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Direito Das Obrigações TEÓRICAS TURMA 2
Direito Das Obrigações TEÓRICAS TURMA 2
Esta sebenta respeita às aulas teóricas de Direito das Obrigações do ano letivo de 2019/2020,
lecionadas pela docente Rute Pedro. A sebenta foi realizada com base nos apontamentos dos vogais
do Departamento de Pedagogia Sofia Torres e Ricardo Silva.
A sua elaboração foi realizada com o objetivo de auxiliar os estudantes para o exame de
Direito das Obrigações. Relevamos ainda que, a leitura desta sebenta não substitui a leitura da
bibliografia obrigatória ou recomendada, sendo apenas um instrumento de auxílio ao estudo.
Caso sejam detetados alguns erros, agradecemos que estes sejam comunicados através do e-
mail da CC3: cc3fdup1920@gmail.com de modo, a que o documento seja aperfeiçoado
Bom estudo!
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acompanhada por uma correspondente consciencialização dos deveres. Cada vez mais se
procura um responsável, alguém que repare os danos que se sofreu. A evolução da ciência
é também importante a este propósito: quanto mais ela evolui, mais nexos causais se
descobre. Já há até dados probabilísticos que, em abstrato, nos permitem concluir que
determinado ato terá uma certa consequência.
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o Ou responsabilidade extracontratual / extraobrigacional /
aquiliana / delitual: assenta na violação de deveres jurídicos gerais,
deveres de conduta que são impostos erga omnes; pressupõe a violação
de direitos absolutos ou de interesses protegidos pela lei através de
normas de proteção, ainda que não sejam objeto de tutela através do
reconhecimento de um direito subjetivo. O regime central desta
responsabilidade está nos artigos 483º e seguintes CC.
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Analisemos, então, os pressupostos da responsabilidade por factos ilícitos.
1º Pressuposto – o ato: facto voluntário do agente. Significa que tem de haver
um facto que seja pensável como objetivamente controlável pela vontade da pessoa, um
facto sobre o qual a pessoa tenha domínio. Não cabem aqui os factos de força maior e os
factos resultantes de circunstâncias fortuitas. Não significa isto que tenha de ser um ato
intencional, um ato querido (isso será analisado no requisito da culpa).
O facto pode ser positivo ou negativo, uma ação ou uma omissão. Se for uma
omissão, devemos ter em atenção o disposto no artigo 486º CC. Os “outros requisitos
legais” estão no artigo 483º/1 CC, para o qual devemos remeter. A omissão, em princípio,
não gera responsabilidade civil, mas se, para além dos outros requisitos, pudermos
afirmar que o omitente tinha o dever de praticar o ato que omitiu, isto é, se tinha o dever
de praticar o ato que iria evitar o dano, então surge a obrigação de indemnizar. Para tal,
temos de provar a existência desse dever. Não há um dever jurídico genérico de atuar
(pretende-se evitar a intromissão indevida dos sujeitos na esfera jurídica uns dos outros
apenas com o objetivo de não serem responsabilizados), mas há deveres específicos, que
poderão decorrer:
Da lei: referência à ordem jurídica e às normas que ela contém. Exemplos: o
incumprimento das responsabilidades parentais (artigo 1878º CC),
nomeadamente do dever de vigilância, gera responsabilidade civil; o artigo
200º do Código Penal prevê o crime de omissão de auxílio, que é
especialmente censurável nestes casos, daí que consubstancie um ilícito penal,
há um dever de atuar, de auxiliar.
Ou de negócios jurídicos. Exemplos: um nadador-salvador tem deveres para
com as pessoas que usufruem da piscina que vigia, pelo que se viola algum
desses deveres é responsabilizado; B leva a sua filha para uma escola de piano,
a professora distrai-se e a filha de B tem um acidente – a professora de piano
tinha o dever de vigilância da criança, que nasce do negócio jurídico, pelo que
deverá ser responsabilizada pelo acidente. Almeida Costa defende que o
negócio jurídico que dá origem a esse dever não tem de ser válido, pode ser
um negócio jurídico inválido.
Doutrina dos deveres de prevenção do perigo ou de segurança no tráfego: a
doutrina e a jurisprudência portuguesas têm olhado a esta doutrina alemã para interpretar
o 486º CC. Segundo ela, uma pessoa que cria ou mantém uma situação de perigo no
tráfego jurídico tem o dever jurídico de agir, tomando as providências necessárias para
prevenir os danos que aquela fonte de perigo pode gerar. Se alguém cria uma situação de
perigo e não atua para prevenir os danos que daí possam advir, é responsabilizado.
Exemplos: alguém faz uma queimada no seu terreno e não toma as providências
adequadas, acabando por queimar o bem imóvel de outra pessoa noutro terreno; alguém,
para reparar o muro da sua propriedade, tem de abrir um buraco no passeio, sendo que,
não tendo sinalizado o buraco, fica de noite e outra pessoa cai nele (não foi a abertura do
buraco que causou o dano, mas sim a sua não sinalização). Há um dever de tomar
providências, que podem ser diretas (quando se elimina a fonte de perigo; no exemplo
anterior, fechando-se o buraco que se abriu) ou indiretas (não se elimina a fonte de perigo,
mas permite-se que os potenciais lesados saibam agir autorresponsavelmente perante a
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fonte de perigo; é aqui que se enquadram os deveres de instrução, de aviso e de proibição
de acesso). Em princípio, deverá adotar-se providências diretas, deverá eliminar-se a
fonte de perigo, mas quando tal não seja possível basta que se adote providências
indiretas. Exemplo: alguém se dirige a um estabelecimento público cujo chão está
molhado, mas não está sinalizado, e essa pessoa cai – há um dever de segurança no
tráfego, há um dever de sinalizar o chão molhado para que não haja acidentes com os
clientes. Menezes Cordeiro desenvolve bem esta matéria. Apesar de esta doutrina não ter
sido formalmente acolhida pelo nosso Código Civil, ainda assim é concretizada por
algumas das suas disposições, nomeadamente os artigos 491º a 493º.
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o Os interesses lesados devem caber no âmbito de proteção da norma –
os danos que se produzem têm de ser danos que caibam na área de
tutela da norma.
Exemplo: há uma norma que proíbe a importação de certos produtos.
Temos dois comerciantes, e um deles sabe que o outro importa esses
produtos e está a fazer mais lucro que ele. Pode o comerciante que atua
legalmente ser indemnizado? À violação dos interesses do comerciante
associa-se a violação da norma – o primeiro requisito verifica-se. Mas
os demais requisitos não se verificam, pelo que não estamos perante
um ato ilícito.
Outro exemplo: há uma norma que prevê que os cabos de alta tensão
que passam por cima das estradas devem estar em postes com um
mínimo de altura. Houve uma área em que não se cumpriu essa altura.
Nessa mesma área, uma criança sobe a um poste, consegue chegar aos
fios e é eletrocutada, sofre danos. Os pais pretenderam invocar a
responsabilidade civil em tribunal. O primeiro requisito verifica-se. O
segundo requisito também se verifica, porque a norma visa proteger
interesses dos particulares diretamente (a par de interesses públicos).
Mas quais os interesses dos particulares que a norma visa proteger? A
norma não visa proteger os interesses dos particulares que sobem os
postes, mas sim os interesses dos particulares que circulam na via
pública – o terceiro requisito não se verifica.
A terceira modalidade de ilicitude, que não está prevista no artigo 483º, diz
respeito ao abuso do direito. Também o abuso do direito é um ato ilícito
suscetível de dar origem a responsabilidade civil. O abuso do direito produz
efeitos múltiplos, sendo que com frequência um desses efeitos é a
responsabilidade civil.
Para além dos critérios gerais, que agora vimos, a lei prevê ainda três casos
especiais de ilicitude:
Artigo 484º CC: casos de ofensa ao crédito ou ao bom nome. A ofensa ao
crédito atingirá a confiança na capacidade e na vontade de uma pessoa para
cumprir as suas obrigações. Já a ofensa ao bom nome atingirá o prestígio de
que aquela pessoa goza, o prestígio que o meio social lhe reconhece. A lei
abrange a afirmação ou a divulgação de factos suscetíveis de lesar estes
interesses; e abrange o bom nome e o crédito de pessoas singulares e coletivas.
o E quando os factos afirmados ou divulgados são verdadeiros? Deve a
exceptio veritatis ser aceite? Quando os factos são falsos não há
dúvida, está preenchido o requisito da ilicitude. Há autores que dizem
que se aplica o artigo 484º CC quer se trate de factos verdadeiros ou
falsos. Contudo, há autores que dizem que, apesar de o legislador não
ter distinguido, só é suscetível de gerar responsabilidade a divulgação
de factos falsos – para estes autores vale a exceptio veritatis no
domínio da responsabilidade civil. Eles acrescentam ainda que a
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divulgação de factos verdadeiros gera responsabilidade só quando seja
feita de forma intencional, com vontade de causar dano.
Artigo 486º CC: a omissão só dá origem ao dever de indemnizar se há, por lei
ou por NJ, o dever de praticar o ato que foi omitido. A este respeito se remete
para o que vimos anteriormente sobre as omissões, quando falámos do
primeiro requisito da responsabilidade civil (o ato).
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cumulativamente verificados, o ato em questão é lícito e não há
responsabilidade civil):
É necessário que o agente que atua em ação direta seja titular
de um direito que procura assegurar ou realizar;
O recurso à força tem de ser indispensável, deve ser impossível
recorrer em tempo útil aos meios coercitivos normais para
evitar a inutilização prática do direito – requisito da
necessidade;
O agente não pode exceder o que é estritamente necessário para
evitar o prejuízo – requisito da adequação;
O agente não pode sacrificar interesses superiores àqueles que
visa realizar ou assegurar – requisito da ponderação, da
proporção.
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se o erro for desculpável, porque nesse caso faltará a culpa, que é outro
pressuposto da responsabilidade civil, que estudaremos mais adiante.
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- 340º/2 CC: nem sempre a vontade do titular é apta a produzir este
efeito (de afastamento da ilicitude), nomeadamente quando há uma
proibição legal ou contrariedade dessa vontade aos bons costumes.
