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Teorias Clássicas da

Aprendizagem

Licenciatura em Pedagogia

2.1 Abordagem Inatista-maturacionista


FONTANA, R. A. C; CRUZ, M. N. da. A abordagem inatista-maturacionista. In: FONTANA,
R. A. C; CRUZ, M. N. da. Psicologia e trabalho pedagógico. São Paulo: Atual, 1997. p.11-
21.

2.2 Abordagem Comportamentalista


FONTANA, R. A. C; CRUZ, M. N. da. A abordagem comportamentalista. In: FONTANA, R.
A. C; CRUZ, M. N. da. Psicologia e trabalho pedagógico. São Paulo: Atual, 1997. p.24-
31.

2.3 Abordagem Interacionista


FONTANA, R. A. C; CRUZ, M. N. A abordagem piagetiana. In: FONTANA, R. A. C; CRUZ,
M. N. Psicologia e trabalho pedagógico. São Paulo: Atual, 1997. p. 43-54

2.4 Abordagem Histórico-cultural


FONTANA, R. A. C; CRUZ, M. N. A abordagem histórico-cultural. In: FONTANA, R. A. C;
CRUZ, M. N. Psicologia e trabalho pedagógico. São Paulo: Atual, 1997. p. 57-66
2.1
Inatista-Maturacionista

FONTANA, R. A. C; CRUZ, M. N. da

Licenciatura em Pedagogia

FONTANA, R. A. C; CRUZ, M. N. da. A abordagem inatista-maturacionista. In: FONTANA,


R. A. C; CRUZ, M. N. da. Psicologia e trabalho pedagógico. São Paulo: Atual, 1997.
p.11-21.

Inatista-Maturacionista
Capítulo 2

A abordagem
inatista-maturacionista

Todos nós já ouvimos ou dissemos coisas como: "Ele ainda não


tem maturidade para aprender a ler"; "Meu filho tem uma aptidão incrí-
vel para a matemática"; "A Marina é tão inteligente! Puxou ao pai!".
Maturidade, aptidão, inteligência são temas tradicionalmente abor-
dados pela psicologia numa perspectiva que atribui um papel central a
fatores biológicos no desenvolvimento da criança. Essa perspectiva,
que estamos denominando inatista-maturacionista, parte do princípio
de que fatores hereditários ou de maturação são mais importantes para o
desenvolvimento da criança e para a determinação de suas capacidades
do que os fatores relacionados à aprendizagem e à experiência.
Mas o que são esses fatores hereditários ou de maturação?
A hereditariedade pode ser entendida_como um conjunto de
quali-dades ou características que estão fixadas na criança, já ao
nascimento. Ou seja, quando falamos em hereditariedade estamos nos
referindo, à herança genétjca individual que_a criança recebg_de seus
pais. Todos sabemos que traços como, por exemplo, a cor dos olhos e
do cabelo, o tipo sangüíneo, o formato da orelha e da boca já estão
determinados geneticamente quando nascemos.
-Aldeia de maturação_refere-se a um padrão djMnudar^asjgmmr^a
U^s_os_rnernbros de determinada espécie, que se verifica durante a
vida de cada indivíduo. O crescimento do feto dentro do útero da mãe,
por exemplo, segue um padrão de mudanças biologicamente determi-
nado. As transformações do corpo, o crescimento dos órgãos, etc. acon-
tecem de acordo com uma seqüência predeterminada, que, a princípio,
não dependeria de fatores externos.
Você pode estar se perguntando o que essa história de cor dos olhos
ou do desenvolvimento do feto tem a ver com uma abordagem psicoló-
gica da maturidade, das aptidões e da inteligência.
E que, na psicologia, teóricos da perspectiva inatista-maturacio-
nista supõem que, do mesmo modo que a cor dos olhos, aptidões indivi-
duais e inteligência são características herdadas dos pais e, portanto, já
estão determinadas biologicamente quando a criança nasce. Ou então
queyà maneira do crescimento das partes do corpo, o desenvolvimento
do comportamento e das habilidades da criança é governado por um
processo de maturação biológica, independentemente da aprendizagem
e da experiência.
São essas concepções que estudaremos no decorrer deste capítulo.

A questão das diferenças individuais e a hereditariedade


da inteligência: "filho de peixe, peixinho é?"
Por que as pessoas são diferentes umas das outras? Por que algumas
Gêmeos: centro
crianças parecem mais inclinadas para atividades artísticas, enquanto
outras se saem melhor com os números? Foram perguntas desse tipo
que orientaram, no começo do século, as pri-
meiras investigações psicológicas sobre o
problema da natureza hereditária das aptidões
e da inteligência.
Interessados em saber por que uma pessoa
é diferente da outra — quanto a traços de
personalidade, de habilidades, de desempenho
intelectual, etc. —, pesquisadores procuraram
obter dados que permitissem estabelecer
comparações entre pessoas.
Eles constataram, então, que pessoas
com uma aptidão especial (um artista, por
exemplo) normalmente tinham familiares que
apresentavam o mesmo tipo de aptidão. Ou,
ainda, que gêmeos idênticos apresentavam
aptidões e nível intelectual com um grau de
semelhança maior do que o encontrado entre
irmãos não gêmeos. Por outro lado,
identificaram diferenças de aptidões e de
traços mentais entre homens e mulheres ou
entre raças diferentes. Essas constatações
de interesse nos foram interpretadas como indicadoras de que
estudos sobre os fatores inatos são mais poderosos na determinação das aptidões
hereditariedade. individuais e do grau em que estas podem se desenvolver do que a
experiência, o meio social e a educação. O papel do meio social,
segundo essa perspectiva inatista, se restringe a impedir ou a permitir
que essas aptidões se manifestem.
Assim, uma criança — filha, neta ou sobrinha de músicos — apre-
senta inclinação e facilidade para aprender música porque herdou de
seus familiares a aptidão, o "dom" para a música, e não porque foi
educada num ambiente em que, provavelmente, a música é valorizada e
ensinada. Do mesmo modo, crianças brancas e negras apresentam dife-
renças no desempenho de determinadas tarefas em razão da herança ge-
nética de suas raças, e não de diferenças culturais ou de oportunidades.
Foi nessa linha da preocupação com as diferenças individuais que se
desenvolveram os primeiros estudos psicológicos com o objetivo de
avaliar a inteligência. Um dos pioneiros desses estudos, o pesquisador
francês Alfred Binet, interessou-se especialmente pela mensuração da
inteligência através de testes.

Quem foi Binet?

Alfred Binet nasceu em 1857 e viveu até 1911. Formou-se em


Medicina, mas desde cedo interessou-se pela psicologia da crian-
ça e do deficiente, área em que se tornou conhecido.
Em 1904, quando era diretor do Labora-
tório de Psicologia Fisiológica da Universidade
de Sorbonne, participou de uma comissão de
médicos, educadores e cientistas, nomeados pelo
ministro da Instrução Pública da França, que
tinha como objetivo estabelecer métodos e
formular recomendações para o ensino de
crianças deficientes mentais. Binet foi incumbido
da tarefa de desenvolver um instrumento que
permitisse identificar as crianças" mentalmente
deficientes.
Como resultado de seu trabalho nessa
comissão e de suas pesquisas anteriores, ele
publicou em 1905, com a colaboração de
Théodore Simon, a primeira escala para a
medida da inteligência geral. Essa escala, que
se tornou conhecida como escala Binet-Simon,
passou por duas revisões: a primeira, em 1908,
e a segunda, em 1911, pouco antes da morte de Binet.
Pode-se dizer que o desenvolvimento dessa escala marcou o
início da medida da inteligência, tal como a conhecemos hoje. Os
testes de Binet e Simon foram traduzidos e utilizados também em
muitos outros países e deram origem a inúmeras revisões,
realizadas por outros pesquisadores, bem como inspiraram a
elaboração de outros testes de inteligência.
No Brasil, seus estudos e testes foram introduzidos em 1916
Por educadores ligados ao Laboratório de Psicologia Pedagógi-
ca do Rio de Janeiro.

Binet concebia a inteligência como uma aptidão geral que não de-
pende das informações ou das experiências adquiridas no decorrer da 13
vida do indivíduo. Segundo ele, as principais características da inteli-
gência seriam as capacidades de atenção, de julgamentos de adaptação
do comportamento a objetivos:

Parece-nos que na inteligência há uma faculdade fundamen-


tal... Esta faculdade é o julgamento, também chamado bom senso
prático, iniciativa, a faculdade de adaptar-se às circunstâncias. Jul-
gar, compreender e raciocinar bem; estas são as atividades essen-
ciais da inteligência.
(Binet e Simon. O desenvolvimento da inteligência nas crianças.
Apud Bee, H.)

É importante compreender que, nessa perspectiva, a idéia de inteli-


gência não se confunde com os conhecimentos adquiridos pelo indiví-
duo durante sua vida. Habitualmente, consideramos como muito inteli-
gente uma pessoa que demonstra ter um vasto conhecimento; ou seja,
dizemos que os mais inteligentes (entre nossos colegas, por exemplo)
são os que sabem mais.
No entanto, o que define a inteligência de um indivíduo não é a quan-
tidade de conhecimentos que ele possui, mas sua capacidade de julgar,
compreender e raciocinar. Essas capacidades, segundo Binet, não podem
ser aprendidas, mas, ao contrário, são biologicamente determinadas. As-
sim, a inteligência é vista como um atributo do indivíduo fixado pela
he-reditariedade e, como tal, variável de uma pessoa para outra.

Padrões de desenvolvimento: o que é próprio de cada


idade?

Mas, se as pessoas são diferentes umas das outras nas suas apti-
dões, traços de personalidade ou de inteligência, existem também mui-
tas semelhanças entre elas. A maioria dos bebês, por exemplo, torna-se
capaz de se sentar antes que possa se arrastar, engatinhar e depois andar.
Do mesmo modo, quando começa a falar, a criança primeiro diz apenas
palavras isoladas, e só depois junta duas ou mais palavras, formando
frases. Ou, então, antes de desenhar casas, animais ou carros, a criança
rabisca traços e círculos.
Essas seqüências parecem se repetir sempre em relação à maioria
das crianças, o que sugere a existência de certo padrão de desenvolvi-
mento humano. Esse fato tem chamado a atenção de muitos pesquisa-
dores desde as primeiras décadas deste século. Um dos primeiros psicó-
logos a se interessarem por essa questão foi Arnold Gesell, nos Estados
Unidos. Ele se preocupou com a evolução da criança, do nascimento
aos 16 anos, e estudou as formas que seu comportamento vai tomando
no decorrer dessa evolução.
Quem foi Gesell?
Pesquisador norte-americano que viveu entre 1880 e 1961, Gesell
foi o principal expoente das teorias do desenvolvimento que dão maior
ênfase ao papel da maturação. Desde muito cedo, logo que
formado na Escola Normal (Magistério), dedicou-se à
carreira de professor. Foi diretor de colégio e escreveu sua
primeira tese sobre um assunto ligado à pedagogia. Depois
de doutorar-se em psicologia, Gesell retomou o seu trabalho
como professor em uma escola primária. Alguns anos depois,
decidiu-se por fazer o curso de Medicina e assim que o
concluiu foi nomeado professor de Higiene da Criança na
Escola de Medicina de Yale, cargo que ocupou até a sua
aposentadoria.
Em 1915, Gesell passou a empregar a psicologia com
vistas a proporcionar ajuda pedagógica às crianças
desadaptadas. Ele é, por isso, considerado o primeiro
psicólogo escolar norte-americano.
Preocupado com a criação de uma ciência do
desenvolvimento humano que integrasse todos os recursos da psicologia
experimental, da biologia evolutiva e da neurofisiologia, de 1920 a
1961 Gesell dedicou-se à pesquisa científica e à publicação de livros e
artigos.

