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ORGANIZAÇÃO

Denise L. Oliveira Vilas Boas


Fernando Cassas
Hélder Lima Gusso
Paulo César Morales Mayer

COMPORTAMENTO
EM FOCO

Vol. 6

Processos Clínicos e de Saúde


Comportamento em foco 6 /

C737

Organizadores: Denise L. Oliveira Vilas Boas, Fernando Cassas,


Hélder Lima Gusso, Paulo César Morales Mayer. -- São Paulo:
Associação Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental –
ABPMC, 2017.

168 p.

ISBN 978-85-65768-05-4

1. Comportamento humano. 2.Análise do comportamento 3.


Impulsividade. 4. Behaviorismo. 5. Transtorno de comportamento. I.
Boas, Denise L. Oliveira Vilas. II. Fernando Cassas. III. Hélder Lima
Gusso. IV. Mayer, Paulo César Morales. V. Associação Brasileira de
Psicologia e Medicina Comportamental.

CDD 150.1943

Catalogação pelo Sistema Integrado de Bibliotecas da UNIVASF.


COMPORTAMENTO Fábio Leyser Gonçalves
EM FOCO VOL. 6

leyser@fc.unesp.br

Impulsive Behavior:
Concept and Research

O comportamento impulsivo vem sendo tratado pela Impulsive behaviour has been studied as a product
Psicologia como resultado de um traço de personali- of a personality trait by traditional psychology.
dade chamado de impulsividade. O presente trabalho This paper addresses several behaviours that are
pretende avaliar algumas das diversas situações des- described under this label. Several researches on
critas sob esse rótulo. Para tanto, serão apresentadas impulsive behaviour with both human and nonhuman
várias pesquisas que procuram modelar comporta- subjects are reviewed. A series of experiments allows
mentos impulsivos em humanos e outros animais. us to understand impulsive behaviour as a molar
Uma série de pesquisas nos levam a concluir que o phenomenon that can be characterized by a raise on
comportamento impulsivo pode ser compreendi- the preference for suboptimal alternatives on certain
do como um fenômeno molar caracterizado por um kinds of choice scenarios. This definition can account
aumento de preferência por alternativas que seriam for choices between appetitive and aversive stimuli
menos vantajosas para o organismo que se comporta. of different magnitudes that are concurrent with
Entram dentro dessa definição as situações de escolha alternative that vary in delay, risk and effort. Different
entre estímulos apetitivos ou aversivos de diferentes behavioural process seemed to be involved on these
magnitudes e cujas alternativas variam em atraso, different types of choice. The characterization of
risco e esforço. Discute-se que as diferenças nesses these processes differences can be useful for the
procedimentos podem corresponder a diferentes evaluation of a series of psychopathologies such as
processos comportamentais. A diferenciação desses drug dependence and other impulse control disorders.
processos parece ser útil na avaliação de risco de uma
série de psicopatologias como a dependência química
e outros transtornos de controle de impulso.

PALAVRAS-CHAVE KEYWORDS

Sensibilidade ao reforço.

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A Análise Experimental do Comportamento