- 340º/3 CC – casos de consentimento presumido: para este efeito é
necessário que a lesão ocorra no seu interesse (isto é, aquela atuação
deve ser apta a satisfazer uma necessidade do respetivo sujeito, deve
ser objetivamente idónea para tal) e (são requisitos cumulativos) de
acordo com a sua vontade presumível (que é aquela vontade que o
titular do direito manifestaria se tivesse previsto a situação). Uma área
de grande importância aqui é a das intervenções médico-cirúrgicas.
Cada vez mais a preocupação do esclarecimento do doente é atual, o
médico deve prestar informações, atenuou-se o paternalismo que
existia. Mas há casos em que não é possível comunicar com o doente
– veja-se os casos em que ele chega inconsciente ao hospital e a sua
vida está em perigo – e não há quem manifeste a sua vontade, pelo que
o médico só deve atuar quando haja uma vontade presumível. O
mesmo se diga para as situações em que há o consentimento do doente
para uma dada intervenção, mas se descobre que afinal será necessária
ainda outra intervenção além daquela com a qual ele concordou. A
formulação dos requisitos para que haja uma situação de
consentimento presumido regular é muito próxima da formulação dos
requisitos da gestão de negócios, embora, ao contrário desta, não se
exija a vontade real do lesado, porque se assim fosse estaríamos
perante um caso de consentimento expresso e não de consentimento
presumido. Não devemos confundir o consentimento presumido com
o consentimento tácito, situação em que se manifesta o consentimento
através de um comportamento concludente, de forma indireta – por
exemplo, quando alguém participa numa dada atividade que comporta
certos riscos. Artigos 217º e 219º CC – a manifestação de vontade não
tem de preencher uma forma especifica, pode ser expressa ou tácita.
Se não se verificar uma destas causas de exclusão da ilicitude, o ato será ilícito.
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a valoração que fez). Quem não tiver estas duas capacidades não é imputável, logo, não
é suscetível de um juízo de culpa, pelo que em princípio não pode ser responsabilizado.
488º/2 CC – a inimputabilidade só se presume para os menores de 7 anos. Esta é uma
presunção ilidível, uma presunção iuris tantum, pode ser afastada, o que quer dizer que
um menor de 7 anos pode ser imputável. Do mesmo modo, podemos ter maiores de 7
anos inimputáveis. O juízo de imputabilidade vai variar consoante o ato em questão, tem
de ser apreciado casuisticamente. Se a criança tem menos de 7 anos, quem responde são
os vigilantes, porque omitiram o cumprimento do seu dever de vigilância. Os vigilantes
podem responder por ato próprio, por não cumprirem o seu dever de vigilância, e há até
uma presunção de culpa no 491º CC.
Artigo 489º CC: caso não seja possível obter a reparação por parte dos vigilantes,
quando eles afastem a sua responsabilidade, demonstrando que cumpriram o seu dever,
ou quando, não a afastando, responderiam, mas não têm bens para que seja satisfeita a
reparação (nesta última situação, se o inimputável pagar a indemnização, vai ter direito a
que os vigilantes, se a sua fortuna mudar, o reembolsem do que ele pagou – trata-se de
uma situação de sub-rogação legal, o direito não se extingue como acontece no direito de
regresso, ele transmite-se), será o inimputável a proceder àquela reparação. Em geral, o
julgador não pode recorrer à equidade, a não ser quando a lei o permita. Quando ela o
permite, como é este o caso, haverá uma ponderação (imagine-se, por exemplo, o caso de
uma criança que parte um vidro e tem muito dinheiro, e o dono do vidro partido tem
poucas posses). 489º/2 CC: este artigo protege o inimputável, o legislador salvaguarda os
alimentos do próprio e as obrigações de alimentos que tenha em relação a terceiros.
Vejamos, agora, as modalidades de culpa. No direito civil é necessário que exista
culpa, mas essa culpa pode revestir a forma de dolo ou de mera culpa / negligência. O
direito civil basta-se com a última. Esta distinção é menos importante que no direito penal.
Dolo: adesão da vontade do agente às consequências nefastas da sua atuação.
o Dolo direto: quando alguém atua porque quer o resultado contrário ao
Direito. Exemplo: alguém põe uma bomba na garagem de outrem para
o matar.
o Dolo necessário: quando o agente, embora não querendo um dado
resultado, representa-o como um efeito necessário da sua conduta e
age, não se abstendo de atuar. Exemplo: aquele que, no exemplo
anterior, põe a bomba na garagem de outra pessoa para a matar, mas
sabe que ao fazê-lo matará também o cão desta e ainda assim o faz.
o Dolo eventual: a pessoa representa o resultado como possível e ainda
assim atua. Exemplo: ainda partindo do exemplo anterior, aquele que
põe a bomba na casa de outrem sabe que este último às vezes está em
casa àquela hora, pelo que é possível que seja atingido, mas ainda
assim escolhe atuar. Esta figura é muito próxima da negligência
consciente. Como distinguir as duas? Há dolo eventual quando o
agente não confia que o resultado não se vai produzir, ele representa-
o como possível e acredita que se vai produzir; na negligência
consciente, o agente confia que o resultado não se vai produzir.
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Negligência ou mera culpa: há uma omissão da diligência que era exigível,
mas não há uma adesão ao resultado contrário ao Direito.
o Negligência consciente: é a figura mais próxima do dolo. O agente
representa o resultado contrário ao direito como possível, mas só atua
porque confia que o resultado não se vai produzir.
o Negligência inconsciente: o agente nem sequer representa o resultado
contrário ao Direito, embora o devesse ter feito, era isso que se lhe
exigia, ele devia ter adotado as diligências necessárias.
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Artigo 497º CC: diz respeito a situações de coautoria (ou seja, a situações em que
há várias pessoas que vão responder por um determinado ato danoso), às quais se aplica
o regime da solidariedade, embora nas relações internas (entre os vários agentes) se
reparta o montante indemnizatório em função das culpas. Exemplo: A e B agrediram C,
causando-lhe danos no valor de 2500 euros, sendo que respondem os dois solidariamente.
Se A pagar esse valor, pode exigir a B a sua parte do mesmo, tem direito de regresso em
relação a ele, sendo que esse direito se mede em função do nível de culpabilidade de cada
um (um pode ter sido mais culpado que o outro).
Artigo 570º CC: aplica-se aos casos em que há também culpa do lesado. Quando
o lesante e o lesado têm culpa, este artigo permite que a indemnização se mantenha, se
diminua ou se exclua – a decisão entre estas opções dá-se em função das culpas dos dois.
Em suma, para efeitos de efetivação da responsabilidade civil, é sempre
importante saber que culpa existe e com que intensidade se verifica.
Vamos ver agora a matéria da prova da culpa. A regra a este respeito é a constante
do 342º/1 CC: aquele que invoca um direito tem o ónus de provar os factos constitutivos
do seu direito. Assim sendo, quem invoca o direito a uma indemnização vai ter de provar
os cinco requisitos da responsabilidade civil – é ao lesado que cabe o ónus de provar o
ato, a ilicitude, a culpa, os danos e o nexo de causalidade. Já os factos modificativos,
impeditivos e extintivos desse direito (o estado de necessidade, por exemplo) têm de ser
provados por aquele contra quem se invoca o direito – o lesante. O 487º/1 CC é um
corolário do 342º/1. A regra é esta, mas há exceções: as presunções de culpa, previstas
nos artigos 491º, 492º e 493º CC. No domínio contratual, para efeitos de responsabilidade,
também se aplica uma presunção de culpa, inverte-se o ónus da prova (799º CC).
Vejamos, então, as referidas presunções de culpa.
Artigo 491º CC: diz respeito à responsabilidade das pessoas obrigadas à vigilância
de outrem. É uma presunção de culpa que recai sobre os vigilantes. Estes vigilantes
podem ter o dever de vigilância por força da lei (como acontece com as responsabilidades
parentais – 1878º CC) ou podem assumi-lo por força de NJ (uma babysitter ou um
professor de natação, por exemplo). Este artigo aplica-se quando haja danos causados a
terceiros, não se aplica se foi o incapaz que sofreu esses danos. Quando tal aconteça,
presume-se que os vigilantes não cumpriram o seu dever de vigilância. Esta presunção é
ilidível, os vigilantes podem mostrar que cumpriram o seu dever de vigilância. Cada vez
mais é difícil ilidir esta presunção, porque a jurisprudência tem sido cada vez mais
exigente (exemplo: uso de armas por parte de incapaz – a nossa jurisprudência tem
densificado este dever de forma muita intensa, não é apenas um dever relativo àquele
momento, implica também um dever de educação, de transmissão de conhecimentos e de
informação para que a criança saiba como atuar naquela situação). Por ser tão difícil
afastar a responsabilidade nestes casos, há quem fale de uma aproximação desta
responsabilidade à responsabilidade objetiva. Outro meio de defesa para além de ilidir a
presunção é provar que os danos se teriam produzido ainda que se tivesse cumprido esse
dever – relevância negativa da causa virtual, que veremos mais adiante.
Artigo 492º CC: fala dos danos que são causados por edifícios ou outras obras. Há
uma presunção de culpa que recai sobre o proprietário ou possuidor em nome próprio
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(aquele que atua como se proprietário fosse, que, por retirar do bem as vantagens da
propriedade, deve também arcar com esta presunção) do imóvel. Esta norma presume a
culpa destas pessoas relativamente a danos que sejam causados pelo próprio edifício ou
por qualquer obra ou construção a ele ligada. É necessário que haja uma ligação estável
ao imóvel, deve tratar-se de uma união fixa. Não dá lugar à aplicação deste artigo a queda
de um vaso ou guarda-sol, por exemplo. 492º/2 CC: a presunção pode também recair
sobre aquele que se obrigou à conservação do imóvel. A responsabilidade destas pessoas
é afastada através de dois mecanismos: ilidindo a presunção, isto é, demonstrando que
não atuaram com culpa; ou fazendo operar a relevância negativa da causa virtual.
