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Calixto Salomão Filho

DIREITO
CONCORRENCIAL
as estruturas
DIREITO CONCORRENCIAL
AS ESTRUTURAS

CALIXTO SALOMÃO FILHO

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Composição
Editora Frase Ltda.

Capa
Vânia Lúcia Amato

Impresso no Brasil
Printed in Brazil
* — 1998
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DIREITO CONCORRENCIAL AS ESTRUTURAS ORGANIZATIVAS

então seria possível saber os reais efeitos da venda sobre o mer- vendedor ou prestador de serviço." Apesar de em teoria serem
cado. Deveria, no entanto, ocorrer antes da assinatura dos con- consideradas danosas para a ordem antitruste, seu controle é
tratos de venda das participações governamentais de modo a na prática freqüentemente influenciado por fatores políticos.
evitar os riscos de contestações civis ao preço pago pelas parti- Assim, em épocas em que os ventos liberais tendem a favorecer
cipações adquiridas. Seria também de bom-tom que os editais as concentrações, seu controle é um dos primeiros a ser suprimi-
de licitação previssem que o controle concorrencial seria reali-
zado e que o teor final do contrato dependeria desse controle. do.
Finalmente a formação de conglomerados é a mais discuti-
Tomados esses cuidados, o processo de privatização trans- da dessas categorias de concentrações econômicas. Trata-se de
formar-se-á em verdadeiro motor do desenvolvimento e não em categoria residual, que engloba concentrações em que as ativi-
mero instrumento de controle do déficit público. Parece possí- dades dos agentes econômicos não guardam qualquer relação
vel, portanto, coordenar os fins necessários do processo de pri- entre si. É categoria muito discutida em doutrina e cujo contro-
vatização com os meios adequados para atingi-los. Essa coorde-
le é bastante limitado.
nação é imperativa. Nunca é demais lembrar que para o direito Essas três categorias foram indiretamente reconhecidas pelo
não é possível aceitar com complacência a famosa e pessimista legislador brasileiro quando da definição das concentrações su-
observação atribuída a Einstein, de que vivemos uma era de jeitas a controle. Prevê o art. 54, § 2, que devem se sujeitar a
perfeição de meios e confusão de fins. O direito, como ciência de controle tanto aquelas concentrações cuja participação agrega-
prescrição de comportamentos, é necessariamente finalístico. da das empresas envolvidas seja de 20% ou mais do mercado
Fins confusos geram meios imperfeitos e meios perfeitos, não relevante como, também, aquelas em que qualquer das empre-
utilizados para consecução de fins, são perfeitamente inúteis. sas participantes "tenha registrado faturamento bruto anual no
último balanço equivalente a R$ 400.000.000,00 (quatrocentos
4.3 As concentrações econômicas milhões de reais), ou unidade de valor superveniente". Ora, como
a aplicabilidade do critério da participação no mercado relevan-
4.3.1 As formas possíveis de concentração econômica te é restrita às concentrações horizontais e verticais, obviamen-
te a referência ao critério do faturamento bruto engloba a for-
Tradicionalmente, as concentrações econômicas são classi-
ficadas em três categorias: concentração horizontal, concentra- mação de conglomerados.
ção vertical e formação de conglomerados. A ordem em que fo-
ram listadas as três categorias é função da relevância de cada 4.3.2 As concentrações horizontais
uma para a ordem concorrencial.
A noção há pouco utilizada de concentração horizontal deve
A primeira delas é a concentração horizontal ou, grosso modo, ser bem compreendida. É considerada concentração horizontal
aquela que se processa entre concorrentes. Não há dúvida na não apenas aquela integração entre empresas que fabriquem ou
doutrina ou jurisprudência quanto à potencial ameaça repre- comercializem o mesmo produto. Firmas no mesmo mercado são
sentada pelas concentrações horizontais para a ordem econômi- consideradas todas aquelas que se incluem na mesma definição
ca. A questão se resume, portanto, a determinar o nível de con- de mercado relevante. Assim, todos os fabricantes de produtos
centração a partir do qual é necessário o controle. substitutos, que em caso de aumento de preços passariam a ser
O mesmo não pode ser dito com relação às concentrações consumidos, devem ser incluídos no mercado.
verticais. São elas as que se processam entre empresas que ope-
ram em diferentes níveis ou estágios da mesma indústria, man- 53. Cfr. N. T. Mallard, "Integração de empresas: concentração, eficiência
tendo entre si relações comerciais, na qualidade de comprador/
e controle", cit., p. 44.