rejeita instâncias mentais, inferidas do com-
portamento, como explicação do próprio
Em muitas situações cotidianas falamos em comportamento (Skinner, 1953/1985)1. A
impulsividade e em comportamentos im- impulsividade só pode ser descrita a partir
pulsivos. Falamos que agimos por impulso dos comportamentos do indivíduo, do quanto
quando compramos mais um sapato, embora ele age impulsivamente. A impulsividade,
já tenhamos 30. Quando comemos alimentos portanto, não pode servir de explicação para
gordurosos, apesar de nossa alta taxa de co- esses comportamentos. Mesmo quando usado
lesterol. Quando uma criança não consegue como um rótulo para um conjunto de com-
esperar sua vez de falar, quando alguém vive portamentos, o termo acaba por se tornar
trocando de atividades ou quando um jovem abrangente demais, abarcando uma série de
tem relações sexuais sem preservativo, só fenômenos diferentes, causando confusões
para mencionar alguns exemplos. conceituais. Outro problema é que, ocupando
um status causal, acaba dificultando a inves-
Esses comportamentos estão relacionados a tigação científica das variáveis que afetam
muitas das áreas de nossas vidas. Eles afetam esses comportamentos.
nossas decisões financeiras, estão relacionadas
à nossa saúde, à educação de nossas crianças, Além do mais, o uso do termo impulsivida-
à nossa alimentação, entre outras. Mas, afinal, de acaba por indicar um sentido negativo,
o que queremos dizer com esses termos? Será tornando-se “o problema”. Assim, um indi-
que as mesmas variáveis controlam todas víduo que acaba por se exceder em compras
essas situações? Nosso objetivo neste capítulo desnecessárias é tachado de impulsivo e seu
é, justamente, tentar esclarecer os processos problema passa a ser a impulsividade, em
comportamentais envolvidos nessas situações, detrimento do comportamento de comprar
explorando o conceito de comportamento excessivamente, que pode ser analisado e
impulsivo através da revisão de uma série de modificado. Nesse sentido, o termo “com-
pesquisas e experimentos da área. portamento impulsivo” se mostra mais
adequado pois nos permite a avaliação de
Tradicionalmente, falamos em impulsividade diferentes ocorrências de comportamentos
como a tendência a agir sem pensar, ou em que podem, ou não, pertencer a uma mesma
detrimento de malefícios e riscos consequen- classe de respostas.
tes. Como substantivo, o termo impulsivida-
de nos remete a um tipo de força interna, o O comportamento impulsivo tem sido as-
impulso, ou a alguma característica de per- sociado a uma série de prejuízos para
sonalidade como causa de comportamentos. o indivíduo, inclusive fazendo parte do

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critério diagnóstico de vários transtornos A Lei da Igualação, proposta inicialmente por


psiquiátricos como o Déficit de Atenção e Herrstein (1961), nos indica que a distribuição
Hiperatividade (TDAH) ou o Transtorno das respostas é proporcional aos reforçado-
de Personalidade Borderline, por exemplo res disponíveis no ambiente e inversamente
(American Psychiatric Association, 2014). proporcional aos punidores (Deluty, 1978)
No entanto, não é apenas a taxa de reforço
Mas afinal, o que há de anormal em comprar ou de punição que afeta a distribuição das
um sapato, comer torresmo, ter relação sexual respostas. Outras dimensões dos estímulos
sem preservativo, fazer uma aposta, falar ou consequentes, como atraso e magnitude,
desistir? NADA! Um sapato, o torresmo, a por exemplo, também afetam as respostas
relação sexual e o prêmio funcionam como (Garcia-Mijares & Silva, 1999). Assim, a dis-
reforçadores e, portanto, podemos analisar tribuição resultante de um cenário em que
funcionalmente a relação entre as respostas múltiplas consequências são contingentes a
(como a de comprar) e o reforçador (sapato). diversas respostas será o equilíbrio entre o
O problema não está no comportamento em efeito de todas essas dimensões.
si, mas na distribuição do comportamento
entre as alternativas possíveis ao longo do Analisar o comportamento impulsivo como
tempo. As dificuldades aparecem quando o escolha nos permite avaliar a ocorrência desses
sapato é comprado em detrimento do paga- comportamentos em relação a uma série de
mento do aluguel, por exemplo. A questão é variáveis, permitindo construir um concei-
que uma resposta leva a mais de uma conse- to formado pelo que há em comum entre as
quência, seja porque ocasiona consequências várias situações em que usamos o termo.
imediatas e de longo prazo, por exemplo, seja
porque concorre com outras contingências. A situação mais comum quando falamos
em comportamento impulsivo é quando es-
Uma maneira útil de analisar esses com- colhemos entre consequências imediatas e
portamentos é toma-los como escolhas. O atrasadas. O uso de drogas, em particular no
termo escolha, dentro da AEC, diz respeito à caso da dependência, tem sido associado a
distribuição das respostas de um organismo esse tipo de escolha (Bickel, Jarmolowicz, &
ao longo das várias contingências em vigor MacKillop, 2012). Nessa situação podemos
em seu ambiente. Nesta perspectiva, todos interpretar que o usuário escolhe as conse-
os comportamentos são, em última análise, quências imediatas relacionadas ao efeito da
considerados como escolhas, uma vez que o droga, em detrimento de outros reforçadores
comportamento é finito e a emissão de uma de longo prazo, como os proporcionados pela
resposta, em determinado momento, im- escola, pelo trabalho e pelo convívio familiar,
plica em deixar de emitir outras respostas por exemplo. É importante notar que nesse
incompatíveis (Garcia-Mijares & Silva, 1999; tipo de situação, além do atraso entre a res-
Herrnstein, 1961). posta e o estímulo reforçador, temos uma