Artigo 493º CC: há uma distinção clara entre os números 1 e 2 deste artigo. O
numero 1 prevê uma presunção de culpa que recai sobre os vigilantes de coisas ou
animais. Quando alguém tem esse dever e as coisas ou animais em questão causam danos,
presume-se a culpa daquele sobre quem recai o dever de vigilância. Este artigo também
se aplica a coisas imóveis: a água que não se limpa e que foi vertida no chão de
determinado edifício, por exemplo. São exemplos de coisas móveis um bisturi, um
termostato ou uma agulha. No que diz respeito aos animais, o vigilante do animal pode
não ser o seu proprietário. Esta norma não se confunde com a do 502º CC, embora se
possam aplicar simultaneamente. Como se afasta esta presunção? Temos os mesmos
mecanismos que vimos anteriormente: ou se ilide a presunção, ou se faz relevar
negativamente a causa virtual. Por sua vez, o número 2 deste artigo diz respeito aos casos
em que esteja em causa uma atividade perigosa, por si ou pelos meios empregues, sendo
que se presume a culpa de quem desenvolve essa atividade (exemplos: utilização de raio
x, utilização de lasers, construção civil quando implique que se mexa no subsolo,
atividade pirotécnica, ou realização de queimadas; contudo, a condução de veículos
automóveis não se encontra abrangida por este artigo). Nos casos do 493º/2 CC, a
responsabilidade só se afasta ilidindo a presunção de culpa, não há relevância negativa da
causa virtual.
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Relevância positiva da causa virtual: problema de saber se o autor da causa
virtual pode ou não responder pelo dano. No exemplo que vimos
anteriormente, aquele que envenenou outra pessoa, que acabou por morrer por
causa de um tiro, pode responder pela sua morte? A resposta é negativa, não
se consegue provar o requisito do nexo causal, pelo que não se consegue
afirmar a responsabilidade do autor da causa virtual.
Relevância negativa da causa virtual: problema de saber se a demonstração da
causa virtual pode servir para afastar a responsabilidade do autor da causa real.
A posição mais pacífica entre nós é a de que não há relevância negativa da
causa virtual, em regra. Tanto é assim que o legislador teve o cuidado de
prever esse mecanismo nos artigos que vimos antes – a necessidade de o prever
mostra que não é a regra, mas a exceção. Então porque é que funciona a
relevância negativa da causa virtual nos casos dos artigos 491º, 492º e 493º/1
CC? Nestes casos funciona uma presunção de culpa, logo, a posição do lesante
está mais dificultada. Parece que o legislador quis dar uma vantagem ao
lesante, que está numa posição mais difícil, de modo a equilibrar a previsão
da presunção de culpa.
Dano real e dano patrimonial: dano real é o dano que se produz in natura na
coisa, é o dano na coisa, é o dano tal qual se produziu no bem lesado
(exemplos: se a mesa fica com uma perna partida, o dano real é a perna partida;
se o vidro partiu, o dano real é o vidro partido); por outro lado, quando
olhamos à projeção que o dano real tem no património do lesado, estamos a
falar do dano patrimonial – é isso que temos de fazer quando indemnizamos o
dano com um valor pecuniário. Como vimos, em princípio, a reparação faz-se
em espécie, in natura, repara-se a mesa ou o vidro que se partiu. Contudo, por
vários motivos (os que constam do 566º/1 CC), há casos em que não é possível
fazer a reparação em espécie, pelo que ela se faz pelo pagamento de uma
quantia em dinheiro – é a reparação por equivalente (patrimonial), que faz
apelo ao dano patrimonial. Já a reparação em espécie diz respeito ao dano real.
Dano patrimonial e dano não patrimonial: o dano é patrimonial quando os
interesses lesados são suscetíveis de avaliação pecuniária (exemplo: carro com
amolgadela); mas há casos em que esses danos não são suscetíveis de
avaliação pecuniária – nesses casos falamos de danos não patrimoniais
(exemplo: alguém é atropelado e sofre dores muito fortes – a sua incolumidade
afetiva ou intelectual não é suscetível de ser avaliada pecuniariamente). Às
vezes lesam-se bens patrimoniais e dessa lesão resultam danos patrimoniais e
danos não patrimoniais (exemplo: A destrói um quadro de B, só que aquele
quadro era o único que tinha sido pintado pela sua mãe, o que lhe causa
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perturbação, daí que se gerem danos não patrimoniais, mas era também muito
valioso – vertente dos danos patrimoniais). Também acontece dar-se a lesão
de um bem não patrimonial e isso gerar danos patrimoniais e não patrimoniais
(exemplo: uma pessoa, que é modelo, é agredida e fica com uma cicatriz, o
que faz com que perca trabalhos – projeção patrimonial – e se sinta
transtornada – vertente não patrimonial).
Há duas subespécies de danos patrimoniais, o património pode ser atingido de
várias formas: ou porque o ativo diminui ou o passivo aumenta, ou porque o património
não aumenta e teria aumentado – ambas as dimensões são abrangidas pela indemnização
(564º/1 CC):
Danos emergentes: quando se produzem desvantagens patrimoniais
traduzidas numa diminuição do património, que pode corresponder a uma
diminuição do ativo (exemplo: alguém deixa de ser proprietário de um quadro
de 2000 euros) ou a um aumento do passivo (exemplo: alguém que precisa de
fazer um tratamento e vai ter de gastar dinheiro nesse tratamento). Estes danos
são mais fáceis de provar.
Lucros cessantes: há um não aumento do património. Não se diminui o
património, mas há vantagens que o lesado teria obtido, mas que não obtém
por causa do evento lesivo (exemplo: a pessoa ficou com a perna partida, não
pode trabalhar e perde os salários do tempo em que está parada).
Falemos agora dos danos não patrimoniais, que entre nós são reparáveis. O
nosso legislador optou por consagrar um princípio geral de ressarcibilidade, de
compensabilidade dos danos não patrimoniais – 496º CC. A admissibilidade da
compensação é consagrada de uma forma genérica, enquanto que noutros ordenamentos
jurídicos o legislador enumera os danos ressarcíveis. Um dos argumentos contra a
ressarcibilidade destes danos é a dificuldade de os afirmar e de os calcular. Mas estas
dificuldades práticas não obstaram a que se consagrasse a compensabilidade dos danos
não patrimoniais, embora se preveja um travão a essa compensabilidade: esses danos têm
de ser graves a ponto de merecerem a tutela do direito, pela sua gravidade eles devem
merecer a tutela jurídica.
O quantum compensatório vai ser calculado nos termos do 496º/4 CC, o qual
remete para o 494º CC: nos termos destes artigos, no cálculo da indemnização, vai-se
recorrer a um juízo de equidade. O facto de se recorrer à equidade conduz a que haja uma
grande disparidade entre decisões jurisdicionais que estabelecem montantes
compensatórios.
Outra questão é saber se estes danos não patrimoniais são ou não ressarcíveis
noutras responsabilidades civis que não a responsabilidade por factos ilícitos,
nomeadamente a responsabilidade contratual. Em termos sistemáticos, a ressarcibilidade
dos danos patrimoniais prevê-se no âmbito da obrigação de indemnizar, que é comum a
todas as modalidades de responsabilidade; já os danos não patrimoniais estão previstos
na parte da responsabilidade por factos ilícitos. Contudo, hoje, a doutrina é praticamente
pacífica e a jurisprudência é praticamente unânime ao defenderem que os danos não
patrimoniais podem ser ressarcidos em qualquer modalidade de responsabilidade civil. A
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respeito desta discussão, ver o Ac. STJ 1/10/2015 (relatora Conselheira Maria dos
Prazeres Bizarro Beleza).
Se a compensabilidade dos danos não patrimoniais já não é discutível, há um
problema que é o de saber se o dano da perda da vida é ele próprio compensado. Não
estamos a falar dos danos que se produzem entre o momento da lesão e o momento da
morte – esses são os danos intercalares, que são ressarcíveis desde que pela sua gravidade
mereçam a tutela do direito. O problema aqui é outro: quando a pessoa morre, a
personalidade jurídica extingue-se, a capacidade jurídica cessa, surge o problema jurídico
de afirmar a compensação desse dano. Há varias respostas a esta questão:
Parte da doutrina portuguesa diz que o direito à compensação pela perda do
direito à vida nasce noutra esfera jurídica, isto é, nasce direta e imediatamente
na esfera jurídica de outras pessoas que estão vivas. E quem são essas pessoas?
São aquelas que estão previstas no 496º/2 e 3: cônjuge ou unido de facto e
descendentes, ascendentes e irmãos e sobrinhos. A jurisprudência começa a
aceitar que este elenco de pessoas não seja taxativo. Estas pessoas não são
sucessores, trata-se aqui de um direito próprio, que nasce logo na sua esfera
jurídica.
Outra parte da doutrina entende que o direito à compensação nasce na esfera
daquele que falece e depois transmite-se para outrem. E como é que nasce na
esfera de alguém que perde a sua personalidade jurídica?
o Uma teoria vem dizer que o direito à compensação nasce no momento
do efeito lesivo, sob condição de a morte se produzir;
o Outra teoria defende que a proteção da vida pode projetar-se para além
da cessação da personalidade jurídica (tal como já vimos que essa
proteção se pode antecipar ao surgimento da personalidade), e depois
transmite-se.
o E transmite-se para quem? A este respeito, a doutrina diverge:
Há doutrina que diz que estão em causa as pessoas do 496º/2 e
3, que vão ser compensadas pelo seu sofrimento;
E há doutrina que entende que este direito se transmite aos
sucessores, à luz das regras de direito sucessório, que vamos
estudar no próximo ano.
Esta discussão tem muitas implicações práticas: se o direito à compensação nasce
diretamente na esfera jurídica de outras pessoas que não aquele que morre, então não vai
responder pelas dívidas da herança, não vai entrar no património hereditário.
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importa apenas para o “se” da responsabilidade, mas também para o quantum dessa
responsabilidade.
Saber quando é que há um nexo juridicamente relevante é uma das questões mais
complexas da atualidade. Exemplo: António vai a caminho do metro e é atropelado, e por
isso não pode apanhar o avião que ia apanhar para comparecer numa reunião; foi-lhe
roubada a carteira; foi operado e foi vítima de negligência médica, pelo que ficou a
mancar; contraiu uma bactéria no hospital, sendo o seu internamento prolongado por
causa disso. Foi Xavier que o atropelou: ele é responsável por todos estes danos?
Algo que é pacífico entre nós é que não basta que haja uma sucessão de
acontecimentos para que possamos afirmar a responsabilidade civil – afasta-
se a teoria post hoc ergo propter hoc.
