Você está na página 1de 22

SUMÁRIO

1. Introdução...................................................................... 3
2. O patógeno................................................................... 3
3. Epidemiologia............................................................... 6
4. Fisiopatologia............................................................... 7
5. Manifestações clínicas.............................................. 8
6. Diagnóstico.................................................................14
7. Tratamento..................................................................17
8. Conclusões..................................................................20
Referências bibliográficas .........................................21
LEISHMANIOSE VISCERAL 3

1. INTRODUÇÃO clínicas da leishmaniose variam de


acordo com a patogenicidade do pa-
O termo leishmaniose se refere às
rasita (que difere entre espécies) e
doenças causadas por protozoário do
a resposta imune celular genetica-
gênero Leishmania. Ela é transmitida
mente determinada pelo hospedeiro
pela picada da fêmea do mosquito
humano, podendo variar de assinto-
flebótomo. Conforme a região, vários
máticas e autolimitadas à comprome-
animais e até o homem pode atuar
timento da pele e mucosas.
como reservatório. As manifestações

PRINCIPAIS SÍNDROMES DA LEISHMANIOSE

LOCAIS
DOENÇA CLASSIFICAÇÃO QUE PODEM
ACOMETER

Cutânea
Tegumentar
Mucosa

Leishmania
Baço

Visceral Fígado

Medula óssea

2. O PATÓGENO forma de amastigotas intracelulares.


As fêmeas dos mosquitos servem
A Leishmania é um parasita dige-
como vetores. Elas ingerem macrófa-
nético com duas formas básicas. No
gos contendo amastigotas quando se
homem e em outros animais, é en-
alimentam do sangue de um reserva-
contrada no interior de fagócitos
tório contaminado. No intestino da fê-
mononucleares (macrófagos) sob a
mea do mosquito, a Leishmania sofre
LEISHMANIOSE VISCERAL 4

uma transformação, tomando a forma como uma antropozoonose que pode


de promastigotas,que são flagelados se apresentar na forma cutânea loca-
e extracelulares; até que, após várias lizada, cutânea disseminada, cutânea
etapas de diferenciação se transfor- difusa, mucocutânea e leishmaniose
mam em metacíclicos infecciosos, visceral (LV).
que irão migrar para o aparelho bucal O principal reservatório desse pro-
do mosquito e são inoculados quando tozoário no ambiente urbano é o ca-
o flebótomo tenta se alimentar novam chorro (Canis familiaris), enquanto
ente (figura 1). no ambiente rural normalmente os
reservatórios são animais silvestres
como raposas e marsupiais. Os veto-
res da doença são mosquitos fêmeas
hematófagos conhecidos como fle-
botomíneos, que podem ser do gê-
nero Phlebotomus no velho mundo e
do gênero Lutzomyia no Novo Mun-
do, como é o caso do Brasil, onde as
principais espécies de vetores são o
Lutzomiyia longipalpis e o Lutzomyia
cruzi.
A LV apresenta um período de incu-
bação bastante variável tanto para o
homem como para o cão. No homem
varia de dez dias a vinte e quatro me-
ses e no cão varia de três meses a vá-
rios anos. Em relação ao período de
transmissibilidade, o vetor poderá se
infectar enquanto o parasitismo per-
sistir na pele ou no sangue circulante
Figura 1 – Ciclo de vida da Leishmania. Cecil, 2012. dos reservatórios.

A leishmania causa doenças que po-


dem se apresentar de formas mui-
to distintas, a depender do agen-
te etiológico (subtipo específico de
Leishmania) e da resposta imunoló-
gica do paciente, sendo classificada
LEISHMANIOSE VISCERAL 5

O PATÓGENO
CONCEITO! De forma simplificada, o
ciclo da vida da Leishmania é resumido
pela picada de um flebotomíneo infecta-
do a um ser humano ou outro reserva-
tório (mais comumente o cão),infectan-
do-o com promastigotas de Leishmania Cutânea localizada
que apresentam a capacidade de invadir
macrófagos e sobreviver dentro deles.
Nos macrófagos, a promastigota passa Cutânea disseminada
para a forma amastigota, se replicando
e posteriormente infectando outros ma- Apresentação Cutânea difusa
crófagos. Quando o flebotomíneo pica
um reservatório infectado pela Leishma-
nia, ingere macrófagos infectados por Mucocutânea
amastigotas, que são então liberadas no
intestino do flebotomíneo. As amastigo- Leishmaniose visceral
tas passam então novamente à forma
de promastigotas, e assim o ciclo da vida
da Leishmania se reinicia.