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Isso não é suficiente, no entanto, para estabelecer os limites tração horizontal é o crescimento interno. A empresa que se vê
exatos da noção de concentração horizontal. Para fazê-lo é ne- na impossibilidade de adquirir um concorrente, para ganhar
cessário compará-la à formação de conglomerados. A razão é que, espaço no mercado e conseqüentemente melhorar sua lucrativi-
em todas aquelas hipóteses em que é teoricamente concebível a dade, deve crescer internamente.
existência de uma concorrência potencial entre os produtos dos Ocorre que o crescimento empresarial interno é aconteci-
agentes econômicos que se estão integrando a partir de um certo mento muito positivo para a ordem econômica. As razões para
nível de aumento de preços (ainda que superior ao nível utiliza- isso já foram analisadas. O crescimento, além do efeito econômi-
do para definir o mercado), se está diante de uma situação co positivo representado pela criação de nova capacidade produ-
limítrofe entre concentração horizontal e formação de conglome- tiva, é também o único a garantir que o aumento do poder no
rados.
mercado se dá a partir de melhoria da eficiência produtiva, cujos
Por uma questão de coerência com a teoria desenvolvida no resultados são efetivamente repartidos com o consumidor.'
capítulo 2, serão tratadas entre a formação dos conglomerados Em função disso, a concentração horizontal é tão mais
todas aquelas hipóteses em que o aumento de preços necessário favorecida do ponto de vista concorrencial quanto mais for pos-
para poder incluir uma das empresas que se está integrando no sível demonstrar que o crescimento interno não é uma alternati-
mesmo mercado da outra é superior aos padrões utilizados para va viável. Isso ocorre basicamente em duas situações. Em pri-
definir o mercado relevante. E interessante observar, de resto, meiro lugar, o crescimento interno não é uma alternativa viável,
que exatamente nos casos em que a formação de conglomerados ao menos não para todas as firmas, quando a demanda daquele
pode ser ligada (ainda que longinquamente) às concentrações mercado particular é estável ou decrescente. Nesse caso, o cres-
horizontais (ou verticais) é que se registram as poucas decisões cimento interno de uma das empresas implicará provavelmente
considerando ilícita a sua constituição. A necessidade sentida saída do mercado da outra. É verdade que essa alternativa po-
pela doutrina e pela jurisprudência de ligar as hipóteses de for- deria, ao menos na perspectiva neoclássica, ser considerada eco-
mação de conglomerados a fattispeci longínquas de concentra- nomicamente positiva, na medida em que eliminaria uma uni-
ção horizontal (ou vertical) sugere que, se os critérios para a dade econômica ineficiente. Ocorre que o mesmo efeito pode ser
identificação do poder na formação de conglomerados são subs-
obtido através da concentração, com duas vantagens: não há
tancialmente diversos daqueles utilizados para a mesma identi- destruição de capacidade produtiva já existente e ainda podem
ficação no caso das concentrações horizontais, quanto ao san- ser geradas economias de escala tendentes a beneficiar o consu-
cionamento a regra da razão formulada no capítulo 3 permane-
ce intacta e aplicável, com pequenas distinções, a ambas as hi- midor.
póteses. O crescimento interno também será inviável, ou ao menos
bastante improvável, quando for excessivo o aumento de escala
a) Concentração horizontal e crescimento interno
54. O crescimento interno não é, no entanto, sempre preferível à concen-
A preocupação particular da ordem concorrencial com as tração. Três são as situações básicas em que a concentração é preferível ao
concentrações horizontais não decorre exclusivamente da maior crescimento interno. Em primeiro lugar, quando as firmas que se pretendem
concentrar possuem bens de capital complementares que conjugados podem
probabilidade de construção de posições de poder no mercado passar a produzir bens de diferente qualidade, o que não poderia ocorrer pelo
que essa forma implica comparativamente às demais. Impor- crescimento individual de cada empresa. Uma segunda situação é aquela em
tância especial tem também o padrão utilizado para compara- que o "preço" do crescimento interno é excessivamente elevado. Finalmente, a
ção. Na concentração horizontal, mais do em qualquer outro tipo concentração é socialmente preferível quando não há espaço para o crescimen-
to interno de todas as empresas, isto é, quando o preço do crescimento interno
de concentração, a alternativa à concentração empresarial é o de uma é a saída do mercado das outras. Na verdade, apenas a primeira é uma
crescimento interno. Com isso se quer dizer que, diferentemente situação em que a concentração é preferível. Nos outros casos o que ocorre é
dos outros tipos de integração, a alternativa natural à concen- que o crescimento interno não é viável, ao menos não para todas as firmas.
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necessário para atingir um nível eficiente (ou ao menos competi- atingir uma escala eficiente de produção. Também nesse caso
tivo) de produção. E isso por duas razões básicas. Em primeiro pode-se presumir a inviabilidade do crescimento interno.
lugar porque nesse caso o tempo para obtenção da escala produ-
tiva necessária será tão elevado e os esforços financeiros de tal b) A eficiência
monta que o crescimento interno tornar-se-á financeiramente
pouco compensador. Mas a razão mais relevante é o que se deno- A eficiência é, sem dúvida, a mais importante defesa tratan-
mina capacity effect. O que ocorre é que, quanto maior for a ex- do-se de concentrações. Por esse motivo, será objeto de trata-
pansão de capacidade produtiva necessária para a obtenção de mento específico para cada tipo particular de concentração.
uma escala eficiente, tanto maior será o efeito depressivo sobre A primeira peculiaridade específica da eficiência, quando
os preços. Nota-se, portanto, que as mesmas razões que tornam utilizada como defesa nas concentrações horizontais, já foi ana-
o crescimento interno preferível do ponto de vista econômico lisada acima. Como visto, a defesa baseada na eficiência será
podem, a partir de um certo ponto, torná-lo inviável. Exatamen- tão mais aceitável quanto maior for o montante do crescimento
te porque o crescimento interno só se pode fazer através de re- interno necessário para atingir uma escala produtiva eficiente.
