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Roteiro de Oficina

Problemas absurdos,
soluções inúteis
Em 2017, o coletivo sanga, em parceria com os Começamos apresentando aos educandos uma
aprendizes da Oniversidade, criou uma oficina HQ que ilustra um “problema absurdo”: uma
chamada Despreender, sobre o avesso do pessoa está comendo, e começa a comer cada
empreendedorismo. Através de uma série de vez mais coisas, até que começa a comer carros,
atividades lúdicas, os participantes são navios, planetas… nisso, outras pessoas,
convidados a pensar de maneira crítica e criativa preocupadas com a situação, decidem matar
a respeito do que é empreender, de quem são os esse ser que come tudo, e o fazem. Tudo parece
empreendedores e do que significa ser criativo e resolvido, mas… o fantasma dele volta para
resolver problemas. continuar comendo!

Além de atividades baseadas em teatro de Os participantes são convidados então a criar


improvisação e estudo de “cases de soluções para o problema exposto. Mas devem
despreendedores”, a oficina inclui a atividade apresentar as suas soluções também
que reproduzimos aqui, chamada “Problemas visualmente - pode ser como HQ, como
absurdos, soluções inúteis”. Nela, a ideia é usar a infográfico… só não vale escrever um texto
linguagem da HQ para estimular a criatividade e corrido.
exercitar a capacidade de resolver problemas
(muito) complexos!
Ao final da atividade, o educomunicador puxa (Lenda da Flor de Maracujá) para encontrar
uma roda de conversa, perguntando se alguém problemas desse tipo. Se as narrativas míticas
conhece a história presente na HQ. Caso estão em todos nós, será que em algum
ninguém conheça, revela que se trata de uma momento nós somos como Exu? Quando isso
história mitológica - uma narrativa das religiões acontece? De que maneira “resolvemos” (ou
de matriz africana a respeito de Exu, que pode não) a situação quando isso se dá? Será que
ser encontrada no livro Mitologia dos Orixás, de alguma das soluções “inúteis” apresentadas
Reginaldo Prandi. A partir dessa revelação, visualmente pelos educandos é capaz de nos dar
pode-se conversar a respeito da presença dos uma dica a respeito de como lidar com isso?
mitos e arquétipos nas nossas vidas, da maneira
como as narrativas míticas - religiosas, O objetivo da atividade estará plenamente
mitológicas etc. - parecem trazer problemas ao cumprido se os participantes sentirem que sua
mesmo tempo distantes (no tempo e no espaço) criatividade foi estimulada e que foram capazes
e próximos de todos nós, embora pareçam de desenvolver um novo olhar em relação aos
também insolúveis do ponto de vista prático ou problemas do dia-a-dia.
racional. Basta pensar por exemplo no mito de
Sísifo, em algumas passagens bíblicas (Torre de
Babel, por exemplo) ou em lendas ameríndias
Preparação
da Sala
Tempo: 1h

Número de participantes: Mínimo 4, máximo 20

Materiais necessários: HQs impressas, papel A3


ou A4, canetinhas (opcional: revistas velhas,
tesouras, cola bastão)

Formato da sala: estações de trabalho para


duplas ou trios

Objetivos específicos: estímulo à criatividade;


desenvolvimento da capacidade de resolução de
problemas complexos; reflexão a respeito de
narrativas mitológicas e arquetípicas; desenvolvi-
mento da capacidade de expressar-se visualmen-
te (desenho, colagem).
imprimir ou projetar
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O ideal é que os participantes trabalhem em duplas ou trios. Imprima a
HQ original, garantindo que haja uma para cada 2 ou 3 pessoas, de
acordo com o número de pessoas na turma. Também é possível projetar
a imagem da HQ, caso haja computador e projetor disponíveis.

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Disponha as mesas ou carteiras de forma a criar estações de trabalho
para cada dupla ou trio. É bom que as estações não sejam muito
próximas, incentivando a concentração.