Pode-se dizer que Gesell foi o primeiro teórico da maturação, uma vez
que defendia a prioridade dos fatores de maturação sobre os fatores de
aprendizagem, ou de experiência, na evolução do comportamento da criança.
Para ele, o que explica a existência de um padrão de desenvolvimento comum
à maioria das crianças é o processo de maturação biológica inerente às
transformações por que passa o comportamento da criança.
Assim, a evolução psicológica da criança seria determinada
biolo-gicamente, do mesmo modo que o crescimento do feto no útero mater-
no. Seus comportamentos e formas de pensar tornam-se mais complexos à
medida que ela cresce, que seu sistema nervoso, sua estrutura muscular, etc.
se desenvolvem. O ambiente social e as influências externas, de modo geral,
limitam-se a facilitar ou dificultar o processo de maturação. Por exemplo, uma
criança que raramente é tirada do berço e deixada à vontade no chão,
certamente vai demorar mais para engatinhar ou andar. Em condições
adequadas, seu desenvolvimento se processaria no ritmo e na seqüência
determinados pela maturação.
Tanto Binet quanto Gesell, acreditando que a inteligência e o desenvolvi-
mento psíquico da criança são biologicamente determinados, preocuparam-se
em descrever comportamentos e habilidades típicos de cada faixa etária.
Binet estava interessado, como já dissemos, em medir e comparar a
inteligência das pessoas. Mas, se podemos medir a altura ou o tamanho
!o dedo de uma criança simplesmente usando uma fita métrica, medir a
ntehgência é bem mais complicado. Enquanto aptidão geral do indiví-
du
o, a inteligência não pode ser medida diretamente, mas apenas atra- 15
vés de algumas de suas realizações. Por isso, para construir um teste de
inteligência, Binet precisava conhecer o que crianças s|o capazes de
fazer em cada idade.
Essa também foi uma necessidade experimentada por Gesell. Preo-
cupado em compreender a evolução da criança, ele procurou estabele-
cer escalas de desenvolvimento que permitissem comparar os compor-
tamentos de uma criança com aqueles que eram esperados, ou conside-
rados "normais", para sua faixa etária.
Mas como foram criados os testes de inteligência e estabelecidas as
escalas de desenvolvimento?
Essa é uma pergunta importante, porque sua resposta nos mostra um
pouco como o conhecimento é produzido na área da psicologia. Partindo
do princípio de que a hereditariedade e a maturação são os fatores mais
decisivos na determinação da inteligência e na evolução do comporta-
mento da criança, tanto Binet quanto Gesell dedicaram-se a pesquisas.

Pesquisando a criança: a construção dos testes de


inteligência
Binet partiu da experimentação e da observação do que as crianças
eram capazes de fazer em idades variadas. Ele procurou selecionar proble-
mas ou questões cuja solução envolvesse os efeitos combinados da aten-
ção, do juízo e do raciocínio e não dependesse de aprendizagens anteriores.
Essas questões eram organizadas em grupos por idade, de acordo
com o seguinte critério: se um teste era resolvido satisfatoriamente por
60% a 90% das crianças de determinada idade estudadas, ele era consi-
derado adequado para aquela idade.
Um exemplo: se todas ou quase todas as crianças de 6 anos fossem
capazes de comparar dois pesos, essa tarefa era considerada muito fácil
para essa idade; se 60% a 90% das crianças de 5 anos estudadas resol-
vessem o problema de maneira correta, ele era aceito como adequado
para essa faixa etária. Do mesmo modo, se quase nenhuma das crianças
de 4 anos estudadas conseguisse copiar um quadrado, essa tarefa era
considerada difícil demais para essa idade.
Seguindo esse procedimento, Binet selecionava um número deter-
minado de tarefas, em ordem crescente de dificuldade, para cada idade.
Assim, o seu teste de inteligência geral, destinado a avaliar pessoas dos
3 anos até a idade adulta, era composto por vários conjuntos de proble-
mas: um para as crianças de 3 anos, outro para as de 4 anos, outro para
as de 5 anos, e assim sucessivamente.
Por meio desses testes, a inteligência é avaliada pelo desempenho
nas tarefas. O número de testes que a criança consegue resolver determi-
na a sua idade mental ou o seu quociente de inteligência (QI). Se ela con-
seguir resolver todos os testes propostos para a sua idade, sua inteligên-
cia será considerada normal. Se ela também resolver corretamente al-
guns dos testes propostos para crianças mais velhas, seu QI estará acima
da média. E se, ao contrário, ela acertar apenas questões propostas para
crianças mais novas, sua inteligência será considerada abaixo da média.
Você sabe o que é o QI?
Embora confundido por muita gente com a própria inteligência, o
QI (quociente intelectual) é basicamente uma comparação entre a idade
mental e a idade real da criança (idade cronológica).
A idade mental é determinada pelo número de tarefas de um teste
que a criança consegue resolver corretamente. Por exemplo, se ela
acerta todas as tarefas atribuídas ao grupo de 10 anos, diz-se que ela
tem idade mental de 10 anos, seja qual for sua idade cronológica.
O Ql é obtido quando se divide a idade mental de uma criança pela
sua idade cronológica. Suponhamos que uma criança de 8 anos consiga
resolver todos os problemas propostos para a idade de 10 anos, mas
nada além desse nível. Diremos que sua idade mental é de 10 anos e,
para calcular o seu QI, dividiremos 10 por 8, o que dá um resultado de
1,25. Por convenção, esse resultado é multiplicado por 100, para que o
Ql possa ser expresso em números inteiros. Isso significa que, em nosso
exemplo, a criança tem um QI de 125, que é considerado acima da
média.

QT _ idade mental x 100


idade cronológica

Assim, quando a idade mental e a idade cronológica forem as


mesmas, o QI será sempre 100. Se a idade mental for inferior à idq.de
cronológica, os resultados serão sempre inferiores a 100, o que
indicará um QI abaixo da média. Se, ao contrário, a idade mental for
superior à idade cronológica, o QI será sempre superior a 100, ou
acima da média.

Pesquisando a criança: a elaboração das escalas de


desenvolvimento
A semelhança de Binet, Gesell também se utilizou da observação e da
experimentação com crianças para elaborar suas escalas de desenvolvimento.
No entanto, ele introduziu uma importante inovação técnica na observação e
no registro do comportamento da criança: as câme-ras cinematográficas.
Na Clínica do Desenvolvimento da Criança, criada por ele em 1930 na
Universidade de Yale, Gesell montou um observatório fotográfico, que era um
hemisfério de 4 metros de diâmetro e 2,5 metros de altura, equipado no alto e
nas paredes laterais com câmeras cinematográficas. Enquanto Gesell submetia
as crianças a vários testes — sem-Pre voltados a descobrir o que são capazes
de fazer em cada idade — as cameras rodavam, registrando todas as reações
que elas apresentavam.
Os filmes obtidos eram posteriormente analisados. Gesell procura-
va, então, destacar diversos aspectos da evolução do comportamento da
criança. A postura, a locomoção, a ação de agarrar, os jogos, as con-
dutas sociais, etc. eram minuciosamente analisados e descritos com o
objetivo de captar as formas que esses com-
portamentos tomam no decorrer do desenvol-
vimento da criança.
A partir dessas análises, tornava-se possível
estabelecer que comportamentos eram típicos de
cada faixa etária, como, por exemplo, começar a
engatinhar, colocar-se de pé e andar com apoio,
subir em cadeiras ou sofás e caminhar sozinha.

Engatinhar e andar sozinho: estágios


diferentes do desenvolvimento infantil.

Essas pesquisas, baseadas na análise dos filmes, foram denomina-


das por Gesell pesquisas normativas, já que visavam à apreensão do
ritmo e da seqüência "normais" do desenvolvimento. Assim, ao enume-
rar os comportamentos considerados típicos de cada faixa etária, é esse
ritmo e essa seqüência que as escalas de desenvolvimento expressam.

A questão dos comportamentos típicos


Tanto Binet quanto Gesell ocuparam-se em definir os comportamen-
tos típicos de cada faixa etária, embora a partir de perspectivas diferentes.
Como já apontamos, Gesell não apenas destacava quais são os
comportamentos infantis comuns a determinada idade, mas também
procurava retratar a maneira como esses comportamentos evoluem,
transformam-se. É o caso, por exemplo, da capacidade da criança de
manter-se sentada sem apoio.
18 É possível observar, nas figuras a seguir, que a evolução desse
comportamento deve-se ao progresso do alinhamento das costas e do
aumento do controle da cabeça: gradativamente as costas do bebê (que,
no recém-nascido, são arredondadas) ficam mais alinhadas, e a criança
torna-se capaz de manter a cabeça levantada, podendo, então, permane-
cer sentada sem apoio.

Primeiras 4
semanas de vida: o Entre 4 e 6
dorso do bebê é semanas o bebê
uniformemente tem o dorso
arredondado, arredondado e a
havendo falta de cabeça é erguida
controle da cabeça. por alguns
momentos.

Binet, por sua vez, preocupava-se com


aqueles comportamentos que, numa
determinada idade, pudessem ser tomados Entre 8e 12
como indicadores do nível de inteligência da semanas o dorso
criança. A evolução ou o desenvolvimento ainda é
arredondado e a
dos comportamentos considerados típicos cabeça já se levanta
não o interessaram de modo especial, mas mais, porém o bebê
sim a capacidade da criança de realizá-dos ainda tende a
pender o corpo
na idade tida como adequada.
para a frente.
Mas, apesar das diferenças, podemos
dizer que Binet e Gesell estabeleceram pa-
drões de comportamento com a finalidade de
avaliar a inteligência ou o desenvolvimento
da criança. O pressuposto de que os fatores
biológicos (hereditariedade e maturação) são
os mais decisivos na determinação da
inteligência e do desenvolvimento leva a Entre 16 e 20
supor que tais padrões de comportamento semanas o bebê tem
o dorso mais
são independentes de fatores externos ou do alinhado e a cabeça
contexto social em que as crianças vivem. é mantida ereta sem
Desse modo, não importa o lugar e a época vacilação.
em que a criança viva ou as condições
materiais e as possibilidades educacionais a
que tenha acesso: a criança "normal" deve
apresentar tais comportamentos.
No entanto, é importante lembrar que eles chegaram à definição
dos padrões de comportamento de cada faixa etária a partir de pesqui- 1
sas realizadas nas primeiras décadas do século, com determinados I
gru-Pos de crianças (francesas e norte-americanas). Logo, os
comporta-
mentos considerados típicos foram aqueles apresentados pela maioria
das crianças que eles estudaram, e foi a partir daí que se definiu o que é
normal ou não.
Esse procedimento é bastante coerente com os princípios teóricos
pelos quais Binet e Gesell se orientaram. Se o ritmo e a seqüência do
desenvolvimento são biologicamente determinados, espera-se que cer-
tos comportamentos apareçam sempre na mesma seqüência e na mesma
idade, quer se trate de crianças européias de classe média, quer de crian-
ças do interior do Nordeste brasileiro.

As relações entre desenvolvimento e aprendizagem e as


influências do inatismo-maturacionismo na escola
Se o ritmo e a seqüência do desenvolvimento são biologicamente
determinados, qual a sua relação com os processos de aprendizagem?
Antes de responder a essa pergunta, é importante lembrar que os pes-
quisadores da abordagem inatista-maturacionista não tinham como ob-
jetivo o estudo da aprendizagem. No entanto, ao destacar o papel de
fatores internos na determinação da inteligência e do desenvolvimento,
essa abordagem considera que aquilo que a criança aprende no decorrer
da vida não interfere no processo de desenvolvimento.
De acordo com a perspectiva inatista-maturacionista, a aprendiza-
gem é que depende do desenvolvimento. Ou seja, o que a criança é
capaz ou não de aprender é determinado pelo nível de maturação de
suas habilidades e do seu pensamento ou, ainda, pelo seu nível de
inteligência.
Essa concepção tem tido bastante influência na escola, desde sua
elaboração. Pode-se dizer que o inatismo-maturacionismo marca o co-
meço da relação entre a psicologia científica e a educação. Como vi-
mos, a construção dos primeiros testes de inteligência de Binet e Simon
foi resultado de uma necessidade emergente nos meios educacionais
franceses da época: a de identificar as crianças mentalmente deficientes
e estabelecer métodos que tornassem o ensino acessível a elas. O
trabalho de Gesell também foi orientado por fins ligados à educação,
especialmente a de crianças consideradas desadaptadas.
No Brasil, as principais pesquisas psicológicas sobre crianças da-
tam do início do século. Educadores, geralmente vinculados às Escolas
Normais (antigo nome dos cursos de Magistério), implantaram na déca-
da de 20, em suas escolas, laboratórios de Psicologia Experimental e de
Psicologia Pedagógica. Nesses laboratórios, as crianças eram submeti-
das a exames destinados a medir suas reações psicofísicas (discrimina-
ções visuais, auditivas, etc), e foi através deles que se introduziram no
país os primeiros testes psicológicos. O primeiro teste para avaliar a
prontidão de crianças para a alfabetização foi desenvolvido por um edu-
cador, Lourenço Filho.
A idéia de que a criança é portadora dos atributos universais (bioló-
/ aicos) do gênero humano produz ou justifica a crença de que caberia à
I e(jucação fazer aflorar esses atributos naturais, desenvolvendo as
Qj£n£iahxladeido_e^çiiiid^le_mod() harmonioso. Tal concepçãg_tg_y_e
) 0 mérito de chamar a atenção para as especificidades da criança, para as
^fictêrísticas, habilidades e capacidades dos educandos, colocando
em destaque noções como prontidão, maturidade, aptidão.
Mas. ao mesmo tempo que atribuem à escola o papel de "cultivar" o
indivíduo, de possibilitar o seu desenvolvimento harmonioso, as propostas
pedagógicas orientadas por essa perspectiva consideram que para aprender os
conteúdos escolares a criança precisaria já ter desenvolvido determinadas
capacidades. Isso acaba gerando a idéia de que existe uma idade bem precisa
para aprender certos conteúdos. Ou, ainda, que o proveito que a criança tira
das situações de aprendizagem depende de seu nível de prontidão ou
maturidade.
Essas noções, além de circularem entre os agentes do processo
educacional, influenciando, muitas vezes, o cotidiano da escola, também dão
sustentação à prática de utilização de testes psicológicos para avaliar as
possibilidades educacionais da criança.
É fato bem conhecido que testes de prontidão (para a leitura, por
exemplo) e testes de inteligência têm sido amplamente utilizados para a
avaliação de crianças em idade escolar, penalizando muitas delas. Os
resultados de tais testes têm, historicamente, impedido que inúmeras crianças
tenham acesso ao conhecimento e à própria escolarização, ao fornecerem
indicadores de sua "imaturidade" ou de seus "déficits" de inteligência. Há
crianças, por exemplo, que são retidas na pré-escola ou permanecem nos
exercícios preparatórios, às vezes um ano inteiro, porque "não estão prontas"
para aprender a ler e escrever; outras são enviadas às classes especiais porque
"não têm condições" intelectuais de seguir o curso normal da escolaridade.

