhos da criança indicando a existência de grandes processos nos
vários sistemas orgânicos (circulatório, respiratório, metabólico). Aparecem no desenho
muitos cruzamentos na parte central com uma roda ou umas hélices parecendo pás de moinhos
significando o plexo solar, centro de convergência. Podemos ver esses desenhos nas rodas dos
carros e nas janelas dos sótãos.
Após o estágio do homem-tronco a criança os separa. No desenho do homem aparece o e
tronco em forma de escada. O tórax adquire forma gráfica (a coluna vertebral se articula e os
arcos das costelas abraçam o espaço torácico).
No desenho da árvore seus ramos vão para o espaço e onde terminam são colocadas as folhas.
As mãos primeiramente aparecem como raios, muitos ‘dedos’ representando os órgãos dos
sentidos que na infância estão captando o mundo por inteiro sem nenhum filtro. A criança
ainda não tem idéia de quantos dedos tem nas mãos. Lembrando que ela ainda está
desenhando sua vivência interna (sensação) e não sua forma externa (cognição).
Quando aparecem os triângulos a criança está vivenciando suas pernas e pés. A figura humana
agora possui cabeça, tronco e membros.
Enquanto vivencia o tórax o desenho do quadrado se faz presente e o desenho da linha do céu
surge quando a criança integra sua parte de baixo do corpo com a parte de cima (linha média
horizontal).
As estrelas cruzadas aparecem na integração do lado direito com o lado esquerdo do corpo
(linha média vertical).
O desenho da casa parte do círculo ou do quadrado e vai evoluindo para um quadrado com
um retângulo em cima. Surgem janelas, portas, telhado, fechadura, chaminé, caminho, cerca,
cortinas, arco-íris no céu, nuvens e sol. Resumindo, até a época da escolaridade, a criança vai
tomando posse de seu corpo no espaço, passo a passo. Ela só terá memória recordativa para a
aprendizagem escolar quando tiver elaborado dentro de si sua imagem corporal da cabeça aos
pés e se situado corporalmente no espaço tridimensional vivenciando as três dimensões do
espaço.
Agora sim, aos sete anos, a consciência infantil saiu de seu estado interno de sono necessário
para a formação saudável dos órgãos internos e acorda para o mundo de fora que a rodeia.
A criança estará pronta para o ensino fundamental quando no desenho da casinha (que
significa seu corpo) desenhá-la completa, com a chaminé na vertical emitindo uma fumaça.
Esta fumaça significa que as forças formativas que antes estavam ocupadas na formação do
corpo vital da criança, agora estão sendo liberadas para a aprendizagem escolar.

(*)Texto elaborado à partir do livro “A LINGUAGEM GRÁFICA DA CRIANÇA de


Michaela Strauss, tradução de Sandra Beck e Simone de Fáveri.

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