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Universidade Federal de Minas Gerais

Escola de Engenharia
Departamento de Engenharia Mecânica

Análise do Arrasto em Esferas e Outros Corpos

Prática 2

Gustavo Ribeiro Pontes


Lucas Souza Assis
Aerodinâmica
Engenharia Aeroespacial, EA1
2022/2
Prof. Guilherme de Souza Papini

Belo Horizonte
21 de outubro de 2022
1 Introdução e Fundamentação Teórica
Inicialmente, abordaremos o cálculo do arrasto aerodinâmico e o fenômeno da
camada limite, que são os dois assuntos chave para o experimento desta prática.
O arrasto aerodinâmico se dá por duas ocorrências, sendo a primeira o arrasto de
pressão, que é consequência dos gradientes de pressão que existem devido à geometria do
corpo e às linhas de corrente, e a segunda o arrasto de fricção ou de atrito, que é devido às
forças viscosas existentes no contato do corpo com o escoamento. O arrasto aerodinâmico
tem sua resultante na mesma direção e sentido contrário à velocidade relativa do corpo
em relação ao vento. A força de arrasto em um corpo pode ser dada por:

1
D= · Cd · ρ · V 2 · A (1)
2
Onde D é o arrasto aerodinâmico, Cd é o coeficiente adimensional de arrasto, V
é a velocidade relativa do corpo em relação ao escoamento e A é a área de referência.
A camada limite é a região em que os efeitos viscosos são predominantes, ocor-
rendo a condição de não deslizamento, e a velocidade do escoamento é até 99% da ve-
locidade máxima, formando uma fina camada nas proximidades de um corpo. O com-
portamento da camada limite pode ser estudado a partir do número de Reynolds, que
representa a razão entre forças inerciais e forças viscosas. O número de Reynolds pode
ser dado por:

Forças Inerciais ρ·V ·D


Re = = (2)
Forças Viscosas µ

A Equação 3 é a equação de Orr-Sommerfeld, sendo uma versão linearizada da


equação de Navier-Stokes, que pode ser utilizada para obter o número de Reynolds crítico
(Recr ). A equação de Orr-Sommerfeld leva em consideração também o teorema de Squire,
que determina o seguinte:
(Teorema de Squire) O comportamento de perturbações tridimensionais pode
ser deduzido a partir do comportamento das perturbações bidimensionais em um escoa-
mento paralelo de um fluido incompressível.
A descrição e notação da equação de Orr-Sommerfeld (Equação 3) foi baseada
em HERRON [2] e DEVILLE [1]. Nota-se que é uma equação diferencial de quarta
ordem, o que a torna de difícil solução, principalmente considerando quais parâmetros
são conhecidos.

2
d2
   2  
d ′′
− α2 ϕ = iαRe (U − c) 2
−α ϕ−U ϕ (3)
dx2 dx2

Sendo U o perfil de velocidades do escoamento, ϕ a função de corrente bidi-


mensional, α o número de onda adimensional, c a velocidade de onda, x a direção do
′′
escoamento, U a segunda derivada de U em relação a x. Nota-se que c é representada
no plano complexo.
Dadas as condições de contorno, a solução dessa equação pode ser encontrada
se o número de Reynolds Re e o número de onda adimensional α forem definidos. Para

1
valores de Re e α fixos, a solução a respeito dos autovalores é dada por um espectro
discreto de soluções da velocidade de onda no plano complexo c = cR + icI . Assim,
assumimos que:

cR = cR (α, Re)
cI = cI (α, Re)

O gráfico no domínio Re×α formado pelas soluções discretas determina as regiões


de: (i) instabilidade (cI > 0); (ii) estabilidade neutra (cI = 0); (iii) estabilidade (cI < 0).
Se o sinal de cI muda ao atravessar a curva que determina a estabilidade neutra, dizemos
também que essa curva determina a estabilidade marginal. Assim, (Recr ) é definido como
o menor número de Reynolds que está incluso na região de estabilidade marginal, como
mostra a Figura 1.

Figura 1: Indicação de Rec r (juntamente com α crítico) a partir dos resultados de cI no domínio Re × α
para um escoamento circular de Couette. Retirado de DEVILLE [1]

Existe também outra forma de determinar Recr , que é a partir do coeficiente


de arrasto para um mesmo corpo, já que Recr indica o regime em que o escoamento se
torna completamente turbulento, minimizando o coeficiente de arrasto. Devido à tran-
sição da camada limite, em uma faixa de Re próxima a Recr , o coeficiente de arrasto
apresenta queda considerável relativamente ao comportamento em outras faixas. Esse
comportamento para um elipsoide e uma esfera pode ser visualizado na Figura 2.