Cachorro Principal reservatório


em ambiente urbano

As fêmeas do gênero
Mosquitos Lutzomyia são os
principais vetores do
Novo Mundo

3 meses a vários anos

No cachorro
Período de
incubação No homem

10 dias a 1 ano
LEISHMANIOSE VISCERAL 6

3. EPIDEMIOLOGIA braziliensis. Outras espécies menos


comuns são: L. guyanensis, L. lainso-
A forma visceral (também conhecida
ni, L. naiff.
como Kala-azar, palavra de origem
indiana que significa febre negra, fa- Os registros da OMS de 2015 indi-
zendo com que a doença ficasse po- cam cerca de 200.000 novos casos
pularmente conhecida como calazar de LV nesse ano, no entanto, acredi-
no Brasil) é endêmica em 88 países, ta-se que esses dados sejam muito
incluindo países da África, Ásia, Eu- subestimados, uma vez que a LV é
ropa e América Látina. No Brasil, os uma doença endêmica de áreas po-
estados com maiores prevalências de bres, com assistência limitada à saú-
LV são MG, Bahia, Cerá, Piauí e Ma- de e problemas tanto na assistência
ranhão. A doença predomina no meio quanto na notificação da doença,
periurbano. principalmente na África. A LV é uma
doença de notificação compulsória no
O agente etiológico é a Leishmania
Brasil. Há ainda muitos casos assin-
chagasi (sinônimo de L. Infantum).
tomáticos que não são descobertos e
Na índia, China e na África o agente
notificados.
é a L. donovani. Em países do medi-
terrâneo e norte da África é o L. in- Fatores de risco para infecção entre
fantum. Agentes etiológicos como o os moradores das áreas endêmicas
L. Tropica e L. mexicana são associa- são: idade < 5 anos, coinfecção pelo
dos à forma tegumentar da doença, HIV ou outra forma de imunodeficiên-
mas há relatos de caso de leishma- cia e desnutrição.
niose visceral tendo esses agentes
como causadores.
A forma tegumentar é endêmica na
América Latina. Brasil, Peru e Bolívia
são responsáveis por 90% dos casos.
No Brasil, a maior incidência é na re-
gião Norte e Nordeste.
No Brasil existem 6 espécies de
Leishmania responsáveis pela doen-
ça humana, e mais de 200 espécies
de flebotomíneos implicados em sua
transmissão. O mais prevalente é a L.
LEISHMANIOSE VISCERAL 7

Figura: Ilustração mostra a epidemiologia da Leishmaniose no Brasil. Fonte: https://www.vetsmart.com.br/cg/


estudo/13418/milteforan-o-unico-produto-aprovado-para-tratamento-da-leishmaniose-visceral-canina-no-brasil

4. FISIOPATOLOGIA autolimitadas, e a menor parte evolui


para a leishmaniose visceral clássica
LEISHMANIA VISCERAL
(ou calazar).
A infecção é adquirida quando uma fê- Alguns estudos acreditam que esta
mea de flebotomíneo inocula promas- susceptibilidade é por uma associa-
tigotas em uma área exposta da pele, ção genética entre a leishmania e o
que pode formar um nódulo cutâneo, gene SLC11A1 (regula a atividade do
úlcera ou não ter nada (maioria dos macrófago); assim como o polimor-
casos). Os parasitas se convertem fismo da IL-4. Sendo que o tipo de
em promastigotas e se multiplicam no resposta imune montada contra o pa-
interior de fagócitos mononucleares tógeno determina as consequências
e se disseminam através dos vasos da infecção: Resposta Th1 consegue
linfáticos e do sistema vascular para conter o processo infeccioso de for-
outros fagócitos ao longo de todo o ma mais adequada, pois eles ativam
sistema reticuloendotelial. A maioria os macrófagos através de citocinas
das infecções serão assintomáticas e
LEISHMANIOSE VISCERAL 8

