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SUMÁRIO

1. Definição........................................................................ 3
2. Classificação................................................................. 3
3. Epidemiologia............................................................... 5
4. Fisiopatologia............................................................... 6
5. Quadro clínico............................................................... 8
6. Complicações neoplásicas....................................10
7. Diagnóstico.................................................................11
8. Tratamento..................................................................15
9. Seguimento ................................................................15
Referências bibliográficas..........................................18
GASTRITE ATRÓFICA AUTOIMUNE 3

1. DEFINIÇÃO destruição progressiva das células


parietais, induzem hipocloridria, se-
Descrita por Addison, Flint e Biermer
guida por acloridria. Autoanticorpos
(1860, 1870, 1872), a Gastrite Atró-
contra o fator intrínseco prejudicam
fica Metaplásica Autoimune (GAMA)
a absorção da vitamina B12, e as re-
consiste no ataque imunomediado às
percussões que surgem a partir deste
células parietais gástricas. Esta con-
processo serão discutidas adiante.
dição inflamatória progressiva crôni-
ca culmina na substituição das célu- A causa da gastrite autoimune é des-
las parietais pela mucosa atrófica e conhecida, mas é provável que as
metaplásica, predominantemente no pessoas afetadas tenham outros dis-
corpo gástrico. túrbios autoimunes de forma conco-
mitante, a exemplo da tireoidite au-
A interação entre autoanticorpos
toimune, diabetes tipo I, doença de
voltados contra a bomba de prótons
Addison e vitiligo.
das células parietais com células T
sensibilizadas direcionando-se na

HORA DA REVISÃO!
Histologia do estômago
As invaginações do epitélio superficial do estômago são denominadas de fovéolas gástricas.
Estas se conectam com glândulas gástricas, possibilitando que o produto glandular seja libe-
rado no lúmen estomacal.
As glândulas podem sem encontradas em todo o estômago e são comumente divididas em
3 tipos, variando a classificação conforme sua localização, assim, tem-se: glândulas gástricas
(produtoras de ácido clorídrico, localizadas no fundo e no corpo), glândulas pilóricas (secreto-
ras de muco, apresentando-se na região pilórica) e glândulas cárdicas (localizadas na cárdia
do estômago).
As glândulas gástricas são formadas por cerca de 5 células: células mucosas do colo, células-
-tronco (substituem células lesadas), células parietais (ou oxínticas, produzem fator intrínseco
e secretam ácido clorídrico), células principais (ou zimogênicas, secretam pepsinogênio e lipa-
se gástrica) e células enteroendócrinas (liberam gastrina).

2. CLASSIFICAÇÃO detalhada após a descoberta do He-


licobacter pylori por Warren e Mar-
Não há ainda uma classificação uni-
shall, em 1982. O Sydney System foi
versalmente aceita para a gastrite. A
atualizado em 1994, seguido por uma
primeira bem-sucedida foi a conhe-
publicação no The American Journal
cida como The Sydney System, em
of Surgical Pathology, passando a
1990. Esta foi a primeira classificação
GASTRITE ATRÓFICA AUTOIMUNE 4