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outra dimensão que varia: a magnitude dos interpretada como o aumento da sensação de
reforçadores (além da qualidade, quando fa- prazer durante a relação ou a saúde do indiví-
lamos em exemplos práticos). Esse modo de duo, como alternativa. Além disso, temos uma
analisar o comportamento impulsivo ficou outra dimensão que é a probabilidade asso-
conhecido como o modelo Ainslie-Rachlin ciada a cada um dos reforçadores. Enquanto
(Ainslie, 1975; Ainslie, 1974; Rachlin & Green, a sensação de prazer é próxima à certeza (ou
1972) e tem sido amplamente utilizado na seja, a probabilidade é próxima a 1), a conta-
literatura para a compreensão de fenômenos minação por HIV tem uma probabilidade bem
como a dependência de substâncias, de jogo, menor. Mais uma vez, enquanto a magnitude
comportamentos relacionados ao cuidado favorece a escolha da alternativa relacionada
com a saúde e, também, de comportamen- à saúde, a probabilidade associada influencia
tos relacionados ao uso de recursos naturais a escolha no sentido oposto.
(Myerson, Baumann, & Green, 2016). Nesse
tipo de escolha, temos uma alternativa ime- Um terceiro tipo de escolha que podemos
diata (ou com um atraso pequeno) e outra examinar é a combinação entre a magnitude
com atraso (ou com atraso maior); levando-se do reforçador e o custo da resposta, ou esfor-
em conta apenas o atraso, teríamos uma ten- ço exigido. É o caso de um trabalho acadêmico
dência a escolher a alternativa imediata, já que pode ser feito com pouco esforço, tendo
que a distribuição de respostas está inver- uma nota medíocre como consequência, ou
samente relacionada ao atraso no reforça- pode ser feito com bastante esforço, garan-
dor (Chung & Herrnstein, 1967). No entanto, tindo uma nota alta. Nessa situação, o custo
uma segunda dimensão é variada, atuando da resposta e a magnitude atuam em direções
no sentido oposto ao do atraso. À alternati- opostas – produzindo, novamente, uma si-
va imediata corresponde um reforçador de tuação de conflito.
menor magnitude, enquanto a alternativa
atrasada está associada a um reforçador de As situações acima nos permitem esboçar
maior magnitude. Assim, temos uma situa- uma definição molar de comportamento im-
ção de conflito entre as duas dimensões – o pulsivo. Podemos dizer que o comportamento
atraso aumentando a preferência pela alter- impulsivo diz respeito à distribuição de res-
nativa imediata e a magnitude aumentando postas em uma situação de conflito entre duas
a preferência pela alternativa atrasada. ou mais dimensões do processo de reforço.
Falamos em comportamento impulsivo para
Em um outro tipo de situação, por exemplo, a distribuição dessas respostas em direção à
manter relações sexuais com vários parceiros alternativa que resulta na menor magnitu-
sem uso de preservativo correndo o risco de de de reforço e que, portanto, não obtém o
contrair HIV ou outra doença sexualmente máximo de reforçadores disponível no am-
transmissível, temos uma combinação de di- biente. É importante notar que essa é uma
mensões um pouco diferente. Nessa situação, definição relativa. Não há um comportamen-
temos a variação da magnitude, que pode ser to que possa ser considerado como impulsivo

