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2 – Maria entregou à sociedade empresária JL Veículos Usados um veículo Vectra, ano

2008, de sua propriedade, para ser vendido pelo valor de R$ 18.000,00. Restou acordado
que o veículo ficaria exposto na loja pelo prazo máximo de 30 dias. Considerando a
hipótese acima e as regras do contrato estimatório, responda, fundamentadamente, os
questionamentos abaixo:

a) O veículo pode ser objeto de penhora pelos credores da JL Veículos Usados,


mesmo que não pago integralmente o preço?
O veículo, objeto do contrato estimatório, não pode ser objeto de penhora ou sequestro
pelos credores da sociedade empresária, enquanto não pago integralmente o preço, sob
os moldes do art. 536 do CC. A intangibilidade da coisa consignada perpassa do fato de
o bem não pertencer ao consignatário, continuando o consignante com a propriedade do
bem que se acha em poder daquele. Nesse entendimento, não pode a coisa, passível de
ser restituída ao seu dono, ser objeto de constrição judicial pelos credores do
consignatário.
Imprescindível notar que, vencido o prazo, o adimplemento da obrigação do
consignatário é atendido pelo recolhimento do preço ajustado ou pela devolução da
coisa, casos em que, de nenhum modo, perfaz-se a translatividade do domínio a seu
favor. Ou a coisa retorna às mãos do proprietário consignante ou passa à propriedade do
terceiro que a adquiriu do consignatário. Mesmo que o consignatário não a devolva,
apropriando-se indevidamente da coisa consignada, a circunstância não autoriza a
penhora ou o sequestro, porquanto a coisa não é sua.

b) No caso de perda ou deterioração do veículo, a sociedade empresária JL Veículos


Usados pode se exonerar da obrigação de pagar o preço, se a restituição da coisa,
em sua integridade, se tornar impossível, ainda que por fato a ele não imputável?

O contrato estimatório tem natureza real, pois se aperfeiçoa com a entrega do objeto ao
consignatário. Nesse escopo, o art. 535 do CC, define expressamente a sujeição do
consignatário a uma obrigação: pagar o preço ou restituir a coisa consignada que ficou sob
sua posse por prazo certo, com o dever de conservá-la e no fim específico de venda a
terceiro. Assim, se vier a alienar a coisa, obriga-se ao pagamento ajustado, equivalendo à
alienação todo e qualquer evento que torne impossível restituí-la em sua integridade,
respondendo, de conseguinte, pela perda ou deterioração da coisa, mesmo que não der
causa.
Ou seja, o detentor do domínio da coisa – JL Veículos Usados - responderá pelo preço se
esta se perder ou deteriorar, mesmo em caso fortuito ou força maior. Desse modo, durante o
período em que a sociedade empresária estiver na posse da coisa, Maria poderá se valer das
ações necessárias à defesa de seu direito e para a conservação do bem.

c) Poderá Maria dispor do seu veículo enquanto perdurar o contrato estimatório,


com fundamento na manutenção da reserva do domínio e da posse indireta da
coisa?

Com fulcro no art. 537 do CC, estipula-se que, celebrado o contrato e aprimorada a tradição
da coisa ao consignatário, é defeso ao consignante dispor da coisa, a título gratuito ou
oneroso, a terceiros, fato que só poderá ocorrer após ela ter sido restituída findo o termo
ajustado. O artigo permite a disposição da coisa pelo consignante se feita a comunicação
formal de sua restituição pelo consignatário. Assim, não é essencial que a restituição do
bem efetivamente tenha ocorrido, bastando a comunicação de que não foi vendido pelo
consignatário que, em vista disso, fará a devolução do bem.

Na fluência do prazo da venda em consignação, tem a sociedade empresarial a


disponibilidade da coisa consignada para venda a terceiro; esse poder de vender a coisa
constitui elemento essencial da natureza do contrato. E obrigação de Maria, guardando na
execução do contrato os princípios de probidade e boa-fé, fazê-lo firme e valioso, não
dispondo, por isso mesmo, da coisa oferecida em consignação, enquanto não lhe for
restituída ou antes de lhe ser comunicada a restituição.

