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COMPORTAMENTO
EM FOCO
Vol. 6
C737
168 p.
ISBN 978-85-65768-05-4
CDD 150.1943
leyser@fc.unesp.br
Impulsive Behavior:
Concept and Research
O comportamento impulsivo vem sendo tratado pela Impulsive behaviour has been studied as a product
Psicologia como resultado de um traço de personali- of a personality trait by traditional psychology.
dade chamado de impulsividade. O presente trabalho This paper addresses several behaviours that are
pretende avaliar algumas das diversas situações des- described under this label. Several researches on
critas sob esse rótulo. Para tanto, serão apresentadas impulsive behaviour with both human and nonhuman
várias pesquisas que procuram modelar comporta- subjects are reviewed. A series of experiments allows
mentos impulsivos em humanos e outros animais. us to understand impulsive behaviour as a molar
Uma série de pesquisas nos levam a concluir que o phenomenon that can be characterized by a raise on
comportamento impulsivo pode ser compreendi- the preference for suboptimal alternatives on certain
do como um fenômeno molar caracterizado por um kinds of choice scenarios. This definition can account
aumento de preferência por alternativas que seriam for choices between appetitive and aversive stimuli
menos vantajosas para o organismo que se comporta. of different magnitudes that are concurrent with
Entram dentro dessa definição as situações de escolha alternative that vary in delay, risk and effort. Different
entre estímulos apetitivos ou aversivos de diferentes behavioural process seemed to be involved on these
magnitudes e cujas alternativas variam em atraso, different types of choice. The characterization of
risco e esforço. Discute-se que as diferenças nesses these processes differences can be useful for the
procedimentos podem corresponder a diferentes evaluation of a series of psychopathologies such as
processos comportamentais. A diferenciação desses drug dependence and other impulse control disorders.
processos parece ser útil na avaliação de risco de uma
série de psicopatologias como a dependência química
e outros transtornos de controle de impulso.
PALAVRAS-CHAVE KEYWORDS
Sensibilidade ao reforço.
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outra dimensão que varia: a magnitude dos interpretada como o aumento da sensação de
reforçadores (além da qualidade, quando fa- prazer durante a relação ou a saúde do indiví-
lamos em exemplos práticos). Esse modo de duo, como alternativa. Além disso, temos uma
analisar o comportamento impulsivo ficou outra dimensão que é a probabilidade asso-
conhecido como o modelo Ainslie-Rachlin ciada a cada um dos reforçadores. Enquanto
(Ainslie, 1975; Ainslie, 1974; Rachlin & Green, a sensação de prazer é próxima à certeza (ou
1972) e tem sido amplamente utilizado na seja, a probabilidade é próxima a 1), a conta-
literatura para a compreensão de fenômenos minação por HIV tem uma probabilidade bem
como a dependência de substâncias, de jogo, menor. Mais uma vez, enquanto a magnitude
comportamentos relacionados ao cuidado favorece a escolha da alternativa relacionada
com a saúde e, também, de comportamen- à saúde, a probabilidade associada influencia
tos relacionados ao uso de recursos naturais a escolha no sentido oposto.
(Myerson, Baumann, & Green, 2016). Nesse
tipo de escolha, temos uma alternativa ime- Um terceiro tipo de escolha que podemos
diata (ou com um atraso pequeno) e outra examinar é a combinação entre a magnitude
com atraso (ou com atraso maior); levando-se do reforçador e o custo da resposta, ou esfor-
em conta apenas o atraso, teríamos uma ten- ço exigido. É o caso de um trabalho acadêmico
dência a escolher a alternativa imediata, já que pode ser feito com pouco esforço, tendo
que a distribuição de respostas está inver- uma nota medíocre como consequência, ou
samente relacionada ao atraso no reforça- pode ser feito com bastante esforço, garan-
dor (Chung & Herrnstein, 1967). No entanto, tindo uma nota alta. Nessa situação, o custo
uma segunda dimensão é variada, atuando da resposta e a magnitude atuam em direções
no sentido oposto ao do atraso. À alternati- opostas – produzindo, novamente, uma si-
va imediata corresponde um reforçador de tuação de conflito.
menor magnitude, enquanto a alternativa
atrasada está associada a um reforçador de As situações acima nos permitem esboçar
maior magnitude. Assim, temos uma situa- uma definição molar de comportamento im-
ção de conflito entre as duas dimensões – o pulsivo. Podemos dizer que o comportamento
atraso aumentando a preferência pela alter- impulsivo diz respeito à distribuição de res-
nativa imediata e a magnitude aumentando postas em uma situação de conflito entre duas
a preferência pela alternativa atrasada. ou mais dimensões do processo de reforço.