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ao ser analisado isoladamente. Apenas na como o “Teste do marshmallow”, consistia na


comparação com outros comportamentos da apresentação de um marshmallow que pode-
mesma pessoa ou de outros é que esse com- ria ser consumido imediatamente ou, após
portamento pode ser avaliado. Nesse senti- aguardar um período de tempo sem consumir
do, deveríamos dizer que o comportamento o marshmallow (atraso), poder-se-ia ganhar
é mais impulsivo que outro, seja da própria dois em vez de um. Nessa situação fica con-
pessoa, seja de outras pessoas. Um antôni- figurado o conflito entre magnitude e atraso
mo frequente de comportamento impulsivo é e o tempo que a criança consegue esperar
comportamento autocontrolado. Os adjetivos é uma das maneiras de avaliar o quanto a
“impulsivo” e “autocontrolado” formam dois criança é capaz de emitir comportamentos
extremos de um mesmo continuum, mas que autocontrolados. Essa capacidade varia com a
representam uma única dimensão. Falar que idade, com a educação formal, com medidas
um comportamento é menos impulsivo ou de inteligência, mas também com a dispo-
mais autocontrolado indicam a mesma coisa. nibilidade de distratores, para citar algumas
Outro ponto importante é que, nem sempre das variáveis estudadas por Mischel e seus
o comportamento autocontrolado é o mais colaboradores (Mischel et al., 1992). Mais
vantajoso. Em uma situação de escassez de recentemente, procedimentos de ajuste de
alimento, por exemplo, não escolher a alter- atraso e de magnitude (com suas variações)
nativa imediata de menor magnitude, pode têm sido utilizados para estudar essas situ-
significar a morte e, portanto, a perda de ações, tanto com seres humanos (Rachlin,
todas as outras possíveis alternativas. Nesse Raineri & Cross, 1991) como com outros ani-
sentido, o comportamento impulsivo não é, mais (Mazur, 1987). Basicamente, os procedi-
necessariamente, desvantojoso. mentos consistem em fixar duas magnitudes,
uma maior e outra menor, e variar o atraso da
alternativa de maior magnitude até que haja
indiferença entre as escolhas das alternativas.
Outra possibilidade é fixar o atraso e variar
A interação entre o efeito do atraso e da mag- a magnitude das alternativas até igualar a
nitude do reforço tem sido estudado sob o distribuição. Em humanos, essas escolhas
tópico desvalorização pelo atraso (o termo muitas vezes são feitas entre alternativas hi-
original, em inglês, é delay discounting2). Um potéticas em dinheiro ou outros reforçadores
dos precursores da área foi Walter Mischel, com atrasos (Green, Fry, & Myerson, 1994;
preocupado em estudar o desenvolvimento Rachlin et al., 1991). Muitas versões diferentes
do autocontrole em crianças, principalmente desse tipo de tarefa têm sido utilizadas, mas
(Kerbauy, 1991; Mischel, Shoda, & Rodriguez, os dados têm apontado para uma consistência
1992). Seu procedimento clássico, conhecido bastante grande entre as versões, indicando