Teoria da conditio sine qua non ou teoria da condição necessária ou da
equivalência das condições: há que distinguir os factos que são condição
necessária para a produção de um determinado dano. É necessário proceder a
um juízo através do qual se retira do encadeamento causal um dado facto e se
averigua se o dano mesmo assim se produz. Se o dano se deixar de produzir,
é porque aquela é uma condição necessária. À luz desta teoria, todas as
condições necessárias são equivalentes. Segundo esta teoria, Xavier era
responsável por todos aqueles danos causados a António. Concluiu-se que esta
teoria é excessiva, conduz a um âmbito demasiado extenso de
responsabilização.
Depois, surgiram teorias que procuraram selecionar dentro das condições
necessárias aquelas que deviam relevar juridicamente. São as teorias seletivas,
como a teoria da condição mais próxima ou a teoria da condição eficiente, que
se baseiam em critérios insuficientes e difíceis de aplicar.
Mais tarde, surgiu a teoria da causalidade adequada, sendo essa teoria a que
é acolhida pela maioria da doutrina.
Há outra teoria que tem vários adeptos entre nós, que é a teoria do fim da
proteção da norma: segundo ela, a aferição do nexo causal faz-se à luz do fim
da proteção da norma, tem de se ver quais os interesses que a norma que foi
violada concretamente visa tutelar. Ao fim ao cabo, o problema do nexo
causal, à luz desta teoria, é um problema de interpretação da norma. Carneiro
da Frada diz que esta teoria é importante na definição do nexo causal quando
estamos perante um ato gerador de responsabilidade por violação de uma
norma de proteção. O mesmo se diga quando estamos perante casos especiais
de ilicitude. Contudo, esta teoria não é suficiente quando estamos perante uma
ilicitude que se traduz na violação de um direito absoluto, não traz
esclarecimento nessas hipóteses. Esta teoria não é prestável de uma forma
transversal.
Vamos então debruçar-nos sobre a teoria da causalidade adequada. Segundo a
generalidade da doutrina, esta doutrina está consagrada nos artigos 562º e 563º CC. Há
dois juízos que se tem de fazer:
1. Primeiro, é necessário fazer um juízo em concreto à luz da teoria da conditio
sine qua non. Ou seja, primeiro tem de se averiguar se o facto gerador de
18
responsabilidade é uma condição necessária da produção do dano. O facto,
para ser causa adequada do dano, tem primeiro de ser condição necessária do
mesmo. Isso quer dizer que o facto gerador de responsabilidade, para fundar
um dever de responder, não pode ser retirado do nexo causal sem que o dano
deixe de se produzir. Retira-se do encadeamento causal aquele facto e
averigua-se se o dano se continua a produzir. Se se continuar a produzir, o
facto não é condição necessária do dano, logo, também não é causa adequada
do mesmo. Se o dano deixar de se produzir, é porque o facto é condição
necessária do dano. Então estamos aptos a passar ao segundo juízo.
2. O facto de ser condição necessária do dano é condição necessária mas não
suficiente para que o facto seja causa adequada do dano. Assim, o segundo
juízo é formulado à luz da teoria da adequação. Este segundo juízo é um
juízo em abstrato. É necessário averiguar se em geral aquele facto é causa
adequada da produção do dano, isto é, é preciso averiguar se aquele facto, em
abstrato, é idóneo a gerar aquele dano. Foram desenvolvidas várias
formulações sobre a adequação, mas há essencialmente duas:
o Formulação positiva (mais restrita), que é da autoria de Larenz e de
Brox: a causa adequada de um dano é toda a condição apropriada para
a produção desse dano, segundo um critério de normalidade e não
apenas por força de circunstâncias especialmente particulares, de todo
improváveis e estranhas ao regular curso das coisas. Esta formulação
põe a tónica no decurso normal dos acontecimentos.
o Formulação negativa (muito mais ampla), da autoria de Ennecerus e
Lehmann: um facto que é condição necessária de um dano não é causa
adequada dele se, atendendo à sua natureza geral, se mostrar de todo
indiferente para a produção desse dano, que só se produziu, portanto,
por circunstâncias excecionais ou extraordinárias. Aqui a tónica é
colocada na indiferença.
A nossa jurisprudência aplica com muita frequência a formulação positiva. A
nossa doutrina aplica a formulação positiva à responsabilidade por factos lícitos, e à
responsabilidade por factos ilícitos aplica a formulação negativa. Quanto à
responsabilidade pelo risco é que não há unanimidade: Antunes Varela aplica-lhe a
formulação negativa, mas outros autores aplicam-lhe a formulação positiva. Temos aqui,
mais uma vez, a função sancionatória que pode ser atribuída à responsabilidade civil:
aplica-se à responsabilidade por factos ilícitos a formulação negativa, que é mais ampla.
Tem-se entendido que o juízo de adequação se faz com base num prognóstico
formulado a posteriori: o julgador vai ter de recuar mentalmente ao momento do facto
gerador de responsabilidade, vai ficcionar que o facto ainda não se produziu e vai
perguntar se aquele facto é ou não adequado à produção daquele dano. Que elementos
são utilizados neste juízo de prognose? Tem-se entendido que o julgador deve considerar
as circunstâncias que um observador experiente reconheceria nesse momento e considerar
aquelas circunstâncias que efetivamente eram conhecidas pelo concreto agente.
Importa fazer algumas observações:
19
Não é necessário que o facto só por si, sem intervenção de outros factos, tenha
produzido em concreto o dano – não é necessária a exclusividade;
Não é necessário que o dano seja previsível para o autor do facto – essa
previsibilidade é relevante apenas para o requisito da culpa;
Este juízo sobre o nexo causal é um juízo que não se cinge ao facto e ao dano,
mas ao processo factual que conduz aquele facto àquele dano;
Não é necessário que o nexo causal seja direto, imediato. Pode haver, e há com
muita frequência, situações de causalidade indireta, mediata. O processo
causal é composto por vários elementos, o que é necessário é que o facto dê
origem a uma condição que seja necessária e adequada a produzir o dano e
que pode dar origem a outra condição necessária e adequada.
Atos imputáveis a terceiros e atos do próprio lesado que podem ter sido causa
imediata do dano podem ainda ser imputáveis ao agente que praticou o ato fundador de
responsabilidade civil, desde que possam ser considerados como efeito adequado daquele
facto gerador de responsabilidade civil. No exemplo que vimos, o médico foi negligente,
pelo que vai responder pelo ato que praticou, mas isso não impede que esse ato possa
ainda ser imputado a Xavier, que foi o responsável pelo atropelamento, desde que seja
possível estabelecer o nexo causal. Se não tivesse sido aquele atropelamento causado pela
condução em excesso de velocidade do Xavier, o António não teria sido vítima de
negligência médica. Claro que se o terceiro atuar com dolo essa atuação do terceiro deve
ser considerada independente do procedimento causal em curso.
A factualidade adequada nem sempre dá resposta a um conjunto de
situações. Vejamos um exemplo: a senhora A sente-se mal, vai ao hospital, é atendida
por um médico e é exposta ao médico a situação da paciente, que tinha dificuldades em
falar e respirar. O médico usa um oxímetro que estava estragado, sendo que uma
enfermeira o informou disso, e ele não repetiu o exame, receitando-lhe fármacos que se
vieram mostrar inadequados para os problemas da senhora A, que entrou em coma e veio
a morrer 2 semanas depois. O marido da senhora não pagou as contas do hospital, pelo
que o hospital intentou uma ação para que lhe fossem pagos os honorários. O marido de
A, em reconvenção, pediu uma indemnização pelo que sucedeu. A atuação do médico
pode ser considerada causa da morte de A? Conseguiu provar-se que aquela doença,
quando diagnosticada nas primeiras horas, tem possibilidade de cura de 80%; se passarem
mais horas, a possibilidade de sobreviver é de apenas 20%. Aqui o juízo em abstrato da
adequação é mais fácil de demonstrar. O problema é o juízo concreto: não podemos dizer,
com 100% de certeza, que A ia sobreviver. A juíza condenou o hospital com base na
figura da perda de chance, que é um dos instrumentos que permite dar resposta à
insuficiência do nexo causal nalgumas situações e que consiste em afirmar que a perda
de chance tem relevância jurídica. Outro instrumento é a inversão do ónus da prova. Com
frequência, chama-se à colação o 344º/2, para se inverter o nexo causal. Outro mecanismo
é a simplificação da prova: chama-se à colação a prova da primeira aparência, a prova
prima facie – ou seja, defende-se que a demonstração de um determinado facto seja
facilitada através da intervenção de juízos de probabilidade e razoabilidade (exemplo:
alguém é submetido a raio x e fica com uma queimadura – demonstra-se que a máquina
de raio x tinha um defeito, sendo que a prova desse defeito é considerada suficiente para
se provar o nexo causal entre o defeito da máquina e a queimadura).
20
A obrigação de indemnizar
Verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil, nasce uma obrigação
de indemnizar. Esta obrigação é comum a todas as modalidades de responsabilidade civil,
todas elas geram a obrigação de indemnizar – ou seja, o que se disser aqui a respeito desta
obrigação vale para todas as modalidades de responsabilidade.
A obrigação de reparação opera, em regra, através da reconstituição natural, que
tem preferência sobre o pagamento de uma indemnização – artigo 566º/1 CC. Exemplo:
se o vidro se partiu, procura-se substituir o vidro.
Contudo, há situações em que não é possível a reconstituição natural, que são as
situações previstas no 566º/1: sempre que a reconstituição natural não seja possível
(quando alguém morra ou o bem danificado seja infungível); quando a reconstituição não
repare integralmente os danos (exemplo: uma pessoa parte uma perna, sendo que a perna
é operada e ela fica bem, mas teve muitas dores); quando a reconstituição seja
excessivamente onerosa para o devedor. Nestes casos, há reparação por equivalente.
Artigo 566º/2 CC: para calcular a indemnização em dinheiro é preciso fazer uma
comparação entre uma situação real (a que existe no momento em que o tribunal vai
decidir) e uma situação hipotética (a que existiria na mesma data se não houvesse lesão).
O legislador manda fazer uma avaliação em concreto. Aplica-se a teoria da diferença: o
montante indemnizatório vai ser o valor da diferença entre as situações referidas. Esta é
a regra, mas há desvios:
Artigo 494º CC: variação da responsabilidade em função da culpa do agente.