como IL-12, IFN-gama e TNF-al- reduzindo a reação inflamatória con-


fa, levando a destruição das formas tra a infecção. Além disso, para serem
amastigotas intracelulares. Entretan- capazes de sobreviverem e se repro-
to, pacientes que secretam IL-10 tem duzirem dentro dos macrófagos, as
uma resposta Th1 frustrada, evoluin- amastigotas impedem a produção de
do com uma multiplicação desenfre- superóxido por parte do macrófago,
ada do parasita, compondo o quadro bem como reduz a produção do óxido
clínico no calazar. nítrico, importantes mecanismos de
O parasita parece ter diversos me- exposição à radicais livres para com-
canismos adaptativos para impedir bate a microorganismos invasores.
o combate efetivo do organismo do
hospedeiro contra ele. A Leishmania LEISHMANIA TEGUMENTAR
reduz a ativação das células T CD4+,
A sequência de eventos é a seguinte:

Inoculação
Lesão Resposta Necrose
pelos Ulceração
cutânea granulomatosa na pele
flebotomíneos

O exame histopatológico revela in- cutâneas parecem apresentar relação


flamação crônica e aguda, com alte- com o desenvolvimento de uma res-
rações granulomatosas. Células mo- posta imunológica adequada. Apa-
nonucleares do sangue periférico de rentemente, pacientes com resposta
individuas com leishmaniose cutâ- imunológica inadequada (predomi-
nea típica produzem interferon-y em nantemente Th2), apresentam maior
resposta a antígenos de Leishmania risco de apresentar a forma cutânea
in vitro, e os pacientes apresentam disseminada da doença.
reação de hipersensibilidade do tipo
tardio. Na lesão, parece haver um
equilíbrio entre uma imunidade ce- 5. MANIFESTAÇÕES
lular protetora e uma exacerbadora CLÍNICAS
da doença. Por fim, as células T com LEISHMANIOSE VISCERAL: Estu-
resposta Th 1 (ação pró-inflamató- dos indicam que cerca que a maioria
ria) predominam e ocorre a cura da dos pacientes infectados pelo L. Infan-
lesão, deixando uma cicatriz atrófica tum são assintomáticos (proporção
no local. As diferentes apresentações
LEISHMANIOSE VISCERAL 9

de 4:1), sendo descobertos apenas manifestações podem ser encontra-


através de testes sorológicos. da na tabela 1. Esses pacientes apre-
No caso de pacientes sintomáticos, sentam sintomas com início insidioso
alguns autores dividem em: forma no decorrer de meses, normalmente
aguda e forma crônica. Basicamente, apresentando fadiga, febre, perda
diz respeito ao tempo de evolução da ponderal e esplenomegalia, que pode
doença. Na forma aguda, os sinto- ser acompanhada por hepatomega-
mas mais comuns apresentados pe- lia – normalmente menos significativa
los pacientes são febre alta, calafrios, que a esplenomegalia. Esses pacien-
diarreia (pode ser do tipo disenteria) e tes podem apresentar dor abdominal
esplenomegalia até 5 cm do rebordo em virtude da distensão da cápsula
costal esquerdo (RCE). esplênica, principalmente em casos
de evolução mais rápida.
A forma crônica é a mais comum, co-
nhecida como calazar clássico, cujas

INCUBAÇÃO/
LEISHMANIA/ PRINCIPAIS
INICIO/ SINAIS LABORATÓRIO
CARACTERÍSTICAS SINTOMAS
EVOLUÇÃO

• Anemia(normocíti-
ca-normocrômica);

• Trombocitopenia,

• Leucopenia (po-
Esplenomegalia,
dendo chegar
hepatomegalia.
à 1000/ml) às
Febre, mal-estar, Pode ter icte-
custas de neutro-
8-11 Meses anorexia, perda rícia, epistaxe,
penia (pode ter
VISCERAL Incidioso / ponderal e gengivorrafia,
eosinopenia).
Crônico. aumento do volume petéquias. Além
• Gama-GT (9-10
abdominal. de edema e asci-
• g/dl)
te, causados pela
• TGO, TGP  (raro)
hipoalbuminemia.
• VHS e PCR 

• Presença de au-
toanticorpos e
imunocomplexos

Tabela 1. Principais manifestações clínicas da Leishmania visceral.