dução de preços para o consumidor, se o tempo necessário para Mas isso não basta. É necessário ir ainda mais a fundo e
que a diminuição dos preços que possa induzir a um aumento verificar o significado real do termo "eficiência" quando aplicado
das vendas suficiente para atingir a escala eficiente for muito às concentrações horizontais. Já foi visto no capítulo 3 que o
longo, o crescimento interno é inconveniente para a empresa. termo "eficiência", quando utilizado no direito antitruste, sig-
nifica basicamente economia de escala. Mas quais são as econo-
Pode-se, portanto, formular um primeiro critério para inter- mias de escala possíveis em caso de concentração horizontal?
pretação da regra da razão discutida no capítulo 3, com o objeti-
vo específico de aplicá-la às concentrações horizontais. De um Serão todas elas juridicamente aceitáveis?
lado, ao se analisar o montante da restrição à concorrência, tem A doutrina costuma elencar uma série de economias de es-
sem dúvida tratamento favorecido aquele tipo de setor cuja de- cala passíveis de serem atingidas através da integração empre-
sarial. As mais importantes são: economias de escala produtiva,
manda é decrescente ou ao menos estável.' Com relação a ele é economias decorrentes da especialização das empresas, econo-
razoável presumir que o crescimento interno não é uma alterna- mias na distribuição, promoção, pesquisa e desenvolvimento de
tiva viável para todas as empresas.
produtos, custos de capital e economias de escala com fornece-
Por outro lado, quanto às justificativas para a concentração,
pode-se afirmar que tanto mais aceitável é a justificativa basea- dores."
De todas elas, apenas as duas primeiras são diretamente
da na eficiência quanto maior for o crescimento necessário para aceitáveis como defesa em uma concentração horizontal. A ra-
zão é que só elas requerem necessariamente a concentração
55. A preocupação com esse fator fica evidente na recente Resolução n. 1, empresarial. Com efeito, tanto as economias de escala na produ-
de 7.6.95, do CADE (nesse ponto mantida inalterada pela Resolução n. 5 de 28 ção quanto a especialização empresarial requerem mudanças
de agosto de 1996), onde a avaliação do estado do mercado aparece em dois estruturais na empresa que permitam alterar sua forma de pro-
diferentes incisos do art. 10 da Resolução n. 1 e art. 13 da Resolução n. 5 (infor- dução.' Essas mudanças só se tornam possíveis através de con-
mações a serem obrigatoriamente prestadas pelas empresas que requerem
aprovação do ato de concentração) — inciso II, que requer a descrição do pro- centração empresarial.
duto, "esclarecendo se se trata de produto recém lançado, maduro ou em
declínio", e o inciso VIII, que requer informação "sobre a demanda total do V., a respeito do tratamento econômico de cada uma delas, P. Areeda,
mercado interno nos últimos 3 (três) anos, e a avaliação das possibilidades de 56.
expansão ou retração, nos próximos 5 (cinco) anos" (é de se notar que na nova D. Turner, Antitrust law, v. IV, cit., pp. 175 e ss.
Resolução n. 5 a expressão demanda total foi substituída pela expressão, mais 57. A possibilidade de especialização de produção de cada uma das em-
técnica, consumo aparente). presas é aceitável como defesa no direito antitruste quando existe complemen-
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O mesmo não pode ser dito a respeito das demais econo- cundárias, a concentração não é o melhor meio de atingi-las. A
mias. É inegável que todas elas, sem exceção, são teoricamente mudança estrutural e permanente promovida pela concentração
obteníveis através da concentração horizontal. Dois fatores li- nas duas empresas é inconveniente do ponto de vista concorren-
mitam substancialmente, no entanto, a possibilidade de sua uti- cial para a obtenção desses objetivos. Eles podem ser muito bem
lização como defesa. Em primeiro lugar, ao contrário da eficiên- obtidos através de uma forma intermediária, como é a joint
cia produtiva, é muito arriscado presumir que esse tipo de efi- venture, que permite obter os mesmos objetivos sem um au-
ciência possa ser capaz de superar a ineficiência alocativa pro- mento em princípio permanente da concentração do poder no
duzida pelo aumento do poder no mercado. mercado.