Há críticas a este desvio, mas a indemnização não deve ser indiferente à
espécie de culpa. Coloca-se também a questão de saber se isto também se
aplica à responsabilidade pelo risco, que prescinde da culpa: segundo a
professora, aplica-se a parte que pode ser aplicada, que é a parte que não diz
respeito à culpa – artigo 499º CC.
Artigo 570º CC: norma relativa ao concurso de culpa do lesado. Se o lesado
tiver culpa, isso pode determinar um de três resultados: o julgador pode manter
a indemnização no montante que resulta da aplicação do artigo 566º/2; pode
diminuir o montante indemnizatório; e pode excluir a própria indemnização.
Para que tal aconteça estabelecem-se dois requisitos. Em primeiro lugar, o
lesado tem de ter contribuído com o seu comportamento para a produção do
dano – é preciso que o ato do lesado seja concausa do dano produzido ou causa
do agravamento do dano em concorrência com o facto causal do agente. Em
segundo lugar, o lesado tem de ter procedido culposamente (discute-se se o
lesado tem o dever ou o ónus de impedir o dano ou o seu agravamento), sendo
que esta culpa se traduz na diligência que seria adequada a evitar o dano ou o
agravamento desse dano. Se o responsável procedeu com dolo, tem sido
entendido que não deve dar-se relevância à culpa do lesado – a letra do artigo
não indica nada nesse sentido.
Cláusulas de exclusão ou de limitação dos danos ressarcíveis. Estas cláusulas
ganham mais relevância na responsabilidade contratual, por isso vamos
analisá-las nesse domínio. As cláusulas de exclusão da responsabilidade por
atos próprios no domínio contratual não são admitidas, mas as de limitação
21
dessa responsabilidade são. Artigo 800º/2 CC: é permitida a exclusão da
responsabilidade por atos de representantes ou auxiliares. Quid juris no âmbito
da responsabilidade extracontratual? Também aqui são admitidas cláusulas de
limitação da responsabilidade, e mesmo de exclusão da responsabilidade,
desde que não estejam em causa os limites legais traçados no artigo 800º/2
CC. Exemplo: Xavier decide jogar futebol num sítio e acorda com os
proprietários dos prédios vizinhos que não será responsável por danos
causados nas suas casas, ou que só será responsável ate certo limite – é
possível que isto aconteça, mas não é comum.
É preciso fazer referência à obrigação de indemnizar sob forma de renda – artigo
567º CC. Por vezes, os danos causados revestem uma natureza contínua, prolongam-se
no tempo, muitas vezes sem que se possa antecipar o montante desses danos. Nestes casos
é possível que a obrigação de indemnizar revista uma forma continuada: a forma de renda.
Cabe ao lesado requerer que a indemnização seja paga sob forma de renda, se assim
preferir. A respeito do pagamento desta renda, coloca-se um problema: como é que ele
pode ser garantido? Podem ser constituídas garantias, como por exemplo a hipoteca.
Além disso, é possível alterar o montante consoante a variação das necessidades da
indemnização.
22
em estado vegetativo, situação que muito a afeta psicologicamente? A
doutrina foi divergindo nesta matéria.
o Durante muito tempo, a doutrina maioritária respondia negativamente
a esta questão, fundamentando a sua posição em vários argumentos:
Argumento histórico: o projeto de Vaz Serra para este artigo
contemplava a possibilidade de também essas situações serem
abrangidas pela lei, mas essa proposta não foi acolhida pelo
legislador.
A doutrina e a jurisprudência sempre olharam para estas
normas como sendo excecionais e, portanto, insuscetíveis de
aplicação analógica.
Argumento das “floodgates”/barragens: a responsabilidade
civil não pode responsabilizar demasiado, sob pena de atraiçoar
a finalidade que visa prosseguir, deve haver contenção, não se
pode alargar a indemnização “a um bando de chorosos”.
o Há cada vez mais vozes na doutrina, entre as quais a da professora, que
seguem um entendimento diverso, fundando a sua posição no artigo
496º/1 CC: estes são danos que pela sua gravidade merecem a tutela
do direito. São argumentos a favor desta posição:
Tem havido uma tendência na responsabilidade civil de
favorecer o lesado, de cobrir os danos que ele sofre (veja-se a
figura do dano existencial, do dano à existência da pessoa,
criada por Carneiro da Frada).
Acórdão UJ nº6/2014, de 9 de janeiro de 2014: “O STJ,
operando uma interpretação atualista do artigo 496º/1 e do
artigo 483º/1, acolhe, com finalidades de uniformização de
jurisprudência, o entendimento de que esses dois artigos devem
ser interpretados no sentido de abrangerem a compensação dos
danos não patrimoniais, particularmente graves, sofridos pelo
cônjuge da vítima sobrevivente, atingida de modo
particularmente grave.”. Há duas observações a fazer a respeito
deste acórdão. Em primeiro lugar, o STJ, porque limitado pelo
caso que está a julgar, refere-se apenas ao cônjuge, pelo que se
pergunta se este raciocínio poderá também valer para as outras
pessoas mencionadas no 496º. Em segundo lugar, é importante
referir que para que estas situações sejam abrangidas pelo 496º
CC deve verificar-se um critério de dupla gravidade subjetiva:
o lesado direto tem de ser gravemente lesado e o lesado indireto
também tem de sofrer de forma particularmente grave – este é
um critério exigente que se justifica pelo facto de não podermos
alargar muito a responsabilização (a este respeito veja-se o
argumento das “floodgates”, utilizado para defender a posição
doutrinal referida anteriormente).
23
ser ressarcidos. Não era necessário este artigo, já que podíamos chegar a esta
solução de outras formas, mas o legislador entendeu consagrar expressamente
esta norma.
Tem de existir uma comissão – 500º/1 CC. Comissão é o vínculo que une
comitente e comissário e tem sido entendida como qualquer atividade de
qualquer natureza (intelectual ou física; duradoura, esporádica ou temporária;
gratuita ou onerosa) que é realizada por uma pessoa – o comissário –, por conta
e sob direção de outrem – o comitente. A atividade é realizada por conta do
comitente, porque a atuação do comissário se desenvolve no interesse daquele,
visando satisfazer uma necessidade sua; e é realizada sob direção do
comitente, porque este tem de ter um poder que o legitime a dar ordens e
instruções ao comissário e a fiscalizar o seu desempenho, tem de haver uma
relação de autoridade e subordinação, respetivamente. Em regra, uma relação
de comissão pressuporá um vínculo laboral, um contrato de trabalho. Mas já
não poderá haver uma comissão num contrato de empreitada, porque o
empreiteiro atua de forma autónoma. Que espécies de instruções podem ser
dadas para afirmarmos que há direção? Isso tem de ser aferido caso a caso.
Por exemplo, no âmbito de uma intervenção cirúrgica, tem-se entendido que
não há uma relação de comissão entre o cirurgião e o anestesista, porque estão
em causa médicos com especialidades diferentes. Por fim, tem-se entendido
que não é decisivo que o comitente tenha escolhido o comissário, mas já será
importante que ele tenha aceitado que o comissário lhe prestasse serviços, sob
sua direção e por sua conta.
25
propiciar, aumentar, a probabilidade de produção do dano, seja pela sua
natureza, seja pelos instrumentos utilizados. Exemplos: um médico, no
exercício das suas funções, opera a perna errada do paciente – cabe no âmbito
das suas funções, mas se o médico der apenas um murro ao paciente isso já
não caberá; um operário que vem pintar o teto de uma casa e deixa cair tinta
em cima do sofá do cliente – o dano dá-se por causa das funções que
desempenha, mas se se limitar a roubar um objeto já não será assim, aí o dano
dá-se por mera ocasião das funções desempenhadas; António entrega
encomendas por conta e direção de Bernardo e no exercício dessa função sofre
um acidente de viação – o acidente cabe no exercício das funções de António.
26
base do regime da solidariedade – muitas vezes o legislador prevê a solidariedade para
garantir a indemnização do lesado.
Artigo 502º CC: responsabilidade por danos causados por animais. Este artigo
contempla uma hipótese de responsabilidade pelo risco, que prescinde da culpa, basta que
haja uma pessoa a utilizar o animal no seu próprio interesse para ser responsabilizada
pelos danos que o animal causar (essa pessoa é o detentor do animal). Já o artigo 493º/1
CC prevê uma presunção de culpa que recai sobre o vigilante do animal (que pode não
coincidir com o seu detentor), sendo esta uma responsabilidade por factos ilícitos (e que
por isso se articula com o 483º/1). No caso do artigo 493º/1, se o vigilante provar que não
teve culpa, não responderá, enquanto que ao abrigo do artigo 502º, mesmo sem culpa, o
detentor responde. Podem estes dois artigos aplicar-se simultaneamente, mas os regimes
que preveem são diversos.
27
Aula do dia 3 de março
Para que se possa aplicar o disposto no 502º CC e o detentor do animal possa
responder, devem estar preenchidos dois requisitos cumulativos:
Em primeiro lugar, é necessário que alguém utilize o animal no seu próprio
interesse. Em regra, é o proprietário do animal que o utiliza no próprio
interesse, mas pode acontecer que outros utilizem o animal no seu interesse,
nomeadamente aqueles que são titulares de um direito real de gozo sobre o
animal (por exemplo, o usufrutuário), os titulares de direitos pessoais de gozo
cujo objeto é o animal (como o locatário e o comodatário) e até mesmo o
simples possuidor do animal, que não terá sequer um titulo jurídico que o
habilite para tal.
Em segundo lugar, é preciso que os danos causados resultem do perigo
especial do animal. Com esta formulação quer-se abranger todos aqueles
danos que se ligam à natureza particular do animal como ser irracional, são os
perigos próprios, particulares, do animal, os perigos que o animal enquanto
ser irracional comporta. Daqui se retira que não exclui a responsabilidade do
detentor do animal uma situação de força maior ou de caso fortuito (se, por
exemplo, o cavalo se assusta com um relâmpago – esta é uma reação típica de
um ser irracional). Diferentemente, não caberão no âmbito de proteção da
norma os danos que não são específicos do animal – por exemplo, se alguém
tropeça num animal, esse não é um risco especifico do animal.