.
2.2
Comportamentalista

FONTANA, R. A. C; CRUZ, M. N

Licenciatura em Pedagogia

FONTANA, R. A. C; CRUZ, M. N. A abordagem comportamentalista. In:


FONTANA, R. A. C; CRUZ, M. N. Psicologia e trabalho pedagógico. São Paulo:
Atual, 1997. p. 24-31

Comportamentalista
Capítulo 3

A abordagem
comportamentalista

Ao contrário do inatismo-maturacionismo, a abordagem compor-


tamentalista destaca a importância da influência de fatores externos, do
ambiente e da experiência sobre o comportamento da criança.
Enquanto aquela abordagem enfatiza o papel de fatores biológicos
internos, como a hereditariedade e a maturação, o comportamentalismo
parte do princípio de que as ações e as habilidades dos indivíduos são
determinadas por suas relações com o meio em que se encontram.
John B. Watson foi o fundador do movimento comportamentalista
(ou behaviorista, do inglês behavior, que significa "comportamento")
na psicologia. Ele definiu a psicologia como a ciência do comportamen-
to, como um ramo objetivo e experimental das ciências naturais.

Quem foi Watson?

John Broadus Watson nasceu em 1878, nos


EUA, e viveu até 1958. Formou-se em Filosofia,
pela Universidade de Furmam, aos 22 anos, mas
logo interessou-se pela psicologia animal, área em
que desenvolveu sua tese de doutoramento.
Em 1908, assumiu o cargo de professor de Psi-
cologia na Universidade Johns Hopkins, onde conti-
nuou suas pesquisas com animais.
Após algumas tentativas de formulação de prin-
cípios que considerava mais objetivos para o estudo
da psicologia — desestimuladas pelas críticas —,
Watson publicou, em 1913, um artigo intitulado "A
psicologia como um behaviorista a vê", considerado
o lançamento oficial da escola behaviorista.
O fato de incluir a psicologia entre as ciências naturais deve-se a
rença na existência de uma continuidade entre o animal e o homem. Ou
seja, para os comportamentalistas, embora o comportamento do ho-em
difira do dos animais em razão de um maior refinamento e
com-"lexidade, ambos podem ser explicados pelos mesmos princípios.
Des-P modo, o comportamento humano não é privilegiado como objeto
de S<esquisa: no comportamentalismo, estudam-se tanto o
comportamento humano quanto o comportamento animal.

Mas o que é comportamento?


Na perspectiva de Watson, podemos dizer que o comportamento é
sempre uma resposta do organismo (humano ou animal) a algum estí-
mulo presente no meio ambiente.
Por estímulo, Watson entende toda modificação do ambiente que
pode ser captada pelo organismo por meio dos sentidos. Assim, as res-
postas são modificações que ocorrem no organismo em decorrência
desses estímulos, como, por exemplo, alterações na expressão facial,
mudanças na posição do corpo, ações ou movimentos de qualquer tipo.
Imaginemos um pequeno animal silvestre bebendo água na beira
de um riacho. Ao captar um ruído de passos de animal no mato, ele sai
correndo. Na linguagem comportamentalista, diremos que o ruído (estí-
mulo) provocou, no animal, uma resposta: o ato de correr.
O que interessa à psicologia, entendida como uma ciência natural
e objetiva, é a relação entre estímulos e respostas — fatos exteriores
que pedem ser empiricamente observados. O que ocorre no interior do
organismo entre um dado estímulo e uma dada resposta não pode ser
observado e, portanto, não interessa aos psicólogos comporta-
mentalistas. No exemplo do animal silvestre bebendo água, o compor-
tamento do animal é explicado pela relação entre o estímulo (o ruído) e
a resposta desencadeada por ele (correr), e não a partir de determinado
estado interno do organismo.
Veja bem: isso não significa que Watson descarte a existência de pro-
cessos internos no organismo. Ele apenas considera que tais processos
devem ser estudados pela fisiologia. À psicologia, segundo sua concep-
ção, cabe o estudo das respostas do organismo aos estímulos do meio.
Assim, os problemas de que se ocupa o comportamentalismo são:
prever a resposta, quando se conhece o estímulo, e identificar o estímu-
lo, quando se conhece a resposta. Ou seja, o estudo do comportamento
ieve possibilitar o conhecimento das relações estímulo-resposta, das
quais ele é o resultado. Assim, cabe ao comportamentalista descobrir
quais são os estímulos que provocam determinado comportamento.
De acordo com essa concepção, o comportamento animal ou huma-
e sempre uma adaptação, uma reação aos estímulos, às alterações que
e
Processam no ambiente. Essa postura ambientalista opõe-se a qual-
u
er tipo de inatismo. Para Watson, não existem aptidões, disposições
nte
lectuais ou temperamentos inatos ou hereditários. O que existe é certa
""opensão para responder a certos estímulos de uma forma determinada.
Comportamento e aprendizagem
Para o comportamentalismo, a
aprendizagem é um tema central. Ao enfatizar a influência dos fatores
externos e ambientais, essa concepção teórica afirma que o mais
importante na determinação do comportamento do indivíduo são as
suas experiências, aquilo que ele aprende durante a vida. Aliás,
podemos dizer que o comportamentalismo confunde-se com uma teoria
da aprendizagem, uma vez que sua preocupação básica é explicar como
os comportamentos são aprendidos.
Skinner, outro importante comportamentalista, cujo trabalho deu
continuidade a algumas das formulações de Watson, distingue dois ti-
pos de aprendizagem: por condicionamento clássico e por condiciona-
mento operante.

Quem foi Skinner?


Burrhus Frederic Skinner, psicólogo norte-americano, nascido em
1904, foi o criador do que ele denominou "análise experimental do
comportamento ", método que permite prever e controlar
cientificamente o comportamento humano.
Doutorou-se em Harvard, em 1931, e depois de
alguns anos lecionou na Universidade de Minnesota e
na Universidade de Indiana, da qual foi presidente.
Regressou a Harvard como professor e pesquisador em
1947.
Skinner interessou-se pela análise da aprendizagem
verbal, pelo adestramento de pombos, pelas máquinas
de ensinar e pelo controle do comportamento mediante
reforço positivo.
Até a sua morte, em 1980, desenvolveu trabalhos
de aplicação tecnológica dos princípios da análise ex-
perimental do comportamento no campo do ensino e no
trabalho psicoterapêutico. Além disso, dedicou-se à
elaboração de uma filosofia, o behaviorismo, que se vincula ao mo-
vimento de análise experimental do comportamento.

A aprendizagem por condicionamento clássico envolve um tipo de


comportamento determinado, que é sempre provocado por um estímulo
também determinado. Ela envolve uma reação do organismo ao meio e
não uma ação do organismo sobre o meio.
Digamos que alguém dê um sopro em seus olhos. Você automatica-
mente irá piscar. Piscar é uma reação, uma resposta a um estímulo. Não
se pode dizer que tenha sido uma resposta aprendida. No entanto, se
toda vez que alguém sopra em seus olhos soa uma campainha, pode
chegar um momento em que você piscará ao ouvir tal campainha, mes-
mo na ausência do sopro. Dizemos, então, que você aprendeu a piscar
quando ouve determinado som.
Em relação à primeira parte do nosso exemplo, podemos dizer que sopro é
o estímulo que provoca a reação de piscar. Essa reação, como •Á dissemos, é
um tipo de resposta não aprendida, é um reflexo do orga-J :srno. À medida que
o sopro é associado a um som determinado, esse orn passará a servir como um
estímulo que também provoca a resposta de piscar. Nesse caso, o som é
chamado pelos comportamentalistas de estímulo condicionado, porque, por si
mesmo, ele não provoca a reação He piscar, mas apenas quando é associado a
outro tipo de estímulo (o sopro) que automaticamente desencadeia tal reação.
Esse é um exemplo de aprendizagem por condicionamento clássico em
que estão envolvidos um estímulo condicionado e uma resposta que é
simplesmente uma reação do organismo. Esse tipo de aprendizagem não
implica nenhuma iniciativa por parte de quem aprende. Ou seja, a pessoa Para Skinner, a
aprende a piscar quando ouve um som determinado porque sua reação original birra é um
acabou se associando a um novo estímulo. comportamento
que se aprende.
Já a aprendizagem por condiciona-
mento operante se dá de forma bastante
diferente, apoiando-se não em reações
provocadas por estímulos, mas em
comportamentos emitidos pelo próprio
organismo que são seguidos por algum tipo
de conseqüência.
Se o comportamento é seguido por uma
conseqüência agradável, ele tende a se
repetir. Ao contrário, se a conseqüência for
desagradável, o comportamento tem menos
probabilidade de se repetir. Essas
conseqüências, chamadas pelos
comportamentalistas de reforçadores,
"modelam" o comportamento dos
indivíduos, sendo responsáveis pela criação
dos hábitos.
Segundo a concepção de Skinner, a grande
maioria dos comportamentos das pessoas é
aprendida por condicionamento operante. A
birra de uma criança, por exemplo, é um
comportamento aprendido. Se a
criança chora e esperneia e a mãe (ou
outro adulto) lhe dá algo que ela deseja
(como um doce, Urr> brinquedo, um
refrigerante), o comportamento da criança
é reforçado e tende a se repetir em outras
,c
asiões. Da mesma forma, uma criança pequena que sozinha leva o copo de
água à boca, tende a repetir esse comportamento se for elogia-e beijada pela
mãe. Mas, se a mãe a repreender todas as vezes (temerosa de que a água seja
derramada), ela provavelmente deixará de er esse comportamento.
Pesquisando a criança: condicionamento e
modelagem do comportamento
A idéia de que os comportamentos e as habilidades do indivíduo
são sempre aprendidos a partir da influência do ambiente serviu de base
para pesquisas psicológicas que tinham como objetivo estabelecer um
método que permitisse prever e controlar cientificamente o comporta-
mento humano ou animal.
Para que você saiba um pouco sobre as pesquisas que auxiliaram a
produção de conhecimentos relativos a como os comportamentos são
aprendidos, destacaremos aqui as pesquisas mais conhecidas de Watson
e Skinner.

A aprendizagem de comportamentos emocionais: uma


pesquisa de Watson
Interessado em saber como as crianças aprendiam comportamentos
emocionais, Watson realizou uma pesquisa com crianças de 4 meses a 1
ano de idade que haviam sido criadas em hospitais e nunca tinham
visto nenhum dos animais ou objetos utilizados no experimento.
Vários animais foram apresentados às crianças no laboratório e em
um jardim zoológico. Suas reações eram todas anotadas pelo pesquisa-
dor. O resultado dessas situações foi sempre o mesmo: não se verificou
nenhuma manifestação de medo nas crianças.

, •» Wm £m
■?;i^' '***//*/

As crianças,
a princípio,
não têm medo
dos

Watson já havia verificado que situações como exposição a um


ruído forte, perda do equilíbrio ou sensação de dor provocavam rea-
>o ções de medo nas crianças. Para ele, essas seriam as situações
originais
' __ que suscitariam medo.
Como explicar o medo de tanta coisa que muitas crianças mais velhas e
até mesmo adultos sentem? Watson afirma que medo de cachor-de
escuridão, de insetos, e outros tipos de medo, é um sentimento
r
°"rendido através de condicionamento. Ele resolveu verificar se era
ossível produzir, em laboratório, uma reação de medo.
O sujeito da experiência foi uma criança de 11 meses que originai-te
nj|0 demonstrava medo a animais peludos, como o coelho e o - to
branco. Quando, no laboratório, era apresentado à criança um rato
branco e ela o tocava, um ruído forte — de uma barra de aço golpeada
com um martelo — era produzido. A criança manifestava então reações
de medo: estremecia e começava a chorar.
Após várias repetições desse procedimento, a criança passou a
apresentar reações de medo diante do rato branco quando este lhe era
apresentado sozinho (sem o ruído). Watson verificou, ainda, que tal rea-
ção estendia-se a outros animais ou objetos que lembravam o rato bran-
co: um coelho, um cão, um casaco de peles ou um chumaço de algodão.
Você pode reconhecer nessa experiência uma situação experimental de
aprendizagem por condicionamento clássico. Um estímulo que
originalmente não provocava a resposta de medo (o rato branco) foi
associado a outro que naturalmente a provocava (um ruído forte), tor-
nando-se, assim, um estímulo condicionado. A reação de medo a ani-
mais peludos foi, portanto, aprendida pela criança.
Com esse experimento, Watson procurava comprovar a sua tese de
que a maioria das reações emocionais das pessoas é aprendida a partir da
influência do ambiente. Procurava também explicar "como as pessoas
aprendem", explicitando os princípios do condicionamento clássico.

