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DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

Sumário

DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM ............................................................. 3

Distúrbios de Aprendizagem: uma questão de nomenclatura .......................... 11

Dificuldades de Aprendizagem em uma Perspectiva Interacionista ................. 16

Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade/Impulsividade (TDAH/I) 23

O PSICOPEDAGOGO E AS INTERVENÇÕES NAS DIFICULDADES DE


APRENDIZAGEM............................................................................................. 30

A PSICOPEDAGOGIA E AS INTERVENÇÕES NAS DIFICULDADES DE


APRENDIZAGEM............................................................................................. 32

A INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA NO FRACASSO ESCOLAR ........... 32


AS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM ...................................................... 34
DÉFICIT DE APRENDIZAGEM ........................................................................ 35
A PSICOPEDAGOGIA INSTITUCIONAL E ALGUMAS INTERVENÇÕES
POSSÍVEIS ...................................................................................................... 36

O TRABALHO E A INTERVENÇÃO DO PSICOPEDAGOGO NA ESCOLA .... 36


A INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA NA SALA DE AULA........................ 38
A INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA JUNTO À FAMÍLIA ......................... 40
A CLÍNICA PSICOPEDAGÓGICA E AS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
......................................................................................................................... 42
Modalidades de aprendizagem ........................................................................ 46
REFERÊNCIAS ................................................................................................ 49

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FACUMINAS

A história do Instituto Facuminas, inicia com a realização do sonho de um


grupo de empresários, em atender à crescente demanda de alunos para cursos
de Graduação e Pós-Graduação. Com isso foi criado a Facuminas, como
entidade oferecendo serviços educacionais em nível superior.

A Facuminas tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas de


conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a
participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua
formação contínua. Além de promover a divulgação de conhecimentos culturais,
científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o
saber através do ensino, de publicação ou outras normas de comunicação.

A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de forma


confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir uma base
profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma das instituições
modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela inovação tecnológica,
excelência no atendimento e valor do serviço oferecido.

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DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
Essa breve reflexão sobre dificuldades de aprendizagem pretende
abordar aspectos que explicarão porque alguns alunos se sentem bloqueados
ou encontram dificuldades no processo natural de aprendizagem.

Um aluno com insucesso escolar transporta um peso frustracional muito


grande convertendo-se em um sentimento de autodesvalorização que se não for
percebido acarretará ainda mais prejuízos no desenvolvimento da sua
personalidade. Se o convívio familiar for adequado e qualitativamente
estimulado, a criança conseguirá desenvolver melhor suas aptidões que terão
um papel imprescindível na aprendizagem, pois desta forma busca-se atingir a
superação das situações-problema da escolaridade.

Segundo Fonseca (1995), muitas das aprendizagens se adquirem por


imitação e por simples interação social, outras, porém, só se adquirem em
situações estruturadas, que exigem a participação e midiatização de um adulto
científica e culturalmente preparado. Será que todos os alunos se beneficiam do
ambiente adequado antes de entrar para a escola? Durante o período de
aprendizagem escolar, estarão os pais disponíveis para proporcionar os reforços
emocionais necessários?

Baseado nestas questões, Fonseca comenta a etiologia das dificuldades


de aprendizagem que pode ser abordada em dois níveis: endógeno e exógeno.
O aspecto endógeno é de origem biológica e sua influência em termos de
desenvolvimento e o aspecto exógeno é de origem social desencadeada por
condições de pobreza e privação cultural.

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Quanto aos fatores endógenos (biológicos), pode-se afirmar que as
causas genéticas são indispensáveis para esclarecer as causas relacionadas às
dificuldades de aprendizagem. Desta forma, oportuniza-se um diagnóstico
detalhado em busca de maiores informações para o processo de intervenção do
psicopedagogo.

Nesta perspectiva de descobrir as causas das dificuldades de


aprendizagem é importante enfatizar que neurologicamente até os trinta meses
de vida, o cérebro está em acelerada formação, razão pela qual, qualquer lesão
poderá comprometer irreversivelmente o potencial de aprendizagem, quer verbal
ou não verbal.

Justamente pelo processo natural em que o cérebro se desenvolve é de


suma importância que a escola não insista na maturação precoce do hemisfério
esquerdo uma vez que o seu desenvolvimento se dá num ritmo mais acelerado
a partir dos seis anos. Este lado do cérebro sendo responsável pelas regras,
organização, lógica, símbolos (letras e números), parâmetros, compreensão do
tempo, relatividade, apresenta um amadurecimento lento. É comprovado pela
neuropsicologia que a criança começa a aprender a partir das funções do
hemisfério direito que amadurece mais precocemente desde o nascimento.

A fase inicial do processo ensino aprendizagem (5 a 6 anos) deve ter


como objetivo o raciocínio e a aprendizagem assistemática e não a
aprendizagem de conteúdos formais. Até os sete anos o desenvolvimento
primordial é do hemisfério direito, tendo ainda um raciocínio pré-lógico,
necessitando de um trabalho concreto, pois este hemisfério consegue assimilar
a linguagem das cores, formas, criatividade, música, arte, dramatização, jogo e
imaginação.

É de extrema importância que os profissionais da educação tenham


consciência de que não adianta exigir do cérebro o que ainda não pode

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proporcionar, pois se não tiver maturação, a assimilação da aprendizagem não


acontece.

Luria defende a ideia de que a motivação abre as estruturas de


aprendizagem, tendo em vista que aumenta a capacidade dos neurônios de
estabelecerem sinapses. Portanto, para ser motivado o aluno precisa ser
respeitado no seu aspecto neurológico, não sendo então confrontado com o
conteúdo de forma antecipada, respeitando assim o seu tempo maturacional.

O processo de aprendizagem é desencadeado a partir da motivação e


está intimamente ligado às relações de troca que se estabelece com o meio,
principalmente, seus professores e colegas. Nas situações escolares, o
interesse é indispensável para que o aluno tenha motivos para se apropriar do
conhecimento.

Da mesma forma que o cérebro apresenta sequelas quanto ao seu


aspecto maturacional, também será prejudicado devido à má nutrição neste
período crítico da vida. A deficiência proteica nessa fase poderá deixar rastros
de perturbação, de descontrole da atenção, motricidade, hiperatividade, de
instabilidade emocional, etc. O reflexo dessas condições alimentares será
refletido não só no tamanho do cérebro, como no desenvolvimento intelectual.
Justificam-se certos comprometimentos no cérebro, tendo em vista que as
células do cérebro são incapazes de se regenerarem, ao contrário da dos outros
órgãos.

No que se refere às questões neuropsicológicas, não podemos deixar de


destacar a grande importância dos fatores emocionais e afetivos e a relação com
a mãe durante o período crítico do desenvolvimento da linguagem. A interação
afetiva e linguística entre a mãe e o filho de zero a quatro anos determinará a
maturidade emocional e o desenvolvimento cognitivo. Se a mãe não fala com o
filho durante os anos iniciais de sua formação, não se interessará pelos
estímulos auditivos e não captará a informação necessária para compreender e

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falar, resultando assim em limitações linguísticas, afetando a maturidade
neurológica das áreas associativas do cérebro.

Os fatores exógenos (origem social) são também desencadeantes das


dificuldades de aprendizagem, pois as condições desfavoráveis que vivem o
aluno são indutoras de atrasos de maturação neurobiológica.

As condições de pobreza provocam privações nos aspectos biológicos,


psicológicos e sociais e como consequência temos dificuldades de
aprendizagem nos alunos oriundos de meios socioeconômicos desfavorecidos.

Quanto aos fatores de envolvimento e de privação cultural, temos como


resultado para o desenvolvimento do aluno consequências devastadoras.
Lamentavelmente sofrem desvantagens culturais em relação às famílias das
classes mais favorecidas, pois são privados de uma estimulação auditiva e
linguística. As dificuldades de processamento da informação auditiva, atenção
seletiva, discriminação, identificação, sequencializada, retenção, etc. tendem a
prejudicar o desenvolvimento da linguagem e a elaboração de estruturas
cognitivas.

Como consequência de todas as questões citadas, temos por parte dos


alunos, conhecimento reduzido, pensamento concreto não conceitualizado,
linguagem pouco utilizada em termos introspectivo e reflexivo, falta de hábitos
de leitura e de escrita, repetências escolares frequentes, poucas experiências
representacionais ou simbólicas, ausência de curiosidade cultural, alienação
cotidiana e outros.

Estes são alguns fatores de privação cognitiva que se refletem desde


muito cedo no potencial de aprendizagem dos alunos desfavorecidos. Ocorre
então uma acomodação quanto às exigências curriculares, tanto por parte dos
professores que veem o aluno na sua limitação, bem como por parte do próprio
aluno que se esquiva dos desafios propostos por se achar incapaz; portanto
acaba naturalmente excluindo a si próprio do processo ensino-aprendizagem.

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É imprescindível que as escolas criem uma perspectiva preventiva das


dificuldades escolares, pois é no princípio da escolarização e não no fim, que se
deve otimizar o potencial de aprendizagem dos alunos. Nesta perspectiva muito
se pode economizar, quer em potencial humano, quer em dinheiro.

A identificação precoce das dificuldades de aprendizagem fará com que a


escola não seja seletiva, uma vez que o “insucesso escolar é sinônimo de
insucesso social, pois sem as aquisições escolares, o aluno fica impedido de
participar eficientemente no progresso da sociedade”.

Segundo pesquisas realizadas, 15% dos alunos precisam de apoio no


início da escolaridade, todavia se tal intervenção tardar, a porcentagem duplica
e o insucesso escolar será a tendência normal.

Não é justo que esses alunos sejam excluídos porque não aprendem pelo
método ou ritmo imposto pelos professores. Nesta perspectiva, podemos
encontrar vultos como Einstein, Newton, Thomas Edison, Walt Disney, Abraão
Lincoln, Winston Churchill e outros que foram considerados “maus alunos e
repetentes”.

Pergunta-se então, quantos alunos com potenciais intelectuais se


perderam e se continuarão a perder?

A escola, portanto, deve ser acolhedora, para inserir o aluno, fazendo-o


se sentir parte do contexto escolar e que está ali para se construir enquanto
sujeito.

Segundo Fonseca (1995), a condição de errar é a condição de ser


humano. O aluno não pode ser sistematicamente um “falhado crônico”. O
insucesso deve ser projetado em termos construtivos e não em termos
humilhantes, pois o aluno deve experimentar o erro sem interiorizar o sentimento
de autodesvalorização.

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Sendo assim, se faz necessário diversificar os instrumentos utilizados
com aluno e manter-se vigilante para que não perca a motivação e curiosidade
em aprender.