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que o fenômeno é bastante robusto em re- escolha é feita no momento T2, ou seja, entre
lação a alterações de procedimentos (Matta, um reforçador imediato e outro atrasado, é
Gonçalves, & Bizarro, 2012). O procedimento o valor do reforçador menor que está acima
de desvalorização pelo atraso tem sido bas- do reforçador maior. Essa teoria, conheci-
tante utilizado para diferenciar indivíduos da como o modelo Ainslie-Rachlin (Mazur,
dependentes de substâncias, avaliar o prog- 2014), aponta para dois fenômenos impor-
nóstico de tratamento para dependência, ou tantes para a compreensão do comportamen-
mesmo o risco de desenvolver dependência to impulsivo. O primeiro é que a preferência
(Bickel et al., 2012). Além disso, os proce- pelo reforçador imediato de menor magnitude
dimentos com humanos e com outros ani- não é constante ao longo do tempo, ou seja,
mais têm sido utilizados para avaliar quais dependendo do momento em que fazemos a
variáveis influenciam essas escolhas e que escolha, podemos fazer escolhas diferentes
poderiam favorecer comportamentos mais entre os mesmos reforçadores. O segundo é
ou menos impulsivos. que escolhas antecipadas tendem a ser mais
autocontroladas, enquanto escolhas feitas
Uma das variáveis a ser estudada foi o pró- próximas ao momento de apresentação do
prio momento de escolha. Experimentos com reforçador menor, no calor do momento,
pombos demonstraram que escolhas ante- tendem a ser mais impulsivas.
cipadas permitiam um fenômeno que ficou
conhecido como resposta de compromisso
(Ainslie, 1974; Rachlin & Green, 1972). Nesse
tipo de procedimento a escolha se dá entre r
dois reforçadores atrasados – um com atraso Maior

menor e magnitude menor e outro com atraso r


Menor
e magnitude maiores. A figura 1, a seguir, re-
presenta o valor3 de dois reforçadores ao longo
do tempo, o atraso é dado pela distância entre
o momento da escolha (T1, por exemplo) e o
momento de apresentação do reforçador (T2
Momenent
menento
e T3). Nessa condição pode-se perceber que, a
quando a escolha é feita no momento T1, o raso entre os
valor do reforçador maior está acima do valor dois re r res

do reforçador menor. No entanto, quando a

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Outra variável importante diz respeito às dife- aversivos em uma mesma escala de medida,
renças entre consequências apetitivas e aver- indicam que são fenômenos independentes,
sivas , também conhecido como efeito de sinal
4
ou seja, determinados por variáveis diferentes
(Myerson et al., 2016). Alguns estudos recentes (Gonçalves, 2005; Gonçalves & Silva, 2015).
têm demonstrado diferenças quantitativas e
qualitativas no modo como estímulos apeti- A magnitude do reforçador é outra variável
tivos e aversivos são influenciados pelo atraso que influencia a desvalorização pelo atraso.
(Appelt, Hardisty, & Weber, 2011; Gonçalves, Para estímulos apetitivos, quanto maior sua
2005; Myerson et al., 2016). De uma maneira magnitude, menor é a taxa de desvalorização
geral, os dados indicam que estímulos apetitivos (Green, Myerson, Oliveira, & Chang, 2013).
são mais desvalorizados pelo atraso do que es- É importante notar que essa comparação é
tímulos aversivos (Gonçalves, 2005; Gonçalves feita em termos relativos, ou seja, os dados
& Silva, 2015). Além disso, para estímulos aver- são sempre apresentados como proporção da
sivos, nem sempre se encontra desvalorização, magnitude do reforçador atrasado. No entan-
algumas pessoas consideram que uma situação to, esse efeito não se confirma para estímulos
aversiva imediata é preferida a uma atrasada, aversivos, ou seja, a taxa de desvalorização
independente da magnitude. Embora experi- é similar para várias magnitudes diferentes
mentos da década de 1960 já demonstrassem (Green, Myerson, Oliveira, & Chang, 2014).
que algumas pessoas preferiam levar um choque
imediato a um choque de mesma magnitude, Outro efeito encontrado é chamado de efeito
porém atrasado (Cook & Barnes, 1964), apenas de domínio. A variável aqui é a diferença qua-
recentemente as diferenças qualitativas entre litativa do estímulo, se estamos falando de
estímulos apetitivos e aversivos vêm ganhando dinheiro, de uma bala ou de uma bebida alco-
espaço na literatura (Gonçalves & Silva, 2015; ólica, por exemplo. De uma maneira geral, os
Myerson et al., 2016). Outro dado interessante dados têm indicado que estímulos apetitivos
é que algumas pessoas apresentam um padrão consumíveis são desvalorizados em uma taxa
inverso à desvalorização, ou seja, um estímulo maior do que dinheiro (Estle, Green, Myerson,
aversivo se tornaria cada vez mais aversivo à & Holt, 2007). No entanto, é importante notar
medida que aumentasse o atraso (Ainslie, 1975; que a desvalorização acontece para vários
Appelt et al., 2011; Gonçalves, 2005; Gonçalves domínios, embora o padrão de desvaloriza-
& Silva, 2015; Myerson et al., 2016). Além disso, ção entre diferentes domínios possa não ser
as escolhas feitas por uma mesma pessoa em correlacionado (Green & Myerson, 2013). Para
situações de ganho e de pagamento de uma estímulos aversivos a comparação seria mais
quantia hipotética em dinheiro, situação que difícil e não tem sido estudada sistematica-
nos permite comparar estímulos apetitivos e mente nos últimos anos.