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Em cada estação, coloque uma cópia da HQ impressa, canetinhas e
papel (A3 ou A4).
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Quando os participantes chegarem, deixe claro que a atividade do dia
serve para estimular a criatividade, que não estamos buscando
soluções “corretas” e “objetivas”, mesmo porque os problemas são
“absurdos”! A ideia é deixar rolar e colocar no papel todas as soluções
possíveis, por mais absurdas que pareçam. Reforce que as soluções
devem ser apresentadas, como o problema, visualmente, sem texto
corrido (mas são permitidos balõezinhos, legendas e outros pequenos
textos). Se houver tempo, vale começar o dia com uma atividade
divertida e criativa, tipo teatro de improvisação, para dar o tom da
atividade.

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Peça que os participantes se dividam em duplas ou trios e se dirijam às
estações de trabalho. Dê 15 a 20 minutos para que leiam a HQ,
conversem sobre o problema e desenhem as soluções possíveis. Se a
turma quiser, pode-se colocar uma música pra tocar, mantendo o clima
descontraído.
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Durante esse tempo, circule entre as duplas ou trios, e faça pequenas
intervenções caso sinta que os participantes estão “travados” ou presos
a soluções concretas. Faça perguntas disparadoras e reforce que a ideia
é “pirar na batatinha”! Vale também reforçar que a atividade não tem
nada a ver com “desenhar bem”, que é possível transmitir suas ideias
desenhando bonecos de palito.

Dica: Se for uma turma muito avessa ao desenho, pode ser bacana ter

! revistas velhas, tesoura e cola, para que a colagem possa ser uma
linguagem alternativa.
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Acabado o tempo, promova uma “apresentação silenciosa”: cada dupla
ou trio mostra o(s) desenho(s) que fez, mas só os outros participantes
podem comentar; quem fez o(s) desenho(s) deve ficar, num primeiro
momento, calado. A ideia é permitir que os participantes percebam se
conseguiram transmitir, através do desenho, suas ideias. Também é
interessante, para a dupla, notar que às vezes as outras pessoas
enxergam nos nossos desenhos coisas que nem nós mesmos havíamos
visto. Após esse primeiro momento, a dupla ou trio pode comentar o
seu trabalho, complementando ou até mesmo discordando do que tiver
surgido no coletivo.
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Depois que todas as duplas ou trios tiverem apresentando seus
trabalhos, puxe uma conversa a respeito. Sugestões de perguntas
disparadoras:

a) Como foi tentar solucionar um problema “absurdo”?

b) Esse problema é absurdo, mesmo?

c) Foi mais fácil ou difícil tentar resolvê-lo visualmente, com


desenhos? Foi mais chato ou mais divertido? De que outra(s)
forma(s) seria possível resolvê-lo?

d) Alguém na sala já teve que resolver, na vida real, um problema


“absurdo” parecido com o da HQ? Se sim, qual foi a solução?

e) Alguém já conhecia essa história? A turma sabe que não é uma


história inventada?
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Caso algum participante conheça a história de Exu, deixe que ele conte
aos demais. Se não, diga que é uma narrativa mitológica, parte das
religiões de matriz africana, e que o personagem que come tudo é Exu.
Sugerimos a leitura do mito, retirado do livro de Prandi.

Dica: É muito comum que, diante da menção a Exu ou a religiões


africanas, alguém na turma se mostre incomodado e surjam
expressões preconceituosas e falas a respeito de macumba
(pejorativamente) e magia negra. Se isso acontecer, é de extrema