existir a diferenciação entre gastrite HORA DA REVISÃO: H.Pylori


atrófica e não atrófica. Bactéria Gram negativa, o H. pylori é um
bacilo espiralado, apresentando assim ele-
Segundo o sistema atual, a gastrite vada mobilidade, estando sua forma heli-
atrófica é classificada em multifocal, coidal relacionada ainda a uma movimen-
quando causada por fatores ambien- tação tipo parafuso que facilita a entrada
e deslocação através da mucosa gástrica.
tais, dieta específica, ou H. pylori; e
Alguns potenciais fatores de risco para
corpus-predominante (autoimune).
infecção por este agente já foram repor-
Por ser a metaplasia uma caracterís- tados, a exemplo do consumo de tabaco,
tica histológica muito importante em superlotação doméstica, a infecção de
pacientes com gastrite atrófica, foi um membro familiar e um status socio-
econômico reduzido. No entanto, ainda
recomendado o emprego da palavra não se determinou uma causa definitiva
“metaplásica” em ambas as varian- para que ocorra a infecção pelo H. pylori
tes da gastrite atrófica (gastrite atró- e o câncer gástrico, visto que nem todo
fica metaplásica autoimune e gastrite indivíduo que entra em contato com a
bactéria desenvolve doença e/ou câncer.
atrófica metaplásica ambiental).
A gastrite por infecção por H. pylori é re-
Destaca-se, contudo, que em mui- sultante da comunhão de diversos fatores
tas vezes ocorre a sobreposição des- bacterianos que estimulam as células epi-
teliais e os macrófagos e ativam as célu-
tas variantes no curso da doença e a las dendríticas, além da promoção de uma
distinção entre as duas pode ser um resposta predominantemente do tipo Th1.
desafio. A tabela abaixo traz alguns Seu diagnóstico se dá a partir da endos-
pontos importantes que podem au- copia, da análise histológica do tecido
xiliar na caracterização das distintas e de culturas. Tem-se a opção da rea-
lização do teste rápido da urease, além
gastrites atróficas: de testes não invasivos como o teste da
GASTRITE ATRÓFICA ureia presente no ar expirado, sorologia
GASTRITE ATRÓFICA ME-
TAPLÁSICA AUTOIMUNE METAPLÁSICA MULTI- e detecção fecal de antígenos.
(TIPO A)
FOCAL (TIPO B) O tratamento visa a erradicação da H.
Pangastrite (antro e pylori e baseia-se, usualmente, na as-
Restrita ao corpo/fundo
corpo) sociação entre um inibidor de bomba de
Autoanticorpos Helicobacter pylori prótons com 2 antibióticos.
Anemia ferropriva -> Os esquemas podem incluir:
Anemia ferropriva
Anemia perniciosa Inibidor de bomba de prótons (IBP) em
Adenocarcinoma Gastrite com atrofia dose padrão + amoxicilina 1,0 g + cla-
gástrico tardia ritromicina 500 mg, duas vezes ao dia,
Tumor neuroendócrino Displasia epitelial e ade- durante 7 dias.
tipo 1 nocarcinoma gástrico IBP em dose padrão, uma vez ao dia +
claritromicina 500 mg, duas vezes ao
dia + furazolidona 200 mg, duas vezes
ao dia, durante 7 dias.

GASTRITE ATRÓFICA AUTOIMUNE 5

IBP em dose padrão, uma vez ao dia + em 0-10,9% ao ano. Sua prevalência
furazolidona 200 mg, três vezes ao dia +
cloridrato de tetraciclina 500 mg, quatro
aumenta com a idade e é maior nas
vezes ao dia, durante 7 dias. mulheres quando comparada com
Tratamentos alternativos para a infecção homens (3:1). Nos Estados Unidos,
têm sido propostos, incluindo o uso de verifica-se prevalência semelhante
antioxidantes com destaque crescente entre populações branca, afro-ameri-
para vitamina C, ao se demonstrar que
cana e hispânica, ocorrendo em am-
concentrações da mesma no estômago
de indivíduos infectados com  H. pylo- pla faixa etária. Existe uma importan-
ri  são, substancialmente, menores do te associação da GAMA com outras
que as de indivíduos saudáveis. doenças autoimunes, como tireoidite,
e cerca de 6-10% dos pacientes com
3. EPIDEMIOLOGIA diabetes mellitus tipo 1 tem GAMA
concomitantemente.
A GAMA tem prevalência em torno
de 2-5%, com incidência estimada

NA PRÁTICA!
O diagnóstico de gastrite autoimune pediátrica é importante devido ao risco de malignidade,
porém é frequentemente subestimado. Para aumentar a conscientização desta condição na
pediatria, trazemos o caso abaixo:
Criança, sexo feminino, de 12 anos, com histórico de palidez, dor epigástrica e menorragia,
sem histórico pessoal ou familiar prévio de doença autoimune, foi encaminhada ao Hospital
Universitário de Lausanne (Suíça) para avaliar anemia hipocrômica microcítica. que não res-
ponde ao tratamento com ferro por via oral. 
Dados de exames laboratoriais:

Hb 10,6 g/dL
VCM 64 fl
HCM 19,4 pg
CHCM 302G
Ferro 2,7 μmol/l
Ferritina 6 μg/l

Por conta do exame de sangue oculto nas fezes positivo e da calprotectina fecal elevada (705
μg/g), a criança foi submetida a endoscopia superior e inferior a procura de fontes de sangra-
mento ativo gastrointestinal. A colonoscopia e o exame histológico das biópsias do cólon, re-
alizadas durante o procedimento, não demonstraram nenhuma anormalidade. A imagem da
endoscopia digestiva alta também não foi notável, mas o exame histológico revelou gastrite
atrófica crônica, tanto ao nível antral quanto no fundo.
Especificamente, as biópsias de fundo mostraram uma atrofia completa das glândulas oxínti-
cas e metaplasia intestinal, acompanhadas por um infiltrado inflamatório moderado compos-
to por linfócitos, células plasmáticas, eosinófilos e neutrófilos raros. 

GASTRITE ATRÓFICA AUTOIMUNE 6

As biópsias antrais exibiram gastrite atrófica crônica moderada, sem atividade inflamatória
e metaplasia intestinal. A pesquisa de Helicobacter pylori foi negativa após coloração es-
pecial corada por Giemsa e coloração imuno-histoquímica com anticorpo anti- Helicobacter
pylori específico. 
O teste do antígeno fecal de H. pylori foi positivo e o paciente recebeu terapia tripla com amo-
xicilina, claritromicina por 14 dias e esomeprazol por 1 mês. O teste negativo para o antígeno
fecal subsequente confirmou a  erradicação do  H.pylori  .  No entanto, em uma endoscopia
digestiva alta de acompanhamento, realizada 15 meses depois, o exame histológico mos-
trou-se não modificado. 
A GAMA foi confirmada após investigações laboratoriais adicionais que revelaram a presença
de anticorpos anti-parietais (1/1280 título). Ademais, anticorpos anti-fator intrínseco foram
negativos e os níveis de vitamina B 12 eram normais (164 pmol / l).

4. FISIOPATOLOGIA Apesar da falta de entendimento dos


estágios complexos da patogêne-
O entendimento da patogênese da
se da gastrite autoimune, alterações
GAMA é um pouco desafiador por
histológicas foram bem estudadas,
várias razões: 1) a sua prevalência
sendo que a alteração inicial inclui a
é relativamente baixa, 2) em muitos
infiltração da mucosa oxíntica por lin-
casos, há uma  gastrite induzida  por
fócitos e células plasmáticas. 
Helicobacter pylori  e 3) nenhuma
manifestação, mesmo que mínima, A destruição desigual de células pa-
está presente nos estágios iniciais rietais com ilhas preservadas de mu-
da doença.  No entanto, é bem sabi- cosa oxíntica relativamente normal
do que fatores genéticos e ambien- leva ao aparecimento de “ilhas no
tais desempenham um papel impor- mar”.  Este fenômeno, também co-
tante no desenvolvimento da gastrite nhecido como pseudopolipose gás-
autoimune.  trica, é semelhante às lesões do cólon
em pacientes com colite ulcerosa. 
Utilizando modelos animais, foi pos-
sível descobrir genes de susceptibili- A hipocloridria, ou a diminuição/perda
dade autoimune à gastrite (Gasa1, 2, da secreção de ácido clorídrico, de-
3  e  4) nos cromossomos 4 e 6 e na senvolve-se como resultado da com-
região H2. Curiosamente, três destes binação de dois fatores: 1) perda da
genes estão localizados no mesmo mucosa oxíntica e 2) interrupção da
local que os genes de suscetibilida- maturação das células parietais. A
de ao diabetes mellitus (DM) de ratos ausência de feedback negativo das
diabéticos não obesos, o que pode- células parietais induz a hiperplasia
ria explicar a forte associação entre das células G e o aumento da secre-
GAMA e DM tipo 1. ção gástrica, o que, por sua vez, leva
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a pseudo-hipertrofia das células pa- de muco, que se assemelham fenoti-