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estímulos aversivos, sejam certos ou prová-


veis. Nesse sentido, os resultados corrobo-
ram os dados vindos da pesquisa com atraso
Outra dimensão da função consequencial im- e parecem indicar uma maior estabilidade do
portante é a probabilidade com que a resposta efeito de estímulos aversivos do que de estí-
será seguida da consequência, também cha- mulos apetitivos, uma vez que variáveis como
mada na literatura de incerteza ou de risco atraso e probabilidade interferem menos com
(Green & Myerson, 2013; Mazur, 2014). O efeito seus efeitos.
é inverso ao do atraso, ou seja, quanto menor
for a probabilidade, menor será o valor de uma Diferente dos dois casos anteriores, magni-
consequência. Uma maneira comum de repre- tude também tem um efeito diferente para
sentar a desvalorização pela probabilidade é estímulos apetitivos e aversivos. Estímulos
relacionar o valor com as chances contra. As apetitivos de maior magnitude sofrem maior
chances contra correspondem à proporção desvalorização do que os de menor magnitude.
entre as chances de um evento não ocorrer, É interessante notar que esse efeito é o oposto
em relação às chances de ocorrer. Assim, se do efeito de magnitude sobre a desvaloriza-
algum evento tem 10% de chance de acontecer ção pelo atraso, indicando que esses dois pro-
(que corresponde à probabilidade p de 0,1) as cessos podem ser diferentes. Por outro lado,
chances contra são calculadas subtraindo-se estímulos aversivos probabilísticos não são
p de 1 (100% de chance) e dividindo pela pro- afetados diferencialmente pela magnitude,
babilidade (0,1). O resultado é de 9 chances como ocorre com o atraso (Estle et al., 2006).
contra para 1 chance a favor, ou seja, há 9
vezes mais chances de o evento não ocorrer do A diferença entre os dois processos também
que de ocorrer. De maneira similar, as chances é evidente quando são avaliados diferentes
contra de um evento com probabilidade 0,8 estímulos apetitivos. No experimento de Estle
(80%) é 0,25 (1/4), ou seja, há uma chance et al. (2007) a comparação entre o efeito da
do evento não ocorrer, para 4 de ocorrer. Os probabilidade sobre estímulos consumíveis
procedimentos utilizados são similares aos (bala, cerveja e refrigerante) e sobre uma
utilizados para estudar a desvalorização pelo quantia de dinheiro não revelou diferenças,
atraso (Green & Myerson, 2013). ao contrário do que aconteceu com o efeito do
atraso – que foi maior para os estímulos con-
O estudo do efeito da probabilidade sobre es- sumíveis do que para a quantia de dinheiro.
tímulos apetitivos e aversivos tem revelado
resultados parecidos com os obtidos ao se O grupo de Leonard Green e Joel Myerson vêm
estudar o efeito do atraso. Assim, estímulos realizando de maneira sistemática uma série
aversivos são menos desvalorizados do que de estudos comparando a desvalorização por
estímulos apetitivos (Estle, Green, Myerson, atraso e por probabilidade. De uma maneira
& Holt, 2006; Green & Myerson, 2013) indi- geral, os estudos têm convergido para uma
cando uma maior aversão ao risco envolvendo ausência de correlação entre os dois tipos de