2
Figura 2: Coeficiente de arrasto (CA ) para diferentes Re dadas diferentes geometrias. Retirado de
WHITE [3]
.

Um túnel de vento com uma célula de carga acoplada ao corpo de prova pode
ser utilizado para a medição do arrasto aerodinâmico e consequentemente do coeficiente
de arrasto utilizando a Equação 4.

2D
Cd = (4)
ρV 2 A

Sendo Cd o coeficiente de arrasto, D o arrasto, ρ a massa específica do ar, V a


velocidade do corpo relativa ao escoamento e A a área de referência.
Banhando o corpo de prova com algum líquido suficientemente viscoso é possível
também visualizar o comportamento da camada limite, principalmente da transição do
regime laminar para o turbulento. A Figura 3 mostra o experimento com uma esfera
banhada em óleo, com a fácil visualização da seção transversal onde ocorre a transição da
camada limite de laminar para turbulenta.

Figura 3: Esfera lisa banhada em óleo após ser exposta a um escoamento em túnel de vento
.

3
Foi observado que a adição de mecanismos geradores de vórtice, como pequenos
ressaltos na superfície do corpo, causam a transição imediata da camada limite, tornando-
se turbulenta e aumentando a extensão da camada limite. Esse comportamento reduz o
coeficiente de arrasto, como é indicado por Recr . Uma esfera semelhante à da Figura 3 foi
utilizada para a adição de uma fina camada de borracha na seção transversal de transição
encontrada anteriormente para a esfera lisa. Assim, a camada limite descola em uma
posição posterior com o gerador de vórtices, como é visto na Figura 4

Figura 4: Esfera com gerador de vórtices banhada em óleo após ser exposta a um escoamento em túnel
de vento
.

Assim, o experimento utilizou as esferas em questão para a visualização da tran-


sição da camada limite, medição do arrasto e sua comparação.

4
2 Metodologia

2.1 Equipamentos Utilizados


• Túnel de vento de circuito fechado da UFMG (Figura 5);

• Óleo queimado de motor a combustão;

• Tubo de Pitot-estático (Incerteza de ± 0,5% );

• Sistema de controle de velocidade;

• Sistema de aquisição de tensões;

• Fonte de tensão 24 VDC para célula de carga;

• Célula de carga unidirecional de 10 VDC e 20 mA;

• Transdutores de pressão e temperatura;

• Esferas com e sem gerador de vórtices (Figura 3 e Figura 4);

• Haste de fixação de modelos.

Figura 5: Túnel de vento de circuito fechado da UFMG, utilizado no experimento

5
2.2 Procedimentos
Sequencialmente, foram feitos os seguintes procedimentos para a realização e no
experimento:

1. Calibração da célula de carga;

2. Medições ambiente e dos corpos de prova;

3. Banho da esfera lisa em óleo e posicionamento na haste;

4. Ativação do túnel de vento para determinada velocidade e observação do fenômeno


da Figura 3;

5. Banho da esfera com gerador de vórtices em óleo e posicionamento na haste;

6. Ativação do túnel de vento para determinada velocidade e observação do fenômeno


da Figura 4;

7. Pós processamento dos dados obtidos pela célula de carga e sistema integrado.

6
3 Resultados e Discussões

3.1 Incertezas
As incertezas desse experimento estão associadas majoritariamente às medições
da célula de carga, além de sua calibração. A calibração possui incerteza padrão relativa
ao método utilizado, mas houve uma medição discrepante do restante, o que pode indicar
algum tipo de interferência.

3.2 Medições
A massa específica (ρ) do ar foi obtida a partir de medições de temperatura e
pressão feitas pela estação meteorológica da UFMG integradas ao sistema do túnel de
vento. Além disso, o sistema também controla a velocidade do escoamento (ν) a partir
de tomadas de pressão internas e externas ao escoamento. O diâmetro e área da esfera
lisa também foram medidos. Os dados estão dispostos na Tabela 1 e Tabela 2.