Modelagem do comportamento: as pesquisas de Skinner

Skinner, por sua vez, interessou-se fundamentalmente pela apren-


dizagem por condicionamento operante, realizando pesquisas inicial-
mente com ratos, depois com pombos e, por último, com pessoas.
Para estudar o problema da programação do reforço no condiciona-
mento operante, Skinner utilizava em suas pesquisas com ratos uma
caixa em cujo interior havia um dispositivo (uma pequena barra de
metal) que, quando acionado,
liberava água ou comida. Essas
caixas, com isolamento contra
ruídos e controle rigoroso de
temperatura e iluminação (para
evitar que sons, a luz ou o
calor interferissem em seus
experimentos), ficaram
conhecidas como "caixas de
Skinner".
Os experimentos consistiam em programar de modos diferentes a
liberação de reforçadores e estudar como cada programação afetava o
comportamento do animal (qual era mais eficiente para levar à aprendi-
zagem de um comportamento novo; qual era mais adequado para man-
ter esse comportamento por mais tempo; qual representava a melhor
forma de extinguir um dado comportamento, etc).
Uma das formas utilizadas, para obter a aprendizagem de um novo
comportamento (no caso, pressionar a barra de metal), era colocar o
rato na caixa de Skinner após ter sido privado de água por certo tempo.
Supunha-se que a privação faria da água um excelente reforçador, já
que obtê-la resultaria para o rato na satisfação de uma necessidade.
Adotava-se, então, o seguinte procedimento: inicialmente, toda vez
que o rato se aproximava da barra de metal, o pesquisador liberava-lhe,
por meio de um dispositivo, um pouco de água. Após determinado
tempo, estando o rato próximo à barra, a água só era liberada se ele a
tocasse com o focinho ou a pata. Em seguida, reforçava-se (pela libera-
ção da água) apenas o comportamento de tocar a barra com a pata e,
depois, o de pressioná-la para baixo. Após várias sessões, verificava-se
que o rato tinha aprendido a pressionar a barra de metal para obter água.
Esse procedimento é conhecido como modelagem do comporta-
mento. A modelagem é obtida proporcionando-se reforçadores após
respostas que gradativamente se aproximam da resposta que se deseja
obter do animal (no caso, a pressão na barra).
Tal método envolve os princípios do condicionamento operante (o
comportamento emitido pelo animal, se reforçado, tende a se repetir) e
tem sido utilizado pelos comportamentalistas em uma série de situa-
ções, tanto na prática terapêutica clínica quanto no campo do ensino.
O que há em comum nos experimentos de Watson e Skinner é a
tentativa de controlar o comportamento pela manipulação de elementos
do ambiente que precedem (os estímulos) ou sucedem (os reforçadores)
ao comportamento. Além disso, os experimentos de um e de outro vi-
sam conhecer os princípios pelos quais o comportamento humano é
aprendido durante a vida.
Assim, os princípios descobertos ou sistematizados mediante si-
tuações experimentalmente controladas são os mesmos que explicam os
comportamentos aprendidos em situações cotidianas. Conforme a
perspectiva comportamentalista, pode-se dizer que pais e educadores,
por exemplo, modelam o comportamento da criança por meio de proce-
dimentos que correspondem ao condicionamento operante.

Fonte: Nossas crianças. Abril Cultural, 1970. v. 5


Desenvolvimento, aprendizagem e educação: a
influência do comportamentalismo na escola
A ênfase dada pelos comportamentalistas à questão da aprendiza-
gem é resultado do pressuposto de que o ambiente e a experiência são
determinantes do comportamento. Os processos e fatores internos ao
indivíduo não são levados em conta, e o próprio desenvolvimento é
explicado como decorrente da aprendizagem.
Melhor dizendo, para os comportamentalistas, desenvolvimento e
aprendizagem são processos coincidentes. Aquilo que chamamos de
desenvolvimento nada mais é do que o resultado das aprendizagens
acumuladas no decorrer da vida do indivíduo. Por isso, os dois proces-
sos não se distinguem.
A idéia de que os comportamentos humanos são aprendidos em
decorrência de contingências ambientais e a noção de modelagem do
comportamento têm influenciado as práticas educativas. De acordo
com Skinner, ensinar é planejar/organizar essas contingências de modo
a tornar mais eficiente a aprendizagem de determinados conteúdos e
habilidades. A utilização de reforçadores e a organização da aprendiza-
gem por pequenos passos são princípios decorrentes dessa abordagem.
Uma das marcas deixadas pelo comportamentalismo na educação
escolar foi a valorização do planejamento do ensino, tendo chamado a
atenção para a necessidade de se definirem com clareza e operacional-
mente os objetivos que se pretende atingir, para a organização das se-
qüências de atividades e para a definição dos reforçadores a serem utili-
zados telogios, notas, pontos positivos, prêmios, etc).
O próprio Skinner interessou-se pelo processo de
ensino-aprendi-zagem (reveja o boxe 'Quem foi Skinner?'). Nas suas
"máquinas de ensinar", o aluno é colocado diante de um painel onde
aparece uma questão relativa a algo que ele já conhece e, ao mesmo
tempo, uma nova informação concernente ao mesmo tema. O aluno
deve responder à questão apresentada e, se acertar, a máquina passará
automaticamente para a questão seguinte, que será referente à
informação dada imediatamente antes. Se não acertar, não poderá
prosseguir, devendo retornar a algum passo anterior.
Por meio desse procedimento, organiza-se a aprendizagem da
criança "passo a passo", em ordem crescente de dificuldade, seguindo
os princípios da modelagem do comportamento, e cada resposta certa
da criança constitui um reforço para a aprendizagem.
A chamada "instrução programada" derivou das máquinas de
Skinner. As questões apresentadas às crianças são impressas e as res-
istas corretas aparecem em outra página, em um gabarito. As questões
3 intercaladas por pequenos textos informativos sobre os quais a nança
deverá responder no passo seguinte. De acordo com o compor-
tamentalismo, esse procedimento permite que o ensino tenha uma pro-
gressão gradual, que respeita o ritmo de cada aluno e torna o processo
de ensino-aprendizagem mais eficiente.
Capítulo 4

A abordagem piagetiana

"Papai, por favor, corte este pinheiro ele faz o vento. Depois que você
cortar ele, o tempo vai ficar bom e a mamãe me leva para um passeio."
"Mamãe, quem nasceu primeiro, você ou eu?"
(Helen Bee, A criança em desenvolvimento.)

Ouvir crianças pequenas dizerem coisas como essas do trecho trans-


crito acima normalmente nos desconcerta, ao mesmo tempo que nos en-
canta e diverte. Nossa atenção se volta então para o modo peculiar que a
criança tem de pensar sobre as coisas e de estabelecer relações entre elas.
Às peculiaridades do pensamento e da lógica das crianças desper-
taram o interesse de Jean Piaget, que se preocupou principalmente com
a questão de como o ser humano elabora seus conhecimentos sobre a
realidade, chegando a construir, no decorrer de sua história, sistemas
científicos complexos e com alto nível de abstração. Ele acreditava que
muito da resposta a essa indagação poderia ser encontrado no estudo do
desenvolvimento do pensamento da criança.

Quem foi Piaget?


Jean Piaget nasceu em 1896, em Neuchâtel, na Suíça, e fale-
ceu em 1980, aos 84 anos de idade.
Desde menino Piaget interessou-se por questões científicas,
estudando moluscos, pássaros, conchas marinhas e mecânica.
Aos 10 anos, publicou as observações que fez sobre um pardal
parcialmente albino e, aos 11 anos, começou a trabalhar como
assistente do diretor do Museu de História Natural de sua cidade.
Concluiu seus estudos em Ciências Naturais em 1915 e, em
1918, doutorou-se nessa mesma área.
Interessado também por filosofia, encontrou na leitura da
obra de Bergson, A evolução criadora, elementos que o ajudaram
o formular a questão à qual se dedicaria por toda a vida: explicar
a rorma pela qual o homem atinge o conhecimento Iógico-abstrato
que o distingue das outras espécies animais.
Embora se tratasse de uma questão tipicamente filosófica, a
Piaget interessava abordá-la cientificamente. Ao longo de seu traba-
lho, assumiu, então, o desafio de construir uma teoria do conheci-
mento baseada na biologia e em que as especulações filosóficas esti-
vessem ancoradas na pesquisa empírica. O elo que Piaget encontrou
entre a filosofia e a biologia foi a psicologia do desenvolvimento.
A elaboração da teoria explicativa da gênese
do conhecimento no homem levou Piaget a
formular propostas teóricas e metodológicas
inovadoras quanto à natureza dos processos de
desenvolvimento da criança e que contrariavam as
teses do inatismo-maturacionismo e do
com-portamentalismo.
O fundamento básico de sua concepção do
funcionamento intelectual e do desenvolvimento
cognitivo éode que as relações entre o organismo e
o meio são relações de troca, pelas quais o orga-
nismo adapta-se ao meio e, ao mesmo tempo, o
assimila, de acordo com suas estruturas, num pro-
cesso de equilibrações sucessivas. Determinar as
contribuições das atividades do indivíduo e das
restrições do ambiente na aquisição do conheci-
mento foi o foco do seu trabalho experimental. No período de 1921
a 1925, Piaget concentrou-se na coleta de dados que permitissem
esboçar os princípios e os fundamentos de sua teoria do
conhecimento. Abordou temas gerais, como a relação entre
pensamento e linguagem (1923), o desenvolvimento, na criança,
do julgamento e do raciocínio (1924), da representação do mundo
(1926), da causalidade física (1927) e do julgamento moral
(1927). Esses estudos foram retomados, revistos e aprofundados
ao longo das décadas seguintes.
No período de 1925 a 1931, com o nascimento de seus três
filhos, Piaget dedicou-se à observação meticulosa do desenvolvi-
mento dos bebês, elaborando análises sobre a construção do real
e o desenvolvimento da inteligência.
Na década de 30, ajudado por seus colaboradores, concentrou a
pesquisa na gênese das noções de quantidade, número, tempo,
espaço, velocidade, movimento, mensuração, lógica e probabili-
dade. Na década de 40, abordou o desenvolvimento da percepção.
A partir dos anos 50, Piaget voltou-se para a sistematização
teórica da epistemologia genética, deixando a seus colaboradores
os estudos em psicologia. Em 1955 fundou o Centro Internacional
de Epistemologia Genética, onde reuniu cientistas de diferentes
áreas (matemáticos, biólogos, psicólogos, lógicos) interessados
em pesquisar problemas epistemológicos.
Na década de 70, já trabalhando exclusivamente nas pesquisas do
Centro de Epistemologia, Piaget dedicou-se à investigação dos
mecanismos de transição que impulsionam e explicam a evolução do
desenvolvimento cognitivo.
Sua vasta produção é um marco de enorme importância para a
psicologia e para os estudos do homem no século XX.

Procurando compreender como o homem elabora o conhecimento, Piaget


desenvolveu o que chamou de psicologia genética. A palavra genética, que
ele próprio aplicou à sua psicologia, refere-se à busca das origens e dos
processos de formação do pensamento e do conhecimento.
A infância é considerada como um período particular do processo de
formação do pensamento, que só se completa na idade adulta. É importante,
então, não confundir as contribuições dadas por Piaget à compreensão do
desenvolvimento cognitivo da criança com uma "psicologia da criança". Ele
não se dedicou a estudar o pensamento infantil motivado por um interesse pela
infância em si e também não elaborou» sua psicologia genética movido pelo
interesse por questões propriamente psicológicas. O centro de seu trabalho e de
todos os seus estudos é o desenvolvimento do conhecimento.
A formação de Piaget em Ciências Naturais levou-o a buscar compreender
o conhecimento com base na biologia. Fm sua concepção conhecer é organizar,
estruturar e explicar a realidade a partir daquilo que se vivência nas experiências
com os objetos do conhecimento. >
No entanto, experiência não é a meuma rniga qnp conhecimento. Este
Diessupõe a organização da experiência num sistema de relações. Por
exemplo, "a humanidade atravessou alguns milênios sem perceber a
rela-çãoentre~vida e calor do sol; conhecer algo a respeito do calor solar seria
inserir o calor sentido na pele num sistema de relações que permite
compreendê-lo como condição de existência da vida" (Chiarottino, 1988).