! importância fazer uma pausa e falar a respeito. Vale apontar pontos de


contato entre diferentes religiões, mostrando o que todas pregam em
comum, e até pedir que os participantes relatem seus sentimentos em
relação à religião que praticam, caso se sintam confortáveis. O
importante é garantir que todos se sintam ouvidos e que ninguém se
sinta exposto - ou sinta que sua religião está sendo diminuída.
“Exu come tudo e ganha o privilégio A morte, entretanto, não aplacou a fome de Exu.
de comer primeiro Mesmo depois de morto,
podia-se sentir a sua presença devoradora,
Exu era o filho caçula de Iemanjá e Orunmilá, sua fome sem tamanho.
irmão de Ogum, Xangô e Oxóssi. Os pastos, os mares, os poucos animais que
Exu comia de tudo restavam, todas as colheitas, até os peixes iam
e sua fome era incontrolável. sendo consumidos.
Comeu todos os animais da aldeia em que vivia. Os homens não tinham mais o que comer
Comeu os de quatro pés e comeu os de pena. e todos os habitantes da aldeia adoeceram
Comeu os cereais, as frutas, os inhames, as pimentas. e de fome, um a um, foram morrendo.
Bebeu toda a cerveja, toda a aguardente, todo o vinho. Um sacerdote da aldeia consultou o oráculo de Ifá
Ingeriu todo o azeite de dendê e todos os obis. e alertou Orunmilá quanto ao maior dos riscos:
Quanto mais comia, mais fome Exu sentia. Exu, mesmo em espírito, estava pedindo sua atenção.
Primeiro comeu tudo de que mais gostava, Era preciso aplacar a fome de Exu.
depois começou a devorar as árvores, Exu queria comer.
os pastos, e já ameaçava engolir o mar. Orunmilá obedeceu ao oráculo e ordenou:
Furioso, Orunmilá compreendeu que Exu não pararia ‘Doravante, para que Exu não provoque
e acabaria por comer até mesmo o Céu. mais catástrofes,
Orunmilá pediu a Ogum sempre que fizerem oferendas aos orixás
que detivesse o irmão a todo custo. deverão em primeiro lugar servir comida a ele.’
Para preservar a Terra e os seres humanos Para haver paz e tranquilidade entre os homens,
e os próprios orixás, é preciso dar de comer a Exu,
Ogum teve que matar o próprio irmão. em primeiro lugar.”
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A “solução”, na história original, consiste em sempre oferecer o primeiro
bocado a Exu, antes de oferecer aos demais santos. Peça que os
participantes comentem essa solução, se ela é também “absurda” ou
não, e o porquê disso. Será que Exu tinha realmente fome de comida?

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Fale brevemente sobre como vivemos cercados de diferentes
mitologias. Vale falar sobre o Cupido, por exemplo, ou sobre mitos
famosos, como o de Édipo. Mas é importante também mostrar que
existem outras mitologias muito ricas além da greco-romana, com a
qual temos mais contatos. Mitologias como a dos Orixás ou as
ameríndias também nos dizem respeito. Uma mitologia é um conjunto
muito antigo de histórias que nos dizem respeito a todos. De que
narrativas mitológicas a turma é capaz de se lembrar? Qual é a origem
delas?
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A partir dessa conversa, estimule que os participantes estabeleçam
relações e paralelos entre a história de Exu e suas próprias vidas.
Sugestões de perguntas disparadoras:

a) Exu não comia só comida, ele comia as árvores, o mar… o que mais
nós podemos “comer”? Nós temos “fome” de quê?

b) Em algum momento vocês, como Exu, quiseram “comer tudo”?


Quando? Como se sentiram?

c) No caso de Exu, o que aplacou sua fome foi a promessa de que um


primeiro bocado seria sempre dele. Vocês conseguem pensar em
outras maneiras de aplacar esse tipo de fome que não se satisfaz
com comida?
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Quando sentir que os participantes estão satisfeitos com a conversa,
encerre, pedindo que dêem uma última olhada nos desenhos que
criaram, ressaltando coisas interessantes ou positivas que tenham
aparecido (cuidado para não focar demasiadamente em apenas um
desenho nessa hora). Finalmente, em círculo, peça que cada
participante resuma os aprendizados ou as sensações do dia em uma
só palavra - primeiro silenciosamente, para si mesmo, e depois em voz
alta (quem se sentir à vontade). Agradeça e dê tchau :)

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