LEISHMANIOSE VISCERAL 10

Com a progressão da doença, os pa- imunocomplexos. Esse quadro costu-


cientes podem se apresentar anêmi- ma apresentar melhora espontânea
cos (e hipocorados ao exame físico), com o tratamento da LV.
emagrecidos, com ascite em virtude Além disso, há associação entre a
de hipoalbuminemia, podem apre- presença de LV e imunossupressão,
sentar até mesmo disfunção hepáti- com coinfecções bacterianas compli-
ca, e como consequência, icterícia. cando o quadro clínico. O quadro da
Raramente, pacientes apresentam LV apresenta alta mortalidade, che-
também acometimento do intestino, gando a 10% mesmo com tratamento
apresentando diarreia crônica. Em es- adequado, apresentando mortalidade
tágios tardios, esses pacientes tam- ainda maior em pacientes imunossu-
bém podem apresentar complicações pressos, principalmente aqueles com
hemorrágicas (hemoptise, sangra- HIV, que representam cerca de 6%
mento gengival) em virtude de pla- dos pacientes com LV no Brasil.
quetopenia e redução dos fatores de Em virtude da alta prevalência des-
coagulação. se achado nos pacientes com LV, a
Cerca de 40% dos pacientes com esplenomegalia é um dos principais
LV apresentam algum grau de com- sintomas para guiar o médico no ra-
prometimento renal, sendo o achado ciocínio diagnóstico, pensando no
mais comum a presença de proteinú- diagnóstico diferencial das condições
ria aumentada. Em uma pequena que causam esplenomegalia. Confira
porção dos pacientes, é detectada esse fluxo com algumas das princi-
também redução da taxa de filtração pais causas de esplenomegalia!
glomerular. Es-
sas lesões pa-
recem estar
relacionadas
a uma nefrite
intersticial por
LEISHMANIOSE VISCERAL 11

PACIENTE COM
ESPLENOMEGALIA ATENÇÃO! Fique atento! Em áreas
endêmicas, pacientes com quadro de
febre de evolução crônica, associada
a perda ponderal devem ter a leishma-
niose visceral listada como diagnósti-
PACIENTE COM co diferencial, além de suspeitas mais
ESPLENOMEGALIA comuns como tuberculose, neoplasias
hematológicas e HIV. A presença de
esplenomegalia aumenta significativa-
mente a probabilidade de diagnóstico
de Leishmaniose visceral.
Outros diagnósticos diferenciais para
Leucemias e linfomas pacientes com LV são esquistossomose,
Causas malária, linfoma e histoplasmose.
hematológicas
Mielofibrose

Infecções virais (CMV,


Causas EBV, parvovírus e etc.)
infecciosas
Leishmaniose visceral

Causas auto-
LES
imunes

Figura 1. Ilustração mostra paciente apresentando des-


conforto abdominal, febre e fraqueza, alguns dos princi-
pais sintomas da Leishmaniose visceral. Disponível em:
Miscelânea Doença de Gaucher https://www.tuasaude.com/sintomas-de-leishmaniose/

Principais diagnósticos diferenciais para casos de


esplenomegalia, um dos principais achados que guia a
investigação diagnóstica dos pacientes com Leishma-
niose visceral.
LEISHMANIOSE VISCERAL 12