Falamos em comportamento impulsivo para
Em um outro tipo de situação, por exemplo, a distribuição dessas respostas em direção à
manter relações sexuais com vários parceiros alternativa que resulta na menor magnitu-
sem uso de preservativo correndo o risco de de de reforço e que, portanto, não obtém o
contrair HIV ou outra doença sexualmente máximo de reforçadores disponível no am-
transmissível, temos uma combinação de di- biente. É importante notar que essa é uma
mensões um pouco diferente. Nessa situação, definição relativa. Não há um comportamen-
temos a variação da magnitude, que pode ser to que possa ser considerado como impulsivo
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que o fenômeno é bastante robusto em re- escolha é feita no momento T2, ou seja, entre
lação a alterações de procedimentos (Matta, um reforçador imediato e outro atrasado, é
Gonçalves, & Bizarro, 2012). O procedimento o valor do reforçador menor que está acima
de desvalorização pelo atraso tem sido bas- do reforçador maior. Essa teoria, conheci-
tante utilizado para diferenciar indivíduos da como o modelo Ainslie-Rachlin (Mazur,
dependentes de substâncias, avaliar o prog- 2014), aponta para dois fenômenos impor-
nóstico de tratamento para dependência, ou tantes para a compreensão do comportamen-
mesmo o risco de desenvolver dependência to impulsivo. O primeiro é que a preferência
(Bickel et al., 2012). Além disso, os proce- pelo reforçador imediato de menor magnitude
dimentos com humanos e com outros ani- não é constante ao longo do tempo, ou seja,
mais têm sido utilizados para avaliar quais dependendo do momento em que fazemos a
variáveis influenciam essas escolhas e que escolha, podemos fazer escolhas diferentes
poderiam favorecer comportamentos mais entre os mesmos reforçadores. O segundo é
ou menos impulsivos. que escolhas antecipadas tendem a ser mais
autocontroladas, enquanto escolhas feitas
Uma das variáveis a ser estudada foi o pró- próximas ao momento de apresentação do
prio momento de escolha. Experimentos com reforçador menor, no calor do momento,
pombos demonstraram que escolhas ante- tendem a ser mais impulsivas.
cipadas permitiam um fenômeno que ficou
conhecido como resposta de compromisso
(Ainslie, 1974; Rachlin & Green, 1972). Nesse
tipo de procedimento a escolha se dá entre r
dois reforçadores atrasados – um com atraso Maior
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Outra variável importante diz respeito às dife- aversivos em uma mesma escala de medida,
renças entre consequências apetitivas e aver- indicam que são fenômenos independentes,
sivas , também conhecido como efeito de sinal
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ou seja, determinados por variáveis diferentes
(Myerson et al., 2016). Alguns estudos recentes (Gonçalves, 2005; Gonçalves & Silva, 2015).
têm demonstrado diferenças quantitativas e
qualitativas no modo como estímulos apeti- A magnitude do reforçador é outra variável
tivos e aversivos são influenciados pelo atraso que influencia a desvalorização pelo atraso.
(Appelt, Hardisty, & Weber, 2011; Gonçalves, Para estímulos apetitivos, quanto maior sua
2005; Myerson et al., 2016). De uma maneira magnitude, menor é a taxa de desvalorização
geral, os dados indicam que estímulos apetitivos (Green, Myerson, Oliveira, & Chang, 2013).
são mais desvalorizados pelo atraso do que es- É importante notar que essa comparação é
tímulos aversivos (Gonçalves, 2005; Gonçalves feita em termos relativos, ou seja, os dados
& Silva, 2015). Além disso, para estímulos aver- são sempre apresentados como proporção da
sivos, nem sempre se encontra desvalorização, magnitude do reforçador atrasado. No entan-
algumas pessoas consideram que uma situação to, esse efeito não se confirma para estímulos
aversiva imediata é preferida a uma atrasada, aversivos, ou seja, a taxa de desvalorização
independente da magnitude. Embora experi- é similar para várias magnitudes diferentes
mentos da década de 1960 já demonstrassem (Green, Myerson, Oliveira, & Chang, 2014).
que algumas pessoas preferiam levar um choque
imediato a um choque de mesma magnitude, Outro efeito encontrado é chamado de efeito
porém atrasado (Cook & Barnes, 1964), apenas de domínio. A variável aqui é a diferença qua-
recentemente as diferenças qualitativas entre litativa do estímulo, se estamos falando de
estímulos apetitivos e aversivos vêm ganhando dinheiro, de uma bala ou de uma bebida alco-
espaço na literatura (Gonçalves & Silva, 2015; ólica, por exemplo. De uma maneira geral, os
Myerson et al., 2016). Outro dado interessante dados têm indicado que estímulos apetitivos
é que algumas pessoas apresentam um padrão consumíveis são desvalorizados em uma taxa
inverso à desvalorização, ou seja, um estímulo maior do que dinheiro (Estle, Green, Myerson,
aversivo se tornaria cada vez mais aversivo à & Holt, 2007). No entanto, é importante notar
medida que aumentasse o atraso (Ainslie, 1975; que a desvalorização acontece para vários
Appelt et al., 2011; Gonçalves, 2005; Gonçalves domínios, embora o padrão de desvaloriza-
& Silva, 2015; Myerson et al., 2016). Além disso, ção entre diferentes domínios possa não ser
as escolhas feitas por uma mesma pessoa em correlacionado (Green & Myerson, 2013). Para
situações de ganho e de pagamento de uma estímulos aversivos a comparação seria mais
quantia hipotética em dinheiro, situação que difícil e não tem sido estudada sistematica-
nos permite comparar estímulos apetitivos e mente nos últimos anos.
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Conclusão
A ocorrência de comportamentos impulsivos Mais ainda, podemos ter organismos que
tem sido associada a uma série de transtornos tendem a apresentar mais comportamen-
psicopatológicos e situações clínicas que ne- tos impulsivos quando há envolvimento do
cessitam de diagnóstico e intervenção. Entre atraso, mas não de probabilidade e vice-versa.
os principais podemos citar o uso abusivo de A correta análise funcional dos determinan-
drogas, o jogo patológico, a compulsão ali- tes desses comportamentos, bem como a
mentar e o déficit de atenção e hiperatividade identificação das variáveis que afetam cada
(TDAH). No entanto, como pudemos ver, o um desses processos, é fundamental para que
comportamento impulsivo pode envolver dife- possamos desenvolver técnicas de terapia e
rentes dimensões dos estímulos consequentes. de prevenção cada vez mais eficientes.
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