rietais, semelhante aos efeitos indu- picamente à células mucosas antrais. 
zidos pelo inibidor da bomba de pró- Dependendo das características his-
tons nestas células Vale ressaltar que tológicas, subtipos de metaplasia in-
esse fenômeno não pode se desen- testinal foram descritos: intestino del-
volver nas glândulas atróficas, uma gado e colônico.  Estas, por sua vez,
vez que os anticorpos anti-parietais podem ser agrupadas em três tipos:
também se ligam seletivamente a H tipo 1, ou intestino delgado, com bor-
+ / K + ATPase.  da em pincel, “completa”, onde o teci-
Outro efeito importante da secreção do é totalmente substituído pelo epi-
gástrica elevada é a estimulação di- télio do intestino delgado, com todos
reta e a proliferação de células do tipo seus tipos celulares, e expressa sialo-
enteroendócrinas, que podem ser hi- mucinas; o tipo 3, ou colônico, sem
perplásicas, displásicas e neoplási- borda em pincel, “incompleto”, são cé-
cas. A progressão da hiperplasia nes- lulas metaplásicas formadas na vizi-
tas células para o subtipo neoplásico nhança das células gástricas normais,
pode resultar na formação de tumo- que expressam sulfomucinas; e o tipo
res carcinóides, que serão descritos 2, ou colônico, sem borda em pincel,
posteriormente.  “incompleto”, onde a metaplasia é se-
Áreas de metaplasia se desenvolvem melhante ao tipo 3, mas expressa as
dentro do corpo e do fundo gástrico: mucinas gástrica e intestinal.  Além
pseudopilórica, metaplasia intestinal das alterações patológicas acima
e pancreática. A metaplasia pseudo- mencionadas, pólipos inflamatórios
pilórica se desenvolve nas glândulas e hiperplásicos se desenvolvem nas
oxínticas a partir de células secretoras fases posteriores da GAMA. A muco-
sa oxíntica pode estar totalmente au-
sente na doença avançada.
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Anticorpos
anti-células
parietais e anti-
fator intrínseco

Perda de células
Hipo ou acloridria Hipergastrinemia
parietais

Diminuição da
Anticorpos Diminuição da Hiperplasia de células
produção de fator
anti-fator intrínseco absorção de ferro enteroendócrinas
intrínseco

Deficiência de Anemia ferropriva Tumor neuroendócrino


vitamina B12

Anemia perniciosa

SE LIGA! A associação entre GAMA


5. QUADRO CLÍNICO
e infecção por H. pylori em muitos pa-
A apresentação clínica da GAMA ge-
cientes levou a especulações de que H.
pylori pode, em alguns casos, induzir ralmente não está associada a nenhum
GAMA por imitação antigênica ou rea- sinal ou sintoma gastrointestinal es-
tividade cruzada. No entanto, essa hipó- pecífico. Ao contrário de outros tipos
tese é controversa e é objeto de pesqui-
sa ativa.
de gastrite, sintomas, como a dor, não
estão em primeiro plano;  além disso,
Pacientes com GAMA são menos pro-
pensos a serem infectados por H. pylo- os pacientes com GAMA não têm ris-
ri do  que controles pareados  por  ida- co de desenvolver úlcera gástrica ou
de. Duas explicações possíveis para isto duodenal. A acloridria leva a sintomas
são que o epitélio intestinal metaplásico
se torna inadequado para a  coloniza-
como atraso no esvaziamento gástri-
ção  por  H. pylori,  e que a hipocloridria co, supercrescimento bacteriano no
associada incentiva o crescimento ex- intestino delgado e aumento de infec-
cessivo de outras espécies bacterianas ções gastrointestinais, como colite por
no estômago.
Clostridium difficile. 
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Os achados iniciais mais comuns são grave deficiência de cobalamina, le-


