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Abordagem Subjetiva e

Comportamento Alimentar

Comportamento alimentar: do que estamos falando?

Vivian Costa Resende Cunha

Para compreender o comportamento alimentar é preciso inicialmente conhecer um pouco


sobre o comportamento humano, seus determinantes e interpretações. A complexidade que
envolve o comportamento alimentar justifica-se, em partes, pelos inúmeros elementos que
compõe a sua multideterminação e subjetividade. Muitas vezes o conceito de comportamento
alimentar se confunde com outros construtos presentes na alimentação como hábitos, atitudes e
consumo alimentar. Todas estas questões foram abordadas de maneira simples no texto a seguir
e são fundamentais para a compreensão dos tópicos contemplados no decorrer desta aula.
Boa leitura!

“O que é o comportamento?” Por se tratar de uma pergunta simples,


buscamos também uma resposta simples (Barber, 1952), entretanto, a
complexidade desta resposta se dá diante do uso da palavra “comportamento”
sob diferentes perspectivas na ciência e na linguagem cotidiana (Todorov, 2012).

No dicionário, “comportamento” é definido como a maneira de se


comportar ou de se conduzir; procedimentos; condutas; conjunto de ações
observáveis de um indivíduo (Houssais, 2009). Em termos genéricos, a palavra
comportamento é usada como verbos de ação, quando o sujeito da frase é algum
animal ou homem. Por exemplo, nas frases: o menino corre, o cão saliva, os galos
cantam, os verbos “correr, salivar e cantar” são comportamentos desempenhados
pelo “menino, o cão e os galos”, respectivamente (Todorov, 2012).
A ciência do comportamento humano é objeto de estudo em algumas áreas
como: Sociologia, Psicologia, Antropologia, Ciências Sociais e Psiquiatria. A
Psicologia estuda o comportamento humano e suas interações (Todorov, 1989;
2012), e para esta ciência, interessa não apenas identificá-lo, mas, sobretudo,
compreender e explicar o comportamento em questão. Por exemplo, na
expressão “o menino corre”, busca-se compreender como, onde, quando e por
que isso acontece (Todorov, 2012).

A explicação sobre o comportamento humano na Psicologia parte do


princípio sob qual teoria se deseja estudar e conhecer o comportamento. Sob a
ótica analítico-comportamental (Behaviorista Radical), o comportamento é
resultado da interação entre o homem e o ambiente e este é influenciado por
questões filogenéticas (estruturas genéticas e biológicas de uma espécie,
evoluídas e selecionadas através do contato com o ambiente e passadas
geneticamente às gerações seguintes), ontogenéticas (história de aprendizagem
de cada indivíduo) e culturais (histórias do grupo ao qual o indivíduo pertence).
Na perspectiva da Análise do Comportamento, os sentimentos e pensamentos
devem ser vistos como comportamentos a serem analisados (Starling, 2000;
Skinner, 1981).

Para a Terapia Cognitiva, os indivíduos atribuem significado a todos os


acontecimentos, pessoas, sentimentos e demais aspectos da vida e, a partir disso,
se comportam de determinada maneira. Esta terapia baseia-se no modelo
cognitivo, que levanta a hipótese de que as emoções e os comportamentos são
influenciados pela percepção e interpretação dos eventos (Beck, 1997). Para a
Terapia Cognitivo Comportamental, o comportamento é produto dos
pensamentos (denominados automáticos) e da forma como a pessoa interpreta o
mundo (suas crenças) (Lima & Wilenska, 1993).
O comportamento, na perspectiva da Teoria Social Cognitiva proposta por
Bandura, é resultado da observação e replicação de ações da sociedade que cerca
o indivíduo e sofre influência dos fatores pessoais internos (cognitivos e afetivos).
Diferente dos behavioristas radicais, o comportamento não depende só do
estímulo e resposta, mas pode ser agente de mudança, influenciando a vida de
maneira intencional (Bandura, 2001).

Em geral, comportamento é um construto teórico a depender da sua


compreensão e interpretação, dentro da visão da Psicologia. Independente da
ótica sob a qual o comportamento é analisado, sua complexidade deve ser
considerada. Uma mudança de comportamento é resultado de diversos
processos de aprendizagem e para almejá-la, é fundamental compreender a
complexidade do comportamento em questão.

A alimentação representa um fenômeno de complexa abordagem, que não


permite generalizações ou explicações simplificadoras, fato que contribui para
uma dificuldade em definir, com clareza e amplitude, o conceito de
“comportamento alimentar”. O estudo do comportamento alimentar visa
compreender outros aspectos importantes na alimentação do ser humano,
entendendo a complexidade desta relação (Klotz-Silva, Prado, & Seixas, 2016).