Conhecimento e adaptação: os processos de


assimilação e acomodação
Mas como se dá a inserção de um objeto desconhecimento num sistema
de relações? Segundo Piaget, isso ocorre fundamentalmente Por meio da ação
do indivíduo sobre o objeto. Ao agir sobre o meio, o indivíduo incoxparaasi
elementos que pertencem ao meio. Através des-^Ê-Efpcesso de incorporação,
chamado por Piaget de assimilação, as coisas e os fatos do meio são inseridos
em um sistema de relações e adquirem significação para o indivíduo.
Ao ler estas páginas, por exemplo, você está assimilando o que está
escrito (objeto de conhecimento), conforme vai estabelecendo relações
c
°m as idéias e os conhecimentos que já possui. As idéias e os conceitos
do texto são organizados e estruturados a partir do que você já conhece.

.
Só assim o texto tem algum sentido para você.
Mas, ao mesmo tempo que as idéias e os conceitos do texto são
incorporados ao sistema de idéias e conceitos que você possui, essas
idéias e conceitos já existentes são modificados por aquilo que você leu
(assimilou). Esse processo de modificação que se opera nas estruturas
de pensamento do indivíduo é chamado por Piaget de acomodação.
Tal modo de conceber o funcionamento cognitivo é decorrente do
modelo biológico em que Piaget se baseou. Segundo esse modelo, a
inteligência é um caso particular de adaptação biológica. Um organis-
mo adaptado ao meio é aquele que mantém um equilíbrio em suas tro-
cas com o meio. Ou seja, é aquele que interage com o ambiente manten-
do um equilíbrio entre suas necessidades de sobrevivência e as dificul-
dades e restrições impostas pelo meio. Essa adaptação torna-se possível
graças aos processos de assimilação e de acomodação (que, juntos,
constituem o mecanismo adaptativo), comum a todos os seres vivos.
Assim, a inteligência é assimilação por permitir ao indivíduo incor-
porar os dados da experiência. É também acomodação, pois os novos
dados incorporados acabam por produzir modificações no funciona-
mento cognitivo da pessoa. Logo, "a adaptação intelectual, como qual-
quer adaptação, é exatamente o equilíbrio progressivo entre o mecanis-
mo assimilador e a acomodação complementar" (Azenha, 1994: 26JT
Segundo Piaget, Ao mesmo tempo que, por meio do processo de assimilação/acomoda-
os reflexos, como ção, o indivíduo adapta-se ao meio (elaborando seu conhecimento sobre
o de preensão,
possibilitam ao ele), o seu próprio funcionamento cognitivo vai se estruturando, se organi-
bebê lidar com zando. Uma das primeiras formas de organização cognitiva é o esquema.
elementos do
ambiente,
assimilando-os. A noção de esquema
A criança, ao nascer, é dotada de reflexos que são
reações automáticas desencadeadas por certos estímu1-los.
Esses reflexos (como o de sucção e o de preensão)
possibilitam ao bebê lidar com o ambiente. É através
deles que elementos do meio ambiente (como a chupeta, o
seio materno, a mamadeira, o patinho de borracha, etc.)
vão sendo assimilados pela criança. A assimilação, como
vimos, provoca uma transformação dos reflexos, que
gradativamente vão se diferenciando e se tornando mais
complexos e flexíveis, deixando de ser simples respostas
estereotipadas a estímulos determinados. Esse processo
dá origem a esquemas de ação, tais como pegar, puxar,
sugar, empurrar, etc.
Para entender o que é um esquema de ação, pensemos
no esquema de preensão. Um bebê pode pegar; por
exemplo, um pequeno cubo de madeira, uma boi a mamadeira ou o dedo
de alguém. Relativamente a cada um desses objetos, a ação de pegar
apresenta pe quenas diferenças quanto aos movimentos que a criança
46 realiza. No entanto, em todas essas situações a ação da criança apresenta
determina-
das características que permitem chamá-la de pegar e que a diferenciam He
outras ações, como puxar, balançar ou empurrar. O esquema de ação t
A organização do
justamente, o que é generalizável em uma ação, o que permite reconhecê-la e real, por meio da
diferenciá-la de outras ações, independentemente do objeto a que se aplica. ação, marca o
É por meio dos es- È j início do
quemas de ação que a criança
começa a conhecer a
realidade, assi-milando-a e
atribuindo-lhe
significações. Quando pega
a mamadeira, ela a
relaciona a seu esquema
"pegar" e atribui-lhe o
sentido de um objeto "que
se pega". Mas a criança
também aplica à mamadeira
o esquema "sugar". Essas
assimilações provocam
transformações nos
esquemas
"pegar" e "sugar", à medida que eles são acomodados ao objeto mamadeira. desenvolvimento
Os esquemas "pegar" e "sugar" acabam então por se coordenar. cognitivo da
Vê-se que, mediante sucessivas assimilações e acomodações, o bebê vai criança.
conhecendo os objetos de seu mundo imediato. Eles são organizados em
objetos "para olhar", "para pegar", "para sugar", "para empurrar", "para
morder", "para olhar e pegar", "para pegar e sugar", "para pegar e morder", e
assim por diante.
A organização do real por meio da ação marca o início do desenvolvi-
mento cognitivo da criança. De acordo com Piaget, os esquemas de ação
ampliam-se, coordenam-se entre si, diferenciam-se e acabam por se
interiorizar, transformando-se em esquemas mentais e dando origem ao
pensamento. Esse desenvolvimento contínuo dos esquemas se dá no sentido
de uma adaptação cada vez mais complexa e diferenciada à realidade.

A noção de equilibração
O processo de desenvolvimento depende, na perspectiva piage-üana, de
fatores internos ligados à maturação, da experiência adquirida P ela criança em
seu contato com o ambiente e, principalmente, de um Processo de
auto-regulação que ele denomina equilibração.
Para Piaget, a equilibração é uma propriedade intrínseca e constj-
*tMtiva da vida mental. Por meio dela é que se mantém um estado de
RUüíbrio ou de adaptação em relação ao meio, Toda vez que, em nossa
re
lação com o meio, surgem conflitos, contradições ou outros tipos de
dificuldade, nossa capacidade de auto-regulação ou equilibração entra
em ação, no sentido de superá-los. Quando, por exemplo, um bebê tenta
pegar um objeto pendurado sobre o berço, o objeto pode oferecer algu-
ma resistência a seu esquema de pegar, que, em desequilíbrio, obriga-o
a modificá-lo ou a coordená-lo com outro esquema, como o de puxar.
Essa atividade da criança a acomodação ou coordenação de seus
esquemas de ação é desencadeada graças à sua capacidade de
auto-regulação, com o objetivo de compensar a resistência oferecida
pelo objeto e alcançar um novo estado de equilíbrio.
Quando falamos em alcançar um novo estado de equilíbrio, quere-
mos destacar que o processo de equilibração não consiste numa volta ao
estado anterior, mas leva a um estado superior em relação ao inicial. No
caso de nosso exemplo, o fato de a criança não conseguir pegar o objeto
já indica que seus esquemas precisam ser aperfeiçoados. A
reequilibra-ção, por meio da acomodação ou da coordenação de seus
esquemas, implica uma ultrapassagem da situação anterior, uma
abertura para novas possibilidades de ação.

A concepção sobre estágios de desenvolvimento


Poderíamos dizer, então, que o desenvolvimento, na concepçãg
piagetiana, é fundamentalmente um processo de equilibrações sucessl^ vas
que conduzem a maneiras de agir e de pensar cada vez mais comple- . xas e
elaboradas. Esse processo apresenta períodos ou estágios definidos-,"V
caracterizados pelo surgimento de novas formas de organização mental.
Os estágios se sucedem numa ordem fixa de desenvolvimento, sendo um
estágio sempre integrado ao seguinte. Além disso, cada estágio se caracteriza
por uma maneira típica de agir e de pensar e constitui uma forma particular de
equilíbrio em relação ao meio. A passagem de um estágio a outro se dá
através de uma equilibração cada vez mais completa. Ou seja, a criança passa
de um estágio a outro de seu desenvolvimento cognitivo s*^ quando seus
modos de agir e pensar mostram-se insuficientes ou inade-i*»J quados para
enfrentar os novos problemas que surgem em sua relaçãa^^ com o meio.
Essa insuficiência é compensada pela atividade da criança, que acaba por
engendrar modos mais elaborados de ação e pensamento.
O modelo de desenvolvimento cognitivo de Piaget destaca quatro
períodos principais: o sensório-motor (do nascimento até aproximadamente
os 2 anos de idade), o pré-operatório (dos 2 aos 7 anos), o operatório concreto
(dos 7 aos 11 anos) e o operatório formal (dos 11 aos 15 anos).

Os estágios do desenvolvimento cognitivo

O período sensório-motor

48 O desenvolvimento cognitivo se inicia a partir dos reflexos que gra-


_ dualmente se transformam em esquemas de ação. Do nascimento até
os 2
n0s de idade, aproximadamente, a criança passa do nível neonatal, marcado
pel° funcionamento dos reflexos inatos, para outro em que ela já é capaz de
uma organização perceptiva e motora dos fenômenos do meio. A criança repete
De início, reflexos inatos respondem aos estímulos do meio. Luz, sons, seus atos, devido
contrações faciais. A cabeça volta-se para a direção de onde vêm oS sons. a seus efeitos
interessantes,
Calor, frio, fome, cheiros, choros... O corpo reflete o mundo e ainda não se
que ganham
diferencia dele. intencionalidade.
A criança age sobre o mundo. Ela repetidamente chupa o dedo, suga a
pontinha da manga da roupa: movimentos não intencionais, centralizados no
seu próprio corpo, se repetem sempre. O reflexo inato de sugar assimila,
incorpora novos elementos do meio (o dedo, a roupa) e a0 mesmo tempo vai
sendo transformado por eles (acomodação), pois sugar o seio é diferente de
chupar o dedo, que também é diferente de sugar a própria roupa.
"Para conhecer os objetos, o sujeito tem que agir sobre eles e, por
conseguinte, transformá-los: tem que deslocá-los, agrupá-los, combiná-los,
separá-los e juntá-los", afirma Piaget (1983: 14). A consciência da criança
sobre o meio externo se expande lentamente, | conforme suas ações se 49
deslo- | cam de seu próprio corpo para | os objetos. A mão agarra, ache-
| ga o objeto ao corpo, à boca que
experimenta, empurra-o para longe de
si. As pernas agitam-se em es^emeios.
Puxar, empurrar, contrair, distender,
apanhar, largar, juntar, espalhar, apertar,
f]g| afrouxar, são ações que também se
repetem. Os olhos acompanham os
movimentos.
O centro não é mais o corpo da criança,
já que por intermédio dessas ações a criança
manipula os elementos do meio. As
ações"agora são repetidas devido aos efeitos
interessantes que produzem, analisa Piaget.
Aos poucos, meios e fins vão sendo diferenciados e as ações começam a
ganhar intencionalidade. A descoberta casual de que a argola agarrada Produz
movimentos e sons num brinquedo suspenso acima do berço leva a criança a
repetir o movimento. Ela age para atingir um propósito. Os movimentos
ficam mais complexos, mais amplos, como engatinhar, Pôr-se de pé, andar.
Nesse percurso o eu e o mundo tornam-se progressivamente distintos. O
indivíduo e os objetos diferenciam-se e organizam-se no plano das ações
exteriores, e a permanência dos objetos vai sendo c°nstruída. O brinquedo,
que ao ser retirado da criança deixava de e*istir para ela, passa a ser
procurado. A criança começa a perceber ^e os objetos, as pessoas, continuam
existindo mesmo quando estão ÍOra do seu campo de visão.
Formam-se as primeiras imagens mentais dos objetos ausentes do
meio imediato. São elas que possibilitam o desenvolvimento da função
simbólica, mecanismo comum aos diferentes sistemas de representação
(jogo, imitação, imagens interiores, simbolização). Com o desenvolvi-
mento da função simbólica, a partir do segundo ano de vida, o eu e o
mundo reorganizam-se num novo plano: o plano representativo.
A criança reproduz, ou imita, utilizando gestos ou onomatopéias, o
comportamento e os sons de um modelo ausente, representando-o de
alguma forma simbólica no jogo do faz-de-conta. Por meio de uma ima-
gem mental, um símbolo, começa a imaginar fatos, objetos, pessoas,
acontecimentos que ocorreram em outras ocasiões, procurando re-
lembrá-los. O espaço e o tempo se ampliam, à medida que o desenvol-
vimento da função simbólica a libera de agir somente em situações do
meio imediato. Ela torna-se capaz de imaginar ações ou fatos sem
praticá-los efetivamente.

