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cultura e propósito

O verde morreu?
Revista HSM | jan 17, 2018 | cultura e propósito | 4 Comentários

Aos olhos de um consumidor médio, produtos amigáveis ao


meio ambiente são feios, caros e têm mau desempenho.
As empresas precisam voltar às noções de economia para
revitalizar o verde | por Nadya Zhexembayeva

Era uma vez um grupo de transformadores que enxergou o excesso


de pesca nos oceanos e antecipou o aumento dos preços das
commodities e a redução das oportunidades baseadas em recursos
naturais. Eles decidiram tomar providências, propondo novos
produtos, novos processos e novos serviços que revertessem a
decadência. Escreveram uma infinidade de livros e falaram em muitas
palestras. Pressionaram por mudanças em todos os setores e pariram
uma resposta unificada ao desafio: a “economia verde”.

Eu já fui uma transformadora.

“Fui” é a palavra crucial neste texto. Por mais de uma década,


trabalhei com uma série de empresas em uma gama de riscos de
sustentabilidade e escrevi artigos e livros sobre como transformá-los
em oportunidades. Durante todos esses anos, foi um prazer e uma
honra trabalhar em projetos que eram bastante profundos. Como
muitos de vocês, assisti à ascensão de tudo o que era “verde” na
mídia e participei de uma infinidade de eventos que pareciam sugerir
que “verde” era o novo preto. As empresas eram corajosas, os
projetos tinham impacto, as descobertas foram poderosas.
Só que, na maioria das organizações no mundo, eu nunca consegui
ver de verdade uma mudança de mentalidade, de comportamento e
de resultados. O verde, como resposta ao desafio do excesso de
pesca nos oceanos, não estava funcionando. A conta simplesmente
não fechava.
O que vem a sua cabeça, leitor, quando ouve falar em “produto
verde”? Vamos tornar isso um pouco mais tangível: pense em um
sapato ecológico. O que você imagina? Muito provavelmente, uma
matéria-prima reciclável ou biodegradável, orgânica ou não tóxica.
Esse produto seria bonito? Não sei você, mas, quando pergunto isso
em conferências, a maioria das pessoas diz não. Quanto à
funcionalidade, ele vai ter desempenho semelhante ao de um sapato
normal? Mais uma vez, a maioria acredita que não. E o preço? Esse
aspecto é consenso: todos esperam que produtos verdes custem mais
caro.