Mas muito mais importante que isso, todas essas outras eco- Assim sendo, a utilização da defesa da eficiência, baseada
nomias não requerem necessariamente a concentração horizon- exclusivamente nesse tipo de economia "secundária", depende-
tal para serem obtidas. É perfeitamente possível obtê-las atra- rá não só da demonstração de que seu montante é suficiente
vés da formação de joint ventures entre empresas, especialmen- para proporcionar benefícios aos consumidores capazes de con-
te destinadas à venda, à aquisição ou à pesquisa e desenvolvi- trabalançar a ineficiência alocativa, mas também de que não é
mento de produtos. possível a utilização da joint venture ou outra forma de coopera-
Essa observação deve ser bem entendida. Não se trata de ção entre concorrentes para obtenção dos mesmos resultados.
dar preferência à formação de joint ventures em qualquer caso,
em detrimento da concentração empresarial. Como se verá quan- 4.3.3 As concentrações verticais
do da análise das joint ventures, sua constituição pode ser tão ou
mais negativa que a concentração empresarial no que tange à a) Hipótese independente ou caso especial de
consolidação do poder no mercado. Basta notar que freqüente- concentração horizontal?
mente a sua formação incentiva a conclusão de acordos de pre- As concentrações verticais, muito ao contrário das horizon-
ços entre concorrentes.
tais, são motivo de contínuas dúvidas e discussões doutrinárias.
O que se está tentando preservar é apenas uma proporcio- No estado atual da doutrina não existe sequer concordância a
nalidade entre meios e fins (prevista na própria lei concorren- respeito da necessidade e da utilidade de qualquer tipo de con-
cial brasileira — art. 54, § 12, inc. II), sem a qual uma defesa trole das concentrações verticais.
baseada na eficiência nunca pode ser considerada suficiente para Certos autores, sobretudo aqueles mais ligados à Escola
contrabalançar um aumento relevante do poder no mercado. Com Neoclássica de Chicago, afirmam que as concentrações verticais
isso se quer dizer que, se o único objetivo da concentração entre não apresentam qualquer problema jurídico autônomo em rela-
as empresas é a obtenção dessas economias por assim dizer se- ção às concentrações horizontais.
O raciocínio por eles desenvolvido ataca um dos argumentos
taridade entre os produtos fabricados, ou seja, quando é necessário para as
empresas oferecer todos (ou ambos) os produtos no mercado. É o caso, por
centrais daqueles que vêem na concentração vertical uma po-
exemplo, do fabricante de bebidas em relação ao fabricante de vasilhames. tencial ameaça ao sistema concorrencial. Trata-se da possibili-
Nesse caso pode ser interessante para o fabricante de bebidas que quer expan- dade de criar dificuldades ao funcionamento do concorrente, to-
dir sua produção adquirir um fabricante de vasilhames, especializando sua lhendo-lhe as fontes de matéria prima ou os canais de distribui-
unidade industrial exclusivamente na fabricação de bebidas e transferindo toda ção. Segundo essa teoria, a concentração vertical permite ao fa-
sua fabricação própria de vasilhames (assumida por hipótese) para a nova em-
presa adquirida. Nesse caso a especialização da produção pode levar a impor-
bricante do produto final, caso o produtor de insumos ou distri-
tantes economias de escala. Como se pode notar, a especialização da produção buidor com o qual se está concentrando possua relevante poder
nada mais é que uma variante da economia de escala produtiva; v., nesse sen- no mercado, sufocar seus concorrentes, bloqueando seu acesso
tido, P. Areeda, D. Turrier, Antitrust law, v. IV, cit., p. 177. às fontes de insumo ou matéria prima.
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Os neoclássicos se opõem frontalmente a essa idéia. Afir- necessária a existência de poder no mercado em ambas as esfe-
mam que a preocupação com as concentrações verticais nada ras consideradas, mas apenas que não é o aumento desse poder,
mais faz do que induzir o intérprete a focalizar sua atenção no mas sim o ato de concentração (vertical) em si que justifica o
prisma errado da questão. Segundo esses teóricos, nada há de controle.
mal na concentração entre fornecedor e comprador, o problema A doutrina identifica várias conseqüências específicas das
só aparece quando um deles tem poder no seu mercado horizon- concentrações verticais que causam preocupação concorrencia1.59
talmente considerado." Nessa perspectiva, a transmissão de Em primeiro lugar, a própria teoria da exclusão potencial dos
posição dominante de um mercado para outro, preocupação tra- concorrentes pode ser revisitada, agora levando em conta a crí-
dicional nas concentrações verticais e que se traduz na teoria tica neoclássica. O que dela se pode concluir é que as integrações
clássica da concentração vertical supra-exposta (segundo a qual verticais, quando realizadas entre agentes econômicos que atuam
a ilicitude só ocorrerá se em um dos mercados estiverem presen- em mercados já horizontalmente concentrados, são causa efeti-
tes as condições para caracterização do poder no mercado ilíci- va de preocupação para o direito antitruste. E isso por duas ra-
to), perde relevância. Isso porque, segundo esses mesmos teóri- zões bastante evidentes. Em primeiro lugar porque nesses casos
cos, qualquer preferência atribuída pela empresa com poder no sobram muito poucas alternativas aos produtores e/ou distri-
mercado ao distribuidor ou produtor de insumos a ela afiliado buidores independentes para respectivamente vender ou com-
fará com que os demais concorrentes naqueles mercados migrem prar seus produtos em condições concorrenciais. Mas também a
para outros produtores, existentes ou potenciais. Assim, para concorrência potencial se limita substancialmente. Com efeito,
que o esquema funcione é necessária a existência de grande par- novos potenciais concorrentes que queiram entrar em um dos
ticipação em um dos mercados e de substanciais barreiras à en- mercados deverão entrar em ambos para ter alguma chance de
trada, exatamente os fatores que caracterizam a ilicitude das concorrer. É por esse motivo que uma das principais objeções de
concentrações horizontais. natureza concorrencial às concentrações verticais está exatamen-
A tese neoclássica padece de um vício fundamental de lógica te no aumento substancial de barreiras à entrada no mercado
jurídica. Se é verdade que o fundamento do controle das concen- por elas proporcionado.