O período pré-operatório

Representando mentalmente o mundo externo e suas próprias


ações, a criança os interioriza. E nesse período que ela se torna capaz de
tratar os objetos como símbolos de outras coisas. O desenvolvimento da
representação cria as condições para a aquisição da linguagem, pois a
capacidade de construir símbolos possibilita a aquisição dos significa-
dos sociais (das palavras) existentes no contexto em que ela vive.
Nesse momento, a criança deverá reconstruir no plano da repre-
sentação aquilo que já havia conquistado no plano da ação prática.
Assim, a diferenciação entre o eu e o mundo, que já tinha se completa-
do no plano da ação, deverá ser elaborada no plano da representação.
Centrada no seu próprio ponto de vista, a criança ainda não é capaz de
se colocar no lugar do outro nem de avaliar seu próprio pensamento.
Ela não considera mais de um aspecto de um problema ao mesmo tem-
po, fixando-se sempre em apenas um deles.
Ao repartir o refrigerante com o irmão, a criança só considera a
partilha justa se o líquido ficar em altura igual nos dois copos, mesmo
que um deles seja visivelmente mais estreito. Ela considera apenas uma
dimensão do problema (a altura do líquido no copo), a mais evidente em
termos perceptivos. Não é ainda capaz de raciocinar levando em conta
as relações entre as várias dimensões envolvidas (a largura e o formato
do copo), e o tipo de percepção que tem dos objetos determina o tipo de
raciocínio que faz sobre eles.
Nas explicações que dá, o seu ponto de vista prevalece sobre as
relações lógicas. Ela diz coisas como "Ficou de noite porque o sol foi
dormir", "Quem fez aquele rio foram os homens que moravam ali".
Ações humanas explicam os fenômenos naturais, elementos da nature-
za praticam ações humanas, são dotados de intencionalidade e quali-
dades humanas.
Como a noção de permanência dos objetos, que leva muito tempo ra Ser
elaborada no nível sensório-motor, os processos de raciocínio lógico e
os conceitos demoram também um longo tempo para se desenvolver, a
partir desses primeiros raciocínios (pré-lógicos) de que a criança se
torna capaz com a representação.
Ao final do
período
O período das operações concretas pré-operatório, o
pensamento da
É apenas ao final do período pré-operatório, após equilibrações criança começa a
assumir a forma
sucessivas, que o pensamento da criança assume a forma de operações de operações
intelectuais. As operações são ações mentais voltadas para a cons intelectuais.
tatação e a explicação. A classificação e a seriação, por exemplo, são
ações mentais. Essas ações
são sempre reversíveis, ou T
seja, têm a propriedade de
voltar ao ponto de partida. *-
A criança torna-se capaz
de compreender o ponto de
vista de outra pessoa e de
conceitualizar algumas rela
ções. Portanto, é nessa fase
que são estabelecidas as bases
para o pensamento lógico, >
próprio do período final do de
senvolvimento cognitivo. J

HOJE A PROFESSORA V kAANDOU VÁRIOS ALUNOS


ENSINOU QUE DOIS MAS AO QUADRO-NEGRO PARA
DOIS SÃO QUATROÍ , SO^^ARE^V DOIS MAIS <
DOIS IGUAL A QUATRO. )

F
onte: Nossas crianças. Abril Cultural, 1970. v. 4.

A reversibilidade do pensamento possibilita à criança construir


noções de conservação de massa, volume, etc. O pensamento reversível
pode ser definido como a capacidade de levar em consideração uma
série de operações que, revertidas, conduzem ao estado inicial. E o que
ocorre, por exemplo, com a noção de conservação de líquidos: uma
cr
iança, num nível operatório, é capaz de compreender que a quantidade
de refrigerante contida em um copo permanece a mesma quando
despejada em outro mais alto e mais estreito, embora o nível do líquido
s
e torne mais elevado. Essa capacidade está relacionada à possibilidade
51
de ela representar mentalmente a operação inversa o líquido
retornando ao copo original e, desse modo, compreender que a quan-
tidade se mantém invariável, a despeito das alterações perceptíveis. As-
sim, se for repartir o refrigerante com o irmão, despejando-o em dois
copos de formatos diferentes, essa criança terá condições (diferente-
mente de uma criança menor) de considerar as múltiplas dimensões en-
volvidas no problema, estabelecendo relações entre altura e largura do
copo e quantidade de líquido.
Assim, por meio das operações inicialmente só aplicáveis a ob-
jetos concretos e presentes no ambiente os conhecimentos cons-
truídos anteriormente pela criança vão se transformando em conceitos.

O período das operações formais

Apenas na adolescência é que o indivíduo se torna capaz de pensar


abstratamente, refletindo sobre situações hipotéticas de maneira lógica.
As operações mentais que aplicava só a objetos podem ser aplicadas,
agora, também a hipóteses formuladas em palavras.
O pensamento sobre possibilidades, sobre acontecimentos futuros,
sobre conceitos abstratos apresenta-se cada vez mais articulado. O adoles-
cente não tem mais necessidade de estar diante dos objetos concretos ou de
operar sobre eles para relacioná-los. Ele transforma os dados da experiên-
cia em formulações organizadas e desenvolve conexões lógicas entre elas.
O adolescente torna-se, enfim, capaz de pensar sobre o seu próprio
pensamento, ficando cada vez mais consciente das operações mentais
que realiza ou que pode ou deve realizar diante dos mais variados pro-
blemas. Essa consciência a propósito do próprio pensamento "pode ser
presumida pelo seguinte tipo, muito citado, de perguntas de adolescen- >
tes: 'Eu me surpreendi pensando acerca do meu futuro e então comecei
a pensar por que estava pensando no futuro, e aí comecei a pensar por
que eu estava pensando sobre por que eu estava pensando no meu futu-
ro'" (Evans, 1980: 116).
pesquisando a criança: o método clínico
Em 1919, trabalhando com Simon na padronização dos testes de
inteligência, Piaget voltou sua atenção para as respostas tidas como er-
radas dadas pelas crianças que participavam dos testes. Começou a se
preocupar com quais seriam as razões das falhas das crianças em com-
preender determinadas coisas, com qual seria o tipo de raciocínio implí-
cito em suas respostas.
Indagando-se sobre os processos de pensamento que estariam por
trás das respostas erradas, Piaget desenvolveu um "método de obser-
vação que consiste em deixar a criança falar, anotando-se a maneira
pela qual ela desenvolve o seu pensamento. A novidade consiste em
deixar a criança falar, seguindo suas respostas: guiada por elas, a crian-
ça é encorajada a falar cada vez mais livremente. Dessa forma, é pos-
sível obter em cada domínio da inteligência um procedimento clínico
de exame que é análogo ao que os psiquiatras adotaram como meio
para a elaboração do diagnóstico. E a resposta da criança que deter-
mina parcialmente o próximo passo do experimentador" (Azenha,
1994: 105).
Piaget chamou esse tipo de procedimento de método clínico. Em
algumas investigações, a criança era incentivada a agir sobre objetos e
depois a falar sobre o que havia feito.
Uma das situações mais famosas utilizadas por Piaget começava
com duas bolas iguais feitas com massa de modelar. Pedia-se à criança
que as segurasse e perguntava-se se havia ou não a mesma quantidade
de massa nas duas bolas.
Quando a criança respondia afirmativamente, mudava-se a forma
de uma das bolas, passando-a para a forma de um^ salsicha, por
exemplo, e novamente se perguntava à criança se havia na salsicha a
mesma quantidade de massa que na bola. Algumas crianças diziam que
sim, explicando que havia a mesma quantidade porque se se fizesse de
novo uma bola, esta seria igual à primeira. Outras, mais novas, davam
explicações como "esta tem mais porque é mais comprida",
referindo-se à salsicha.
Por meio de situações desse tipo, Piaget procurava compreender a
maneira de pensar da criança em diferentes idades. Para ele, não inte-
ressava se a criança acertava ou errava ao responder, mas sim a maneira
como pensava no problema proposto. Seu objetivo era apreender o tipo
de operação mental que a criança realizava (no caso desse exemplo, ele
investigava as noções de conservação e a reversibilidade do pensamen-
to da criança).
Assim, com base nas pesquisas realizadas através do método
clíni-Co e também na observação direta de seus próprios filhos,
especialmen-te nos dezoito primeiros meses de vida, Piaget, auxiliado
por inúmeros colaboradores, foi gradativamente elaborando sua teoria
sobre o desenvolvimento cognitivo da criança.
Desenvolvimento, aprendizagem e educação: a
influência da abordagem piagetiana na escola
Vimos que, na concepção piagetiana, o desenvolvimento da crian-
ça é um processo que depende essencialmente da equilibração, que é a
capacidade natural de auto-regulação do indivíduo. As estruturas cog-
nitivas da criança são elaboradas e reelaboradas continuamente a partir
da sua ação (física ou mental) sobre o meio.
De acordo com esse quadro teórico, a aprendizagem praticamente
não interfere no curso do desenvolvimento. A ênfase nos processos
internos e na atividade construtiva da própria criança resulta em uma
concepção que considera a aprendizagem como dependente do pro-
cesso de desenvolvimento. Ou seja, aquilo que a criança pode ou não
aprender é determinado pelo nível de desenvolvimento de suas estru-
turas cognitivas.
Segundo Piaget, tudo o que é transmitido à criança sem que seja
compatível com seu estágio de desenvolvimento cognitivo não é de
fato incorporado por ela. A criança pode imitar mecânica e externa-
mente o adulto, mas não compreende (e, portanto, não conhece) o que
está fazendo.
As formulações de Piaget têm tido grande influência sobre a práti-
ca pedagógica, inclusive no Brasil. Ao destacarem o papel ativo da
criança no processo de elaboração do conhecimento, têm sido responsá-
veis por idéias como: o papel fundamental da escola é dar à criança
oportunidades de agir sobre os objetos de conhecimento; o professor
não deve ser aquele que transmite conhecimentos à criança, mas sim
um agente facilitador e desafiador, de seus processos de elaboração; a
criança é quem constrói o seu próprio conhecimento.
Sugestão de atividades
Organizando as informações do texto
i Abaixo estão relacionados os principais conceitos da teoria
pia-getiana. Dê o significado de cada um deles.
adaptação;
assimilação;
acomodação;
equilibração;
esquema;
estágio de desenvolvimento.
2. Sintetize as principais idéias de Piaget acerca do processo de desen-
volvimento.
3. Faça uma comparação, apontando as semelhanças e diferenças, entre
as maneiras como o desenvolvimento é visto pelas abordagens
pia-getiana, inatista-maturacionista e comportamentalista. Compare
sua resposta com as de seus colegas, num debate que envolva a classe
toda.

Refletindo sobre as informações do texto

Comente uma das afirmações abaixo:


"Pelo próprio fato de todo conhecimento ser, ao mesmo tempo,
acomodação ao objeto e assimilação do sujeito, o progresso da
inteligência (desenvolvimento psicológico) opera no duplo senti
do da exteriorização e da interiorização, e seus dois pólos serão o
domínio da experiência física e a conscientização do próprio fun
cionamento intelectual" (Piaget, A construção do real na criança).
' "Para conhecer os objetos, o sujeito tem que agir sobre eles e, por con-
seguinte, transformá-los: tem que deslocá-los, agrupá-los,
combiná-los, separá-los e juntá-los. Nesse sentido, o conhecimento
não é nem uma cópia interior dos objetos ou acontecimentos do real,
nem o mero reflexo desses objetos e acontecimentos que se
imporiam ao sujeito. Ele é uma compreensão do real, construída a
partir de modos de ação do sujeito sobre o meio, dependendo dos dois
sujeito e objeto ao mesmo tempo" (Piaget, A epistemologia
genética).
"Cinqüenta anos de experiência ensinaram-nos que não existem
conhecimentos resultantes de um simples registro de observações, 55
sem uma estruturação devida às atividades do indivíduo. Mas,
tampouco, existem estruturas cognitivas a priori ou inatas: só o
funcionamento da inteligência é hereditário, e só gera estruturo
mediante uma organização de ações sucessivas, exercidas sobre os
objetos" (Piaget. Apud: Piatelli-Palmarini, Teorias da linguagem
teorias da aprendizagem).

Pesquisa de campo

Você já deve ter ouvido falar em construtivismo. Essa palavra, que


vem ganhando destaque entre os educadores brasileiros desde a década
de 70, origina-se na teoria piagetiana:
"Uma concepção construtivista da inteligência, como acentua
Piaget, incluiria a descrição e a explicação de como se constróem as
operações intelectuais e as estruturas da inteligência, que, mesmo
não determinadas por ocasião do nascimento, são gradativamente
elaboradas pela própria necessidade lógica" (Azenha, M. G.
Construtivismo: de Piaget a Emilia Ferreiro).
Converse com alguns professores da Ia. à 4* série e da pré-escola.
Pergunte-lhes como definem o construtivismo e o que pensam de sua
relação com a educação. Anote suas respostas.
Confronte as respostas dos professores com a definição acima. Ela-
bore, a partir desse confronto, três conclusões a respeito da relação en-
tre as teorias psicológicas e a prática dos professores.