Por isso, a importância da identificação precoce das dificuldades de


aprendizagem citadas anteriormente para que o professor então organize uma
ação efetiva sobre as necessidades do aluno.

A identificação e a observação devem ser rotineiras na prática do


professor, de modo a permitir amplo entendimento do desenvolvimento
acadêmico e social do aluno. Paralelo a essas percepções cabe ao professor a
responsabilidade de no seu planejamento oportunizar a assimilação do
conteúdo, planejando suas aulas de forma diversificada e significativa, pois
muitos casos de insucesso escolar é espelho do insucesso pedagógico, questão
que será abordada posteriormente.

É importante que os professores tenham clareza que não há método bom


ou ruim. Há sim métodos que servem para determinados alunos e não para
outros. Não é porque um aluno não aprende por um método que concluiremos
que não aprenderá. Não podemos nos fechar num único método e sim priorizar
diversas formas de ensinar, tendo em vista que cada ser humano é único,
individual e tem sua forma, ritmo e momento de aprender. Precisamos criar
novos contextos que se adaptem às individualidades dos alunos, partindo do que
cada um sabe, de suas potencialidades e não de suas dificuldades. Para isso
então, se faz necessário uma mudança de metodologia por parte dos
professores, mediando os conhecimentos de forma significativa.

O professor precisa ter uma visão subjetiva do aluno para poder avaliar
seus avanços na aprendizagem, “pois dois indivíduos nunca seguem
exatamente mesmo percurso educativo, mesmo se permanecerem de mãos
dadas durante anos”.

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O aluno com dificuldades de aprendizagem não possui uma inferioridade


mental global e não pode ser classificado como deficiente, trata-se de uma
criança normal que aprende num ritmo mais lento. Não pertence a nenhuma
categoria de deficiência, mas possui um potencial normal que não é realizado
em termos de aproveitamento escolar.

É imprescindível ao professor das séries iniciais identificar os casos de


dificuldades de aprendizagem e proporcionar as devidas intervenções
preventivas, justamente pelo fato do cérebro estar em processo de maturação,
pois quanto antes identificarmos o problema, mais rápido será o progresso.

Fonseca destaca que a criança com dificuldades de aprendizagem não


pode, por definição, ter qualquer deficiência na área visual, auditiva, mental,
motora, emocional, etc. O aluno com dificuldades de aprendizagem tem uma
inteligência normal, uma adequada percepção sensorial e um comportamento
motor e socioemocional adequado.

As dificuldades de aprendizagem dependem então de funções cognitivas,


na maioria dos casos de origem orgânica, que direta ou indiretamente afetam o
cérebro, verdadeiro órgão da aprendizagem. Portanto, as dificuldades de
aprendizagem não podem ter como causa as discrepâncias socioeconômicas,
pois se encontram em todas as camadas sociais, embora seja claro e implícito
que maior número de dificuldades recai em crianças oriundas de classes
desfavorecidas.

Os alunos desfavorecidos social, cultural e economicamente são também


desfavorecidos pedagogicamente, o que evidentemente é sob todos os pontos
de vista, injusto. Sofrem mais de mau ensino, má instrução (dispedagogia), mais
abstencionismo dos professores e de piores modelos de estimulação,
identificação, motivação, orientação, etc. Fonseca complementa seu raciocínio
afirmando que o “insucesso escolar dos alunos é apenas espelho do insucesso

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social e pedagógico”. Observa-se então que a falha não está só no aluno, mas
muitas vezes, está no professor.

Neste sentido Polity (2002) também faz a defesa considerando que o


fracasso de quem aprende e o fracasso de quem ensina como inter-
relacionados. A autora toma emprestado da medicina o termo iatrogenia dando-
lhe um sobrenome: iatrogenia pedagógica, situação onde a prática educacional
do professor gera novos problemas no lugar de solucionar os existentes.

Como transformar a definição da dificuldade de aprendizagem, num


processo que implique também o professor e sua dificuldade de ensinagem?

É necessário destacar a importância do questionamento do fracasso de


quem aprende, olhando também para o fracasso de quem ensina – ou seja, para
a dificuldade de ensinagem, tendo em vista que a dificuldade de aprendizagem
está relacionada à dificuldade de ensinagem.

A autora faz uma distinção entre dificuldade de ensinagem no lugar de


dificuldade de ensinar. A dificuldade de ensinar refere-se apenas a transmissão
de um conteúdo específico. Já a dificuldade de ensinagem é basicamente
relacional, pressupondo interação, onde os estados de intersubjetividade podem
tornar-se significativos. Supõe então relacionamento e considera as trocas
emocionais que permeiam o ato de ensinar. A ensinagem é, portanto, ensinar
com a emoção e com a razão.

Como exemplo, podemos deixar claro que um computador é capaz de


ensinar, mas nunca será capaz de uma ensinagem, pois não existe relação
afetiva entre máquina e aluno. Ensinagem abrange, portanto, a percepção
emocional que professor tem de sua prática; não só como ele a pensa, mas a
forma como ele a sente.

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Aprender e ensinar são os dois lados de uma mesma moeda que se


complementam, e que não podem se sustentar a não ser na relação dialética
que estabelecem entre si.

A autora então, convida os profissionais da educação para darem um


mergulho num processo de autoconhecimento, tendo a coragem de debruçar-se
sobre sua própria experiência e buscar a partir do resultado de sua ação, o seu
próprio fazer. Este ato requer coragem, abertura, iniciativa do profissional que
muitas vezes tem posturas de superioridade e defesa em relação a sua prática.

Não podemos desistir dos nossos sonhos de melhoria da educação, tendo


em vista que os alunos precisam ser respeitados como seres humanos. Para
isso então é fundamental a participação de gestores atuantes e comprometidos
com a melhoria da educação, além de um maior comprometimento e inteligência
pedagógica por parte dos professores, pois são agentes principais na mediação
do processo ensino-aprendizagem.

Paralelo a todo esse contexto se encontra a psicopedagogia, que estuda


e trabalha com as aprendizagens humanas tendo como objetivo oportunizar uma
prática pautada na singularidade do aluno e desta forma poder intervir com um
olhar distinto, único... buscando resgatar as lacunas que se perderam na
trajetória escolar.

Distúrbios de Aprendizagem: uma questão de


nomenclatura
Ao se elaborar um texto para professores sobre Distúrbios da
Aprendizagem (DA), deve-se iniciar com breves palavras sobre o difícil ato de
aprender e como a aprendizagem se dá e se desenvolve. Nas definições
propostas por diversos autores encontra-se implícito no termo aprendizagem a
relação bilateral tanto da pessoa que ensina, como também da que aprende.
Assim sendo, pode-se definir mais claramente aprendizagem como um processo

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evolutivo e constante que implica uma sequência de modificações observáveis
e reais no comportamento do indivíduo (físico e biológico) e no meio que o rodeia
(atuante e atuado). Esse processo se traduz pelo aparecimento de formas
realmente novas (POPPOVIC, 1968).

O interesse pela fisiologia da aprendizagem nasceu posteriormente a


muitas dessas teorias, como resposta a perguntas que até então não tinham sido
respondidas por leis gerais. Um dos aspectos fundamentais foi a valorização dos
processos neurais envolvidos na aprendizagem.

O cérebro humano é um sistema complexo, que estabelece relações com


o mundo que o rodeia. São duas as suas especificidades: a primeira é referente
às vias que levam, da periferia ao córtex, informações provenientes do mundo
exterior; a segunda diz respeito aos neurônios. São estas características que
permitem determinar áreas motoras, sensoriais, auditivas, ópticas, olfativas, etc.,
estabelecendo noções exatas e ricas no aprendizado.

O aprender implica, portanto, certas integridades básicas, que devem


estar presentes quando oportunidades para a aprendizagem são oferecidas.

O termo Distúrbio de Aprendizagem tem sido usado para indicar uma


perturbação na aquisição e utilização de informações ou na habilidade para
solução de problemas (VALLET, 1977). Portanto, quando existe uma falha no
ato de aprender, esta exige uma modificação dos padrões de aquisição,
assimilação e transformação, seja por vias internas ou externas ao indivíduo. A
tentativa de definir e esclarecer os termos relacionados a essa falha na
aprendizagem tem sido uma tarefa bastante difícil.

Todas as definições referem-se aos DA como um déficit que envolve


algum componente de habilidades como: linguagem oral (fonologia, morfologia,
semântica, sintaxe, pragmática), leitura (habilidade no uso da palavra,
reconhecimento de letras, compreensão), escrita (soletrar, ditado, cópia),

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matemática (habilidades de cálculo básico, raciocínio matemático), e nas


combinações e/ou relações entre elas (NICHD, 2001).

Para falar de DA cabe uma ressalva na definição do mesmo. Considero


Distúrbio de Aprendizagem como uma disfunção do Sistema Nervoso Central.
Portanto, um problema neurológico relacionado a uma falha na aquisição ou no
processamento, ou ainda no armazenamento da informação, envolvendo áreas
e circuitos neuronais específicos em determinado momento do desenvolvimento.
E considero como tendo uma Dificuldade Escolar (DE) a criança que não
aprende por ter um problema pedagógico relacionado à falta de adaptação ao
método de ensino, à escola, ou que tenha outros problemas de ordem
acadêmica.

A porcentagem de crianças com DE no Brasil gira em torno de 30 a 40%


da população que frequenta os primeiros anos escolares. A porcentagem de DA
fica em torno de 5 a 7% nesta mesma população. Os números relacionados aos
DA não mudam, mesmo em países mais desenvolvidos. Mas infelizmente esses
mesmos números mudam, drasticamente, em relação à população com DE, que
nestes países encontra-se em torno de 10 a 15% das crianças nos primeiros
anos escolares.

Os principais Distúrbios de Aprendizagem são:

Dislexia

Falha no processamento da habilidade da leitura e da escrita durante o


desenvolvimento. A dislexia como um atraso do desenvolvimento ou a
diminuição em traduzir sons em símbolos gráficos e compreender qualquer
material escrito é o mais incidente dos distúrbios específicos da aprendizagem,
com cifras girando em torno de 5 a 15% da população com distúrbio de
aprendizagem, sendo dividida em três tipos: visual, mediada pelo lóbulo occipital;
fonológica, mediada pelo lóbulo temporal; e mista, com mediação das áreas
frontal, occipital, temporal e pré-frontal.

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Disgrafia

Falha na aquisição da escrita; implica uma inabilidade ou diminuição no


desenvolvimento da escrita. Atinge de 5 a 10% da população escolar e pode ser
dos seguintes tipos: disgrafia do pré-escolar; construção de frases; ortográfica e
gramatical; caligrafia e espacialidade.