4 - Leandro decide realizar uma doação com a finalidade exclusiva de remunerar


serviços prestados voluntária e espontaneamente por Carmen em sua ONG
(Organização Não Governamental). Oferece, então, um pequeno imóvel residencial,
avaliado em R$ 100.000,00 (cem mil reais), por instrumento particular, oportunidade
na qual o doador fez questão de estipular uma obrigação: Carmen teria que realizar
benfeitorias específicas na casa, tais como a troca dos canos enferrujados, da fiação
deteriorada, bem como a finalização do acabamento das paredes, com a devida
pintura final. A donatária aceita os termos da doação e assina o documento particular,
imitindo-se na posse do bem e dando início às obras. Alguns dias depois, orientada por
um vizinho, reúne-se com o doador e decide formalizar a doação pela via de escritura
pública, no ofício competente, constando também cláusula de renúncia antecipada do
doador a pleitear a revogação da doação por ingratidão.

Dois anos depois, após sérios desentendimentos e ofensas públicas desferidas por
Carmen, esta é condenada, em processo cível, a indenizar Leandro ante a prática de
ato ilícito, qualificado como injúria grave. Leandro, então, propõe uma ação de
revogação da doação. Responda às seguintes indagações, fundamentadamente:

(a) Explique a diferença entre contrato de doação modal ou com encargo e doação
remuneratória.

Preliminarmente, faz-se mister a compreensão, em sentido amplo, do instituto “doação”.


Doação é o contrato pelo qual uma das partes transfere voluntariamente bens ou vantagens
de sua propriedade para patrimônio da outra, sem receber nada como contraprestação.
Trata-se de um ato de mera liberalidade. Para que a doação seja válida, seu objeto precisa
estar in commercio, ou seja, precisa ser comercializável como bens móveis, bens imóveis,
corpóreos ou incorpóreos, presentes ou futuros, direitos reais, vantagens patrimoniais de
qualquer espécie. Refere-se a prestação de dar coisa certa com conteúdo patrimonial.

No tocante as subespécies do instituto aludido, é possível diferenciá-las a partir da


conceituação de ambas. A doação modal ou com encargo, estipulada no art. 553 do CC, é a
doação em que o doador impõe ao donatário uma incumbência em seu benefício, em
proveito de terceiro ou do interesse geral. Ou seja, nesta modalidade a doação é gravada
com algum ônus. A doação remuneratória, por sua vez, é aquela feita em caráter de
retribuição por um serviço prestado pelo donatário, mas cuja prestação não pode ser
exigida, conforme o art. 564 do CC. Isto é, caracteriza-se pela gratificação do doador a
serviços prestados pelo donatário, como uma espécie de recompensa. Ademais, convém
ressaltar que a doação puramente remuneratória não é revogada por ingratidão.

(b) Está correta a inserção na escritura pública de cláusula de renúncia antecipada do


doador na hipótese de doação por ingratidão?

A inserção contratual da referida cláusula não condiz com o fundamento do art. 556 do CC
e, portanto, está incorreta. Nesse diapasão, o direito de revogar a doação é preceito que o
código elegeu como cogente, de ordem pública. Assim, a faculdade do exercício de direito
de o doador revogar a doação por ingratidão é irrenunciável por antecipação. A renúncia
prévia corresponderia conceder ao donatário carta ele para ele vulnerar o dever ético,
jurídico de corresponder, dignamente, à liberalidade do doador e, desse modo, não lhe ser
grato.
A renúncia posterior coabita tacitamente, diante dos atos da ingratidão, se o doador não
exercitar o direito no prazo prescricional, ou, de modo expresso, quando comunica ao
donatário o perdão concedido. Nula será a cláusula dispondo, de antemão, a renúncia desse
direito.

(c) Indique a razão pela qual a doação para Carmem não poderia ser revogada por
ingratidão.
O argumento que deve ser levado em consideração, em defesa de Carmen, seria afirmar
que não são passiveis de revogação as doações puramente remuneratórias, presente no
caso em comento e consubstanciada no art. 564, I do CC. As doações puramente
remuneratórias são aquelas que visam recompensar o donatário por favores ou serviços
prestados ao doador. Fundamenta-se na gratidão do doador pelas atitudes,
desinteressadamente, praticadas pelo donatário. Assim sendo, a doação remuneratória
corresponde, de certa forma, pagamento. É feita pelo doador objetivando recompensar o
donatário, por simples necessidade moral de compensá-lo pelos serviços ou favores
prestados. Graças a essa finalidade, impossível a revogação por ingratidão, uma vez que
a liberalidade se dirige a ação já cumprida pelo beneficiário.

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