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Avaliação e Intervenção

Psicológica com Crianças e


Adolescentes

Aida Figueiredo
afigueiredo@ua.pt
Saúde mental infantil
 Estima-se que 10 a 20% das crianças tenham um ou mais problemas de saúde
mental; apenas 1/5 recebe o tratamento adequado (OMS; 2001).
 Muitas das perturbações psiquiátricas da infância e da adolescência podem ser
percursoras de perturbações muito incapacitantes na idade adulta  importância
da intervenção precoce (Merikangas & He, 2009).
 Na saúde mental da infância e da adolescência pode ser difícil distinguir o
normal do patológico, pois a existência de sintomas não implica a existência de
psicopatologia (Marques, 2009)  importância de uma boa avaliação clínica.

causarem
alterarem o
persistirem ao impacto
intensos e desadequados à desenvolvimento
longo do negativo em
frequentes idade psicológico
desenvolvimento várias áreas da
normal
vida

Joana Dias
Perturbação de Ansiedade Generalizada 300.02 (F41.1)
• DSM-5
A. Ansiedade e preocupação excessivas em mais de metade dos dias durante pelo menos 6 meses,
sobre vários acontecimentos ou atividades (atividade laboral ou escolar).
B. O indivíduo tem dificuldade em controlar a preocupação.
C. A ansiedade e a preocupação estão associadas com 3 (ou mais) dos 6 seguintes sintomas. Nas
crianças apenas é requerido 1 item:
1. Agitação, nervososimo ou tensão interior
2. Fadiga fácil
3. Dificuldades de concentração ou mente vazio
4. Irritabilidade
5. Tensão muscular
6. Perturbações do sono
D. A ansiedade, preocupação ou sintomas físicos causam mal estar clinicamente significativo ou
défice no funcionamento social, ocupacional, ou noutras áreas importantes do funcionamento.
E. A perturbação não é atribuível a efeitos fisiológicos de uma substância ou outra condição
médica.
F. A perturbação não é mais bem explicada por outra perturbação mental.
Perturbação de Ansiedade Generalizada 300.02 (F41.1)

• Mais de 90% dos indivíduos que cumprem os critérios da PAG


também cumprem critérios de pelos menos mais um transtorno
(Barlow, 2016)
• Muito associada a diversas queixas e condições físicas, incluindo
sintomas de dor física, sintomas gastrointestinais e queixas
cardiológicas
• Principal características da PAG é a preocupação excessiva ou pensar
repetidamente sobre os piores cenários envolvendo possíveis eventos
futuros (implicações no tratamento)
Perturbação de Ansiedade Generalizada 300.02 (F41.1)

• Terapias cognitivo-comportamentais são eficazes


• Terapia cognitiva e terapia de relaxamento também apresentam evidências
de eficácia
• No entanto, é uma das perturbações de ansiedade com menos sucesso no
tratamento – menos de 65% dos pacientes cumprem os critérios de alta
• Terapia comportamental baseada em aceitação – ampla classe de terapias
baseadas na teoria cognitivo-comportamental que incorporam
explicitamente métodos para promover a aceitação de experiências
internas (ex. terapia de aceitação e compromisso; terapia comportamental
dialética; terapia cognitiva baseada no mindfulness)- é dirigida
explicitamente à reatividade em relação a experiências internas e
evitamento de experiências e comportamentos.
Perturbação de Ansiedade Generalizada 300.02 (F41.1)