distúrbios hematológicos (variantes vando a anemia macrocítica-mega-
de anemia em 37% dos casos), se- loblástica. Os pacientes que desen-
guidos por uma histologia positiva volvem deficiência de vitamina B12
para gastrite (34%).  Em menos de apresentam queixas gastrointestinais
10% dos pacientes uma suspeita clí- e neurológicas, como má absorção,
nica da GAMA foi despertada pela diarreia, perda de peso, glossite, dor-
presença concomitante de outras do- mência periférica, parestesia com de-
enças autoimunes, doença celíaca, senvolvimento subsequente de fra-
sintomas neurológicos ou história fa- queza, e ataxia.  Além disso, podem
miliar positiva. surgir distúrbios mentais que vão do
A anemia microcítica, expressão da esquecimento até a psicose.  A ane-
deficiência de ferro, é um sinal de mia perniciosa não tratada é fatal.
apresentação comum, sendo causa- A associação entre gastrite autoimu-
da pela acloridria, que prejudica a ab- ne e outras doenças autoimunes é
sorção de ferro. Um estudo demons- bem reconhecida. Como citado an-
trou que em até 30% dos pacientes teriormente, vários relatos destaca-
com anemia por deficiência de ferro e ram uma associação significativa com
nenhuma evidência clínica de perda diabetes mellitus tipo 1.  A associa-
de sangue, foi encontrada a GAMA.  ção mais comum, no entanto, é com
Os sintomas de deficiência de ferro tireoidite autoimune (“autoimunida-
incluem fadiga, síndrome das pernas de tireogástrica”), uma vez que mais
inquietas, unhas quebradiças, perda de 50% dos pacientes com GAMA
de cabelo e função imunológica e ci- têm anticorpos anti-tireoperoxidase
catrização de feridas prejudicadas. A circulantes.
anemia, independentemente da etio- Pacientes recém-diagnosticados com
logia, resulta em falta de ar, tontura, GAMA devem, portanto, ser rastrea-
taquicardia e diminuição das fun- dos para doenças da tireóide.  Asso-
ções cognitiva e física.  Na gravidez, ciações significativas também foram
pode ocasionar complicações como relatadas com vitiligo, alopecia, do-
recém-nascidos prematuros e bai- ença celíaca, miastenia grave e he-
xo peso. Uma característica típica da patite auto-imune. Mais raramente, o
gastrite autoimune é a refratariedade diabetes tipo 1 ou a doença de Ad-
à terapia oral com ferro. dison são encontradas e devem ser
A doença avançada é clinicamente consideradas caso os sintomas não
mais óbvia, quando a perda progres- se resolvam após o tratamento das
siva de células parietais resulta em deficiências.
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Anemia macrocítica -
Anemia microcítica
megaloblástica

Fadiga, unhas quebradiças, Má absorção, diarreia,


perda de cabelo, tontura, perda de peso, glossite,
CLÍNICA
taquicardia, diminuição da parestesia, fraqueza, ataxia,
função cognitiva e física distúrbios mentais