LEISHMANIOSE TEGUMENTAR: O
período de incubação da Leishma- SE LIGA! O que define a manifestação
nia tegumentar é de 1-3 meses. A cutânea da Leishmaniose é principal-
mente a relação entre a resposta imuno-
leishmaniose cutânea inclui diversas
lógica do paciente e o grau de replicação
formas de variação pode ir desde cutâ- da Leishmania. Pacientes com doença
nea difusa, caracterizada por lesões localizada apresentam baixa replica-
cutâneas nodulares disseminadas, ção do protozoário, em virtude de uma
intensa resposta pró-inflamatória Th1,
contendo um grande número de ma- que ativa os macrófagos e reduz a pro-
crófagos infectados com amastigotas. liferação da Leishmania. Pacientes com
Essas lesões nodulares não evoluem lesões difusas, normalmente não apre-
para úlceras, uma vez que a resposta sentam lesões ulcerativas, e sim nódulos
nos quais há grande replicação dos pro-
Th1 protetora não se desenvolve de tozoários, em virtude de um predomínio
forma adequada e a síndrome persis- de resposta Th2 e liberação de citocinas
te indefinidamente; manifestando-se como o IL-4 e IL-10 que apresentam
ações que reduzem a inflamação crô-
na forma de lesões destrutivas crôni-
nica, através de diversos mecanismos,
cas. Nas lesões típicas, que são úlce- como por exemplo uma menor ativação
ras indolores únicas, há evidência de de macrófagos.
uma resposta Th1 intensa, produção Pacientes com imunodeficiências (a
de IL-10 diminuída e baixa resposta mais comum delas sendo em decorrên-
cia de coinfecção pelo HIV) costumam
exógena de IL-10. O mesmo paciente
apresentar resposta imunológica ina-
pode apresentar apenas uma ou múl- dequada, e apresentam riscos maiores
tiplas lesões cutâneas. de desenvolver a forma disseminada da
doença.
Nas lesões ulceradas, pode ocorrer
infecção bacteriana sobreposta, o
que pode dificultar o diagnóstico clíni-
co com base na morfologia da lesão.
O diagnóstico diferencial é bastante
extenso, por isso é muito importante
buscar na história do paciente se ele
mora em região endêmica da doença
e questionar sobre como foi a evolu-
ção da lesão. O diagnóstico diferen-
cial inclui miíase cutânea, pioderma
granuloso, impetigo, liquen simples
crônico, malignidades cutâneas, úlce-
ra tropical, tuberculose cutânea e di-
versas outras lesões cutâneas.
LEISHMANIOSE VISCERAL 13

FORMA CARACTERÍSTICAS

Lesões únicas ou múltiplas indolores, que variam com a espécie e resposta imunológica.
Começa como pápula eritematosa no local da picada dos flebótomos > nódulo > úlcera.
Essa evolução costuma durar algumas semanas. As lesões podem ser úmidas ou secas
CUTÂNEA
(com crosta central). Essas lesões persistem por meses/anos e se curam espontaneamen-
te. Alguns estudos sugerem que a L. braziliensis pode causar linfadenopatia regional,
febre e esplenomegalia antes da lesão aparecer.

CUTÂNEA Mais rara. Começa com uma pápula que não ulcera, formando múltiplos nódulos na face
DIFUSA e extremidade. Progride lentamente e pode persistir por décadas.

Pequena porcentagem dos infectados por L. braziliensis pode desenvolver essa forma.
Atinge nariz, boca, faringe ou laringe. Geralmente aparece após meses/anos da cicatri-
zação da primeira ulcera cutânea. As lesões se caracterizam por uma resposta granulo-
MUCOSA matosa crônica que pode destruir septo nasal ou palato. A leishmaniose mucosa pode
desenvolver formas mais graves da doença, passando a apresentar acometimento da
laringe, que é indicado pela presença de rouquidão, tosse, odinofagia e até mesmo dis-
túrbios ventilatórios obstrutivos.

Tabela 2. Principais manifestações clínicas da Leishmania tegumentar

Figura 2. Ilustração mostra paciente pediátrico apresentando forma mucosa da leishmaniose, associada a infecção
bacteriana superposta. Fonte: Velozo, D., Cabral, A., Ribeiro, M., Motta, J., Costa, I. and Sampaio, R. (2019). Leishmaniose
mucosa fatal em criança.
LEISHMANIOSE VISCERAL 14