• Terapia de grupo e terapia individual


• Psicoeducação, prática de atenção de mindfulness, compromisso com
ações valorizadas têm evidências de sucesso na terapia em grupo.
• Terapeutas:
• que são capazes de tolerar emoções intensas e transmitir aceitação e ao
mesmo tempo, continuamente validam e expressam compaixão para com
indivíduos com problemas, proporcionando-lhes um exemplo de como
podem responder de forma diferente a suas próprias experiências e reduzir o
ciclo de reatividade e evitação que contribui para a manutenção de seus
sintomas.
• flexíveis
Perturbação de Ansiedade Generalizada 300.02 (F41.1)
• Avaliação:
• Da ansiedade e sintomas relacionados
• De pensamentos, sentimentos, sensações físicas e comportamentos relacionados com a ansiedade;
• contextos onde habitualmente ocorre e a frequência e gravidade dos sintomas (dão ao paciente elementos específicos de
suas respostas á ansiedade)
• Automonitorização contínua dos sintomas diários e recordação guiada de imagens (em vez do relato geral), uma vez que
tendem a fazer evitamentos.
• Escalas e ou questionários específicos
• Entrevistas
• Análise funcional (fatores de rsico, protetores e de manutenção)
• Entendimento do problema por parte da criança e família
• Contexto cultural e histórico
• Aliança terapêutica baseada na aceitação e compaixão (é natural que esteja ansioso antes de um teste, já
que é importante ter sucesso). Perceber se a criança entende porque está em consultas.
• Intervenção
• Psicoeducação
• Mindfulness (iniciar pelo desenvolvimento de habilidades e depois aplicação
• Consciência descentrada de experiências (convenções de linguagem – relatar pensamentos e sensações como factos ou
substituir “mas” por “e” (Ex. “Eu realmente queria muito ir à festa, mas estou muito ansioso” substituir por “Eu realmente
queria muito ir à festa e estou muito ansioso”
Caso clínico
 Dados biográficos
 Nome: J. M.
 Sexo: Masculino
 Idade: 11 anos
 Ano de Escolaridade: 5º ano
 Estado Civil: Solteiro
 Nacionalidade: Portuguesa
 Agregado familiar: Mãe – S., 44 anos,
contabilista; Pai – P., 45 anos, agente
imobiliário; Irmã – A.R., 15 anos, 10º ano.

Joana Dias
Diagnóstico
 Perturbação de Ansiedade mais especificamente Fobia Específica a Ambiente
Natural, 300.29 (F40.228)
 Quadros clínicos concomitantes: Fobia Específica Animal, 300.29 (F40.218), e Fobia
Especifica Situacional, 300.29 (F40.248) (APA, 2014).

C) o objeto ou a situação
A) medo ou ansiedade B) o objeto ou situação fóbicos
fóbico são ativamente evitados
marcados em relação a um quase sempre provocam medo
ou enfrentados com medo e
objeto ou situação específicos ou ansiedade imediatos
ansiedade intensos

F) o medo, a ansiedade ou o
D) o medo e a ansiedade são
E) o medo, a ansiedade ou o evitamento causam mal-estar
desproporcionais ao perigo
evitamento são persistentes, clinicamente significativos ou
real que o objeto ou a
durando mais de 6 meses um défice social, escolar,
situação específicos colocam e
ocupacional ou noutras áreas
ao contexto sociocultural
importantes do funcionamento

G) A perturbação não é mais


bem explicada pelos sintomas
de outra perturbação mental Joana Dias
Intervenção

1) avaliar e facilitar o processo de luto, uma vez que a morte do


avô já teria ocorrido há mais de um ano, mas ainda existia uma
dificuldade para se falar desse tema na família;

2) trabalhar com o J. M. as principais fobias que apresentava;

3) ajudar os pais a perceber as características do J. M., assim


como as dos restantes membros da família, explicando, ainda,
como alguns dos seus comportamentos estariam a servir de
fatores de manutenção para os problemas apresentados.
Joana Dias
Intervenção – Criação da Aliança
Terapêutica
 Criação de uma boa relação terapêutica, em que houvesse empatia, confiança
mútua, respeito, compreensão e aceitação.
 Uma sessão exclusiva para conhecer o J. M.
 Materiais utilizados: “O meu mundo” e “Vínculos do coração” do livro “Terapia
Criativa” (Ollier & Hobday, 2004).
https://www.wook.pt/livro/terapia-criativa-kate-ollier/201421

OBJETIVO
 Conhecer os gostos do J. M.
 Perceber quem era importante para ele
 Conhecer as dinâmicas familiares

Joana Dias
Intervenção – Processo de luto
 Objetivo do processo terapêutico no luto  aprender a viver apesar da perda.
 Os comportamentos privados, continuarão a ser experienciados  aqueles que
perdem a pessoa, devem aprender a conviver com essa ausência e retomar a
trajetória de sua vida.
 Materiais utilizados: “Um pedaço de mim” do livro “Terapia Criativa” (Ollier & Hobday,
2004)

 Mostrar que mesmo após a morte, há características e memórias da pessoa que


partiu que ficam em nós.
 “não falamos muito do meu avô lá em casa (…) se ele voltasse à vida a minha
avó e a minha mãe ficavam mais felizes” (sic. próprio).