Pode também haver concurso de responsabilidades do detentor e do vigilante
face ao lesado. O primeiro responderá ao abrigo do artigo 502º CC; o segundo responderá
ao abrigo do 483º/1 conjugado com o 493º/1 CC. O vigilante pode ilidir a presunção de
culpa do 493º/1 ou fazer relevar negativamente a causa virtual – se não o fizer ou se não
o conseguir fazer, é responsabilizado. Sendo os dois responsáveis, eles respondem
solidariamente: é a regra do 497º, que se aplica aqui por força do 499º CC. A
indemnização pode ser exigida na totalidade a qualquer um e o pagamento da mesma
libera ambos. O problema surge nas relações internas. O 497º refere-se, no seu nº2, a um
concurso de culpas, mas deve neste caso fazer-se uma interpretação adaptada do mesmo
e entender-se que há um concurso do risco do animal com a culpa do vigilante, medindo-
se o direito de regresso em função desta culpa e daquele risco – é com base em cada um
desses contributos que o direito de regresso se configurará.
Quid juris se o lesado tem culpa? E se o lesado pratica qualquer ato que provoca
o animal? Deve também aí apreciar-se a gravidade da culpa do lesado e o relevo do risco
do animal, deve ver-se em que medida cada um deles contribuiu para o dano produzido –
faz-se uma aplicação adaptada do artigo 570º CC. A culpa do lesado não conduz
necessariamente ao afastamento da responsabilidade pelo risco.
E se houver culpa de terceiro? Nesse caso haverá um concurso de
responsabilidades entre o detentor do animal, que responderá nos termos do artigo 502º,
e o terceiro, que responderá nos termos do artigo 483º/1. Eles responderão solidariamente
perante o lesado, nos termos do artigo 497º, só que neste caso a culpa do terceiro levará
à exclusão, nas relações internas, do direito de regresso face ao detentor, que só responde
28
pelo risco – isto é, se o terceiro paga integralmente a indemnização, então responderá
definitivamente pelo dano, não haverá direito de regresso face ao detentor do animal.
Há um regime particular previsto para a detenção de animais perigosos ou
potencialmente perigosos, previsto no DL nº315/2009, de 29 de outubro. A respeito
deste DL são importantes os artigos: 3º/b) e c); 10º, que prevê um regime obrigatório de
seguro de responsabilidade civil (os detentores destes animais têm de contratar
obrigatoriamente um seguro que cubra os danos causados pelos seus animais); e 11º, que
prevê expressamente um dever especial de vigilância.
Artigos 503º e seguintes CC: responsabilidade civil por danos causados por
acidentes com veículos de circulação terreste. No 503º/1 CC prevê-se mais uma situação
de responsabilidade objetiva. Os veículos abrangidos por este artigo são todos os veículos
de circulação terrestre, não se faz qualquer limitação, cabem aqui os automóveis, as
motorizadas, as bicicletas, todos os veículos que se destinam à circulação terrestre, até
mesmo os veículos de circulação ferroviária.
Quem responde ao abrigo deste artigo? Devem verificar-se dois requisitos
cumulativos para que alguém responda ao abrigo do 503º/1 CC:
29
veículo) e ambos têm a direção efetiva do veículo. O mesmo se diga para o
comodato, a menos que a sua duração seja tão longa que se justifique que a
direção efetiva se transfira para o comodatário. Pelo contrário, Almeida Costa
e Ribeiro de Faria dizem que não o podemos definir de forma abstrata, temos
de ver as especificidades do caso concreto (como a duração do vínculo) – a
professora concorda com este último ponto de vista.
31
transporte só é oneroso quando há contrapartidas patrimoniais para ambas as
partes, não basta que haja um interesse moral, deve haver um interesse
material, devemos fazer uma análise objetiva da situação, não se deve dar
espaço a grandes subjetividades.
Vejamos as causas de exclusão da responsabilidade pelo risco. Para este ponto
é essencial o disposto no 505º CC, que se aplica aos casos de responsabilidade previstos
no 503º/1. O artigo 505º ressalva o disposto no 570º, que diz respeito aos casos em que
há culpa do lesado – nestes casos, para determinar a responsabilidade, vamos analisar o
contributo do lesado e o contributo do risco do veículo. São, então, causas de exclusão da
responsabilidade:
Facto imputável ao lesado: exige-se uma imputabilidade a título de culpa?
Não, o termo “imputável” é usado com um sentido diferente do presente nos
artigos 488º e 489º. Assim, “imputável” significa atribuível a título de
causalidade. O que está em causa não é saber se o lesado tem capacidade de
querer e entender o ato que praticou, ou seja, para este efeito é irrelevante se
o lesado é ou não suscetível de ter culpa (ser imputável ou inimputável). Posto
isto, não deve o detentor do veículo responder por atos que são causalmente
imputáveis ao lesado. Se o dano fica a dever-se ao lesado, não é um risco
próprio do veículo. Para isto basta que haja uma contribuição do lesado para a
produção dos danos. E quando há uma contribuição do lesado para a produção
do dano, deve essa contribuição ditar sempre a exclusão da responsabilidade?
Temos dois entendimentos na doutrina sobre esta matéria:
o Doutrina do tudo ou nada (Antunes Varela): o concurso de culpa da
vítima para o acidente, ainda que mínimo, deve ser suficiente para
excluir a responsabilidade pelo risco. Não se aceita soluções
ponderativas. São argumentos dados por esta doutrina:
A responsabilidade pelo risco é excecional e é por isso
especialmente onerosa para quem a suporta. Quando o lesado
contribui culposamente, deve haver uma exclusão desta
responsabilidade. Para estes autores, o 570º não se aplica
quando há responsabilidade pelo risco, aplica-se apenas
quando haja concurso de culpas.
Argumentos retirados do 506º e do 507º/2: quando há alguém
que tem culpa no âmbito de um acidente de viação, é essa
pessoa que suporta todos os danos.
Só há uma situação em que há concurso entre risco e culpa do
lesado, que é a situação prevista no 502º.
Argumento de maioria de razão que se retira do 570º/2: quando
a responsabilidade assenta numa presunção de culpa, a culpa
do lesado exclui o dever de indemnizar. Ora, se é assim para
uma responsabilidade que assenta numa presunção de culpa,
tem de ser assim numa responsabilidade que prescinde da culpa
– nestes casos não há culpa, nem sequer presumida, são casos
muito mais excecionais.
o Solução concursal entre culpa e risco, fatores heterogéneos de
responsabilização (Ribeiro de Faria e Calvão da Silva): se para o
32
acidente concorrer o perigo especial do veículo e o facto culposo do
lesado, nesse caso pode apenas atenuar-se a responsabilidade do
detentor do veículo. Só se exclui a responsabilidade pelo risco se o
acidente for totalmente devido ao facto do lesado. A indemnização a
pagar pelo detentor do veículo será calculada tendo em consideração
uma distribuição dos danos pelo risco do veículo e pela culpa do lesado
– aqui recorre-se a critérios ponderativos, vai pesar-se a gravidade e o
contributo causal de cada um dos fatores. São argumentos a favor desta
posição doutrinal:
O aumento de riscos que a circulação automóvel causa também
cria, para os peões, um nível de cuidado superior.
A responsabilidade pelo risco é excecional, sim, mas à luz deste
entendimento o detentor só responde pelos danos que se ligam
ao risco próprio do veículo, não por todos os danos.
A responsabilidade pelo risco é excecional, mas está sujeita a
limites quantitativos, previstos no 508º.
Num caso como este devemos aplicar analogicamente o 570º/1.
Para esse resultado contribui a ressalva inicial que está no 505º,
que remete precisamente para o 570º.
33
Assento 14/04/1983: a presunção de culpa aplica-se nas relações externas, nas
relações com o lesado, o lesado aproveita desta presunção.
Esta presunção aplica-se no caso de colisão de veículos, previsto no artigo
506º (por exemplo, há um embate entre o carro de B conduzido por A e o carro
de X)? Assento 26/01/1994: esta presunção aplica-se nos casos de colisão de
veículos. Nos termos do 506º, se alguém tem culpa, é essa pessoa que vai
responder – essa culpa tem de ser provada ou pode ser presumida? O STJ vem
dizer neste assento que a culpa pode assentar numa mera presunção. Se não
ilidir esta presunção, o comissário vai responder ao abrigo do 503º/3/1ª parte
conjugado com o 483º/1, e responderá também o comitente enquanto tal, nos
termos do 500º. Por que motivo se acolheu este entendimento? São vários os
argumentos que sustentam esta posição: em princípio, aquele que conduz o
veículo no exercício das suas funções é um condutor profissional (embora nem
sempre seja assim); como em regra é um condutor profissional, terá mais
facilidade em ilidir a presunção; ao aplicar-se a presunção a estes casos
desempenha-se uma função pedagógica para o comissário e para o comitente,
que assim serão mais cuidadosos – o comitente evitará exigir ao comissário a
condução por um número de horas excessivo, por exemplo. Este não é um
entendimento pacífico, há quem diga que a posição exposta viola o princípio
de igualdade, já que trata como diferente aquilo que não é necessariamente
diferente – muitas vezes, o comissário pode não ser um condutor profissional.
Colisão de veículos – artigo 506º CC: caso em que vários veículos embatem uns
nos outros. A previsão deste artigo abrange qualquer choque entre veículos, estejam os
dois em andamento, esteja apenas um deles em andamento – abrange, portanto, o
abalroamento. A este respeito podemos distinguir várias situações:
34
Se só um dos condutores dos veículos intervenientes no acidente interveio com
culpa, apenas ele responderá, ao abrigo do 483º/1, por todos os danos. Cumpre
lembrar que se houver um veículo conduzido por um comissário, há uma
presunção de culpa que recai sobre ele (503º/3/1ª parte), nos termos em que
vimos: se ele não a ilidir, responde ele (483º/1 conjugado com o 503º/3/1ª
parte) e o comitente (500º), por todos os danos e sem os limites do 508º.
Se ambos os condutores dos veículos intervenientes têm culpa, então ambos
respondem nos termos do 483º/1, sendo que se aplica também o 570º, dado
que ambos são lesantes e lesados. Se não se conseguir provar o montante das
culpas, esse montante presume-se igual para ambos – 506º/2.