Leishmania visceral
Faz-se uma suspeita diagnóstica pre-
suntiva com base na clínica do pa-
ciente, sendo mais difícil na fase ini-
cial e em pacientes com AIDS, que
apresentam quadro clínico atípico. Ou
seja, pensar sempre em calazar se:
Febre associada a esplenomegalia.
A confirmação é feita pela presença
dos amastigotas em tecidos ou com
o isolamento de promastigotas em
cultura. O aspirado do tecido pode
ser realizado no baço (padrão ouro),
medula óssea (menos sensível: 70%),
fígado e linfonodos (quando aumen-
tados). Para a cultura o meio mais uti-
lizado é o NNN, Schneider e LIT, sen-
Figura 3. Lesão Leishmania tegumentar curânea
do que leva cerca de 5-15 dias para
Cecil,2012. as formas promastigotas se prolifera-
ram e o exame positivar (sensibilida-
de de 60%).
6. DIAGNÓSTICO
Apesar de não ser utilizado para fins
REQUISITOS PARA REALIZAR
diagnósticos, o teste intradérmico de ASPIRADO ESPLÊNICO:
Montenegro é usado para triagem. Esplenomegalia > 3 cm
Ele é realizado com extrato de antí- TP > 60%
genos da Leishmania (é semelhante Plaquetopenia > 40 mil
ao PPD), que se baseia na “memó-
ria imunológica” dos linfócitos Th1. O
teste permanece positivo por anos, Pode-se eventualmente visualizar a
mesmo após a resolução do qua- Leishmania no esfregaço de sangue
dro. Entretanto, ele não é reativo em periférico, porém é pouco sensível
pessoas com Leishmaniose visceral. (30%).
Possui melhor resultado na Leishma- Os testes sorológicos são úteis para
nia tegumentar. triagem e apesar de muito sensíveis,
Abaixo, falaremos mais especifica- são pouco específicos, ou seja, sem-
mente sobre cada tipo: pre deve-se confirmar o resultado
LEISHMANIOSE VISCERAL 15

positivo com a pesquisa direta do pa-


rasita. Os testes sorológicos se tornam FIQUE ATENTO! Apesar dos testes
menos sensíveis naqueles pacientes sorológicos serem úteis na investiga-
ção de pacientes com suspeita de LV, e
que apresentam imunodeficiências
apresentarem a vantagem de não serem
primárias ou adquiridas. Testes mo- invasivos, a biópsia deve ser realizada
leculares também são utilizados, de- para confirmar o diagnóstico, através da
tectando o DNA da Leishmania, apre- presença de amastigotas. Os sítios em
que a biópsia apresenta maior sensibili-
sentando como vantagem o fato de dade para esse diagnóstico são medula
identificar pacientes imunosupressos. óssea e baço.
Como foi descrito no quadro clínico,
diversas alterações decorrentes da
progressão da LV, causam alterações
de diversos exames laboratoriais,
como anemia normocítica e normo-
crômica, neutropenia, eosinopenia,
trombicitopenia, elevação de transa-
minases, hipoalbuminemia e eleva-
ção de bilirrubina.
LEISHMANIOSE VISCERAL 16

MAPA MENTAL SOBRE A LEISHMANIOSE VISCERAL

Áreas endêmicas: Febre, palidez


oligossintomáticos cutâneo-mucosa
Acomete principalmente órgãos
linfoides: baço, fígado, medula
óssea, linfonodos

Hepatoesplenomegalia

Agente etiológico:
CLÍNICA
FISIOPATOLOGIA
Leishmania chagasi
Emagrecimento
progressivo e queda
do estado geral
LEISHMANIOSE
Vetor: flebotomíneo VISCERAL Pancitopenia
Anemias, infecções e
hemorragias

Criança < 10 anos Aspirado da medula


EPIDEMIOLOGIA DIAGNÓSTICO
óssea

Imunoensaios
Sexo masculino Teste de enzimáticos e
Pobreza e baixo nível Montenegro imunofluorescência
socioeconômico