Sensação de
alivio
Joana Dias
Intervenção – Fobias
Intervenção eclética

Modelo narrativo de re autoria de White e Epston


(1990, citado por Gonçalves & Henriques, 2000), para crianças e
adolescentes com problemas de ansiedade

Método de exposição, das terapias cognitivo-


comportamentais para o tratamento das fobias
(Antony & Barlow, 2002)

Joana Dias
Modelo narrativo de re-autoria (White &
Epston (1990)
 Os processos psicológicos são organizados de modo narrativo.
 A forma como damos sentido ao mundo e a nós próprios faz-se a partir da
construção e desconstrução de histórias  NARRATIVA

História que se constrói a partir de um conjunto de eventos e


experiências diárias, às quais atribuímos um significado, que por
sua vez se entrelaçam de forma particular ao longo do tempo,
levando ao desenvolvimento de enredos (Santos, Lopes & Neufeld, 2013).

OBJETIVO DA TERAPIA
 Desconstruir as narrativas e elaborar outras que sejam mais adaptativas, flexíveis  realização
dos objetivos do paciente;
 Permitir que o paciente entre em contacto com outros aspetos da experiencia vivida cujo
contacto lhe estava impossibilitado pelos efeitos da problemática (Gonçalves e Henriques, 2000) Joana Dias
Modelo narrativo de re-autoria (White &
Epston (1990)
 Na terapia narrativa de re autoria procura-se situar o problema fora do individuo
(≠ terapias mais tradicionais)

Enquadramento
discursivo do problema

Linguagem Identificação e
externalizadora amplificação de
resultados únicos

dimensões
essenciais no
processo
terapêutico
Joana Dias
(cf. Gonçalves e Henriques, 2000)
Linguagem externalizadora

 Ao contrário das terapias mais tradicionais, em que se vê o problema como


estando “dentro” do individuo, internalizando e fundindo o problema com
este, na terapia narrativa de re autoria procura-se situar o problema fora do
individuo. Este processo faz-se através do uso de linguagem externalizadora,
colocando o problema num espaço discursivo em que pode ser desafiado.

 Com este método pretende-se que o individuo assuma que é vitima do


problema e que não é o problema, que pode levá-lo comportar-se de forma
disfuncional e permite que antecipe como será sem o problema.
 Nas crianças, utilizar meios lúdicos como esculturas, desenhos, teatros pode
suscitar uma nova narrativa pessoal e conduzir ao desaparecimento do
problema de uma forma bastante rápida e eficaz.
Enquadramento discursivo do problema

 No que se refere ao enquadramento discursivo, é defendido que, no processo de


externalização, a construção de significados opera discursivamente, vivendo os problemas
não “dentro” das pessoas, mas em um espaço discursivo que lhes dá legitimação e certos
contornos (Gonçalves & Henriques, 2002). No entendimento desses autores, os problemas,
bem como os demais fenômenos psicológicos, como a cognição e a emoção, resultam de
processos linguísticos, sendo construídos pelas nossas formas de falar - sem palavras para
descrever a depressão ou a ansiedade, seria difícil nos referirmos a esses estados e
experienciar os acontecimentos associados a eles. Uma vez que a construção de significados
opera discursivamente, é importante analisar os dispositivos que alimentam as narrativas
sobre o problema, por exemplo: é possível que encontremos subjacentes às perturbações
alimentares os efeitos discursivos da indústria da moda, ou, no caso dos problemas de humor
de alguns adolescentes, as exigências criadas em um contexto escolar marcado por muita
competividade (Gonçalves & Henriques, 2002). Por essa razão, a análise das especificações
culturais e discursivas é imprescindível, pois permite ao terapeuta situar o problema no
contexto de vida do cliente, em vez de atribui-lo a um defeito interno deste. Além disso,
facilita a conscientização dos fatores sociais e culturais que reforçam o problema (Gonçalves
& Henriques, 2002).
Identificação e amplificação de resultados
únicos