Se não há culpa de nenhum, só vai intervir a responsabilidade pelo risco, a
responsabilidade por factos ilícitos não intervém.
o Ou os danos produzidos se devem apenas a um dos veículos, caso em
que a responsabilidade objetiva do 503º/1 é imputada apenas ao
detentor desse veículo;
o Ou há uma concausalidade para a produção dos danos, isto é, ambos
os veículos contribuem para a produção dos danos, caso em que vão
responder os detentores de ambos os veículos. Mas como vão
responder? Nestes casos, vamos aplicar o 506º/1: eles vão responder
segundo a contribuição causal de cada um dos veículos – ou seja, se
um dos veículos contribui mais para a produção de danos, então o seu
detentor vai responder mais. Para este efeito, tem de se fazer uma
operação tripla: num primeiro momento, têm de se somar todos os
danos produzidos; depois, tem de se identificar qual a contribuição
causal de cada um dos veículos para os danos – para tal, vai-se atender
a um conjunto de características dos veículos (o seu peso e a
velocidade a que iam, por exemplo); em terceiro lugar, vai projetar-se
o número a que se chegou no segundo momento sobre o número que
se encontrou na primeira fase. Exemplo: o valor dos danos é de 600
euros, sendo que um dos veículos contribuiu em 1/3 e o outro em 2/3
para esses danos – assim, o primeiro vai responder por 200 euros e o
segundo por 400 euros.
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este artigo no âmbito da responsabilidade pelo risco, aquele que não teve culpa
será tratado de forma mais desfavorável do que aquele que atuou com culpa.
Na nossa doutrina desenvolveram-se alguns entendimentos sobre esta matéria:
o Uma parte da doutrina, representada sobretudo por Vaz Serra, veio
dizer que o 494º não se aplica aos acidentes produzidos com culpa
quando o dano produzido seja igual ou inferior aos limites do 508º –
até esses limites não aplicamos o 494º.
o Outro entendimento é o de Antunes Varela, que vem defender que o
494º é aplicável aos acidentes de viação produzidos com culpa,
qualquer que seja o montante dos danos, mas aplica-se também quando
não haja culpa, na parte em que possa ser aplicado – isto é, na
ponderação de outros fatores (que não “o grau de culpabilidade do
agente”) a que se refere o 494º, como a situação económica do lesante.
o Ribeiro de Faria vem dizer que o 494º se aplica a todos os acidentes,
com ou sem culpa, mas quando os danos fiquem aquém dos limites do
artigo 508º, em qualquer caso, só podemos ponderar os outros fatores
a que se refere o 494º (este artigo só se aplicará na parte que não faz
referência à culpa).
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O fundo de garantia automóvel está nos artigos 47º e seguintes do mesmo DL e
destina-se a efetivar a responsabilidade civil decorrente de acidentes de viação em duas
situações: quando o responsável pelo acidente é conhecido, mas não beneficia de um
seguro válido e eficaz; e quando o responsável civil é desconhecido. Este fundo visa
garantir que o lesado nunca fique sem reparação. Aqui opera a socialização do risco de
que falámos – todos contribuímos para este fundo, que tem como fim garantir a
indemnização do lesado.
Quando há um acidente de viação e há danos provocados, pode haver a
apresentação de uma proposta razoável para a indemnização do dano corporal. Os
critérios para fixação dessa indemnização estão na Portaria 377/2008, de 26 de maio.
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Aula do dia 23 de março
38
apenas uma fração do crédito/débito comum. A conjunção pressupõe, por isso, que a
prestação seja divisível.
Há aqui uma pluralidade de vínculos que têm alguma autonomia, apesar dos
aspetos unificadores a que já nos referimos. Esses aspetos unificadores/globalizantes
são a determinação global do objeto da prestação – a prestação é determinada de uma
forma global – e a comunhão/unidade de causa – os vários créditos/débitos de todos os
intervenientes nesta relação obrigacional nascem do mesmo facto jurídico. Exemplo: A
empresta a B e a C 20 mil euros – temos, por um lado, uma definição global da prestação
e, por outro lado, um facto (neste exemplo, o contrato de mútuo) do qual procedem os
vários vínculos jurídicos que esta relação origina. Outro exemplo: A e B emprestam a C
os 20 mil euros. Mas a conjunção pode ser ativa e passiva ao mesmo tempo, pode ser
dupla: por exemplo, A e B emprestam 40 mil euros a C e a D – vamos ter um vínculo a
ligar A a C, outro a ligar A e D, outro a ligar B e C e outro ainda a ligar B e D. Neste
último tipo de situações (em que há uma conjunção simultaneamente ativa e passiva), vão
existir tantos vínculos quanto o produto do número de titulares do lado ativo pelo número
de titulares do lado passivo (no nosso exemplo, 2 vezes 2 dá 4, pelo que vão existir 4
vínculos).
Na conjunção, os vínculos jurídicos gozam de autonomia. Quer isto dizer que
cada vínculo está imune às consequências dos atos ou dos factos jurídicos que são
praticados pelos restantes sujeitos ou por terceiros. Exemplo: A empresta 10 mil euros a
B e a C; A vai poder exigir a B 5 mil euros e a C 5 mil euros também, se as suas quotas
forem iguais; se a dívida de B prescreve, A não vai poder exigir a C os 5 mil euros que B
lhe devia, apenas vai poder exigir os 5 mil euros correspondentes à dívida de C para com
A; se, por outro lado, B faz operar a compensação, extinguindo a dívida que tinha em
relação a A, esse facto também não se repercute na relação que une A e C.
Os vários vínculos gozam de uma vida autónoma, mas isto não significa que a
comunhão de origem não tenha efeitos. Ela tem efeitos desde logo no que concerne ao
sinalagma funcional. Exemplo: A vende a B e a C 10 toneladas de madeira por 60 mil
euros, sendo que B e C só recorrem a um contrato conjunto por haver uma vantagem a
nível de preços (isto é, se B comprasse as suas 5 toneladas e C comprasse as suas, isto
sair-lhes-ia mais caro do que se comprarem as 10 toneladas em conjunto) – como nada se
disse, pode concluir-se que esta dívida é conjunta, pelo que A pode exigir a B 30 mil
euros e a C 30 mil euros. B paga os seus 30 mil euros, mas C não paga os seus. Os vínculos
são autónomos. Se esta autonomia fosse plena, podíamos pensar numa hipótese em que
A não poderia fazer repercutir no seu vínculo com B a mora de C. Mas não é assim: o
vendedor, A, pode recusar-se a entregar as 10 toneladas de madeira enquanto não obtiver
o preço total devido, os 60 mil euros. Essa comunhão de origem tem também efeitos no
que respeita à possibilidade e aos efeitos da resolução. Partindo da hipótese dada no
exemplo anterior, imaginemos que A, o vendedor, não entrega a madeira. Pode só um dos
compradores resolver o contrato em virtude da mora de A? Não. Tem de haver uma
atuação concertada dos dois compradores, dos dois credores da madeira. Apesar da
autonomia dos vínculos em causa, a sua comunhão de origem vai repercutir-se no regime
a aplicar às relações jurídicas.
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A conjunção pode ser originária ou pode surgir supervenientemente (exemplo: A
vendia a B as 10 toneladas de madeira, só que, entretanto, B falecia, sucedendo-lhe C e
D – não estando convencionado nada em sentido oposto, não ditando a lei um regime
diverso, aplicar-se-ia a esta pluralidade o regime da conjunção).
Como dissemos anteriormente, o regime da conjunção é o regime-regra – é isso
que se retira do artigo 513º CC. Se não resultar da lei ou da vontade das partes, não se
aplica o regime da solidariedade. Se não se aplica o regime da solidariedade, vai aplicar-
se o regime da conjunção. Esta é a regra no Direito Civil, apesar de não ser assim no
Direito Comercial.
O regime da conjunção não serve de uma forma muito satisfatória os interesses
do credor. Por um lado, ele vai ter de exigir o cumprimento a cada um dos devedores.
Por outro lado, por exemplo, ele vai suportar os riscos inerentes à insolvência de um dos
credores (exemplo: A vende a B e a C 10 toneladas de madeira por 60 mil euros, sendo
que cada um deles lhe deve o pagamento de 30 mil euros – se B ficar insolvente, A não
pode exigir a C os 30 mil euros que B lhe devia, se há uma insolvência quem suporta os
riscos é o credor).
Vistas as obrigações conjuntas, passemos ao regime das obrigações solidárias.
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extinção da obrigação e fá-lo em relação a todos os condevedores. Estes traços
característicos são cumulativos.
Exemplo: A emprestou a B e a C 40 mil euros; A pode exigir a B 40 mil euros e
pode exigir a C 40 mil euros – A pode exigir a qualquer um a totalidade, não tem de o
fazer obrigatoriamente, mas essa possibilidade está em aberto. Temos aqui o dever de
prestação integral. Se B cumprir, a dívida extingue-se para ele como para C; se C cumprir,
a dívida também se extingue para os dois. Esta é uma ilustração do efeito extintivo
recíproco.
Já na solidariedade ativa, qualquer credor tem o direito de exigir ao devedor a
prestação por inteiro. Sendo efetuada a prestação, esse cumprimento vai exonerar o
devedor face a todos os credores. Assim, temos como notas características da
solidariedade ativa: o direito à prestação integral (qualquer credor tem o direito à
prestação integral, tem o direito a exigir o cumprimento integral), por um lado; e o efeito
extintivo comum a todos os credores, por outro lado. Estes dois traços são também
cumulativos.
Exemplo: A e B emprestaram a C 40 mil euros, o que quer dizer que C tem de
restituir 40 mil euros a A e B. Quer o A, quer o B, podem exigir os 40 mil euros ao C.
Temos aqui o direito à prestação integral. Se C cumprir perante A, a dívida extingue-se
perante A e perante B. Aqui temos demonstrado o efeito extintivo comum.
Um aspeto característico da solidariedade é a solidariedade no risco. No caso da
solidariedade passiva, se um dos devedores se tornar insolvente, quem suporta as
consequências da insolvência são os restantes condevedores. Exemplo: A emprestou a B
e a C 40 mil euros – se B ficar insolvente, A continua a poder exigir os 40 mil euros a C.