Discalculia

Falha na aquisição da capacidade e na habilidade de lidar com conceitos


e símbolos matemáticos. Basicamente, a dificuldade está no reconhecimento do
número e do raciocínio matemático. Atinge de 5 a 6% da população com DA e
envolve dificuldades na percepção, memória, abstração, leitura, funcionamento
motor; combina atividades dos dois hemisférios.

Dentro dos distúrbios específicos da aprendizagem a Dislexia é,


teoricamente, o mais comum. Porém na prática o que se vê com maior
frequência é, sem dúvida, o distúrbio generalizado de leitura, escrita e raciocínio
matemático.

Quando se fala em DA, logo se associa o distúrbio à falta de atenção. De


fato, existe uma enorme confusão relacionada ao Transtorno de Atenção com
Hiperatividade (TDA/H) e os DA., mas estes conceitos não devem ser usados
como sinônimos, porque representam duas entidades distintas. Pesquisas
recentes afirmam que as áreas cerebrais envolvidas nos dois problemas também
são especificas. A criança com TDA/H pode ou não ter dificuldade em aprender
academicamente. Diferentemente do DA, a criança com TDA/H apresenta outros
problemas específicos, tais como dificuldade de relacionamento e problemas de
comportamento, entre outros.

Considero importantíssimo frisar que tanto os DA como os TDA/H são


compatíveis com inteligência normal, fato que não ocorre nos problemas de
Retardo no Desenvolvimento Neuropsicomotor ou nas deficiências mentais.

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As perguntas mais comuns em relação aos Distúrbios de Aprendizagem


são:

Como o professor pode detectar um distúrbio de aprendizagem e


encontrar soluções para este aluno?

O professor tem condição de sozinho, solucionar este problema ou deve


procurar outros profissionais?

O DA é, sem dúvida, o mais Inter e multidisciplinar dos temas, porque


requer o envolvimento de vários profissionais e mescla, em seu conteúdo, as
áreas de saúde, educação e assistência social. Atualmente, o professor, sozinho
em sala de aula, não consegue detectar os DA, mas pode avaliar com precisão
as DE. Enquanto o DA requer uma equipe de diagnóstico especializada, além de
trabalhos de intervenção e remediação, a DE só requer um professor capacitado
e condições para que ele possa desenvolver adequadamente o seu trabalho,
fato que nem sempre acontece em nossas escolas. Se o professor, em sala de
aula, puder atender as crianças com problemas de ordem acadêmica com
recursos e integração de informações, com certeza apenas uma parte dessa
população procurará os profissionais especializados.

O professor deve estar preparado para a árdua tarefa de lidar com


disparidades. Antes de tudo é preciso saber avaliar, saber distinguir, saber e
querer mudar, respeitar cada criança em seu desenvolvimento, habilidades,
necessidades e individualidade, porque só dessa forma a aprendizagem será
efetiva e a escola cumprirá o seu papel.

Como a família e a escola podem ajudar o aluno com distúrbio de


aprendizado? A família tem papel fundamental na aprendizagem porque deve
estimular, motivar e promover a criança. A escola deve abrir-se e enfrentar um
problema real, sofrer mudanças, procurar soluções e parcerias.

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Não existe criança que não aprenda. Ela sempre irá aprender, algumas
de modo mais rápido, outras mais lentamente, mas a aprendizagem, com certeza
absoluta, se processará, independentemente da via neurológica usada, mas
utilizando-se de uma associação infalível, baseada em uma vertente básica:
ambiente adequado + estímulo + motivação + organismo. Talvez essa seja a
chave que procuramos para encaminhar os Distúrbios de Aprendizagem e as
Dificuldades de Escolaridade.

Dificuldades de Aprendizagem em uma Perspectiva


Interacionista
O interacionismo do qual vamos tratar aqui se funda a partir desta
premissa de Vygotsky (1994): (...) desde os primeiros dias do desenvolvimento
da criança, suas atividades adquirem um significado próprio num sistema de
comportamento social (...) (p. 33). Isso significa dizer que as conquistas da
criança não são solitárias, se constroem a partir das primeiras interações com
seus cuidadores. Nessas interações, a linguagem é a principal mediadora.

Refletir sobre como o interacionismo aborda dificuldades de


aprendizagem não é uma tarefa fácil. Tal dificuldade deve-se a dois fatores que
se articulam: poucos são os relatos sobre práticas efetivamente interacionistas
e, consequentemente, inconsistentes ainda são as conclusões a que podemos
chegar a partir desses relatos. Se pensarmos historicamente, o interacionismo
no Brasil só agora começa a se constituir como uma tendência educacional.

Para entendermos o que significa “dificuldade de aprendizagem” é


essencial que entendamos, antes, quais os pressupostos sobre aprendizagem
que estão em questão. Para isso, lançaremos mão das ideias de um autor
contemporâneo que investiga as origens culturais da aquisição do conhecimento
humano. Tomasello (2003) acredita que: O incrível conjunto de habilidades

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cognitivas e de produtos manifestado pelos homens modernos é o resultado de


algum tipo de modo ou modos de transmissão cultural únicos da espécie (p.5).
Isso significa dizer que a transmissão da cultura de geração a geração tal como
acontece na espécie humana caracteriza uma “evolução cultural cumulativa”.
Esse processo exige que os homens ajam criativamente sobre as invenções já
existentes, aperfeiçoando-as, e as transmitam socialmente de maneira que o
recém-inventado artefato ou prática preserve sua forma nova e melhorada de
modo bastante fiel, pelo menos até que surja outra modificação ou melhoria.

Nessa perspectiva há três tipos de aprendizagem social:

1) por imitação, quando um indivíduo vê o outro exercendo


determinada atividade e é capaz de reproduzi-la;

2) por instrução, quando um indivíduo se beneficia dos ensinamentos


formais de outrem para adquirir determinado conhecimento;

3) por colaboração, quando o exercício de determinada atividade se


dá de maneira participativa, favorecendo a aprendizagem.

Todas essas aprendizagens se devem à capacidade de cada ser humano


compreender os co-específicos (outros seres humanos) como seres iguais a ele,
com vidas mentais e intencionais iguais às dele. Essa compreensão permite aos
indivíduos imaginarem-se “na pele mental” de outra pessoa, de modo que não
só aprendem do outro, mas através do outro. Nas palavras de Tomasello (2003):

Essa compreensão dos outros como seres tão intencionais como si


mesmos é crucial na aprendizagem cultural humana, porque os artefatos
culturais e a prática social – prototipicamente exemplificados pelo uso de
ferramentas e de símbolos linguísticos – apontam, invariavelmente, para além
deles mesmos (...). Os ferramentais apontam para os problemas que elas foram
feitas para resolver, e símbolos linguísticos apontam para as situações
comunicativas que eles se destinam a representar. Portanto, para aprender

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socialmente o uso convencional de uma ferramenta ou de um símbolo, as
crianças têm de chegar a entender por que, para que fim exterior, a outra pessoa
está usando a ferramenta ou o símbolo; ou seja, têm de chegar a entender o
significado intencional do uso da ferramenta ou prática simbólica – “para que”
serve o que “nós”, os usuários dessa ferramenta ou desse símbolo, fazemos com
ela ou ele. (p. 7)

Devemos aqui ressaltar a importância atribuída por Toma-sello à


necessidade de que a criança entenda para que serve a “ferramenta” que lhe
está sendo disponibilizada. Ou seja, é necessário que a criança atribua
significado àquilo que aprende para que, de fato, se aproprie desse
conhecimento.

Até aqui abordamos de maneira mais teórica a aquisição do


conhecimento. A partir de agora veremos, na hipótese de toma-sello (2003),
como a criança, de fato, aprende.

Entre um e três anos de idade, as crianças são verdadeiras “máquinas


de imitação”, já que sua resposta natural a muitas situações é fazer o que estão
fazendo as pessoas à sua volta, e o que criam é ainda limitado.

No entanto, por volta dos quatro ou cinco anos, o equilíbrio entre a


tendência a imitar e a tendência a criar as próprias estratégias cognitivas se
altera, pois nessa idade as crianças já internalizaram muitos pontos de vista
diferentes, sobretudo por meio do discurso linguístico, o que lhes permite refletir
e planejar sozinhas de maneira mais autorregulada – embora as ferramentas
com que fazem isso sejam culturais, na origem.

A cognição na primeira infância, ou seja, até os seis ou sete anos de


idade, se dá a partir de três fatores:

a compreensão de objetos;

a compreensão de outras pessoas;

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a compreensão de si mesmo.

Nessa fase, mais precisamente aos nove meses de vida, acontece o que
Tomasello (2003) chamou de “revolução”: a emergência da atenção conjunta.

A atenção conjunta consiste no acompanhamento do olhar da criança


para onde os adultos estão olhando. Esta, por sua vez, exige um envolvimento
conjunto (a criança envolve-se com os adultos em sessões relativamente longas
de interação social mediadas por um objeto) e uma referência social (a criança
“usa” os adultos como pontos de referência social). A partir daí, ocorre a
aprendizagem por imitação – a criança age sobre os objetos da maneira como
os adultos estão agindo sobre eles.

A atenção conjunta é vista como o alicerce para a cognição social.


Tomasello nos leva ainda a concluir que a referência linguística é um ato social
no qual uma pessoa tenta fazer com que outra dirija sua atenção para algo do
mundo. O autor acrescenta que se deve reconhecer o fato empírico de que a
referência linguística só pode ser entendida dentro do contexto de certos tipos
de interação social ou “cenas de atenção conjunta”, tal como foi explicitada
acima.

Um exemplo claro sobre o contexto de interação a ser considerado vem


a seguir, nas palavras do autor:

Suponhamos, por exemplo, que um americano se encontra numa estação


de trem húngara quando um falante nativo se aproxima e começa a falar com
ele em húngaro. É muito improvável que nessa situação o visitante americano
adquira o uso convencional de qualquer palavra ou frase húngara. Mas
suponhamos agora que o americano vai até o guichê onde são vendidos os
bilhetes de trem e começa a falar com o bilheteiro húngaro tentando obter uma
passagem. Nessa situação, é possível que o visitante aprenda algumas palavras
e frases em húngaro porque, nesse contexto, os dois interagentes compreendem
respectivamente os objetivos interativos um do outro quanto a obter informações

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sobre horários de trens, comprar um bilhete, trocar dinheiro, etc. – objetivos
expressos diretamente por meio da execução de ações significativas e
previamente entendidas, tais como dar a passagem e trocar dinheiro (...) A cena
referencial simbolizada na linguagem concerne, pois, apenas a um subconjunto
de coisas que ocorrem nas interações intencionais da cena de atenção conjunta.
(Tomasello, 2003, p. 150)

Wittgenstein, filósofo austríaco, foi o primeiro a defender a ideia de que a


intenção comunicativa sempre dependerá do contexto no qual se enuncia algo.
Não existe significado a priori, ou ainda: qualquer significado pode ser subvertido
pelo uso que fazemos dele.