trações é o sancionamento de um aumento da concentração no É importante notar que isso não significa que só deva ser
mercado horizontalmente considerado (como os próprios neoclás- controlada aquela concentração vertical que implique controle
sicos proclamam), no caso da concentração vertical nunca have- de parcela do mercado, em qualquer dos níveis do setor conside-
ria nada a controlar, nem no sentido vertical, nem no horizon- rado (produção de matéria-prima, industrialização ou forneci-
tal. Isso porque em uma concentração vertical o poder no merca- mento ao consumidor final) que, segundo os padrões utilizados
do horizontalmente considerado não se cria nem se aumenta. A nas concentrações horizontais, seja considerado excessivo. Como
intervenção, em conseqüência, não se justifica com um raciocí- visto, a concentração vertical traz consigo preocupações con-
nio típico da análise de concentrações horizontais. correncias específicas (em especial a potencial exclusão de con-
Para controlar as concentrações verticais é necessário, por- correntes e as barreiras à entrada), que não podem ser descui-
tanto, encontrar alguma característica a elas particular que o dadas. Existe, ainda, uma outra razão a desaconselhar tal equi-
torne necessário. Note-se que isso não significa dizer que é des- paração. Sobretudo tratando-se de mercados oligopolizados, é
muito comum que a uma primeira integração vertical se sigam
outras, por parte de outros concorrentes, que, descrentes da ló-
58. V., nesse sentido, comentando um caso concreto, R. Bork,
The antitrust
paradox, cit., p. 237: "Foreclosure theory is like a conjuring trick: it causes you
to look at the wrong levei of the industry, in the case the refining levei. The 59. V. para uma completa discussão de todas as possíveis conseqüências
problem just stated is not vertical but horizontal, the evil is not the foreclosure das concentrações verticais, nem todas de resto logicamente aceitáveis, P.
of rival refiners but the establishment of a retail monopoly". Areeda, D. Turner, Antitrust law, v. IV, cit., pp. 212 e ss.
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gica neoclássica, não querem se colocar em situação concorren- A ausência da intencionalidade tem, no entanto, pouco rele-
cialmente inferior. Assim, muito freqüentemente uma primeira vância. Não se está tratando de determinar a cooperação econô-
integração vertical desencadeia um processo concentrativo que mica, mas sim de estudar os possíveis efeitos de um tipo especial
não termina enquanto grande parte dos participantes de ambos de concentração. E a esse respeito o que se pode concluir é que o
os mercados não estão integrados. Essa perspectiva constitui comportamento individual (e não cooperativo) dos agentes eco-
uma ameaça real aos pequenos produtores independentes para nômicos, que se pode presumir, levará exatamente àquela es-
os quais, ao final desse processo, restarão poucas alternativas trutura de mercado não desejada pelo ordenamento.
para fornecimento dou distribuição em condições concorrenciais. A concentração vertical em estruturas oligopolizadas causa
O problema que então se apresenta é de eqüidade. Será cor- ainda um outro tipo de preocupação, diretamente ligada ao inte-
reto permitir, em um determinado setor, as primeiras concen- resse do consumidor. Ainda que a concentração não leve a um
trações e barrar as últimas, sob o argumento de que nessas últi- processo generalizado de integração e, talvez possa-se dizer, so-
mas o número de concorrentes independentes restante será muito bretudo se isso não ocorrer, é muito provável que essa concen-
reduzido para garantir a existência real de concorrência? A so- tração represente uma forma de eliminar uma barreira à carte-
lução mais correta e eqüitativa, sobretudo em um direito concor- lização do mercado. A razão para isso é bastante simples. Comomui-
rencial que, como visto no capítulo 1, leva em consideração não já foi visto ao se analisar a teoria do countervailing power,
apenas os interesses dos consumidores, mas também o dos con- tas vezes o poder no mercado do comprador pode impedir o exer-
correntes, parece ser a utilização da teoria da incipiência. Atra- cício do poder monopolista por parte do vendedor. Nesse caso é
vés dela é possível aplicar mais rigidamente os critérios de san- possível que o vendedor ou grupo de vendedores se interesse em
cionamento àqueles mercados oligopolizados em que uma pri- adquirir o comprador para eliminar o empecilho ao exercício do
meira concentração vertical possa razoavelmente provocar o te- seu poder e diminuir os custos das transações. Assim sendo, a
mor de um processo generalizado de integração. Esse temor é concentração vertical é tanto mais perigosa quanto mais indícios
tanto mais justificado quanto mais oligopolizado for o mercado existam de acordo (expresso ou tácito) entre os vendedores sobre
e, paradoxalmente, quanto maior for a concorrência entre seus preço ou quantidade produzida. Nessa situação é possível que a
principais participantes. Nesses casos é possível e provável que aquisição do distribuidor por um dos vendedores venha a bene-
os demais venham a seguir os passos dos primeiros a se integra- ficiar a todos, em detrimento do consumidor.