Negativo na Não é diagnóstico. Apenas


fase ativa vigilância epidemiológica
LEISHMANIOSE VISCERAL 17

Leishmania tegumentar caso da ação da anfotericina B con-


tra a leishmaniose, isso ocorre atra-
Deve sempre ser considerada como
vés de outros mecanismos de ação.
possibilidade diagnóstica em casos
Estudos in vitro indicam que a anfo-
de lesões cutâneas localizadas e crô-
tericina B apresenta capacidade de
nicas. A confirmação é por meio da
inibir a respiração celular dependente
identificação das amastigotas no te-
de oxigênio da forma amastigota, au-
cido ou do crescimento em cultura de
mento da permeabilidade da mem-
promastigotas. Para isto, a análise é
brana celular da leishmania causando
feita através de realização de biopsia
perda de moléculas importantes para
e aspirado da margem da lesão. Este
o seu metabolismo. A anfotericina in-
material é utilizado para análise em
terefere, ainda, com o funcionamen-
lâmina e para cultura. A cultura é fei-
to do transporte ativo de substâncias
ta no meio NNN e é pouco sensível
importantes para o metabolismo do
(40%), demora semanas para ficar
protozoário, causando efeitos impor-
pronto. A sorologia tem sensibilidade
tantes como redução da eficácia do
de 75%. Os testes sorológicos ou de
transporte de glicose do meio ex-
PCR para detecção da leishmaniose
tracelular para o meio intracelular.
tegumentar podem ser utilizados de
Através desse conjunto de ações, a
forma semelhante à da Leishmaniose
anfotericina B é uma droga que apre-
visceral.
senta alta eficácia no tratamento da
leishmaniose.
7. TRATAMENTO Drogas pentavalentes antimoniais
A anfotericina B lisossomal é a droga como o glucantime e pentostan fo-
que apresenta maior eficácia e segu- ram usadas por muito tempo como
rança terapêutica como monoterapia a primeira linha de tratamento para
no tratamento da LV. Há ainda a op- Leishmaniose, no entanto, devido a
ção de uso da anfotericina B desoxi- menor toxicidade da anfotericina, o
colato, no entanto, essa opção apre- papel dessas drogas como primeira
senta mais efeitos colaterais, com escolha na monoterapia tem caído.
destaque para a nefrotoxicidade. Efeitos colaterais importantes dessa
droga é a alta incidência de flebite e
A ação clássica da anfotericina B é
até mesmo de trombose, problema
através da toxicidade contra a mem-
este que é atenuado, mas não solucio-
brana celular fúngica, particularmente
nado com a diluição da droga. O uso
contra o ergosterol, uma molécula se-
de acessos venosos centrais também
melhante ao colesterol que compõe a
não é suficiente para evitar o desen-
parede celular fúngica. No entanto, no
volvimento de flebite. Além disso, há
LEISHMANIOSE VISCERAL 18

risco aumentado de desenvolvimento administração dos antimoniais. Ou-


de pancreatite aguda, existindo indi- tros efeitos colaterais comuns, no en-
cação de dosagens 2 vezes por se- tanto menos graves, são náuseas, dor
mana da amilase sérica e interrupção muscular, astenia e cefaleia.
do uso dos antimoniais em caso de Outras drogas aprovadas para uso
elevação da amilase acima de 4 ve- na leishmaniose são a paromomicina,
zes o valor de referência. miltefosina e isetionato de pentamidi-
Alguns autores indicam ainda o uso na. Essas drogas são menos utiliza-
de monitorização eletrocardiográfica das do que a anfotericina B e que os
durante a infusão da droga, em vir- pentavalentes antimoniais. A combi-
tude do risco de arritmias cardíacas, nação de drogas pode ser necessária
que normalmente são rapidamen- em casos de Leishmania resistente, o
te revertidas com a interrupção da que não é comum no nosso meio.

LEISHMANIA TRATAMENTO
Realizar internamento para terapia.
• - Primeira escolha: Anfotericina B (desoxicolato ou lipossomal), sendo a desoxi-
colato 1ª escolha em pacientes com HIV, e a lipossonal 1ª escolha em > 50 anos,
portadores de transplante hepático, renal e/ou cardíaco, portadores de insuficiência
renal crônica e nas gestantes. A dose da anfotericina lisossomal cumulativa deve ser
VISCERAL
de 20mg/kg, no entanto, existem diversos esquemas com diferentes durações, não
existindo evidência de aumento de eficácia entre eles desde que se mantenha a dose
final de 20mg/kg.
• - Segunda escolha: Antimoniais pentavalentes (Glucantime ou Pentostan) 20 mg/
Kg/dia, IV ou IM, por 20-30 dias.