Dificuldades no processo

Até aqui falamos sobre o curso do desenvolvimento considerado normal


para a aquisição do conhecimento. O que nos interessa mais especificamente,
neste artigo, é compreender, no interior de uma abordagem interacionista, as
dificuldades do processo de aprendizagem.

São inúmeros os fatores que possibilitam que uma criança apresente


dificuldades de aprendizagem: fatores biológicos, sociais, emocionais,
pedagógicos, etc.

Não pretendemos subestimar a dificuldade encontrada no trabalho


pedagógico com crianças com graves déficits cognitivos. Essa discussão se
funda justamente no momento em que se intensifica a discussão sobre os
direitos humanos daqueles que são considerados diferentes.

Não é fácil construir um contexto interativo quando um ou mais membros


de um grupo de crianças possuem déficits cognitivos. Necessário é, portanto,
entender que cada criança vai significar o contexto à sua volta de acordo com as
suas possibilidades e não haverá grade curricular capaz de esquadrinhar esse
processo. Cabe à escola e a cada profissional da educação contextualizar,

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2
1

sempre que for possível, os conteúdos que a escola deve sistematizar para as
crianças. Iniciativas interacionistas nos mostram que quase sempre é possível
fazê-lo, como o professor de física que leva seus alunos para a estação do metrô
para estudarem MRU (Movimento Retilíneo Uniforme), ou a professora de
biologia que propõe que os alunos da quinta série do ensino fundamental criem
invenções funcionais para enfrentar o racionamento de energia elétrica.

Talvez o melhor exemplo de como um conteúdo vivenciado pode ser


facilmente compreendido pela criança seja a aprendizagem da linguagem. Nas
palavras de Alves (2001):

Imaginem que o ensino da linguagem se desse em escolas, segundo os


moldes de linha de montagem que conhecemos: aulas de substantivos, aulas de
adjetivos, aulas de verbos, aulas de sintaxe, aulas de pronúncia. O que
aconteceria? As crianças não aprenderiam a falar. Por que é que a
aprendizagem da linguagem é tão perfeita, sendo tão informal e tão sem ordem
certa? Porque ela vai acontecendo seguindo a experiência vi- tal da criança: o
falar vai colado à experiência que está acontecendo no presente. Somente aquilo
que é vital é aprendido. Por que é que, a despeito de toda pedagogia, as crianças
têm dificuldades em aprender nas escolas? Porque nas escolas o ensinado não
vai colado à vida. (p. 48)

Ainda em Alves (2001), Albuquerque, educador e pai de alunos da Escola


da Ponte, nos fala sobre como a diferença pode ser experiência nessa escola.
Ele nos conta que, enquanto um de seus filhos jogava no computador, o irmão
mais velho acompanhava seu desempenho, quando, de repente, ouviu-se uma
frase seca dita pelo último: “Ó, Francisco, pareces deficiente!”. Francisco
manteve-se impávido. Nem uma resposta, nem uma só palavra. Uma hora
depois, durante o banho, Francisco perguntou ao seu pai: “Os deficientes têm
cura?”. A mensagem parecia ter seguido o seu curso e uma hora depois tilintava
ainda em sua cabeça. Aquela pergunta poderia estar sendo feita por várias
razões. Titubeante, o pai respondeu que dependia. Que havia coisas que se

21
podiam curar e outras que não. Para dar-lhe um exemplo, pegar no concreto,
para que Francisco percebesse que seu pai queria dizer, perguntou: “Sabes
quem é a Rute, da sala da Mônica?” (ele se referia a uma menina com síndrome
de Down que frequentava a mesma escola de Francisco). “Claro, papá!” – disse
ele. E continuou o pai: “Achas que a Rute é diferente, tem alguma coisa
diferente?” “Não, papá, é parecida com a Clara...” (a menina chinesa da sala do
Francisco). O pai, então, desistiu do exemplo. Percebeu que essa diferença não
tinha entrado ainda na vida de Francisco, e concluiu... o ensino fundamental vai
tratar de lhe incutir esse conceito.

Nessa escola, a Escola da Ponte, em Portugal, não há indiferença, mas


também não há o discurso nem a prática da diferença, da norma ou do desvio.
Na Escola da Ponte, deficiente não é adjetivo, nem substantivo. (p.p. 89-90)

Para concluir, falar de dificuldades de aprendizagem em uma perspectiva


interacionista pressupõe entender:

• em primeiro lugar: toda dificuldade deve ser considerada, em


primeiríssima instância, como uma interferência no processo de mediação.
Esgotada essa possibilidade, aí sim, deve-se começar a pensar em alguma outra
causa;

• o conceito de inteligência de Vygotsky (1993) como uma


“capacidade de beneficiar-se da instrução” deve ser sempre considerado. Se a
criança não puder se beneficiar do que a escola pode proporcionar a ela, a
escola – e não a criança – deve rever suas estratégias de ação;

• por fim: a escola deve ser vista como o espaço, por excelência,
onde a sistematização do conhecimento acontece, nada menos do que isso.

Procuramos aqui tratar da dificuldade de aprendizagem em uma


abordagem interacionista, sem mencionar as especificidades de cada uma
delas. Cabe ressaltar, porém, que práticas multidisciplinares têm demonstrado,

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2
3

cada vez mais, atingir os objetivos estipulados para o acompanhamento de


crianças e adolescentes que apresentam algum tipo de interferência em seu
processo de aprendizagem.

Transtorno de Déficit de Atenção com


Hiperatividade/Impulsividade (TDAH/I)
O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é muito mais
comum do que se imagina, mas muito pouco conhecido pelos pais e professores.

A imprensa e os programas de televisão têm divulgado várias matérias


sobre o assunto, mostrando as dificuldades do diagnóstico e explorando o uso
de excitantes para o tratamento, gerando muita confusão tanto para pais quanto
para professores em torno do TDAH.

O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é nosso


conhecido há muito tempo. Já em 1865, o médico alemão Heinrich Hoffman
descreveu em seu livro infantil “Pedro despenteado” características de crianças
hiperativas e desatentas, nas histórias de “Felipe irrequieto” e “João olha para o
ar”.

Frequentemente, os pais se queixam que seu filho é muito agitado, não


pára quieto um minuto, não fixa atenção em qualquer tarefa, anda pela sala
perturbando o irmãozinho, todos os brinquedos estão quebrados, não consegue
aguardar a sua vez, quando vê televisão incomoda quem está ao lado, mexe-se
o tempo todo, parece que não escuta o que não lhe interessa mas está ligado
em tudo ao redor; não avalia o perigo, não fica sentado quieto, não obedece a
ordens, não sabe ouvir um não, atrapalha os colegas durante as aulas, seus
trabalhos escolares são mal feitos e bagunçados, não gosta de estudar em casa,
seu rendimento escolar é baixo. Por vezes, enfrenta e desafia os adultos.

Esta é a criança tida como avoada, estabanada, que vive no mundo da


lua, tem bicho carpinteiro.

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Por muitos séculos, este tipo de criança foi punida, discriminada e
considerada como um enorme desafio para os pais e professores.

Incidência

O TDAH é o distúrbio do neurodesenvolvimento mais comum na infância.

A prevalência do TDAH é de 3 a 7% das crianças em idade escolar. Isto


quer dizer que, em escolas pequenas com 200 alunos, de 6 a 14 crianças
apresentam esse quadro. O início é precoce, geralmente antes dos 5 anos de
idade. Ocorre mais em meninos que em meninas, em uma relação de 4:1,
segundo alguns autores, mas observamos até 2:1.

Os sintomas de hiperatividade estão mais presentes nos meninos e os


de desatenção mais presentes em meninas.

O TDAH não é restrito à infância. Em adultos, constitui o transtorno


neuropsiquiátrico, não diagnosticado, mais frequente.

Os sintomas de TDAH se modificam com a maturidade.

As crianças apresentam hiperatividade motora, agressividade, baixa


tolerância à frustração e impulsividade. Adolescentes e adultos apresentam
sintomas de distração, desatenção, mudança frequente das atividades,
irritabilidade, impaciência, agitação.

Pelo menos 50% das crianças com TDAH continuam a apresentar o


quadro na vida adulta. O transtorno acompanha a maioria dos pacientes ao longo
de suas vidas, nos diversos contextos. As consequências individuais (incluindo
a baixa estima), familiares e sociais geram sempre algum grau de incapacidade
e sofrimento, associado a prejuízo significante do desempenho escolar e
profissional. Entretanto, existe tratamento contínuo, objetivando melhora em
todas as áreas prejudicadas pelo TDAH.

Histórico

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2
5

Estudada detalhadamente desde o século retrasado, vem sofrendo várias


alterações de nomenclatura. Em 1902, George Still descreveu com detalhes
vários casos de crianças com TDAH. Em 1934, Eugene Kahn e Louis Cohen,
estudando a encefalite letárgica que ocorrera em 1917/1918 e que deixara nas
pessoas atingidas sequelas como hiperatividade, impulsividade e labilidade
emocional, suspeitaram da existência de uma lesão neurológica que, a partir de
1960, foi denominada de Lesão Cerebral Mínima, a famosa DCM.

Na década de 70, os termos mais utilizados foram Síndrome


Hipercinética e Hiperatividade. Em 1987, o distúrbio recebeu o nome de Distúrbio
de Déficit Atenção/hiperatividade (DDA/H) pelo Manual Diagnóstico e Estatístico
das Doenças Mentais (DSM-III).

Atualmente, a Classificação Internacional das Doenças (CID-10)


denomina o distúrbio de Transtorno Hipercinético. O Manual Diagnóstico e
Estatístico das Doenças Mentais (DSM IV) denomina o distúrbio de Transtorno
de Déficit de Atenção/Hiperatividade Impulsividade (TDAH/I).

A causa do transtorno não é totalmente conhecida até o momento,


existindo várias teorias para seu aparecimento, tais como: predisposição
genética, comprometimento do lobo frontal e anormalidades nos gânglios da
base, sugerindo a hipótese de uma disfunção fronto-estriata.

As pesquisas mais recentes apontam para disfunções em


neurotransmissores dopaminérgicos e no adrenérgicos, que atuam na região
cortical do lobo frontal do cérebro, justamente uma região relacionada à inibição
de comportamentos inadequados, à capacidade de prestar atenção, ao
autocontrole e ao planejamento.