Garcia (1999) define comportamento alimentar como “o que comemos, como


e com o que comemos, com quem comemos, onde comemos, quando comemos, por que
comemos o que comemos, em quais situações comemos, o que pensamos e sentimos com
relação ao alimento”. Para Phillipi e Alvarenga (2004) o comportamento alimentar
“envolve todas as formas de convívio com o alimento, constituindo um conjunto de ações
realizadas em relação ao alimento, que tem início com o momento da decisão,
disponibilidade, modo de preparo, utensílios utilizados, preferências e aversões
alimentares”.
Basdevant et al. (1993) definem comportamento alimentar como uma
“combinação de ações que vão além dos aspectos quantitativos e qualitativos dos alimentos
ingeridos, como a procura e aquisição de alimentos, as condições rítmicas e ambientais
que acompanham as refeições e os fenômenos pré e pós-ingestão”. De uma forma geral,
o comportamento alimentar vem sendo descrito na literatura como um fenômeno
multideterminado, composto pela interação entre os fatores genéticos,
fisiológicos, psicológicos e ambientais (Cambraia, 2004; Quaioti & Almeida, 2006;
Moreira & Costa, 2013), que resulta na seleção, escolha ou preferência e
consequente ingestão alimentar.
Nos estudos relacionados ao campo da Alimentação e Nutrição, o uso do
termo “comportamento alimentar” é extraído, na maioria das vezes, do senso
comum, constantemente confundido com o termo “hábito alimentar” (Klotz-
Silva et al., 2016). “Hábito” pode ser definido como o comportamento que
determinada pessoa aprende e repete de modo frequente sem pensar como deve
executá-lo, portanto, é geralmente inconsciente (Houaiss, 2009; Alvarenga &
Koritar, 2015). Ramos e Stein (2000) definem hábito como ato, costume, uso ou
padrão que é aprendido após ter sido realizado várias vezes. Portanto, hábito
alimentar é o que frequentemente se costuma comer (Moreira & Costa, 2013).

É importante destacar que o hábito é diferente de preferência, uma vez


que, em geral, as pessoas não consomem rotineiramente aquilo que mais gostam
ou preferem. Os hábitos alimentares dependem muito do que sabemos ou
acreditamos saber sobre alimentação e também pode ser definido como os
costumes e o modo de comer de uma pessoa ou comunidade. A formação dos
hábitos alimentares se inicia ainda na infância e as preferências inatas individuais
sofrem influências desde a concepção, alimentação materna e amamentação
(Moreira & Costa, 2013).
A dificuldade em mudar hábitos deve considerar que estes são,
geralmente, inconscientes e realizados de forma automática. Deste modo,
inicialmente é preciso dar visibilidades à existência destes hábitos, trazendo para
a consciência o fato. A informação por si só também tem pouco ou nenhum
reflexo sobre a modificação do hábito, pois, para propor a mudança de hábito é
necessário modificar o comportamento até que este se torne um novo hábito
(Alvarenga & Koritar, 2015, Moreira & Costa, 2013).

A relação dos indivíduos com os alimentos e sua dieta, tem sido descrito
na literatura como atitude alimentar (Aikman & Crites, 2007; Alvarenga,
Scagliusi & Philippi, 2012). Alvarenga et al. (2010) definiram atitude alimentar
como “crenças, pensamentos, sentimentos, comportamentos e relacionamento com os
alimentos”. O comportamento alimentar está inserido na definição de atitude e
uma vez que as “crenças, pensamentos e sentimentos” não envolvem uma ação,
são, por definição, atitudes alimentares. As atitudes permitem compreender e
predizer os comportamentos. Uma atitude alimentar positiva para com o
alimento envolve a compreensão dos diversos papeis que este representa na vida:
fisiológico, emocional, social, ambiental e cultural. Vale destacar que não se pode
ter uma definição rígida do que constitui uma alimentação saudável sem
contextualizar para quem, quando e onde, uma vez que as pessoas não fazem
suas escolhas alimentares apenas pela sua contribuição nutricional e energética,
mas pelo contexto como um todo. É fundamental estabelecer e manter atitudes
alimentares positivas, confiantes, relaxadas, confortáveis e flexíveis, para manter
um bom estado nutricional (Alvarenga & Koritar, 2015).

O consumo alimentar é determinado pelas escolhas alimentares dos


indivíduos, que envolve o julgamento de várias opções e a seleção de uma delas
para ação. Poulin e Proença (2003) sugerem que as escolhas alimentares são
guiadas por dois tipos de determinantes: aqueles relacionados ao alimento e
aqueles relacionados ao indivíduo. Entre os determinantes relacionados ao
alimento podemos destacar o sabor, aparência, valor nutricional, higiene,
variedade, disponibilidade e preço. Os fatores determinantes das escolhas
alimentares relacionados ao indivíduo, podem ser subdivididos em biológicos e
socioculturais. Como fatores biológicos destaca-se o sexo, idade, estado
nutricional, genética, mecanismos regulatórios inatos e estado fisiológico de fome
e saciedade. A influência da cultura, religião, classe social, renda, nível de
escolaridade e informação e mídia se referem aos determinantes socioculturais.

O modo como as pessoas constroem o seu mundo interno (composto de


emoções, sentimentos e pensamentos conscientes e inconscientes), suas opiniões
e desenvolvem crenças e valores é definido como subjetividade. O ato de comer
tem significados múltiplos e diversos para cada indivíduo, alguns destes
influenciados pela família, outros pela cultura, e outros ainda que nem sabemos
como se formam. Entretanto, é fundamental compreender a influência da
subjetividade no comportamento alimentar (Mennuci, Timerman & Alvarenga,
2015).

Ao considerar a abordagem subjetiva e o comportamento alimentar no


cuidado nutricional individual, objetiva-se que o paciente alcance melhora em
diversos aspectos como consumo, comportamentos, hábitos e atitudes
alimentares, que se relacionam.

“Nós esquecemos que, historicamente, pessoas comem por diversas outras razões que
não as necessidades biológicas. Comida é também prazer, comunidade, família,
espiritualidade, relacionamento com o mundo natural e também é expressão de nossa
identidade. A partir do momento em que os seres humanos começaram a fazer refeições
em conjunto, comer passou a fazer tão parte da cultura quanto da biologia” (Pollan,
2008).
REFERÊNCIAS

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Como Citar este material:

Cunha, Vivian Costa Resende. Comportamento alimentar: do que estamos


falando? Rio de Janeiro: Projeto de Enfrentamento da Obesidade no Estado do
Rio de Janeiro (PEO-ERJ), 2020.

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