 À medida que vai sendo realizada a externalização, vão surgindo situações em


que o indivíduo resiste ao problema. Daqui surgem momentos excecionais,
não dominados pelo problema, designados de resultados únicos, que são a
porta de acesso a novas narrativas mais congruentes com a vontade do
indivíduo. A mudança faz-se, então, através a expansão dos resultados únicos
(cf. Gonçalves e Henriques, 2000)
Modelo narrativo de re-autoria (White &
Epston (1990)
Terapias “tradicionais” Terapias de re-autoria

Localização dos Problemas vivem nas pessoas Problemas vivem nos discursos
problemas
Estratégia discursiva Internalização Externalização
predominante
Situação de exceção Possível desvalorização se Valorização – porta de acesso a
ao problema compreendido como acaso novas narrativas
Relação terapeuta- Terapeuta é o perito Cliente é o perito
cliente
Avaliação clínica Formal e potencialmente Contextual e colaborativa
não colaborativa (construída (construída pelo cliente e pelo
pelo terapeuta) terapeuta)
Objetivo Tratamento/redução Empowerment
Joana Dias
(Gonçalves e Henriques, 2000)
Intervenção – Fobias
 Material: “Pôr o medo a fugir: as tuas aventuras contra o tempo - Bloco de
atividades” (Henriques, Gonçalves & Freitas, 2012).
Identificação dos medos:
Reflexão acerca da natureza comuns entre todas as pessoas,
universal do medo dos seus pais e irmã e, por
último, os seus próprios.

Uso dos medómetros


(instrumentos que servem para
medir o medo)  peso, altura e
temperatura.

 11 medos
 + incapacitantes para o pp: medo dos cães/gatos, medo dos elevadores e
medo de dormir sozinho.
 Com auxílio dos pais percebeu-se que a fobia ao escuro seria prioritária de Joana Dias
intervenção  O J. M. pontuou esta fobia com intensidade 9, de 0 a 10.
Intervenção - Fobias

CRENÇAS DISMISTIFICADAS
 Ser raptado durante a noite
 Existirem monstros no quarto Relativas à fobia do escuro

 Precisar de ajuda dos pais durante a noite e não a ter

 Ficar preso num elevador, não poder ser ajudado por um


Relativa à fobia de elevadores
adulto, acabando por ficar sem ar e possivelmente morrer

 Todos os animais são perigosos e que vão atacar se tiverem Relativa à fobia dos cães/gatos
oportunidade

Joana Dias
Intervenção - Fobias

Exposição in-vivo

Consiste em expor o individuo ao objeto fóbico, de forma


controlada (cf. Antony e Barlow, 2002)

 Processo de exposição mostrou-se bastante facilitado por terem sido trabalhadas


as crenças previamente.
 Para enfrentar a fobia a cães  foram explicadas estratégias de aproximação
que poderiam ser feitas com a sua cadela
 Tentar enfrentar este seu medo quando sentisse que passo a passo poderia fazer
sucessivas aproximações à sua cadela.

Joana Dias
Intervenção – Treino de parentalidade
OBJETIVO PARA OS PAIS
 J. M. conseguir dormir sozinho  esperam mudança no filho e autorizam-na.

Em grade parte das situações, a sintomatologia ansiosa


da criança está associada a relações de dependência
entre o adulto e a criança

movimentos de autonomização

sentidos como comprometedores Sentidos como ameaçadores para


para quem os produz quem os observa
Joana Dias
(Gonçalves & Henriques, 2000)
Intervenção – Treino de parentalidade
 Alguns dos comportamentos por parte dos adultos faziam com que os
comportamentos de evitamento ao estimulo fóbico fossem perpetuados,
mesmo que de forma inconsciente.

Mãe ir dormir para a cama do J. M.

Resistência  medos
Ajustamento à morte Família quis voltar à
do escuro e de dormir
do avô materno rotina
sozinho

SOLUÇÃO ENCONTRADA
 Pai prestar auxilio, levando o J. M. à cama e ficando apenas alguns minutos com
ele  “comigo é diferente, se ele me chamar eu vou levá-lo à cama, venho-me
embora e ele passado um bocado vem chamar a mãe porque eu não fico lá” (sic
pai) (RESULTADO ÚNICO)
 Esta devolução pareceu importante, em especial para a mãe, pois tornou-se menos Joana Dias
temerosa pelo filho, permitindo que este fosse mais autónomo.

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