Estudos em gêmeos idênticos adotados por duas famílias diferentes, têm


apontado para os genes como causa do TDAH.

25
Algumas das crianças portadoras desta doença foram bebês que
apresentaram distúrbio do sono e irritabilidade sem causa definida.

Diagnóstico

O diagnóstico do TDAH é essencialmente clínico, envolvendo critérios


específicos.

Os sintomas centrais do TDAH são: graus inadequados no


desenvolvimento da atenção, da atividade motora e da impulsividade, resultando
em comprometimento clinicamente significativo das funções sociais, acadêmicas
ou profissionais. Os sintomas surgem antes dos 7 anos de idade e persistem por
pelo menos 6 meses, em dois ou mais ambientes (como casa, escola, locais de
lazer). Os critérios para determinação da idade de início dos sintomas têm sido
questionados. Embora a hiperatividade, geralmente, seja notada antes dos sete
anos, pode não acontecer mesmo com a falta de atenção. É fundamental para o
diagnóstico que os sintomas persistam por, pelo menos seis meses, em dois ou
mais ambientes (casa, escola, locais de lazer).

O déficit de atenção tem sido definido pela presença de, pelo menos, seis
de nove características descritas abaixo:

DESATENÇÃO

• Frequentemente, falha em dar atenção a detalhes ou comete erros


por descuido nas tarefas escolares, no trabalho ou em outras atividades.

• Frequentemente, tem dificuldades em manter a atenção nas tarefas


ou nas brincadeiras.

• Frequentemente parece não escutar, quando não falam


diretamente com ele.

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2
7

• Frequentemente, não consegue seguir instruções, deixando de


terminar as tarefas escolares, domésticas ou deveres no trabalho (não devido a
comportamento de oposição ou por não conseguir entender as instruções).

• Frequentemente, tem dificuldade na organização de tarefas e


atividades.

• Frequentemente, evita, não gosta ou fica relutante em se envolver


em tarefas que exijam esforço mental contínuo (como as lições em classe e em
casa).

• Frequentemente, perde objetos necessários às tarefas ou


atividades (brinquedos, solicitações da escola, lápis, livros ou apetrechos
pessoais).

• Frequentemente é facilmente distraído por estímulos externos.

• Frequentemente se esquece de suas atividades diárias.

A hiperatividade-impulsividade é definida pela presença de seis de nove


comportamentos, seis dos quais se relacionam com hiperatividade e três com
impulsividade.

HIPERATIVIDADE

• Frequentemente, mexe as mãos ou os pés, ou se mexe muito


quando sentado.

• Frequentemente sai da carteira em sala de aula, ou em outras


situações em que se espera que permaneça sentado.

• Frequentemente, corre ao redor ou trepa nas coisas em situações


em que essa atitude não é apropriada (em adolescentes ou adultos, isso pode
ser limitado a sensações subjetivas de inquietação).

• Frequentemente, tem dificuldades em brincar ou de se envolver em


atividades de lazer de forma tranquila.

27
• Frequentemente, está “pronto para decolar” ou age como se
estivesse “movido por um motor”.

• Frequentemente, fala excessivamente.

IMPULSIVIDADE

• Frequentemente, responde de forma intempestiva antes que as


perguntas sejam terminadas.

• Frequentemente, tem dificuldade em esperar a vez.

• Frequentemente, se intromete ou interrompe os outros (conversas


ou jogos).

Os critérios diagnósticos são divididos em dois grupos:

1. desatenção

2. hiperatividade/impulsividade.

Sendo assim podemos ter três subtipos de TDAH:

a) TDAH com predomínio de sinais de Desatenção

b) TDAH com predomínio de sinais de Hiperatividade/impulsividade

c) TDAH do tipo combinado

O papel da equipe

O tratamento é multidisciplinar e enfoca as áreas cognitiva, emocional,


social e pedagógica, visando evitar os desajustes sociais (uso de drogas, furtos,
alcoolismo, agressões), que aparecem com frequência na evolução destas
crianças.

Aproximadamente, 70% das crianças com TDAH/I respondem às drogas


estimulantes do SNC, tais como metilfenidato. Outras drogas como imipramina,
nortriptilina, bupropiona, clonidina e atomoxetina, constituem importantes

28
2
9

adjuvantes ao tratamento clínico, com melhora no desempenho escolar,


diminuição da atividade motora, impulsividade e agressividade.

O papel do neuropediatra consiste, essencialmente, em reconhecer a


forma de tratamento prioritário para cada criança, lembrando que, em nosso
país, onde não existem centros de reabilitação unificados, é preciso usar o bom
senso para não correr o risco de sobrecarregar a criança e a família com excesso
de terapias, agravando, ainda mais, o problema já existente.

Dependendo da criança, a indicação para tratamento pode ser variada:


psicomotricista, psicopedagogo, psicólogo, fonoaudiólogo.

O papel da escola

O TDAH apresenta um grande impacto no desenvolvimento educacional


da criança. O risco de fracasso escolar é duas a três vezes maior em crianças
com TDAH do que em crianças sem o transtorno e com inteligência equivalente.

Déficits de atenção significativos, associados ou não à hiperatividade,


frequentemente comprometem o rendimento escolar, uma vez que a atenção
seletiva é essencial para a aprendizagem em geral.

As crianças com TDAH têm dificuldade em manter a atenção durante um


tempo prolongado e selecionar informações relevantes para estruturar e realizar
uma tarefa determinada. A dificuldade acentua-se em trabalhos com o grupo,
uma vez que nestes casos é necessária a atenção sustentada e seletiva, para a
absorção da quantidade e variedade de informações apresentadas.

Os sintomas do TDAH, na escola, evidenciam a dificuldade em terminar


os trabalhos na sala de aula ou de participar tranquilamente de uma equipe de
esportes. A criança se envolve em atividades improdutivas, tanto durante a aula,
como no recreio, se comparada a seus colegas. O professor pode observar uma
discrepância entre o potencial intelectual e o desempenho escolar do aluno,
mesmo em crianças com inteligência acima da média. O professor é, com

29
frequência, quem primeiro percebe quando um aluno apresenta problemas de
atenção, aprendizagem, comportamento, ou emocional/afetivo e social. O
primeiro passo a ser dado é verificar o que realmente está ocorrendo.

É importante evitar situações de fracasso contínuo que levem a uma


desvinculação progressiva do processo de aprendizagem e ao aumento da
dificuldade de interação com os adultos e mesmo com os colegas.

Atualmente, não se concebe uma escola exclusiva para portadores de


TDAH, uma vez que o convívio com colegas da mesma idade é benéfico. Assim
lhes é apresentada a oportunidade de aprender a lidar com regras e com os
limites de uma estrutura organizada. A escola que melhor atende as
necessidades destas crianças é aquela que tem como objetivo o
desenvolvimento do potencial de cada um, respeitando as características
individuais, sempre reforçando os pontos fortes e auxiliando na superação dos
pontos fracos, evitando que os problemas da criança sejam personalizados e
que o aluno seja rotulado (preguiçoso, avoado, indisciplinado, dispersivo,
agressivo, desajeitado e desastrado).

A comunicação entre a escola e a família é muito importante, permitindo


a troca de experiências entre pais e professores. Saber que se passa com a
criança ou o adolescente durante o tempo em que está em um dos dois
ambientes (lar/escola) é extremamente útil para a composição do quadro real.
Alguns autores recomendam a comunicação escrita diária, se necessária, tendo
como objetivo a cooperação e não a cobrança ou rivalidade.

O PSICOPEDAGOGO E AS INTERVENÇÕES NAS


DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
O psicopedagógico: escutar, olhar, deter-se nas fraturas do discurso,
observar e relacionar com o que aconteceu previamente à fratura, descobrir o

30
3
1

esquema de ação subjacente, ou seja, busca-se a repetição dos esquemas de


ação, e interpretar a operação mais do que o conteúdo.

Averígua-se que a psicopedagogia utiliza os termos “ensinantes e


aprendentes" para denominar o par educativo que comumente conhecemos por
professor e aluno. Pensa-se que para a psicopedagogia esses papéis alternam-
se o tempo inteiro, no processo ensino- aprendizagem vista pela psicopedagogia
também se aprende sobre nós, sobre a nossa forma de ensinar, na qual, o outro
nos serve de espelho.

Deseja-se como todo professor querer que os alunos acertem sempre,


mas deve-se adquirir um novo olhar sobre o erro na aprendizagem, estuda-se
que o erro é um indicador de como o aluno está pensando e como ele
compreendeu o que foi ensinado. Analisa-se com mais cuidado os erros dos
alunos, pode-se elaborar a reformulação e práticas docentes de modo que elas
fiquem perto da necessidade dos alunos e atender as dificuldades que o mesmo
apresenta.

A pesquisa aqui desenvolvida vem fundamenta-se nos seguintes teóricos


aqui mencionados. Refletiremos nas percepções de Coll (1995), utilizaremos dos
recursos da psicopedagogia de Bossa (2002) e Scoz (1994); buscaremos
fundamentos teóricos metodológicos com base nas intervenções
Psicopedagógicas de Rubinstein (1996).

Procura-se nesse trabalho desenvolver uma pesquisa ação, onde o foco


da temática é o aluno inserido no primeiro do ano do Ensino Fundamental da
Escola Municipal Evaldo Gomes, diagnosticando os fatores maléficos que
interferem na aprendizagem, seus diferentes estágios, e as diferentes teorias
que podem transformar o trabalho do professor em processo científico e assim
ele percorrerá o caminho prática- teoria- prática e conseguirá ter êxito em sua
dinâmica de sala de aula.

31
Avalia-se o enfoque psicopedagógico da dificuldade de aprendizagem em
crianças com déficit de atenção compreende os processos de desenvolvimento
e os caminhos da aprendizagem, entende-se o aluno de maneira interdisciplinar,
busca-se apoio em várias áreas do conhecimento e analisa-se aprendizagem no
contexto escolar, familiar e no aspecto afetivo, cognitivo e biológico.

A pesquisa ação é um tipo de pesquisa social com base empírica que é


concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução
de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e os participantes
representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo
cooperativo ou participativo. O papel do professor, com uma visão
psicopedagógica, é ser um investigador dos processos de aprendizagem de
seus alunos, evitando que o problema de aprendizagem leve a um fracasso
escolar.