Refratariedade ao Concomitância com outras


tratamento com ferro oral doenças autoimunes

6. COMPLICAÇÕES intestinal e a infecção concomitante


NEOPLÁSICAS por H. pylori. É importante ressaltar
que o tratamento com erradicação da
A incidência de neoplasias gástricas
H. pylori em pacientes com lesões
é maior em pacientes com GAMA
pré-cancerosas conhecidas não re-
quando comparados a população em
duz significativamente a incidência
geral. As neoplasias mais comuns as-
do tipo de câncer em questão.
sociadas a doença são o câncer gás-
trico do tipo intestinal e o carcinoide O modelo fisiopatológico do desen-
gástrico tipo I. volvimento do câncer gástrico foi
descrito por Correa e Piazuelo e é
conhecido como “cascata de Correa”.
Câncer gástrico do tipo intestinal Um modelo simplificado da cascata
pode ser dividido da seguinte forma:
Os dois fatores mais conhecidos por
mucosa gástrica normal evolui para
trás deste câncer são a metaplasia
gastrite não atrófica que, por sua vez,
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evolui para gastrite atrófica múltipla níveis altos e tipo III níveis normais. As
sem (inicialmente) e com (mais tarde) alterações patológicas no carcinóide
metaplasia intestinal, evoluindo para gástrico tipo I são iniciadas pela per-
displasia que progride de baixo para da do feedback negativo das células
alto grau, e, por fim, o câncer gástrico. parietais na secreção de gastrina.  A
Note-se que a GAMA sem  infec- hipo/acloridria resulta, subsequente-
ção concomitante por H. pylori não é mente, em hipergastrinemia que, por
considerada parte da cascata acima sua vez, tem efeitos tróficos nas cé-
mencionada. Nem todos os pacientes lulas enteroendócrinas. A hiperplasia
com gastrite induzida por H. pylori de- destas, seguida por sua displasia é
senvolvem o câncer gástrico. As chan- considerada lesão pré-cancerosa e,
ces são maiores quando certos fato- com o tempo, pode progredir para o
res de virulência estão presentes. Por carcinóide em questão.
exemplo, foi demonstrado que cepas A detecção de pólipos durante a en-
de H. pylori CagA-positivas apresen- doscopia em pacientes com GAMA
tam risco significativamente maior de está fortemente associada a presença
desenvolvimento de úlcera péptica e de carcinóide gástrico tipo I.  Pacien-
câncer gástrico em comparação com tes com este tipo de carcinóide ge-
cepas CagA-negativas. ralmente são assintomáticos, embora
possam estar presentes sintomas de
dispepsia e anemia ferropriva.  É por
Carcinoide gástrico tipo I isso que o diagnóstico geralmente é
Embora tenha sido reconhecido que a feito durante a endoscopia.
GAMA está associada ao aumento do
risco de desenvolvimento deste tipo
7. DIAGNÓSTICO
de câncer, a incidência exata não é
conhecida. Existem três tipos conhe- O diagnóstico é realizado através da
cidos de carcinóides gástricos: o tipo I combinação entre achados clínicos
está associado a GAMA, o tipo II pode (sintomatologia e exames labora-
estar presente em pacientes com ne- toriais, além da presença de outras
oplasia endócrina múltipla (NEM) I e condições autoimunes) e biópsia do
síndrome de Zollinger-Ellison, e o tipo estômago.
III, a variante mais agressiva, geral-
mente ocorre esporadicamente. 
Endoscopia e histologia
Os níveis séricos de gastrina variam de
acordo com o tipo de carcinóide gás- O padrão ouro para o diagnóstico da
trico, sendo que tipos I e II possuem gastrite autoimune é a endoscopia,
GASTRITE ATRÓFICA AUTOIMUNE 12

com biópsias de antro e corpo cole- Se houver atrofia extensa, dobras


tadas separadamente, com achados rugais são achatadas, vasos submu-
histológicos típicos. A aparência en- cosos podem ser visíveis e pseudo-
doscópica da GAMA nos estágios ini- pólipos ou pólipos (hiperplásicos ou
ciais pode não demonstrar diferença adenomatosos) podem estar presen-
da mucosa gástrica saudável. Contu- tes. Os achados histológicos típicos
do, com o aumento da perda da mu- mudam durante o curso da doen-
cosa oxíntica, podem ser observados ça.  Nas fases iniciais, é encontrada
pseudopólipos que imitam a muco- infiltração linfocítica e plasmocitária
sa relativamente normal, enquanto o da mucosa oxíntica, principalmente
ambiente é atrófico. multifocal, com acentuação na porção
glandular mais profunda.

Imagem endoscópica da gastrite autoimune a) exibindo atrofia incipiente de corpo e b) demonstrando cobertura da
mucosa gástrica por psudopólipos no corpo e no fundo.
Fonte: DABSCH, 2016.

A mucosa adelgaçada, com aumento da visualização dos vasos mucosos e redução das pregas gástricas costuma ser
um achado comum encontrado na endoscopia, quando em estágios mais avançados da doença.
Fonte: EMORY et al, 2000.
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As glândulas oxínticas podem ser des- difusa da lâmina própria, com atrofia
truídas e as células parietais mostram acentuada das glândulas oxínticas. A
alterações pseudo-hipertróficas. Des- metaplasia intestinal se torna percep-
taca-se ainda que a hiperplasia das tível. O estágio final da doença é de-
células enteroendócrinas é um achado finido por redução distinta ou perda
precoce. A coloração imuno-histoquí- total de glândulas oxínticas. Além dis-
mica das células G pode ajudar a iden- so, podem ser encontrados pseudo-
tificar o local da biópsia, pois o diag- pólipos ou pólipos hiperplásicos, bem
nóstico de GAMA só pode ser feito a como metaplasia pancreática ou in-
partir de biópsias de corpo ou fundo. testinal. Nos estágios finais, a reação
Após a progressão da doença, é encon- inflamatória é reduzida em compara-
trada uma infiltração linfoplasmática ção aos estágios iniciais da doença. 

