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WALLON E A PSICOGÊNESE DA PESSOA NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA

Patrícia Junqueira Grandino

Henri Wallon está entre os diversos teóricos, que no início do século XX, impulsionaram
importantes mudanças na educação, a partir de contribuições teóricas inovadoras. Sua ampla formação e
seu envolvimento político tornam seu pensamento abrangente e largamente fundamentado e, do ponto de
vista da psicologia, campo central de suas contribuições, seus trabalhos fizeram ver aspectos até então
desconhecidos do desenvolvimento infantil e da gênese do pensamento humano.
No Brasil, muito embora tenha influenciado o pensamento de alguns educadores brasileiros na
primeira metade do século XX, apenas no final da década de oitenta observa-se um aumento expressivo de
trabalhos que tomam esse autor como referência. Não por acaso, seu pensamento crítico e dialético, com
forte influência marxista, deve ter permanecido clandestino nos anos pesados da ditadura militar, iniciada
em 1964.
Reconhecida no Brasil como uma das teorias psicogenéticas, uma vez que procura compreender a
gênese e a evolução do funcionamento psicológico humano (La Taylle, et al., 1992) ao lado das de Piaget e
Vigotsky, nos últimos 30 anos, observa-se um crescente interesse no campo educacional pelas
contribuições desse filósofo, médico e psicólogo francês que, entre outras coisas, em seu país, foi
responsável pela elaboração de um meticuloso projeto
político educacional.
Em razão de sua formação ampla, desde a filosofia, passando pela medicina, até dedicar-se
inteiramente à psicologia, sua obra é bastante densa e marcada pelas referências dos campos de
conhecimento a que se dedicou. Além disso, sua trajetória clínica de atendimento a crianças com
deficiências neurológicas em instituições psiquiátricas e seu trabalho como médico do exército, durante a
Primeira Grande Guerra, redimensionaram sua compreensão sobre neurologia e sobre o desenvolvimento
humano.
Dessa amplitude de referências conceituais decorre a visão geral que os leitores têm de seus textos,
normalmente referidos como de difícil compreensão. Acontece que sua análise recorre aos diferentes
campos do conhecimento e está impregnada de referências médicas e a autores pouco familiares ao nosso
contexto. Isso nos esclarece Émile Jalley, na extensa introdução que faz ao livro A evolução psicológica da
criança, considerada a obra que melhor sintetiza o pensamento e contribuições teóricas do autor (Jalley,
2007).
Wallon é um pesquisador bastante erudito e atualizado para seu tempo. As críticas que tece a
abordagens adotadas no campo da psicologia consideram estudos de ponta que, à mesma época,
estavam sendo conduzidos em outras partes do mundo. Os textos de Wallon dialogam com outros autores e
estudos da área e de áreas correlatas e nem sempre ele explicita os nomes ou abordagens
subjacentes a seus argumentos. Não era norma, à época de seus escritos, identificar as fontes de referência
e, por essa razão, nem sempre é tranquilo reconhecer quem são seus interlocutores. Entretanto, a leitura de
Wallon permite perceber que ele marca sua posição apontando os limites de outras abordagens que enfocam
HENRI WALLON - (1879-1962). Fonte: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me4686.pdf
o complexo processo de desenvolvimento humano desde um aspecto ou dimensão, deixando de enfatizar ou
reconhecer a devida importância de outros, para ele igualmente relevantes.
Critica, por exemplo, a restrição das abordagens psicométricas que, por meio de testes, buscam
mensurar, quantificar e avaliar a inteligência infantil. Para ele, a complexidade da formação e
desenvolvimento da inteligência não pode ser apreendida pelos instrumentos, que têm alcance reduzido. Do
mesmo modo, a ele parecem parciais as abordagens freudiana e piagetiana, por priorizarem determinado
enfoque do desenvolvimento em detrimento de outros, como a ênfase nas vivências dos anos iniciais (em
Freud) e a pouca consideração às condições sociais (em Piaget).
Ainda com referência ao pensamento piagetiano, recusa a ideia de um avanço gradual das estruturas
mentais, entendendo que o desenvolvimento acontece em mais de um plano, simultaneamente, de sistema
em sistema, por superposição de planos (Jalley, op. cit., p. xxv).
Também questiona a visão linear que normalmente é conferida ao desenvolvimento, como se fosse
um sucessivo alargar de possibilidades e recursos internos. Wallon demonstra que, muito diferentemente
disso, o desenvolvimento humano é marcado por avanços, recuos e contradições e, para melhor
compreendê-lo, é preciso abandonar concepções lineares de análise e interpretação. (...)

Entendimento dialético dos estágios de desenvolvimento


A teoria psicogenética do desenvolvimento da personalidade de Henri Wallon integra a afetividade
e a inteligência. Sempre destacando que essa dinâmica é marcada por rupturas e sobreposições, elucida que
ela acontece por meio do mecanismo de ‘alternâncias funcionais’, esclarecendo que as mudanças de fases
não se dão por sucessão linear, como compreende, por exemplo, Piaget.
Para Wallon, o surgimento de uma nova etapa do desenvolvimento implica na incorporação
dinâmica das condições anteriores, ampliando-as e ressignificando-as. A criança atravessa diferentes
estágios que oscilam entre momentos de maior interiorização e outros mais voltados para o exterior, sendo
possível demarcar alguns deles ao longo do desenvolvimento infantil:
- Estágio 1 - Impulsivo (0 a 3 meses) Emocional (3 meses a 1 ano)
• Estágio 2 - Sensório-motor (12 a 18 meses) Projetivo (3 anos)
• Estágio 3 - Personalismo (3 a 6 anos)
• Estágio 4 - Categorial (6 a 11 anos)
• Estágio 5 - Adolescência (a partir dos 11 anos)

Para Wallon, o desenvolvimento, pensado dialeticamente, alterna momentos de maior introspecção


(etapas centrípetas) e de maior extroversão (etapas centrífugas). (...)
Vale ressaltar, ainda, que para Wallon o desenvolvimento não se encerra no estágio da
adolescência, mas permanece em processo ao longo de toda a vida do indivíduo. Afetividade e cognição
estarão, dialeticamente, sempre em movimento, alternando-se nas diferentes aprendizagens que o indivíduo
incorporará ao longo de sua vida.

HENRI WALLON - (1879-1962). Fonte: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me4686.pdf

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