A PSICOPEDAGOGIA E AS INTERVENÇÕES NAS


DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

A INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA NO FRACASSO


ESCOLAR
Para Bossa (2002), a ideia do fracasso escolar teve seu surgimento no
século XIX com a obrigatoriedade escolar decorridas das mudanças econômicas
e estruturais da sociedade. Porém, cabe ressaltar que no período que antecede
este século já havia crianças que não aprendiam, mas não eram conhecidas
como tal.

Durante muitos anos o fracasso escolar era visto simplesmente como uma
falta de condição do aluno em adquirir conhecimentos, sendo somente de sua
responsabilidade, porém, com o passar do tempo constatou-se que este

32
3
3

problema também era de responsabilidade da sociedade e principalmente da


instituição escolar que não pode contribuir para exclusão social.

Com base em todo cenário educacional do país hoje, fica claro afirmar
que devemos repensar nossa prática educativa e partirmos do pressuposto que
o fracasso escolar não é uma responsabilidade somente do aluno, mas também
da escola, família e de todos que estão envolvidos no processo de ensinar-
aprender. Se aceitarmos o fato de sermos diferentes, temos que atentar para a
necessidade de construirmos práticas pedagógicas que valorizem e aproveitem
toda bagagem de conhecimentos construída pelo aluno no decorrer de sua
caminhada escolar.

Na atualidade, várias pesquisas têm sido realizadas na busca de


compreender o fracasso escolar na alfabetização tendo em vista os problemas
que a leitura e a escrita apresentam à educação (PATTO, 1996; MICOTTI, 1987;
SCOZ, 1994). Essas pesquisas indicam a existência de problemas no processo
de ensino-aprendizagem da linguagem na primeira série, isto é, problemas
relativos à alfabetização, pois é na primeira série que normalmente ocorre à
alfabetização.

O educando chega à escola com um grande número de experiências, de


aprendizagens que são ignoradas pelo professor, pois mesmo antes de
ingressar na escola a criança já possui inúmeras vivências que deveriam servir
como ponto de partida das atividades do professor. A criança, mesmo não
reconhecendo os símbolos do alfabeto, já "lê" o seu meio, estabelecendo
relações entre significante e significado. A escola deve dar continuidade a esse
processo defendendo a livre expressão da criança, pois com isso o educando
enfrentará com mais tranquilidade a grande aventura do primeiro ano escolar:
aprender a ler e escrever.

Nesse sentido, é necessário que os educadores tenham conhecimentos


que lhes possibilitem compreender sua prática e os meios necessários para

33
promoverem o progresso e sucesso dos alunos. Uma das maneiras de se chegar
a isso é através das contribuições que a Psicopedagogia proporciona, pois é a
área que estuda e lida com o processo da aprendizagem e com os problemas
dele decorrentes. Sua nova visão vem sendo apresentada pela Psicopedagogia
e vem ganhando espaço nos meios educacionais brasileiros, despertando o
interesse dos profissionais que atuam nas escolas e buscam subsídios para sua
prática.

AS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
De acordo com Grigorenko; Ternem Berg, (2003, p.29):

Dificuldade de aprendizagem significa um distúrbio em um ou mais dos


processos psicológicos básicos envolvidos no entendimento ou no uso da
linguagem, falada ou escrita, que pode se manifestar em uma aptidão imperfeita
para ouvir, pensar, falar, ler, escrever, soletrar ou realizar cálculos matemáticos.

Quando a criança começa a ler, a maioria dos alunos tende a ver as


palavras como imagens, com uma forma particular ou um padrão. Eles tendem
a não compreender que uma palavra é composta de letras usadas em
combinações particulares, que correspondem ao som falado. É essencial que os
alunos sejam ensinados e aprendam a arte básica de decodificação e soletração
desde o início.

A ação de escrever exige também da parte da criança uma ação de


análise deliberada. Quando fala, ela tem consciência das operações mentais que
executa. Quando escreve, ela tem de tomar consciência da estrutura sonora de
cada palavra, tem de dissecá-la e produzi-la em símbolos alfabéticos que tem de
ser memorizado e estudado de antemão.

Para Smith; Strick, (2001, p.14) dificuldades de aprendizagem são “...


problemas neurológicos que afetam a capacidade do cérebro para entender,
recordar ou comunicar informações”. Um todo, objetivando facilitar o processo

34
3
5

de aprendizagem. O ser sob a ótica da Psicopedagogia é cognitivo, afetivo e


social. É comprometido com a construção de sua autonomia, que se estabelece
na relação com o seu "em torno", à medida que se compromete com o seu social
estabelecendo redes relacionais.

A dificuldade de aprendizagem nessa definição é entendida e trabalhada


com um agente dificultador para a construção do aprendiz que é um ser
biológico, pensante, que tem uma história, emoções, desejos e um compromisso
político-social. "A Psicopedagogia tem como meta compreender a complexidade
dos múltiplos fatores envolvidos nesse processo" (RUBINSTEIN, 1996, p. 127).

Nem sempre a Psicopedagogia foi entendida da forma como aqui está


caracterizada. A Psicopedagogia, inicialmente, começou tendo como
pressuposto que as pessoas que não aprendiam tinham um distúrbio qualquer.
Bossa, (2002, p. 42) esclarece que:

A preocupação e os profissionais que atendiam essas pessoas eram os


médicos, em primeira instância e, em seguida Psicólogos e Pedagogos que
pudessem diagnosticar os déficits. Os fatores orgânicos eram responsabilizados
pelas dificuldades de aprendizagem na chamada época "patologizante" A
criança ficava rotulada e a escola e o sistema a que ela pertencia, se eximiam
de suas responsabilidades: ‘Ela (a criança) tem problemas’.

DÉFICIT DE APRENDIZAGEM
A criança com amadurecimento intelectual, emocional e físico
suficientes para aceitar com naturalidade as importantes modificações da rotina
de vida que surgem com a vida escolar, que tenha sido previamente preparada
para a socialização extrafamiliar e que entre em uma escola com maleabilidade
suficiente para atender suas necessidades específicas, deverá se adaptar
rapidamente.

35
A inadaptação geralmente é revelada por queixas do tipo: recusa em ir à
escola, agressividade, passividade, desinteresse, instabilidade emocional,
comportamento desordeiro, somatizações.

Quando surgem dificuldades, toda a relação "família-criança-escola"


encontra-se alterada. Frente a uma criança específica, em última análise, pode-
se dizer que a escolha daquela escola, naquele momento, não foi adequada; a
criança é normal; porém, não correspondem às expectativas da família, que
escolheu a escola segundo suas expectativas; a criança é normal, mas ainda
imatura para a escolarização - a criança não é normal e precisa de uma atenção
mais diferenciada!

A criança, com incapacidade de aprendizagem, no início, se relacionará


bem com as demais crianças, não é hiperativa e geralmente gosta de escola.
Desde o momento em que o jardim de infância enfoca a maior extensão do
desenvolvimento social, muito mais do que o aprendizado, a criança com
incapacidade de aprendizado poderá dar-se muito bem neste nível escolar.

A PSICOPEDAGOGIA INSTITUCIONAL E ALGUMAS


INTERVENÇÕES POSSÍVEIS
O TRABALHO E A INTERVENÇÃO DO PSICOPEDAGOGO
NA ESCOLA
A atuação do Psicopedagogo na instituição visa a fortalecer lhe a
identidade, bem como buscar o resgate das raízes dessa instituição, ao mesmo
tempo em que procura sintonizá-la com a realidade que está sendo vivenciada
no momento histórico atual, buscando adequar essa escola às reais demandas
da sociedade.

Durante todo o processo educativo, procura investir numa concepção de


ensino-aprendizagem que:

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3
7

Fomente interações interpessoais; Incentive os sujeitos da ação educativa


a atuarem considerando integradamente as bagagens intelectuais e moral;
Estimule a postura transformadora de toda a comunidade educativa para, de
fato, inovar a prática escolar; contextualizando-a; Enfatize o essencial: conceitos
e conteúdos estruturantes, com significado relevante, de acordo com a demanda
em questão; Oriente e interaja com o corpo docente no sentido de desenvolver
mais o raciocínio do aluno, ajudando-o a aprender a pensar e a estabelecer
relações entre os diversos conteúdos trabalhados; Reforce a parceria entre
escola e família; Lance as bases para a orientação do aluno na construção de
seu projeto de vida, com clareza de raciocínio e equilíbrio; Incentive a
implementação de projetos que estimulem a autonomia de professores e alunos;
Atue junto ao corpo docente para que se conscientize de sua posição de “eterno
aprendiz”, de sua importância e envolvimento no processo de aprendizagem,
com ênfase na avaliação do aluno, evitando mecanismos menores de seleção,
que dirigem apenas ao vestibular e não à vida.

Nesse sentido, o material didático adotado, após criteriosa análise, deve


ser utilizado como orientador do trabalho do professor e nunca como o único
recurso de sua atuação docente.

Com certeza, se almejamos contribuir para a evolução de um mundo que


melhore as condições de vida da maioria da humanidade, nossos alunos
precisam ser capazes de olhar esse mundo real em que vivemos interpretá-lo,
decifrá-lo e nele ter condições de interferir com segurança e competência.

Em sua obra “A Psicopedagogia no Brasil- Contribuições a Partir da


Prática”, Nádia Bossa registra o termo prevenção como referente à atitude do
profissional no sentido de adequar as condições de aprendizagem de forma a
evitar comprometimentos nesse processo, Partindo da criteriosa análise dos
fatores que podem promover como dos que têm possibilidade de comprometer
o processo de aprendizagem, a Psicopedagogia Institucional elege a
metodologia e/ou a forma de intervenção com o objetivo de facilitar e/ou

37
desobstruir tal processo, o que vem a ser sua função precípua, colaborando,
assim, na preparação das gerações para viver plenamente a complexidade
característica da época. Sabemos que o aluno de hoje deseja que sua escola
reflita a sua realidade e o prepare para enfrentar os desafios que a vida social
apresenta, portanto não aceita ser educado com padrões já obsoletos e
ultrapassados.

A psicopedagogia trabalha e estuda a aprendizagem, o sujeito que


aprende, aquilo que ele está apontando como a escola em seu conteúdo
sociocultural. É uma área das Ciências Humanas que se dedica ao estudo dos
processos de aprendizagem. Podemos hoje afirmar que a Psicopedagogia é um
espaço transdisciplinar, pois se constitui a partir de uma nova compreensão
acerca da complexidade dos processos de aprendizagem e, dentro desta
perspectiva, das suas deficiências. (FABRICIO, 2000, p. 35).