rem. A conclusão só pode ser, portanto, pela necessidade de con-
A probabilidade aqui postulada, além de base empírica, tem trole preventivo das concentrações verticais. A concentração ver-
também fundamento teórico. Com efeito, aplicando aqui o que tical traz, em si, potenciais ameaças à ordem concorrencial, que
foi dito sobre a teoria dos jogos quando do estudo dos oligopólios, devem ser levadas em consideração. As concentrações potencial-
nota-se que a integração vertical é um jogo com um número finito mente danosas ao sistema concorrencial não são, porém, só aque-
de rodadas (provavelmente uma ou então tantas quantos forem las que acarretam, em um determinado nível do setor em análi-
os estágios intermediários cuja aquisição é necessária). Conse- se, riscos para a ordem concorrencial. Mesmo uma concentração-
qüentemente, é possível presumir (ao contrário do que ocorre vertical que atinja, em qualquer ou ambos os níveis horizontal
nos aumentos de preços) que haverá comportamento paralelo mente considerados (v.g. produção e distribuição), graus de con-
dos oligopolistas que não querem perder sua posição no merca- centração inferiores aos requeridos para o controle das concen-
do. Isso porque, exatamente como no dilema do prisioneiro, o trações horizontais, deve ser submetida a controle. Nesse ponto
comportamento tendente a um fim exclusivamente individual é andou bem o legislador brasileiro ao sujeitar a controle (art. 54,
um comportamento seguido por todos os oligopolistas. Trata-se, § 32) tanto aquelas concentrações que implicarem participação
portanto, de um comportamento paralelo, mas claramente não- da empresa ou grupo de empresas resultantes em 20% do mer-
intencional. cado relevante como aquelas em que qualquer dos participantes
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concentração horizontal, da concentração vertical ou da forma-


tiver faturamento anual de R$ 400.000.000,00 (quatrocentos
milhões de reais). A utilização pela lei de ambos os critérios como ção de conglomerados.
alternativos, e não como substitutivos (leia-se: o critério do fatu-
ramento, caso não seja possível utilizar o critério da participa- b) A eficiência nas concentrações verticais
ção no mercado, ou caso esse leve a resultados dúbios), permite
O que foi dito auxilia não apenas na definição dos critérios
submeter a controle também aquelas concentrações verticais que da concentração vertical que se deve sujeitar a
não atinjam o nível de participação requerido em qualquer dos de identificação
controle, mas, também, de seus critérios de sancionamento.
níveis horizontalmente considerados. Pelas razões vistas acima,
o controle desse tipo de concentração é indispensável sobretudo A aplicação dos critérios de sancionamento definidos no ca-
nas situações de oligopólio. pítulo anterior torna-se mais fácil quando se tem noção dos pon-
tos críticos a serem focalizados. Como visto no item anterior,
Evidentemente, também, o critério do faturamento não é com respeito à extensão da limitação à concorrência (primeira
perfeito. Tem o seríssimo defeito de basear-se na grandeza em parte da regra da razão formulada no capítulo 3), pontos críticos
si. É muito provável que concentrações verticais relevantes es- nas concentrações verticais são as barreiras à entrada e a situa-
capem de sua aplicação. Mas é improvável que concentrações ção estrutural do mercado (oligopolizado ou não). O montante
relevantes escapem concomitantemente de sua aplicação e do -
em si da participação, também aqui, assim como na determina
critério alternativo de participação em ao menos 20 % do merca- ção dos critérios de identificação, é de relevância apenas secun-
do relevante. Ambos os critérios se completam mutuamente. dária. E isso exatamente porque se trata de uma concentração
É importante deixar claro mais uma vez que o critério da vertical.
participação no mercado relevante é aplicável tanto às concen- Resta indagar das justificativas para a aquisição do poder
trações horizontais como às verticais, e até à formação de con- -se
no mercado, em especial daquela mais importante tratando
glomerados. Como visto no n. 4.2.6, a lei brasileira não exige que de concentração: a eficiência.
a participação de 20% seja alcançada através do ato de concen- -
A análise da eficiência nas concentrações verticais é bastan
tração. Basta que a concentração implique uma tal participação te interessante pois nela se verifica talvez mais do que em qual-
no mercado (v. art. 54, § 32). Assim, qualquer concentração, ver- quer outra área, a superação de premissas fundamentais da
tical ou horizontal, ou formação de conglomerados em que um Escola de Chicago. Deve-se dizer aliás que, paradoxalmente, é a
dos participantes passe a deter ou mesmo já detenha 20% do superação de algumas das premissas da Escola de Chicago que
mercado relevante, está sujeita a controle pelo CADE. permite, ao menos em teoria, uma posição mais permissiva em
Como visto acima, a justificativa teleológica para essa inter- relação às concentrações verticais.
pretação não está na preexistência do poder no mercado. A san- Era sobretudo a concentração das atenções na eficiência
ção a situações de poder no mercado presentes é feita através da alocativa (e na sua necessária compensação pela eficiência pro-
disciplina dos comportamentos, e não da disciplina das estrutu- dutiva) que criava as maiores dificuldades à aceitação das con-
ras.' A razão para o controle da formação dessas estruturas centrações verticais. As concentrações verticais, via de regra,
está portanto no risco adicional para o sistema concorrencial, não são criadoras de economias de escala. Não há um aumento
decorrente do aumento do poder no mercado, seja através da de produção por força da junção ou da melhor divisão do traba-
lho entre duas diferentes unidades produtivas.