Fonte: ROSTY, 2019

A classificação da gastrite do Sydney Resumidamente, diferentes variáveis​​


System define a gastrite autoimune morfológicas, incluindo  densidade
como inflamação restrita a mucosa de H. pylori , atividade de neutrófilos,
oxíntica associada a atrofia glandular inflamação crônica (densidade de cé-
completa difusa no corpo, em um su- lulas mononucleares), atrofia do antro
jeito negativo para H. pylori. A avalia- e corpo e metaplasia intestinal, são
ção histopatológica da mucosa gás- pontuadas com base em uma esca-
trica por meio de biópsia é pontuada la analógica visual (0 = ausente, 1 =
por padrão, de acordo com a classifi- leve, 2 = moderado, 3 = grave). 
cação do Sistema Sydney na Alema-
nha e em outros países. 
GASTRITE ATRÓFICA AUTOIMUNE 14

SAIBA MAIS!
A medição do ácido gástrico pode ser útil para diagnosticar os estágios iniciais da gastri-
te autoimune quando as alterações histológicas são mínimas, mas a hipo ou a acloridria já
está presente. No entanto, até o momento não existe um método tecnicamente adequado
disponível.
A amostragem endoscópica da secreção gástrica, após estimulação com gastrina, e deter-
minação posterior da concentração de íons hidrogênio por titulação é precisa, mas também
demorada e requer equipamento técnico específico.
A simples medição intragástrica do pH durante a endoscopia a partir de aspirados seria um
método rápido e barato, mas surgiram preocupações de que isso não seria capaz de refletir a
secreção de ácido gástrico ou o volume de secreção ácida. Mais estudos são necessários para
testar a eficácia e os benefícios da medição de pH ou ácido gástrico na GAMA.

Testes sorológicos são específicos para o diagnóstico


de GAMA, mas prevêem o nível de
O biomarcador sérico mais sensível
atrofia. 
para a gastrite autoimune é o autoan-
ticorpo anticélula parietal (ACAP). No Uma combinação de autoanticorpos
passado, um método de imunoflu- e níveis de gastrina e pepsinogênio
orescência era usado;  no entanto, a compõe o chamado teste GastroPa-
identificação da H / K ATPase gástrica nel, um teste não invasivo (ELISA) para
como alvo molecular da ACAP levou diagnóstico de atrofia antral, do corpo
a um ELISA, que é mais sensível. An- ou multifocal.  Embora teoricamente
ticorpos de fator intrínseco provaram bastante promissor, os dados da ex-
ser mais específicos;  no entanto, a periência clínica são controversos.
sensibilidade é muito baixa, aumen-
tando com a progressão da doença. SE LIGA! Na gastrite autoimune, o per-
Foi  sugerida  uma combinação de fil sorológico típico inclui autoanticorpos
contra fator intrínseco e células parie-
ACAP e anticorpo fator intrínseco tais.  Os níveis de ACAP e a hipergas-
com anti-Helicobacter pylori e gas- trinemia (o pH gástrico mais alto leva
trina sérica.  Ressalta-se ainda que a hiperplasia das células G antrais e a
consequente hipergastrinemia) se cor-
esses autoanticorpos específicos po-
relacionam significativamente com o
dem preceder os sintomas clínicos envolvimento inflamatório da mucosa
em anos, como demonstrado em vá- oxíntica, enquanto os níveis séricos de
rios outros distúrbios autoimunes. Os autoanticorpos anti-fator intrínseco se
correlacionam com a atrofia da mucosa.
níveis de gastrina e pepsinogênio não
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8. TRATAMENTO cura de estágios iniciais da gastrite