Exercitando a análise

Retome os dados das entrevistas com pais e professores realizadas


ao final do estudo do segundo capítulo. Destaque agora nas respostas
dadas por pais e professores aspectos que as associam a uma visão pia-
getiana de desenvolvimento.

Sugestão de leituras

AZENHA, M. G. Construtivismo: de Piaget a Emilia Ferreiro. São Paulo:


Ática, 1994.
CASTRO, A. D. Piaget e a pré-escola. São Paulo: Pioneira, 1986.
EVANS, R. I. Jean Piaget: o homem e suas idéias. Rio de Janeiro:
Fo-rense-Universitária, 1980.
PIAGET, J., INHELDER, B. Psicologia da criança. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 1989.
RAMOZZI-CHIAROTTINO, Z. A teoria de Jean Piaget e a educação. In: PEN-
TEADO, W. A. P. Psicologia e ensino. São Paulo: Papelivros, 1986.

Filme recomendado

Os transformadores, documentário apresentado pela TV Cultura (epi-


sódio Piaget).
Capítulo 5

A abordagem
histórico-cultural
O interesse em explicar como se formaram, ao longo da história do L. S. Vygotsky.
homem, as características tipicamente humanas de seu comportamento
e como elas se desenvolvem em cada indivíduo constitui a base da abor-
dagem histórico-cultural em psicologia, desenvolvida por um grupo de
psicólogos soviéticos liderado por L. S. Vygotsky.
O princípio orientador da abordagem de Vygotsky
é a dimensão sócio-histórica do psiquismo. Segundo
esse princípio, tudo o que é especificamente huma-
A no e distingue o homem de outras espécies origi-
na-se de sua vida em sociedade. Seus modos de
perceber, de representar, de explicar e de atuar
sobre o meio, seus sentimentos em relação ao
mundo, ao outro e a si mesmo, enfim, seu fun- ,
cionamento psicológico, vão se constituindo |
nas suas relações sociais.
A criança, analisam Vygotsky e seus cola-
boradores, não nasce em um mundo "natural". Ela
nasce em um mundo humano. Começa sua vida em
meio a objetos e fenômenos criados pelas gerações
que a precederam e vai se apropriando deles
conforme se relaciona socialmente e parti cipa das
atividades e práticas culturais.
Desde o nascimento, a criança está em constante
interação com os adultos, que compartilham com ela seus
modos de viver, de fazer as coisas, de dizer e de pensar,
integrando-a aos significados que foram sendo produzidos e
acumulados historicamente. As atividades que ela realiza,
interpretadas pelos adultos, adquirem significado no sistema de
comportamento social do grupo a ^e pertence.
Nesse processo interativo, as reações naturais herdadas
biologi-camente de resposta aos estímulos do meio (tais como a
percepção, a Memória, as ações reflexas, as reações automáticas e as
associações
simples) entrelaçam-se aos processos cultu-
ralmente organizados e vão se transforman-
do em modos de ação, de relação e de repre-
sentação caracteristicamente humanos.
"Podemos dizer que cada indivíduo
aprende a ser homem", escreveu Leontiev
um dos psicólogos que integravam o grupo
de Vygotsky.
Assim, de acordo com a perspectiva
his-tórico-cultural, a relação entre o homem
e o meio físico e social não é natural, total e
diretamente determinada pela estimulação
ambiental. E também não é uma relação de
adaptação do organismo ao meio.
Questionando as teorias psicológicas
de seu tempo, entre as quais aquelas que se
apoiavam em modelos biológicos para expli-
car o desenvolvimento humano (como as
que já estudamos até aqui), Vygotsky desta-
cava que, diferentemente das outras espé-
cies, o homem, pelo trabalho, transforma o
meio produzindo cultura.

criança nasce em A transformação do biológico em histórico-cultural


um mundo
humano, Q uso jg instrumentos

Quando sente fome, um animal procura comida na natureza, e seu


comportamento, nesse caso, é orientado exclusivamente pelas suas pos-
sibilidades e características biológicas (um predador age diferentemen-
te de um herbívoro) e pelas resistências ou facilidades que o ambiente
lhe impõe (abundância ou escassez de alimento, por exemplo).
Já o homem cria instrumentos. Pode-se considerar instrumento
tudo aquilo que se interpõe entre o homem e o ambiente, ampliando e
modificando suas formas de ação. São instrumentos, por exemplo, a
enxada, a serra, o arado, as máquinas, usados no trabalho. Criados pelo
homem para lhe facilitarem a ação sobre a natureza (o arado, para arar a
terra; a serra, para cortar as árvores e transformá-las em madeira, etc),
os instrumentos acabam transformando o próprio comportamento hu-
mano, que deixa de ser uma ação direta sobre o meio, controlada apenas
pela relação entre as necessidades de sobrevivência e o ambiente. 0
instrumento amplia os modos de ação naturais do homem e seu alcance.
Assim, da mesma forma que atua sobre a natureza, transformando-a, o
homem atua sobre si próprio, transformando suas formas de agir.
Segundo a abordagem histórico-cultural, a relação entre homem e meio é
sempre mediada por produtos culturais humanos, como o instru-*^ mento
e o signo, e pelo "outro".
Quem foi Vygotsky?
Lev Semenovich Vygotsky nasceu em 1896 em Orsha, Bielo-Rússia,
e faleceu prematuramente, aos 38 anos, em 1934, vítima de tuberculose.
Concluiu seus estudos em Direito e Filologia na Universidade de
Moscou, em 1917. Posteriormente estudou Medicina. Lecionou
literatura e psicologia em Gomei, de 1917 a 1924, quando se mudou
novamente para Moscou, trabalhando, de início, no Instituto de
Psicologia e, mais tarde, no Instituto de Defectologia, por ele fundado.
Dirigiu, ainda, um Departamento de Educação para deficientes físicos e
retardados mentais. De 1925 a 1934, Vygotsky lecionou psicologia e
pedagogia em Moscou e Leningrado. Nessa ocasião, iniciou estudo
sobre a crise da psicologia, buscando uma alternativa dentro do
mate-rialismo dialético para o conflito entre as concepções idealista e
mecanicista. Tal estudo levou Vygotsky e seu grupo entre eles A. R.
Luria e A. N. Leontiev a propostas teóricas inovadoras sobre temas
como: relação entre pensamento e linguagem, natureza do processo de
desenvolvimento da criança e o papel da instrução no desenvolvimento.
Vygotsky foi ignorado no Ocidente e teve a publicação de suas
obras suspensa na União Soviética de 1936 a 1956. Hoje, no entanto, a
partir da divulgação feita, seu trabalho vem sendo profundamente
estudado e valorizado.
A morte prematura de Vygotsky interrompeu uma carreira
brilhante, da qual podemos resgatar hoje importantes contribuições. A
atualidade dos temas tratados por ele é o sinal mais evidente de que
estamos diante de uma obra da maior significação.
O fundamento básico de suas hipóteses de que os processos
psicológicos superiores humanos são mediados pela linguagem e
estruturados não em localizações anatômicas fixas no cérebro, mas em
sistemas funcionais, dinâmica e historicamente mutáveis, levou-o,
juntamente com Luria, por volta de 1930, a se interessar pelo fenômeno
da instalação, perda e recuperação de funções ao nível do sistema
nervoso central. Estes estudos foram continuados por Luria, após sua
morte.
(Extraído de Vygotsky, Luria, Leontiev. Linguagem, desenvol-
vimento e aprendizagem. São Paulo: Ícone/Edusp, 1988.)

O uso de signos
0 signo é comparado por Vygotsky ao instrumento e denominado por ele
"instrumento psicológico". Tudo o que é utilizado pelo homem P ara
representar, evocar ou tornar presente o que está ausente constitui Urn signo: a
palavra, o desenho, os símbolos (como a bandeira ou o ernblema de um time
de futebol), etc.
Enquanto o instrumento está orientado externamente, ou seja, para a
Codificação do ambiente, o signo é internamente orientado, modifi-Car|do o
funcionamento psicológico do homem.
Utilizamos os signos para desempe_
nhar diversas atividades. Anotar um
compromisso na agenda, fazer uma lista
de convidados, colocar rótulos em objetos,
usar palitos para fazer contas, contar uma
história, seguir uma partitura musical,
fazer a planta de uma construção são
formas de utilização de signos que'
ampliam nossas possibilidades de me-
mória, raciocínio, planejamento, imagi-
nação, etc.
De acordo com a concepção
históri-co-cultural, é importante
considerar que a utilização dos
instrumentos e dos signos não se limita à
experiência pessoal de um indivíduo.
Quando utilizamos um martelo, por
exemplo, estamos incorporando a nossas
ações as experiências das gerações pre-
cedentes, uma vez que o próprio martelo, o
modo de manipulá-lo e a finalidade de seu
uso nos são transmitidos nas nossas
relações com o outro. O acesso à escrita,
às notações musicais, às convenções gráficas e à palavra, por sua vez,
E através dos também se faz na interação com outras pessoas, sendo uma
signos que
realizamos
incorporação de experiências anteriores de determinado grupo cultural.
muitas de nossas No caso da linguagem, que é o sistema de signos mais importante para
ações. o homem, os significados das palavras são produto das relações
históricas entre os homens.

O papel do outro e a internalização


A apropriação dos instrumentos e dos signos pelo indivíduo ocorre
sempre na interação com o outro.
"O caminho do objeto até a criança e desta até o objeto passa atra-
vés de uma outra pessoa", escreveu Vygotsky. "Essa estrutura humana
complexa é o produto de um processo de desenvolvimento profunda-
mente enraizado nas ligações entre história individual e história social"
(1984: 37).
Desde o nascimento, a criança tem com o mundo uma relação
mediada pelo outro e pela linguagem. O adulto ensina a criança a utili-
zar os objetos ele agita o chocalho diante dela, ajuda-a a pegá-lo,
ensina-a a chutar a bola, a comer com talheres, a tomar banho, a
vestir-se, a falar ao telefone. O adulto aponta, nomeia, destaca, indica os
objetos do mundo para a criança, ao mesmo tempo que atribui
significações aos seus comportamentos. Quem já viu um adulto lidando
com um bebê, sabe que o adulto fala o tempo todo, dando nomes para os
60 objetos, dirigindo a atenção da criança e interpretando tudo o que ela
faz.
Aos poucos a criança aprende a falar e passa a utilizar a própria Im-
agem para regular suas ações, conferir sentido às coisas. Ela pode, ao A criança
gU
exer no botão da televisão, por exemplo, dizer "Não pode!". Ou, quan-I1 conhece o mundo
tropeça, falar "Caiu!". Ou, quando vê um prato de sopa, falar "Papá!". por meio de suas
É na sua relação com o outro que a criança vai se apropriando das relações com os
unificações socialmente construídas. Desse modo, é o grupo social J|e outros.
por meio da linguagem e das significações, possibilita o acesso a f
irmãs culturais de perceber e estruturar a realidade.
A partir de suas relações
com o outro, a criança
recons-trói internamente as
formas culturais de ação e
pensamento, assim como as
significações e os usos da
palavra que foram com ela
compartilhados. A esse processo
interno de reconstrução de uma
operação externa, Vygotsky dá o
nome de inter-nalização.
Na internalização, a ativi-
dade interpessoal transforma-se
para constituir o funcionamento
interno (intrapessoal) (Góes,
1991).
Desse modo, a abordagem histórico-cultural considera que toda
funçãr/psicológica se desenvolve em dois planos: primeiro, no da rela-
ção entre indivíduos e, depois, no próprio indivíduo. O processo de de-
senvolvimento vai do social para o individual, ou seja, as nossas manei-
ras de pensar e agir são resultado da apropriação de formas culturais de
ação e de pensamento.
Logo, para Vygotsky as origens e as explicações do funcionamento
psicológico do homem devem ser buscadas nas interações sociais. É aí
que o indivíduo tem acesso aos instrumentos e aos sistemas de signos
que possibilitam o desenvolvimento de formas culturais de atividade e
permitem estruturar a realidade e o próprio pensamento.