60. Como se verá abaixo, a única hipótese justificável de intervenção na As concentrações verticais só podem encontrar justificativa
(transaction
estrutura do agente que já detém poder no mercado ocorre quando da repeti- a partir de uma análise dos custos das transações
costs). O estudo original e clássico a respeito desses custos é do
ção dos comportamentos ilícitos. Trata-se em última análise, também de um
controle dos comportamentos.
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DIREITO CONCORRENCIAL AS ESTRUTURAS ORGANIZATIVAS

economista norte-americano R. Coase que, em trabalho que lhe pela organização empresarial e não pelo mercado, e a firma será
valeu o prêmio Nobel de Economia,' os definiu e descreveu. São tanto maior quanto mais interessante for para o empresário subs-
eles basicamente os custos de realizar uma transação no merca- tituir as transações de mercado por transações internas. Como
do, ao invés de realizá-la no interior da empresa. Assim, por observa a doutrina, essa situação de incerteza com relação aos
exemplo, a matéria-prima comprada de um fornecedor no mer- preços pode ser aproveitada de outro modo. A concentração ver-
cado ao invés de produzida pela própria empresa. Como sugere tical, com efeito, pode ser utilizada como uma forma de escapar
o autor, esses custos consistem basicamente na incerteza que à regulamentação governamental de preços. Imagine-se, por
caracteriza as relações de mercado. Incerteza que se estende exemplo, um distribuidor que tem seus preços regulados e ad-
desde os preços até a natureza e características do produto a ser quire o produtor. Imagine-se, ainda, que, dada a relevante par-
fornecido.' ticipação do produtor no mercado, torne-se muito mais difícil
O elemento de mais difícil determinação é exatamente o preço para as autoridades determinar o preço de mercado da venda ao
relativo de cada produto. Sobretudo quando comprador e vende- distribuidor daquele tipo de produto. Será, então, muito mais
dor não se encontram em mercados concorrenciais, a definição difícil ter acesso e confiança na estrutura de custos fornecida
dos preços pode levar a impasses. A determinação das caracte- pelo agente sujeito à regulamentação (o distribuidor) e, portan-
rísticas do produto é motivo de preocupação sobretudo naqueles to, muito mais difícil controlar seus preços. No sistema norte-
contratos de longa duração. Neles freqüentemente o vendedor americano a preocupação com esse tipo de situação é tanta, que
se nega a especificar com precisão as condições (inclusive de pre- as Merger Guidelines de 1984 (nesse ponto não modificada pelas
ço) em que o produto virá a ser fornecido no futuro. Essas incer- Merger Guidelines de 1992) dedicam um tópico especial à "evasion
tezas são bastante inconvenientes para o comprador que quer of rate regulation" (item n. 4.2.3). Ali afirma-se que não só os
planejar a sua atividade econômica. Em conseqüência, é a elimi- custos do produtor podem ser mascarados para dificultar a su-
nação das incertezas que incentiva o empresário a organizar essas pervisão dos preços do distribuidor, mas também, os preços do
atividades internamente à empresa. Coase, aliás, define o pró- produtor podem ser até ficticiamente elevados para evitar a re-
prio conceito econômico de firma a partir do feixe de relações ferida supervisão. Assim, determina-se que as concentrações
que nela se verifica.' Na firma as transações são comandadas verticais em mercados regulamentados sejam objeto de especial
cuidado.
61. R. Coase, "The nature of the firm", in Economica 4 (novembro de 1937), Evidentemente, ao direito antitruste não cabe observar pas-
p. 386, reproduzido em R. H. Coase, The firm, the market and the law, Chica- sivamente esse crescimento vertical da empresa. Devem-se es-
go-London, The University of Chicago Press, 1988, p. 33.
tabelecer limites. Mas ao estabelecê-los, deve levar em conta as
62. R. Coase, "The nature of the firm", in The firm, the market and the
law, cit., pp. 38 e ss. Essa concepção consagrada de Coase (a ponto de, como é eventuais economias representadas pela substituição de custos
sabido, ter lhe valido o Prêmio Nobel de Economia) foi recepcionada pelas Merger de transações externas. Conseqüentemente, a avaliação da de-
Guidelines norte-americanas. Nelas é feita referência expressa a problemas fesa baseada na eficiência deve ter como objeto inicial a deter-
das concentrações verticais diretamente ligados a transaction cost economics; minação daquelas situações em que as transações externas im-
v., a respeito, O. Williamson, The economic institutions of capitalism, New plicam efetivamente um alto custo para o agente econômico. A
York, The Free Press, 1985, pp. 101 e ss.