autoimune.
As estratégias terapêuticas da GAMA
e sua forma avançada de anemia per- O carcinoide gástrico tipo I tem um
niciosa dependem de manifestações excelente prognóstico, portanto, dife-
clínicas, resultados laboratoriais e de rentes abordagens foram sugeridas:
imagem. A terapia com a suplemen- vigilância, polipectomia e antrectomia
tação de ferro, ácido fólico e cobala- (remoção da parte do estômago pro-
mina é comumente recomendada nos dutora de gastrina). Um possível tra-
estágios iniciais, antes da progressão tamento foi introduzido recentemen-
para a anemia perniciosa.  te, consistindo no uso de netazepide,
um antagonista do receptor de gas-
O suplemento oral de vitamina B12 é
trina, que demonstrou diminuir o nível
usado, uma vez que foi demonstrado
plasmático de CgA, juntamente com
que 1% da vitamina B12 livre pode ser
o número e tamanho do tumor.
absorvida no intestino delgado por di-
fusão passiva. No entanto, em pacien- Outra opção de tratamento é consi-
tes com manifestações neurológicas, derar o uso de análogos da soma-
atualmente é recomendada a adminis- tostatina. Em um estudo prospectivo
tração parenteral de vitamina B12. em uma população de 107 indivíduos
com gastrite atrófica crônica, os auto-
Dado o fato da GAMA estar altamen-
res mostraram que o uso de análogos
te associada a outras condições au-
da somatostatina resultou em uma
toimunes, uma investigação diagnós-
redução nos níveis médios de gastri-
tica apropriada deve ser conduzida
na e CgA e, portanto, deve ser consi-
especialmente para distúrbios como
derado como terapia eficaz. Uma for-
tireoidite autoimune e DM tipo 1.
ma nova e emergente de terapia para
A detecção e o tratamento subse- o tratamento de tumores neuroen-
quente para a  infecção  por  H. pylo- dócrinos é o uso de radioterapia por
ri corresponde a outra estratégia tera- receptores peptídicos, embora essas
pêutica muito importante devido aos novas terapias não tenham sido ain-
riscos associados a coinfecção por H. da estudadas prospectivamente para
pylori.  Uma vez que foi confirmado gastrite atrófica autoimune.
por vários estudos que a infecção por
H. pylori  pode induzir processo au-
toimune no revestimento gástrico, 9. SEGUIMENTO
incluindo mucosa oxíntica, a erradi- O paciente diagnosticado com a do-
cação de  H. pylori  pode diminuir os ença precisa ser acompanhado, prin-
níveis de anticorpos associados a cipalmente devido ao já discutido ris-
GAMA e tem se mostrado eficaz na co de desenvolvimento de cânceres.
GASTRITE ATRÓFICA AUTOIMUNE 16

Alguns autores recomendam que alterações encontradas, com a reali-


apenas uma endoscopia no momen- zação de endoscopia a cada 3-5 anos,
to do diagnóstico seria suficiente. No por exemplo, se hiperplasia de células
entanto, outros sugerem que a abor- enteroendócrinas; anual, na presença
dagem com endoscopia tenha uma de lesões pré-neoplásicas; ou ainda
certa periodicidade a depender das em períodos mais curtos de tempo na
ocorrência de fatores de risco, como
anemia perniciosa, metaplasia intes-
tinal ou idade > 50 anos.
GASTRITE ATRÓFICA AUTOIMUNE 17

Adenocarcinoma
gástrico

Pseudopólipos de
Tireoidite autoimune
Complicações neoplásicas mucosa parietal “ilhas no
mar”

DM I Tumores
Predisposição genética Anemia ferropriva
neuroendócrinos

DOENÇAS
Anticorpos ASSOCIADAS Anemia perniciosa
anti-células parietais

Anticorpos anti-fator
FISIOPATOLOGIA QUADRO CLÍNICO Erradicação de
intrínseco
GASTRITE H. pylori (se houver)
ATRÓFICA
Doença inflamatória
AUTOIMUNE
Autoimune TRATAMENTO Reposição vitamínica
crônica progressiva

Investigar outras
DIAGNÓSTICO EPIDEMIOLOGIA doenças autoimunes

Tratar câncer, caso haja


Endoscópico/Histológico/ Prevalência: 2-5%
Sorológico
Endoscopias posteriores
Incidência: para acompanhamento
0-10,9% ano

M:H = 3:1
GASTRITE ATRÓFICA AUTOIMUNE 18

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