Surgiu da necessidade de melhor compreensão do processo de


aprendizagem, comprometida com a transformação da realidade escolar, na
medida em que possibilita, mediante exercício, análise e ação reflexiva, superar
os obstáculos que se interpõem ao pleno domínio das ferramentas necessárias
à leitura do mundo e atuação coerente com a evolução e progresso da
humanidade, colaborando, assim, para transformar a escola extemporânea, que
não está conseguindo acompanhar o aluno que chega a ela, em escola
contemporânea, capaz de lidar com os padrões que os alunos trazem e de se
contrapor à cultura de massas predominante, dialogando com essa cultura.

A INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA NA SALA DE AULA


Para tanto, juntamente com toda a Equipe Escolar, o Psicopedagogo
estará mobilizado na construção de um espaço concreto de ensino-
aprendizagem, espaço este orientado pela visão de processo, através do qual
todos os participantes se articulam e mobilizam na identificação dos pontos
principais a serem intensificados e hierarquizados, para que não haja ruptura da

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ação, e sim continuidade crítica que impulsione a todos em direção ao saber que
definem e lutam por alcançar.

Considerando a escola responsável por parcela significativa da formação


do ser humano, o trabalho psicopedagógico na instituição escolar, que podemos
chamar de psicopedagogia preventiva, cumpre a importante função de socializar
os conhecimentos disponíveis, promover o desenvolvimento cognitivo e a
construção de normas de conduta inseridas num mais amplo projeto social,
procurando afastar, contrabalançar a necessidade de repressão. Assim, a
escola, como mediadora no processo de socialização, vem a ser produto da
sociedade em que o indivíduo vive e participa. Nela, o professor não apenas
ensina, mas também aprende. Aprende conteúdos, aprende a ensinar, a dialogar
e liderar; aprende a ser cada vez mais um cidadão do mundo, coerente com sua
época e seu papel de ensinantes, que é também aprendente. Agindo assim, a
maioria das questões poderá ser tratada de forma preventiva, antes que se
tornem verdadeiros problemas.

Diferente de estar com dificuldade, o aluno manifesta dificuldades,


revelando uma situação mais ampla, onde também se inscreve a escola, parceira
que é no processo da aprendizagem. Portanto, analisar a dificuldade de aprender
inclui, necessariamente, o projeto pedagógico escolar, nas suas propostas de
ensino, no que é valorizado como aprendizagem. A ampliação desta leitura
através do aluno permite ao psicopedagogo abrir espaços para que se
disponibilizem recursos que façam frente aos desafios, isto é, na direção da
efetivação da aprendizagem.

No entanto, apesar do esforço que as escolas tradicionalmente


dispendem na solução dos problemas de aprendizagem, os resultados do estudo
psicopedagógico têm servido, muitas vezes, para diferentes fins, sobretudo
quando a escola não se dispõe a alterar o seu sistema de ensino e acolher o
aluno nas suas necessidades. Assim, se a instituição consagra o
armazenamento do conteúdo como fator de soberania, os resultados do estudo

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correm o risco de serem compreendidos como a confirmação das incapacidades
do aluno de fazer frente às exigências, acabando por referendar o processo de
exclusão. Escolas conteudistas, porém menos "exigentes", recebem os
resultados do estudo como uma necessidade de maior acolhimento afetivo do
aluno. Tornam-se mais compreensivas, mais tolerantes com o baixo rendimento,
sem, contudo, alterar seu projeto pedagógico. Mantém, assim, o distanciamento
entre o aluno e o conhecimento. Nelas também ocorre o processo de exclusão.

O estudo psicopedagógico atinge plenamente seus objetivos quando,


ampliando a compreensão sobre as características e necessidades de
aprendizagem daquele aluno, abre espaço para que a escola viabilize recursos
para atender as necessidades de aprendizagem. Desta forma, o fazer
pedagógico se transforma, podendo se tornar uma ferramenta poderosa no
projeto terapêutico.

A INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA JUNTO À FAMÍLIA


Na formação do indivíduo, a família desempenha papel fundamental, pois
desde o nascimento a criança começa a interagir com as pessoas que convivem,
e aos poucos vão aprendendo a se socializar e adquirindo características
semelhantes às dessas pessoas. Essas características irão influenciar no
desenvolvimento intelectual e psicológico, por toda a vida, embora passe por
constantes alterações e adaptações dependendo do meio em que conviver
posteriormente.

A criança sofre alterações do meio em que vive e ao crescer, começa a


ter uma vida social mais ampla, como na escola, por exemplo, e nessa vivencia,
descobrirá coisas novas, se relacionará com pessoas diferentes das quais está
acostumada, surgindo novidades que também influenciará no seu
desenvolvimento pessoal.

Segundo Coll (1995, p. 251), a família, principalmente durante os anos


escolares, deveria educar as crianças em um ambiente democrático: “[...] são os

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estilos educativos democráticos, por sua judiciosa combinação de controle,


afeto, comunicação e exigências de maturidade, os que propiciam um melhor
desenvolvimento da criança”. Se a criança não tiver uma base sólida na família,
com uma educação democrática, afetuosa, crítica, de valores positivos, as
características pessoais podem sofrer alterações radicais, direcionando a
mesma às boas ou más atitudes.

Os pais precisam dar o suporte necessário para que a escola possa fazer
a sua parte e deixar a sociedade, de uma maneira geral, satisfeita com os
resultados obtidos com essa parceria.

Na educação, a escola sempre teve um papel fundamental, e hoje, além


da função de ensinar para a cidadania e para o trabalho, tem também que passar
os valores fundamentais para a vida do indivíduo, sendo que esse papel também
deveria ser de comprometimento familiar.

Com o tempo, foram sendo atribuídas mais funções às escolas,


principalmente pela influência econômica, política e social, e, Segundo Libâneo
(2003, p. 139), “a revolução de 1930 representou a consolidação do capitalismo
industrial no Brasil e foi determinante para o consequente aparecimento de
novas exigências educacionais”.

A intervenção psicopedagógica voltada também para a família poderá


ajudar no real conhecimento delas, caso não estiverem claras ou forem apenas
parcialmente compreendidas, criando a possibilidade de compreensão do outro,
a adequação de papéis e de limites.

Assim, o trabalho psicopedagógico requer do especialista uma real


percepção de si, de maneira a não se deixar levar pelos próprios valores durante
a intervenção. Isso porque o reconhecimento de um problema de aprendizagem
e a intervenção mais adequada para solucioná-lo será resultado da bagagem
cultural que ele traz consigo e que interferirá na sua capacidade de observação
e análise de cada caso.

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Também sua postura frente à aprendizagem terá grande influência sobre
o trabalho com a família e na possibilidade de seus membros resinificarem e
sentirem segurança em seus papéis de ensinantes e aprendente.

A atuação psicopedagógica, enquanto protetora e facilitadora das


relações, repercutirá em envolvimento na manutenção de um sistema familiar
com uma saudável circulação do conhecimento, possibilitando o equilíbrio de
poder entre seus membros, clareza na definição de papéis e de limites.

Enfim, a intervenção psicopedagógica buscará não se limitar à


compreensão da dificuldade, mas à aquisição de novos comportamentos que
levem à sua superação.

A CLÍNICA PSICOPEDAGÓGICA E AS DIFICULDADES DE


APRENDIZAGEM
Existem muitos fatores que interferem no processo de aprendizagem,
porém a criança não é a única responsável pelos problemas que enfrenta ou que
se encontra. Mas também, não é a busca de culpados por esses problemas que
permitirá encontrar soluções.

Para Bossa (2002 apud ESCOTT, 2004) é preciso o psicopedagogo ter


clareza de que a dificuldade de aprendizagem não se dá isoladamente, mas
precisa ser compreendida como um sintoma social, cultural, epistemológico e
individual, que se manifesta na dimensão da singularidade do sujeito.

Na realidade, para compreender os problemas que surgem na


aprendizagem, necessita-se um processo de interação, fora desse não existirá
compreensão. Os problemas necessitam ser analisados considerando o
processo interativo existente para haver a aprendizagem. Dessa forma o
psicopedagogo precisa ter um olhar e uma escuta aprofundada a todos os
momentos do processo.

Segundo Paín (1989, apud ESCOTT, 2004, p. 28),

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[...] podemos considerar o problema de aprendizagem como sintoma, no


sentido de que o não-aprender não configura um quadro permanente, mas
ingressa numa constelação peculiar de comportamentos, nos quais se destaca
como sinal de descompensação.

A mesma autora aponta diferenças nas causas e manifestações da não-


aprendizagem. A dificuldade de aprendizagem pode apresentar-se como um
sintoma, mascarando a repressão de algum acontecimento no qual o aprender
tem seu significado, outra possibilidade se dá pela inibição cognitiva, que diz
respeito a uma retratação intelectual do ego. E ainda, tem-se como terceira
possibilidade o comportamento reativo em relação às propostas escolares.
Neste caso, a dificuldade de aprendizagem está fora do sujeito, pois corresponde
às inadequações das propostas escolares às necessidades da criança e às
diferenças de ideologia entre escola e grupo social familiar.

Escott (2004) assinala que o sintoma do não-aprender tem um significado


funcional dentro da estrutura na qual está inserido o sujeito. Nas dificuldades de
aprendizagem sintoma, aprender torna-se um fato ameaçador e, portanto, fonte
de sofrimento, de repulsa e de desprazer.

“Podemos dizer que o que é percebido pelo próprio sujeito ou pelos outros
é chamado de sintoma. Com o sintoma o sujeito sempre diz alguma coisa aos
outros, se comunica, e sobre o sintoma sempre se pode dizer algo”. (WEISS,
2004, p.28).

O sintoma é, portanto, o que surge da personalidade em interação com o


sistema social em que está inserido o sujeito.

Para Fernández e Paín (apud BOSSA, 2000a, p. 88), o problema de


aprendizagem pode ser gerado por causas internas ou externas à estrutura
familiar e individual, ainda que sobrepostas. Os problemas ocasionados pelas
causas externas são chamados por essas autoras de problemas de
aprendizagem reativos, e aqueles cujas causas são internas à estrutura de

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personalidade ou familiar do sujeito denominam-se sintoma. Segundo as
autoras, quando se atua nas causas externas, o trabalho é preventivo. Na
intervenção em problemas cujas causas estão ligadas à estrutura individual e
familiar, o trabalho é terapêutico.

“Para entender o significado do problema de aprendizagem sintoma,


deveremos descobrir a funcionalidade do sintoma dentro da estrutura familiar e
aproximar-nos da história individual do sujeito e da observação de tais níveis
operando”. (FERNÁNDEZ, 1991, p.82).