Semelhante ao tratamento para a forma visceral.


• Primeira escolha: antimonial pentavalente (Glucantime), 15 mg/kg/dia de antimônio
(formas cutâneas puras) ou 20 mg/kg/dia (formas cutaneomucosas), via IM ou IV,
TEGUMENTAR por 10-30 dias.
• Outras opções: Anfotericina B 25-50 mg/dia, IV, até completar a dose cumulativa de
1.200- 2.000 mg do antibiótico OU Pentamidina 4 mg/kg, IV, a cada dois dias (mais
eficaz para a Leishmania guyanensis).
LEISHMANIOSE VISCERAL 19

FLUXOGRAMA SOBRE A LEISHMANIOSE VISCERAL E TEGUMENTAR

TEGUMENTAR LEISHMANIOSE VISCERAL

Cutânea Muco-cutânea Apresentação clínica:


• Febre irregular e de longa
duração;
• Hepatoesplenomegalia e
linfadenopatia;
Apresentação clínica: • Anemia com leucopenia
Apresentação clínica:
• Lesão confinada à derme; • Hipergamaglobulinemia
• Lesão na derme com
• Única ou múltiplas; • Edema, emagrecimento e
invasão de mucosa e
• Lesão pode variar conforme caquexia.
cartilagem;
a espécie infectante.
• Acomete nariz, boca,
laringe e faringe;
• Lesão mucosa costuma
surgir após resolução da
Principais agentes: lesão de pele.
Principais agentes:
• L. braziliense • L. lodovani
• L. guyanensis • L. chagasi
• L. chagasi • L. infantum

Diagnóstico: Diagnóstico:
• Clínica compatível em Tratamento: • Clínica compatível em
localidade endêmica • Glucatime localidade endêmica;
• Biópsia da borda da lesão • Pentostan • Confirmação laboratorial
• Sorologias costumam ser • Anfotericina B lipossomal por aspirado de baço ou
negativas medula óssea.
LEISHMANIOSE VISCERAL 20

8. CONCLUSÕES inflamatório, são associados à ativa-


ção celular e produção de TNF e INF
A patogênese da leishmaniose está
GAMA;
fortemente relacionada a resposta
imune. Enquanto que na Leishma- A resposta imune inata (Capacidade
niose visceral a IL-10 tem um papel microbicida de macrófagos e monóci-
importante na Supressão da res- tos) tem papel importante no controle
posta imune e, consequentemente da infecção em indivíduos infectados
no desenvolvimento da doença, na por L. Brasilienses;
Leishmaniose cutânea e mucosa, a Macrófagos e células T ativadas atra-
resposta imune é exagerada e asso- vés da produção de citocinas pró-in-
ciada a dano tecidual; flamatórias participam da patogêne-
Na Leishmaniose cutânea e muco- se, sendo danosos ao tecido- lesões
sa, o desenvolvimento, tamanho da teciduais.
lesão e a intensidade do processo
LEISHMANIOSE VISCERAL 21

REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
Cecil, Tratado de Medicina Interna , 25ª Ed., 2016.
Cecil, Tratado de Medicina Interna , 24ª Ed., 2012.
Harrison Medicina Interna, 19ª Ed., 2015.
Gazeta médica da Bahia. 2005; 75:1(Jan-Jun):3-1
Nota Técnica nº 52/2011. Ministério da Saúde, Brasil.
Kumar Saha, A., Mukherjee, T. and Bhaduri, A. (1986). Mechanism of action of amphotericin
B on Leishmania donovani promastigotes. Molecular and Biochemical Parasitology, 19(3),
pp.195-200.
UptoDate, Aronson N.,Cutaneous leishmaniasis: Clinical manifestations and diagnosis.
UptoDate, Bern C., Visceral leishmaniasis: Epidemiology and control.
UptoDate, Bern C., Visceral leishmaniasis: Treatment.
LEISHMANIOSE VISCERAL 22

Você também pode gostar