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medida, caracterizando dois tipos de com- exemplo, embalagens de produtos de limpe-


portamento impulsivo diferentes (Green & za, que dificilmente serão reutilizadas.
Myerson, 2013). Uma sugestão interessan-
te, e que carece de mais investigação, é a de
que a combinação do grau de desvalorização
pelo atraso e pela probabilidade de alguns
grupos específicos pode caracterizar vulnera- Diferente dos dois casos anteriores, a interação
bilidade ao desenvolvimento de transtornos entre o esforço (custo de resposta) e magnitude
específicos. Os autores citam como exem- é bem menos estudada. Em um experimento
plo os jogadores patológicos que tendem a com ratos (Denk et al., 2005) comparou-se o
apresentar um alto grau de desvalorização efeito do atraso e do esforço avaliando o en-
pelo atraso, mas um baixo grau de desva- volvimento dos sistemas dopaminérgico e se-
lorização pelo risco, ou seja, tendem a ser rotoninérgico. Para avaliar as escolhas, os au-
bastante sensíveis a reforçadores imediatos, tores utilizaram um labirinto em T, em que um
mas apresentam baixa aversão ao risco. Por dos braços dava acesso a 2 pelotas de alimento
outro lado, mulheres obesas que apresentam e o outro a 4 pelotas de alimento. No primei-
compulsão alimentar, tendem a apresentar ro experimento, o autor utilizou uma barreira
um alto grau de desvalorização por ambos, que deveria ser escalada pelo rato, para ter
atraso e probabilidade, demonstrando maior acesso ao braço com 4 pelotas. No experimento
controle por reforçadores imediatos, mas 2, a barreira foi retirada, mas foi substituída
também evitando situações de risco (Green & por um atraso de 15s. Houve a aplicação de
Myerson, 2013). Podemos estender a proposta haloperidol (uma substância que diminui o
dos autores para analisar o outro extremo. funcionamento do sistema dopaminérgico) e
Quais seriam os transtornos associados a um de pCPA (uma substância que diminui o fun-
autocontrole excessivo e uma baixa aversão cionamento do sistema serotoninérgico) em
ao risco? Talvez portadores de transtornos ambos os experimentos, demonstrando que
do Espectro Obsessivo Compulsivo, como, o sistema dopaminérgico está envolvido nas
por exemplo, o Transtorno de Acumulação, escolhas envolvendo esforço e atraso. No en-
apresentem padrões como esse. Pode-se ar- tanto, o sistema serotoninérgico parece estar
gumentar que portadores desse transtorno envolvido apenas nas escolhas envolvendo
parecem pouco sensíveis às consequências atraso. As implicações neurobiológicas desse
aversivas imediatas produzidas pela acumu- experimento fogem ao escopo deste artigo,
lação, que diminuiriam esse comportamento. mas este dado indica que o efeito do esforço e
Ao mesmo tempo, esses portadores parecem do atraso são influenciados por variáveis di-
ser sensíveis à baixa probabilidade de reforço ferentes, embora tenham efeitos comporta-
sinalizada pelos bens acumulados como, por mentais similares (diminuição da preferência).

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Conclusão
A ocorrência de comportamentos impulsivos Mais ainda, podemos ter organismos que
tem sido associada a uma série de transtornos tendem a apresentar mais comportamen-
psicopatológicos e situações clínicas que ne- tos impulsivos quando há envolvimento do
cessitam de diagnóstico e intervenção. Entre atraso, mas não de probabilidade e vice-versa.
os principais podemos citar o uso abusivo de A correta análise funcional dos determinan-
drogas, o jogo patológico, a compulsão ali- tes desses comportamentos, bem como a
mentar e o déficit de atenção e hiperatividade identificação das variáveis que afetam cada
(TDAH). No entanto, como pudemos ver, o um desses processos, é fundamental para que
comportamento impulsivo pode envolver dife- possamos desenvolver técnicas de terapia e
rentes dimensões dos estímulos consequentes. de prevenção cada vez mais eficientes.

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