Fernández (1991) fez uma analogia para se compreender a diferença


entre o problema de aprendizagem reativo e o sintoma, podendo ser comparados
com a diferença que existe entre a desnutrição e a anorexia, pois na desnutrição
falta a comida, mas existe a vontade de comer e na anorexia o fator é outro,
existe a comida, mas por algum motivo o sujeito não come. Em ambos existe o
fato de não comerem, porém o motivo disso é diferente em cada caso.

De acordo com essa comparação, no sintoma, existem as possibilidades


de aprendizagem, como a comida existe para o anoréxico, porém se perdeu a
vontade de aprender. E no problema chamado de reativo, pode-se comparar com
o desnutrido, pois nesse caso o sujeito deseja aprender, mas não são ou não
foram proporcionadas situações de aprendizagens viáveis.

“Assim como em todas as classes sociais pode aparecer a anorexia, em


todas as situações socioeducativas pode aparecer o problema de aprendizagem-
sintoma”. (FERNÁNDEZ, 1991, p. 83).

Ainda para Fernández (1991), é de grande importância ter-se claro o que


é a desnutrição (fracassos escolares) e o que é a anorexia (problemas de
aprendizagem), para que dessa forma se possa fazer a intervenção antes que
algum deles seja produzido, pois, em muitos casos, um pode vir a surgir do outro,
ou seja, um sujeito com desnutrição pode vir a se transformar em um sujeito com

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anorexia como uma defesa, dessa forma um problema reativo pode vir a se
tornar um sintoma.

“O fracasso escolar ou o problema de aprendizagem deve ser sempre um


enigma a ser decifrado que não deve ser calado, mas escutado” (FERNÁNDEZ,
2001a, p.38).

Dessa forma, quando surgir o “não sei” como principal resposta, o


psicopedagogo deve perguntar-se o que não está permitido saber.

Segundo Fernández (1990 apud BOSSA 2000, p.88),

Para resolver o problema de aprendizagem reativo, necessitamos recorrer


principalmente a planos de prevenção nas escolas (batalhar para que o professor
possa ensinar com prazer para que, por isso, seu aluno possa aprender com
prazer, tender a denunciar a violência encoberta e aberta, instalada no sistema
educativo, entre outros objetivos), porém, uma vez gerado o fracasso e conforme
o tempo de sua permanência, o psicopedagogo deverá também intervir,
ajudando através de indicações adequadas (assessoramento à escola, mudança
de escola, orientação a uma ajuda extraescolar mais pautada, a um espaço de
aprendizagem extraescolar expressivo, etc.), para que o fracasso do ensinantes,
encontrando um terreno fértil na criança e sua família, não se constitua em
sintoma neurótico.

Para resolver o fracasso escolar, quando provém de causas ligadas à


estrutura individual e familiar da criança (problema de aprendizagem – sintoma
ou inibição), vai ser requerida uma intervenção psicopedagógica especializada
[...] para procurar a remissão desta problemática, deveremos apelar a um
tratamento psicopedagógico clínico que busque libertar a inteligência e mobilizar
a circulação patológica do conhecimento em seu grupo familiar.

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Nesse contexto Fernández assinala a importância do trabalho em
conjunto com a família e com a escola. Em determinados casos de não
aprendizagem, a intervenção pode ser feita na escola, em outros na clínica.

Segundo Barbosa (2001), a aprendizagem é um processo que resulta de


uma interação do sujeito com seu meio. Dessa forma a dificuldade para aprender
se caracteriza por ser um impedimento, persistente ou momentâneo, do sujeito
diante de obstáculos que surgem nessa interação.

O processo de aprender não acontece em linha reta, numa ascensão


suave de aquisições que vão se somando simplesmente umas às outras; e sim
apresenta um traçado acidentado, definido como “dente de serra”, com picos de
alturas variadas, em que se soma, subtrai-se, divide-se e multiplica-se. Em
alguns momentos o aprendiz resolve as situações com facilidades; em outros,
surge a dificuldade que mobiliza para a solução. (BARBOSA, 2001, p. 32).

Do ponto de vista de Barbosa (2001) a dificuldade na aprendizagem é um


elemento que faz parte do processo de aprendizagem e não deve ser vista sem
vínculo com o mesmo. Sem dificuldade não existe aprendizagem real, não
havendo desequilíbrio, não há busca pelo equilíbrio e a aprendizagem não se
faz.

Modalidades de aprendizagem
Este subitem discorrerá sobre a modalidade de aprendizagem, pois as
referências pesquisadas que datam a década de 80, especialmente na pessoa
de Alicia Fernández, pautavam-se em uma psicopedagogia com bases teóricas
pedagógicas construtivistas. Atualmente a área psicopedagógica busca
referências pedagógicas na abordagem histórico-crítica. Cabe aqui, retomar que,
a psicopedagogia é um campo da ciência que busca referências teóricas na
psicologia, psicanálise, antropologia, pedagogia, fonoaudiologia, entre outros, e
que esses referenciais vão se constituindo e se modificando. Então, além de a
psicopedagogia ser interdisciplinar, está em constante desenvolvimento.

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De acordo com Fernández (1991), em cada um de nós, se pode observar


um particular “modalidade de aprendizagem”, quer dizer, uma maneira pessoal
para aproximar-se do conhecimento e seu saber. Tal modalidade de
aprendizagem constrói-se desde o nascimento, e por meio dela nos deparamos
com a angústia essencial ao conhecer-desconhecer.

Para Fernández (2001), afirma que cada pessoa tem sua modalidade
singular de aprendizagem, como um idioma, por exemplo, pode ser diferente um
do outro, mas não quer dizer que necessariamente todas as pessoas que falam
esse idioma pensam ou dizem as mesmas coisas.

Por isso, as modalidades de aprendizagem estão essencialmente ligadas


à estrutura da personalidade.

Para Scott (2001), a psicopedagogia parte da história pessoal do sujeito,


procurando identificar sua modalidade de aprendizagem e compreender a
mensagem de outros sujeitos envolvidos nesse processo, seja a família ou a
escola.

A modalidade de aprendizagem em um paciente com problemas para


aprender, costuma ser sintomática, e por isso este sujeito tem dificuldade em
aprender, mas por outro lado, também, algo lhe permite e permitiu aprender.

Muitas vezes, na aprendizagem, o sujeito acredita que dispõe somente


daquilo que sempre usa e não procura buscar ou encontrar o que também tem,
mas que há muito tempo não utiliza.

Conforme Fernández (1991, p. 108):

Diferenciamos “modalidade de aprendizagem” de “modalidade de


inteligência”. A aprendizagem é um processo em que intervém a inteligência, o
corpo, o desejo, o organismo, articulados em um determinado equilíbrio; mas a
estrutura intelectual tende também a um equilíbrio para estruturar a realidade e

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sistematizá-las através de dois movimentos que Piaget definiu como invariantes:
assimilação e acomodação.

A assimilação refere-se ao movimento do processo de adaptação no qual


os elementos do ambiente alteram-se para poderem ser incorporados à estrutura
do organismo. E a acomodação é o movimento do processo de adaptação pelo
qual o organismo é que se altera.

Dessa forma, pela assimilação o sujeito transforma a realidade para


integrá-las a seus esquemas de ação e pela acomodação transforma e coordena
seus próprios esquemas para adequar-se à realidade do objeto a conhecer.
(FERNÁNDEZ, 2001, p. 84).

Para que haja uma aprendizagem, precisa-se ter uma modalidade de


aprendizagem na qual se produza um equilíbrio entre os movimentos
assimilativos e acomodativos.

Sara Paín (1985, apud FERNÁNDEZ, 2001a, p.83) observa a constituição


de diferentes modalidades nos processos representativos cujos extremos podem
descrever-se como: hipoassimilação-hiperacomodação, hipoacomodação-
hiperassimilação e explica essas modalidades do seguinte modo:

Hipoassimilação: Os esquemas de objeto permanecem empobrecidos,


como também a capacidade de coordená-los. Isso redunda em um déficit lúdico
e na disfunção do papel antecipatório da imaginação criadora. Hipoassimilação:
pode ocorrer uma internalização prematura dos esquemas, com um predomínio
lúdico que, em vez de permitir a antecipação de transformações possíveis,
desrealiza negativamente o pensamento da criança.

Hipoacomodação: aparece quando não se respeitou o tempo da criança


nem sua necessidade de repetir muitas vezes a mesma experiência.
Hipoacomodação: houve uma superestimulação da imitação. A criança pode

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cumprir com as consignas atuais, mas não dispõe com facilidade de suas
expectativas nem de sua experiência previa.

Nos problemas de aprendizagem sintoma encontra-se na maioria a


modalidade heperassimilativa/hipoacomodativa, mas também existem sintomas
que se estruturam de uma modalidade hiperacomodativa/hipoassimilativa.

O problema de aprendizagem sintoma instala-se sobre uma modalidade


existente, modalidade esta que o sujeito construiu desde o nascimento, na qual
intervêm significações ainda anteriores a ele mesmo. O sintoma surge da
modalidade prévia, mas ele vai se modificando, estereotipando e enrijecendo.

A psicopedagogia nesta década pauta-se do referencial pedagógico com


bases na pedagogia histórico-crítica de Demerval Saviani. É nessa direção que
Saviani (1991, apud SCALCON, 2002, p. 94) caminha em sua trajetória de
educação, ou seja, no sentido de formular uma teoria educacional voltada para
a natureza específica da ação educativa.

Portanto, a psicopedagogia clínica está em constante processo de


inovação, sem perder as bases teóricas.

REFERÊNCIAS
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BARBOSA, Laura Monte Serrat. A psicopedagogia no âmbito da


instituição escolar. Curitiba: Expoente, 2001.

BOSSA, Nádia A. A psicopedagogia no Brasil: Contribuições a partir da


prática. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000a.

_______ Dificuldades de aprendizagem: o que são? Como tratá-las?


Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000b.

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DÁRIO, Fiorentini. Investigação em educação matemática: percursos
teóricos e metodológicos. Campinas, SP: Autores Associados, 2006.

ESCOTT, Clarice Monteiro. Interfaces entre a psicopedagogia clínica e


institucional: um olhar e uma escuta na ação preventiva das dificuldades de
aprendizagem. Novo Hamburgo: Feevale, 2004.

FERNÁNDEZ, Alicia. A inteligência aprisionada: Abordagem


psicopedagógica da criança e sua família. Porto Alegre: Artes Médicas, 1991.

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_______ O saber em jogo: A psicopedagogia propiciando autorias de


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GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo:


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MONEREO, Carles; SOLÉ, Isabel. O assessoramento psicopedagógico:


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CIASCA, S.M. Distúrbios de Aprendizagem: Proposta de Avaliação


Interdisciplinar, São Paulo, Casa do Psicólogo Livraria e Editora Ltda., 2003.

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