Tabela 1: Medições ambiente


Massa específica do ar Velocidade do escoamento Temperatura Pressão Barométrica
1,08 (kg/m3 ) 25,0 (m/s) 25,0 (◦ C) 924,0 (hPa)

Tabela 2: Medições para a esfera


Diâmetro Área frontal
54,36 · 10−3 m 2,16 · 10−3 m2

3.3 Experimento
A calibração da célula de carga foi feita, resultando nos dados expostos na Fi-
gura 6.
50

45

40

35

30

25

20

15 y =14.8501x -26.6406

10

0
1.5 2.0 2.5 3.0 3.5 4.0 4.5 5.0 5.5

Figura 6: Pressões estáticas obtidas no experimento

7
Após calibrar a célula de carga, o experimento foi realizado, obtendo os valores
expostos na Tabela 3.

Tabela 3: Valores obtidos no experimento


Medição Esfera lisa Esfera com transicionador Tara

1 1,042986 1,03097 0,936205


2 1,042972 1,027944 0,954509
3 1,040075 1,03014 0,961897
4 1,045897 1,032479 0,925827
5 1,042521 1,030533 0,953586
6 1,041684 1,030097 0,955045
7 1,043708 1,029854 0,95104
8 1,039932 1,029489 0,952549
9 1,043451 1,031542 0,947278
10 1,044531 1,030483 0,944424
11 1,048279 1,03245 0,947914
12 1,045268 1,032636 0,952728
13 1,040189 1,031621 0,941892
14 1,041949 1,031241 0,949266
15 1,042135 1,030834 0,953686
16 1,044867 1,030676 0,95664
17 1,039152 1,026936 0,947406
18 1,040211 1,032057 0,956669
19 1,042593 1,02685 0,958035
20 1,039453 1,028588 0,927358
21 1,04039 1,027837 0,953093

Média (V) 1,042488 1,030250 0,948907

Média corrigida (V) 0,093581 0,081343 -

Como a calibração foi feita em data diferente da medição, foi considerado apenas
que a variação se manteve constante. Assim, na calibração o valor de tensão para qual o
arrasto (D) é nulo é de:

D = 14, 8501 · x − 26, 6406 = 0


x = 1.794 V

Portanto, o arrasto deve ser calculado utilizando o valor inicial e a média corri-
gida.

8
D = 14, 8501(1, 794 + x) − 26, 6406 (5)

Utilizando a Equação 4 e os valores calculados anteriormente, obtemos os valores


de arrasto e coeficiente de arrasto para as esferas lisa e com transicionador.

Dlisa = 1, 39 N
Dtran = 1, 20 N

Cd, lisa = 1, 907 (6)


Cd, tran = 1, 646 (7)

De acordo com o ábaco da Figura 2, pode-se estimar que Recr para uma esfera é
Recr = 2, 5 · 105 . Para o experimento, podemos calcular Re pela Equação 2. Foi utilizado
µ = 1, 792 · 105 P a · s.

Relisa = 2.09 · 106


Retran = 1.81 · 106

Nota-se que o valor de Retran é mais próximo do Recr para esferas, e portanto
o valor do arrasto ser menor do que para a esfera lisa é coerente. A esfera lisa ainda
tem parcela da camada limite em regime de escoamento laminar, o que incremente Cd em
relação a camadas limites com o regime completamente turbulento. A transição forçada
da camada limite, como explicado anteriormente, ajuda a prolongar o contato da camada
limite com o corpo em regime turbulento. Esse fenômeno pôde ser visto com nitidez na
Figura 3 e Figura 4, além de também ser possível ouvir a dissipação de energia por ruído
que acontece nessa região.

9
4 Conclusão
A determinação de Recr foi discutida e o comportamento da camada limite foi
estudado. Foi possível visualizar e comparar os valores de Re obtidos com o que é encon-
trado na bibliografia. Para a esfera lisa, foram obtidos:

Dlisa = 1, 39N
Cd, lisa = 1, 907
Relisa = 2, 09 · 106

Para a esfera com transicionador, foram obtidos:

Dtran = 1, 20N
Cd, tran = 1, 646
Retran = 1, 81 · 106

Todos os valores foram obtidos considerando a Equação 5 como confiável devido


à calibração da célula de carga.

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Referências Bibliográficas
[1] Deville, M. O. An introduction to the mechanics of incompressible fluids, 2022.

[2] Herron, I. H. The orr–sommerfeld equation on infinite intervals. SIAM review 29,
4 (1987), 597–620.

[3] White, F. M. Mecânica dos fluidos. McGraw Hill Brasil, 2004.

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