doutrina econômica identifica esse tipo de situação em todos
63. Assim define R. Coase a firma: "A firm, therefore, consists of the system
of relationships which comes into existence when the direction of resources is
dependent on an entrepreneur" — "The nature of the firm", cit., pp. 41-42. is one whereby the factor, for a certain remuneration (which may be fixed or
Mais acima, Coase havia já previamente definido o caráter particular do "con- fluctuating), agrees to obey the directions of an entrepreneur within certain
trato" pelo qual os fatores de produção se submetem à direção empresarial, em limits. The essence of the contract is that it should only state the limits to the
forma bastante original para a época (ao menos na literatura econômica tradi- powers of the entrepreneur. Within these limits, he can therefore direct the
cional) e que antecipa evoluções ulteriores do direito societário: "The contract other factors of production".
AS ESTRUTURAS ORGANIZATIVAS 283
282 DIREITO CONCORRENCIAL

marasmo tecnológico e uma não-disponibilidade a investir em


aqueles casos em que a especificidade dos fatores produtivos torna ambas as indústrias, cuja ocorrência se possa razoavelmente
produtor e consumidor reciprocamente relevantes." A depen- atribuir a incertezas provocadas pelos altos custos das transa-
dência mútua entre fatores produtivos pode ocorrer em várias ções no mercado. Inversamente, caso se observe que o poder no
situações. Em primeiro lugar, quando há proximidade física en- mercado é efetivamente compensatório e que seu resultado prá-
tre fornecedor de insumos e produtor, de modo a tornar compa- tico é um preço de equilíbrio próximo aos preços competitivos,
rativamente muito mais custoso vender o insumo no mercado. O evidentemente a defesa da eficiência através da eliminação de
mesmo ocorre naqueles casos em que o insumo é específico para custos de transações não encontra sustentação lógica. Nesse caso,
aquele tipo de indústria e para a produção daquele tipo de insumo a concentração serviria apenas para a eliminação de um com-
é necessário o desenvolvimento de maquinário específico ou trei-
namento particular da mão-de-obra. Nesses casos, o produtor do prador inconveniente.
insumo pode carecer de incentivo para aumentar a produção, e
com isso obter ganhos de escala (para ele e para o consumidor do 4.3.4 A formação de conglomerados
insumo). Mesmo que o faça, é possível e provável o impasse com
relação à determinação de preços. A fixação de preços fora do A formação de conglomerados é uma forma residual de con-
ponto de equilíbrio de mercado pode também impedir a obten- centração, ou seja, considera-se formação de conglomerado toda
ção de economias de escala pelo produtor do insumo e do produ- integração entre empresas que não pode ser classificada como
to final. concentração horizontal ou vertical.
Juridicamente, esses casos podem ser compreendidos como Ela apresenta, em conseqüência, todos os problemas clássi-
situações de poder bilateral. Todos os casos citados, de depen- cos dos tipos residuais: dependência da fattispecie em relação às
dência bilateral, envolvem situações em que, ou pela especifici- hipóteses limítrofes e dificuldade na definição da disciplina.
dade dos produtos ou pela localização geográfica, comprador e No caso da formação de conglomerados esse problema é agra-
vendedor gozam, um com relação ao outro, de situação de poder vado pela grande contestação doutrinária à necessidade de con-
no mercado. Ora, como visto anteriormente, um dos resultados trolar a formação de conglomerados do ponto de vista concorren-
da teoria do poder bilateral, também denominado poder com-
pensatório, era exatamente um potencial resultado benéfico para cial.
o consumidor final, que permitiria aprovar mesmo concentra- Argumenta-se que a formação de conglomerados não pode
ções horizontais que implicassem grau elevado de poder no mer- representar um perigo para o sistema concorrencial, pois não há
cado. Como compatibilizar essas duas interpretações? formação de poder no mercado. Situando-se duas empresas em
mercados distintos e sem nenhuma correlação entre si, a forma-
A resposta é óbvia e mais uma vez determinada pelos inte-
ção de conglomerado entre elas não criaria nem aumentaria o
resses do consumidor. Toda vez que das relações anteriores das poder no mercado, e, portanto, deveria ser desconsiderada pelo
partes for possível determinar que o custo elevado das transa-
ções impede a obtenção de economias de escala e escopo, ao tor- direito antitruste.'
nar o equilíbrio de preços instável, a concentração se justifica.
Imagine-se, por exemplo, aqueles casos em que divergências de 65. V. R. Bork, The antitrust paradox, cit., p. 246 que, bem a seu estilo
preços levam a diminuição da produção de insumos e aumento (popular ou talvez populista), afirma: "Perhaps no more disheartening evidence
of antitrust's intellectual decline can be cited than the government's demons-
dos preços dos produtos finais. Assim, também, caso se note um trated ability to win conglomerate cases without ever advancing a plausible
economic argument. Basic analysis shows than there is no threat to competition
in any conglomerate merger, and it is good that the campaign against conglome-
64. V. O. Williamson, The economic institutions of capitalism, cit., pp. 90
rates has abated".
e ss.

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