Pesquisando a criança: o papel do signo no


desenvolvimento
Ao estudar o desenvolvimento da criança, as patologias e a defi-
ciência mental, Vygotsky baseou-se em observações e experimentação
e
m situações variadas. Ele defendia a idéia de que o trabalho experi-
mental não devia limitar-se a modelos de laboratório divorciados das
atuações naturais da vida, podendo ser realizado em situações de brin-
cadeira, de aprendizado, nas conversações informais, na escola, na fa-
mília ou em um ambiente clínico.
Nas situações experimentais por ele criadas, seu objetivo fundamental
era o de estudar o processo de constituição da atividade mediada. Ou seja,
para Vygotsky interessava investigar os modos como a criança utilizava os
signos para executar tarefas envolvendo, por exemplo, a atenção a memória, a
percepção; os modos de participação do outro na resolução dessas tarefas; e os
modos como a própria situação estimuladora ia sendo ativamente modificada
no processo de resposta a ela.
Nessas condições, os dados fundamentais do experimento não eram as
respostas dadas pelas crianças, e sim os modos pelos quais elas chegavam às
respostas e as condições em que elas as elaboravam. Assim, as questões
centrais a que o experimentador voltava sua atenção eram: O que a criança
está fazendo? Como ela tenta satisfazer às exigências da tarefa que lhe foi
proposta? De que recursos lança mão? Que tipo de ajuda solicita, e a quem? O
que é um obstáculo, uma dificuldade para ela na situação? Como ela utiliza as
pistas e as ajudas que lhe são oferecidas durante a realização da atividade
experimental?
Nos estudos desenvolvidos por Vygotsky e seu grupo, o observador
desempenhava um papel diferente do exercido nos outros estudos que vimos
até aqui. Como mediador da elaboração da criança, o experimentador era mais
que um mero observador. Sua participação constituía um dos dados da
pesquisa. Ele interagia com a criança, falando com ela, acolhendo suas
dúvidas e comentários, propondo a ela caminhos alternativos para a solução
da situação-problema, oferecendo-lhe, inclusive, materiais que pudessem ser
utilizados de modos diversos para o cumprimento da tarefa. Ele também
conversava com a criança sobre as soluções encontradas, procurando ouvir
dela própria a explicação de como tinha chegado à solução das tarefas.
Um experimento desenvolvido por Leontiev para estudar o papel
desempenhado pelos signos mediadores no desenvolvimento da atenção
voluntária pode ilustrar a forma como trabalhava o grupo de pesquisa de
Vygotsky.
A atenção, assim como a percepção e a memória, é uma atividade
psicológica com a qual nascemos. Como o de outras espécies, nosso
organismo é dotado de mecanismos neurológicos inatos que permitem
selecionar estímulos do ambiente apropriados à sobrevivência. Nascemos com
mecanismos de atenção involuntária, que nos permitem perceber e responder
automaticamente a ruídos fortes, objetos em movimento e mudanças bruscas
do ambiente.
No entanto, ao longo de nosso desenvolvimento, tornamo-nos cat pazes
de dirigir a atenção não só para os estímulos ligados a nossa sobrevivência,
mas também para situações ou elementos que nos interessam. Por exemplo, ao
lermos determinado livro, dizemos que ele "prende nossa atenção", quando
somos capazes de ignorar, durante a leitura, os ruídos do ambiente ou o
movimento das pessoas em torno de nós. E, na escola, uma criança pode
permanecer alheia a tudo o que a professora está explicando ou escrevendo na
lousa, a despeito da sua movimentação pela classe, do som da sua voz ou do
fato de ser diretamente solicitada a prestar atenção.
Ao dirigirmos deliberadamente nossa atenção para estímulos do
meio que consideramos relevantes, transformamos aquele mecanismo
biológico de atenção involuntária em um mecanismo de atenção volun-
tária, em uma atividade psicológica controlada por nós mesmos. Essa
transformação, segundo Vygotsky, está relacionada ao significado dos
estímulos, o qual vai sendo produzido em nossas relações sociais e nas
nráticas culturais dos grupos a que pertencemos.
Assim, para estudar como um elemento auxiliar externo pode con-
trolar e direcionar a atenção da criança, Leontiev utilizou um jogo in-
fantil tradicional na Europa, o das palavras proibidas, equivalente ao
nosso jogo do "sim, não e porquê".
O pesquisador participava do jogo fazendo perguntas às crianças,
que deveriam responder sem utilizar determinadas palavras, como, por
exemplo, azul e vermelho.
Num primeiro momento, o pesquisador formulava perguntas como
"Qual a cor de sua blusa?", "Qual a cor do céu?", "Qual a cor da
maçã?", e as crianças respondiam a elas. Num segundo momento, ele
fazia as mesmas perguntas mas entregava às crianças cartões coloridos
que elas poderiam utilizar, se quisessem e como quisessem.
Com a introdução dos cartões (como recurso auxiliar para a execu-
ção da tarefa), procurava-se verificar se as crianças os utilizavam ou
não como suportes para sua atenção e memória e de que modos o fa-
ziam. Algumas crianças não utilizavam os cartões, outras separavam os
que apresentavam as cores proibidas e os consultavam antes de respon-
der à pergunta, cometendo assim um número menor de erros.
Ej>se resultado foi interpretado como um indicador de que elemen-
tos mediadores externos, os cartões, incorporados à atividade da crian-
ça, ampliavam sua capacidade de atenção e memória, possibilitando a
ela ter maior controle voluntário de sua própria atividade.

Desenvolvimento, aprendizagem e educação: a influência


da abordagem histórico-cultural na escola
Como vimos, o desenvolvimento é entendido por Vygotsky como
um processo de internalização de modos culturais de pensar e agir. Esse
processo de internalização inicia-se nas relações sociais, nas quais os
adultos ou as crianças mais velhas, por meio da linguagem, do jogo, do
razer junto" ou do "fazer para", compartilham com a criança seus sis-
temas de pensamento e ação.
Embora aponte diferenças entre aprendizado e desenvolvimento,
Vv
gotsky considera que esses dois processos caminham juntos desde o
Primeiro dia da vida da criança e que o primeiro o aprendizado
suscita e impulsiona o segundo o desenvolvimento. Ou seja, tudo
^auilo qUe a criança aprende com o adulto ou com outra criança mais
'e'ha vai sendo elaborado por ela, vai se incorporando a ela, transfor-
mando seus modos de agir e pensar.
Assim, segundo Vygotsky, o conhecimento do mundo passa pelo
outro, sendo a educação "o traço distintivo fundamental da história do
pequeno ser humano. A educação pode ser definida como sendo o de
senvolvimento artificial da criança. Ela é o controle artificial dos pro-
cessos de desenvolvimento natural. A educação faz mais do que exercer
influência sobre um certo número de processos evolutivos: ela
rees-trutura de modo fundamental todas as funções do comportamento"
(1985: 45).
Os processos de aprendizado transformam-se em processos de de-
senvolvimento, modificando os mecanismos biológicos da espécie.
Sendo um processo constituído culturalmente, o desenvolvimento psi-
cológico depende das condições sociais em que é produzido, dos modos
como as relações sociais cotidianas são organizadas e vividas e do aces-
so às práticas culturais.
Em razão de privilegiar o aprendizado e as suas condições sociais
de produção no processo de desenvolvimento, Vygotsky colocou em
discussão os indicadores de desenvolvimento utilizados pela psicologia
da época.
Para avaliar o desenvolvimento de uma criança, os psicólogos con-
sideravam apenas as tarefas e as atividades que ela era capaz de realizar
sozinha, sem a ajuda de outras pessoas. Procedendo assim, os psicólo-
gos, segundo Vygotsky, apreendiam apenas seu nível de desenvolvi-
mento real, isto é, "o nível de desenvolvimento das funções mentais da
criança que se estabeleceram como resultado de certos ciclos de deserP
volvimento já completados"- (Vygotsky, 1984).
Ao considerarem apenas o desenvolvimento real, problematizava
Vygotsky, os psicólogos voltavam-se para o passado da criança. Ou
seja, apreendiam processos de desenvolvimento já concluídos.
No entanto, destacava ele, nas situações de vida diária e mesmo na
escola, era possível perceber que as atividades que a criança realizava
sozinha, por exemplo, comer com a colher, amarrar os sapatos, montar
uma torre com peças de tamanhos diversos, escrever, foram antes com-
partilhadas com outras pessoas.
Sua proposta, então, era a de que se trabalhasse também com os
indicadores de desenvolvimento proximal, que revelariam os modos de
agir e de pensar ainda em elaboração e que requerem a ajuda do outro
para serem realizados. Os indicadores do desenvolvimento proximal
seriam as soluções que a criança consegue atingir com a orientação e a
colaboração de um adulto ou de outra criança.
Segundo sua análise, o aprendizado (a atividade interpessoal) pre-
cede e impulsiona o desenvolvimento, criando zonas de desenvolvi-
mento proximal, ou seja, processos de elaboração compartilhada.
Observar a atividade compartilhada da criança possibilita olhar
para o seu futuro, pois "o que é o desenvolvimento proximal hoje será o
nível de desenvolvimento real amanhã ou seja, aquilo que a criança é
capaz de fazer com assistência hoje ela será capaz de fazer sozinha ama-
nhã" (Vygotsky, 1985).
Além disso, o desenvolvimento proximal como desenvolvimento
elaboração possibilita a participação do adulto no processo de 6
rendizagem da criança. Para consolidar e dominar autonomamente as
Yvidades e operações culturais, a criança necessita da mediação do 3 tr0
O mero contato da criança com os objetos de conhecimento ou ° esmo
sua imersão em ambientes informadores e estimuladores não "arante a
aprendizagem nem promove necessariamente o desenvolvimento, uma
vez que ela não tem, como indivíduo, instrumental para reanizar ou
recriar sozinha o processo cultural (Oliveira, 1995). Portanto, é no
campo do desenvolvimento em elaboração que a oarticipação do
adulto, como pai, professor, parceiro social, se faz necessária.
Conforme alertava Vygotsky, "o bom aprendizado é somente aquele
que se adianta ao desenvolvimento" (1984: 101).

O papel da escolarização
O modo como Vygotsky concebia e analisava o desenvolvimento
humano levou-o a discutir explicitamente o papel da escolarização. Di-
ferentemente de outros psicólogos, Vygotsky considerou as
espe-cificidades das relações de conhecimento produzidas na escola,
distin-guindo-as das relações de conhecimento cotidianas.
Em nossas sociedades, a escola é uma instituição encarregada de
possibilitar o contato sistemático e intenso das crianças com o sistema
de leitura e de escrita, com os sistemas de contagem e de mensuração,
com os conhecimentos acumulados e organizados pelas diversas disci-
plinas científicas, com os modos como esse tipo de conhecimento é
elaborado e com alguns dos variados instrumentos de que essas ciências
se utilizam (mapas, dicionários, réguas, transferidores, máquinas de
calcular, etc).

As relações de
conhecimento
travadas na
escola têm uma
natureza distinta
das demais.

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Embora chegue à escola já dominando inúmeros conhecimentos e
modos de funcionamento intelectual necessários à elaboração dos co-
nhecimentos científicos sistematizados, durante o processo de educa-
ção escolar a criança realiza a reelaboração desses conhecimentos me-
diante o estabelecimento de uma nova relação cognitiva com o mundo e
com o seu próprio pensamento.
O estudo da aritmética, por exemplo, não começa do zero. Ao che-
gar à escola a criança já passou por experiências anteriores relativas a
quantidades, determinação de tamanho, operações de divisão, adição etc.
O mesmo acontece quanto à escrita e às operações mentais utilizadas em
situações do cotidiano. Nas brincadeiras, nas tarefas da casa, nas compras
que faz para a mãe, a criança, imitando os mais velhos, "escreve",
classifica, compara, seria, estabelece relações entre os elementos de uma
situação, etc. Nessas situações, sem que ela própria e seus parceiros
sociais percebam, os conhecimentos vão sendo elaborados ao ritmo da
própria vida, entrelaçados às emoções, às necessidades e interesses

condições se modificam. Ali as relações de conhecimento são


intencionais e planejadas. A criança sabe que está ali para apropriar-se
de determinado tipo de conhecimentos e de modos de pensar e de
explicar o mundo, organizados segundo uma lógica que ela deverá
apreender.
Ç> A professora acompanha a criança: orienta sua atenção, destacan-
do elementos das situações em estudo considerados relevantes à com-
preensão dos conhecimentos nelas implicados; analisa as situações para
e com a criança e leva-a a comparar, classificar, estabelecer relações
lógicas; demonstra como usar determinados procedimentos da
matemática e da escrita; ensina a utilizar o mapa, os equipamentos de
laboratório, etc.
A criança, por sua vez, raciocina com a professora. Segue suas ex-
plicações e instruções, reproduz as operações lógicas realizadas por ela,
mesmo sem entendê-las completamente. Nessas situações compartilha-
das com a professora, a criança aprende significados, modos de agir e
de pensar, e começa a elaborá-los. Ela também re-significa e reestrutura
significados, modos de agir e de pensar, e começa a se dar conta das
atividades mentais que realiza e do conhecimento que está elaborando.
Nesse sentido, destaca Vygotsky, a educação escolarizada e o pro-
fessor têm um papel singular no desenvolvimento dos indivíduos.
Fazendo junto, demonstrando, fornecendo pistas, instruindo, dando
assistência, o professor interfere no desenvolvimento proximal de seus
alunos, contribuindo para a emergência de processos de elaboração e
de desenvolvimento que não ocorreriam espontaneamente.
A escola, possibilitando o contato sistemático e intenso dos indi-
víduos com os sistemas organizados de conhecimento e fornecendo a
eles instrumentos para elaborá-los, mediatiza seu processo de desen-
volvimento.

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