Assim chegamos ao batom orgânico de preço indecente que some


dos lábios em cinco minutos, ao carro verde que enfeia a garagem do
dono, à maçã de aparência tristonha com o dobro do preço de sua
colega convencional. Resumindo, aos olhos de um consumidor médio,
produtos verdes são feios, têm mau desempenho e são caros.
Porém, ainda assim, os consumidores queriam fazer sua parte e o
mito do mercado para o verde se espalhou como rastilho de pólvora.
Lá em 2006, a pesquisa com consumidores feita pela National
Consumers League e pela empresa de relações públicas Fleishman-
Hillard nos Estados Unidos registrou a responsabilidade social de uma
organização como o fator número um entre os determinantes de
lealdade à marca, com 35% dos respondentes colocando-a no topo,
bem à frente do preço do produto e da disponibilidade, cada um deles
recebendo meros 20% dos votos. Três anos depois, a consultoria
Deloitte registrou que 95% dos consumidores norte-americanos
tinham vontade de “comprar verde”, enquanto uma pesquisa da
agência de branding sustentável BBMG combinava um levantamento
nacional de 2 mil consumidores com entrevistas etnográficas apoiadas
pelos achados da Deloitte e decretava: dois terços dos norte-
americanos acreditavam que, mesmo em épocas econômicas difíceis,
era importante comprar produtos com benefícios sociais e ambientais.
Em 2010, o relatório do Fórum Econômico Mundial sugeria que tal
preocupação era tão forte nas economias maduras como nas
emergentes – e até mais forte em algumas áreas emergentes
específicas. Convincente, certo?
DE QUEM É A CULPA
O problema no paraíso desses estudos era que os consumidores
prometiam uma coisa e faziam outra. Pegue, por exemplo, os serviços
públicos. Apesar do forte apoio à ideia de “energia verde” verificado
em pesquisas com os consumidores, poucas utilities têm sido capazes
de atrair significativa quantidade de clientes com esse tipo de oferta.
A história da companhia elétrica pública de Massachusetts, Estados
Unidos, é exemplo perfeito desse fenômeno. A empresa ofereceu
programas como o National Grid’s GreenUp, que permite aos clientes
escolher energia limpa pagando um valor mais alto. Mas, mesmo com
uma campanha de marketing ampla, que incluiu avisos nas contas,
newsletters online, estandes em eventos e posts no Facebook para
promover as opções, houve poucas adesões. Depois de quase uma
década, só 6 mil do 1,2 milhão de clientes de Massachusetts (menos
de 1%) tinham optado pelo GreenUp. As pessoas fazem o que fazem,
não o que dizem.
A empresa de energia de Massachusetts não estava sozinha em sua
descoberta dolorosa. Por vários anos, dados de mercado e pesquisa
acadêmica demonstraram que a ideia reinante de verde está morta.
Em um artigo da Forbes em 2011, Gregory Unruh afirma: “Clientes e
público […] esperavam que a sustentabilidade fosse a condição básica
do negócio. Eles não esperavam pagar por ela. […] Profissionais de
marketing verde sabem disso há muito tempo. Os clientes dirão aos
pesquisadores que pretendem pagar mais por produtos social e
ambientalmente superiores, mas, quando estão sozinhos na frente da
gôndola, raramente desembolsam mais pelo que é ‘verde’. […]
Quando empresas estabelecidas acrescentam um produto sustentável
ao portfólio, o que acontece é o questionamento do consumidor: ‘Bem,
se esse novo produto é verde, o que dizer do resto da linha?’”. Essa
reação é como um tapa na cara. Os executivos verdes estão, de certa
maneira, sendo punidos por serem verdes.
Em 2010, quatro professores da Villanova University e Suny University
em Albany descobriram que, embora os mercados financeiros estejam
dispostos a punir os malfeitos em relação à sustentabilidade,
esquivam-se de pagar mais por aquilo que é verde. Em outras
palavras, quando uma empresa é excluída da lista de organizações
com responsabilidade socioambiental, o mercado a pune com
severidade – uma média de 1,2% de queda no preço da ação após a
saída –, mas fazer parte da lista de empresas sustentáveis não
melhora o preço das ações.
O site Trendwatching.com já anunciou a morte do verde como
tendência, apresentando números:
• 40% dos consumidores dizem que desejam comprar produtos
verdes, mas apenas 4% deles realmente fazem isso quando têm
escolha;
• 58% dos consumidores globais acham que produtos ambientalmente
amigáveis são caros demais, e 33% dizem que eles não funcionam
bem;
• enquanto o volume de produtos verdes disponíveis para
consumidores norte-americanos aumentou 73% entre 2009 e 2010,
apenas 5% dos produtos não eram considerados “greenwashing”.
O greenwashing – a prática de traiçoeiramente maquiar dados para
criar a percepção de uma empresa ambiental e socialmente amigável
– tem sido solo fértil para a falta de confiança e aversão ao verde. Em
2012, uma manchete da Advertising Age dizia tudo: “À medida que
mais marqueteiros se tornam verdes, menos consumidores querem
pagar por isso”. A revista se referia aos resultados da pesquisa Green
Gauge, da GfK: 93% dos consumidores entrevistados afirmaram que
tinham pessoalmente mudado seu comportamento para serem mais
favoráveis à preservação, mas estavam menos dispostos a pagar
mais por produtos verdes.
Foi por isso que a Volkswagen decidiu não vender seu Golf TDI
BlueMotion nos EUA, concentrando-o na Europa. Rodando 37
quilômetros com um litro de combustível, o carro é um marco de
eficiência e sustentabilidade. Na Europa, as pessoas estão mais
dispostas a pagar mais por eficiência porque os preços do combustível
são o dobro dos EUA.
O que isso significa? O verde está morto?
Não há dúvida de que meu retrato da economia verde é extremamente
simplificado, generalizado e até exagerado. Também está claro que os
desafios que a vasta maioria dos produtos verdes tenta abordar são
bem reais, dignos e urgentes. No entanto, se “verde” se tornou
sinônimo de preço alto demais, espuma demais e qualidade de
menos, esse tipo de verde merece morrer. Não há mercado para
produtos verdes malfeitos e, pior, essa abordagem mina a confiança
do consumidor e mata as chances de qualquer êxito.
Os ambientalistas, que por muito tempo prestaram atenção à
sustentabilidade ambiental à custa da sustentabilidade financeira, têm
de aprender uma lição difícil: as duas são necessárias. O economista
Gernot Wagner, integrante do Environmental Defense Fund, defendeu
esse aprendizado: “Não pare de reciclar ou de comprar produtos
locais, mas acrescente noções de economia básica à lista de
afazeres. Nosso futuro depende de admitirmos a necessidade de
acabar com o socialismo planetário”

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