No caso da solidariedade ativa, se o devedor cumprir perante um dos credores e o credor
que recebeu a prestação se tornar insolvente, quem suporta as consequências dessa
insolvência são os outros concredores. Exemplo: A e B emprestam a C 40 mil euros – se
C cumprir perante A, a dívida extingue-se face a A e a B, mas se A se tornar insolvente é
B quem vai arcar com as consequências dessa insolvência.
As relações internas são aquelas que ligam os vários condevedores ou os vários
concredores. Nestas relações, em regra, cada um dos condevedores deve apenas uma
quota da prestação e a cada um dos concredores cabe o direito a uma quota do crédito
comum. Presume-se que a participação no crédito/débito comum é igual – é isso que
resulta do 516º CC. Esta é a regra, mas pode não ser assim. Há situações em que o peso
do débito comum recai apenas sobre um dos condevedores. Exemplo: quando há
responsabilidade do comitente e do comissário ao abrigo do 500º e do 483º/1,
respetivamente, o lesado pode exigir a qualquer um deles a indemnização, sendo que o
cumprimento por parte de qualquer um deles extingue a obrigação. Tendo o comitente
pago a indemnização e não tendo culpa, ele vai ter um direito de regresso total nas
relações internas; se for o comissário a pagar, e tendo apenas ele culpa, ele vai suportar
definitivamente a indemnização paga e não terá direito de regresso. Até se duvida da
classificação destas situações como situações de solidariedade, há quem fale numa
solidariedade imperfeita. O regime do artigo 500º é um exemplo de solidariedade
imperfeita.
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A determinação das quotas pode resultar de uma manifestação de vontade das
partes, que o podem fazer expressa ou tacitamente, ou pode resultar da lei. Quando as
partes não estabeleçam essas quotas, então elas presumem-se iguais para todos. Contudo,
há casos em que é a própria lei que estabelece critérios para se determinar as quotas: é o
caso do 497º/2 CC (a determinação das quotas faz-se à luz da culpa).
O justifica a solidariedade? No caso da solidariedade passiva, o regime da
solidariedade protege o credor, promovendo o crédito, o tráfego jurídico-negocial. E
protege o credor nomeadamente em relação ao risco de insolvência de qualquer um dos
obrigados. Um credor prudente optará, por isso mesmo, por este regime. É por isso que
se prevê, no âmbito da responsabilidade civil, a solidariedade entre os lesantes: deste
modo, o lesado poderá exigir de qualquer um a indemnização. Aquele que cumprir
extingue a obrigação para todos, nascendo depois um direito de regresso nas relações
internas, nos termos em que vimos. Pode até a quota de um dos corresponsáveis nas
relações internas ser igual a zero, porque não tem culpa – esse responsável funcionou
apenas como garante da indemnização perante o lesado.
Se a explicação do porquê de existir a solidariedade passiva é simples, a
explicação da solidariedade ativa é mais difícil, porque esta última é menos útil, é mais
controversa, mais difícil de sustentar, a sua utilidade prática para os credores é muito
limitada. Quando A e B emprestam a C 10 mil euros, o interesse em consagrar a
solidariedade ativa de A e B seria fundamentalmente o interesse que resulta da
possibilidade de a intervenção de um deles dispensar a intervenção do outro. Ora, essa
finalidade pode alcançar-se através de uma representação recíproca, nos termos do 265º/2,
sendo a procuração livremente revogável – se A perder a confiança que tinha em B, pode
revogar a procuração (e o mesmo se diga no sentido inverso). As vantagens que se
atingem com a solidariedade ativa conseguem-se por esta via, e de uma forma menos
arriscada – é que a solidariedade ativa compreende o risco de a insolvência de um dos
credores se repercutir no outro credor: no exemplo que vimos, pagando C os 10 mil euros
a A, a sua dívida extingue-se perante A e perante B, cabendo a A entregar a B a quota que
lhe é devida; mas se A se tornar insolvente, quem suporta o risco dessa insolvência é B.
Assim, a opção pela solidariedade ativa dificilmente se explica na perspetiva dos
credores. Mas na perspetiva do devedor poderíamos dizer que ele tem interesse nesta
opção, porque assim pode cumprir perante um ou perante o outro – contudo, este não é
um interesse que justifique de forma acentuada a opção por este regime. Daí que a
solidariedade ativa seja muito pouco frequente. Já a solidariedade passiva é bastante
frequente.
Solidariedade passiva
Dada a sua importância, vamos estudar a solidariedade passiva, que está regulada
nos artigos 518º e seguintes CC. O regime da solidariedade passiva só se aplica quando
tal resultar de convenção das partes ou da lei. A manifestação de vontade das partes no
sentido de se aplicar este regime pode fazer-se de forma expressa ou de forma tácita –
aplicamos aqui o 217º CC. Esta solidariedade convencional (a que resulta da vontade das
partes) é muito frequente. Para além desta temos a solidariedade que resulta da lei, à qual
podemos dar o nome de solidariedade legal. Já sabemos que no Direito Civil não há uma
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opção geral pelo regime da solidariedade, antes pelo contrário, já que o regime-regra no
Direito Civil é o da conjunção. No entanto, ainda no âmbito do Direito Civil, encontramos
muitas normas em que o legislador entendeu dever prever o regime da solidariedade: os
artigos 497º, 507º, 467º, 595º/2, 649º, 901º, 1139º, 1169º, 1342º/2, 1531º/1, 1695º e 2128º
do Código Civil. No Direito Comercial, nos termos do artigo 100º do Código Comercial,
a regra é a da solidariedade.
Dentro da solidariedade passiva há que distinguir as relações externas das relações
internas. As relações externas são aquelas que se estabelecem entre o credor e os
condevedores solidários; as relações internas são aquelas que se vão estabelecer entre o
devedor que cumpre (e que, por isso, extingue a obrigação) e os demais condevedores.
Comecemos pelas relações externas. Como já vimos, a solidariedade passiva é
estabelecida em benefício do credor. Isso traduz-se precisamente no facto de o credor
poder exigir a prestação, judicial ou extrajudicialmente, no todo ou em parte, apenas
a um dos devedores, podendo também interpelar todos os devedores para o cumprimento
integral da prestação. Mas o que importa reter é que há a possibilidade de exigir a um dos
condevedores a totalidade da prestação, independentemente do quinhão que, nas relações
internas, àquele concreto condevedor corresponda. Ou seja, o credor, no exercício do seu
direito em relação aos condevedores, pode fazer uma de três coisas: pode exigir de
qualquer um deles a totalidade da obrigação; pode exigir de qualquer um uma parte dessa
obrigação, seja ela correspondente àquele quinhão ou não; e pode ainda exigir de todos
os devedores a prestação, total ou parcialmente. Importa sublinhar que se o credor exigir
a um dos condevedores uma parte da obrigação, esse condevedor pode realizar a prestação
por inteiro – é o que se retira do artigo 763º/2 CC. Se o credor recusar essa entrega sem
motivo justificado, ele entra em mora – dá-se uma situação de mora do credor, prevista
no artigo 813º CC. A mora do credor aproveita a todos os condevedores – 528º CC.
Se o credor optou pela via judicial para interpelar um dos condevedores, ele vai
ter de prosseguir com a ação até à execução contra esse condevedor, dado o incómodo
que daí já resultou para o condevedor interpelado. Isto só não será assim se houver
insolvência – ou risco de insolvência – do devedor interpelado, ou se houver outra
dificuldade em obter desse condevedor a prestação. Se a execução contra ele se mostrar,
por qualquer razão, particularmente onerosa ou morosa, pode o credor, nos termos do
519º CC (e só nas hipóteses nele previstas), demandar outro ou outros condevedores. Se
só um dos condevedores tiver sido interpelado judicialmente, ele pode chamar os restantes
condevedores à demanda. Isto não libera o condevedor interpelado de efetuar a prestação
na sua totalidade (518º CC), mas há vantagens em fazer operar este chamamento à
demanda: por um lado, o condevedor interpelado conseguirá obter e aproveitar uma
cooperação processual dos restantes condevedores; por outro lado, em caso de
condenação no cumprimento, ele conseguirá obter um título executivo que lhe vai
permitir, sem mais, exercer o direito de regresso contra os demais condevedores.
Temos analisado as relações externas da perspetiva do credor. Mas e quanto ao
lado passivo? Quanto a este, qualquer um dos condevedores pode, vencida a
obrigação, efetuar o cumprimento, desde que o faça por inteiro. Cumprida a
obrigação, vai nascer um direito de regresso, que vamos estudar quando virmos as
relações internas. Quid juris se outro condevedor já tiver cumprido? Se assim for, o
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condevedor que cumpre em segundo lugar tem direito de repetição do indevido contra o
credor. Exemplo: B, C e D devem solidariamente 120 mil euros a A; vencida a obrigação,
qualquer um dos condevedores pode entregar a A, em cumprimento, os 120 mil euros; se
C cumprir quando B já tinha cumprido (sendo que o cumprimento de B fez operar a
extinção da obrigação), haverá lugar ao direito à repetição do indevido – C, que cumpriu
depois de B, tem o direito de exigir do credor a restituição do indevido. Para além disso,
impunha o princípio da boa-fé, que deve aplicar-se no cumprimento das obrigações (tal
como resulta do 762º/2 CC), que o devedor que cumpriu primeiro deveria ter avisado os
outros que já tinha cumprido – não tendo cumprido este dever decorrente da boa-fé, ele
pode ser chamado a reparar os danos que o incumprimento desse dever tenha causado aos
seus condevedores.
Vejamos, ainda nas relações entre credor e condevedores, quais os meios de
defesa que o OJ disponibiliza. Da leitura do artigo 514º/1 CC resulta uma distinção entre
meios pessoais de defesa e meios comuns de defesa.
Comecemos pelos meios comuns de defesa, que se chamam assim por atingirem
a relação obrigacional complexa no seu todo, por se referirem a todos os condevedores
(todos os condevedores podem invocá-los). Quando é que há meios comuns de defesa?
Estes meios de defesa têm a ver com a causa da obrigação ou com o funcionamento da
obrigação como um todo. Exemplos: há uma impossibilidade originária da obrigação, o
seu objeto é impossível – isto gera a invalidade do NJ; há incapacidade do credor; há uma
nulidade por vício de forma, por violação do título constitutivo da obrigação; o credor
pelo seu comportamento dá origem a uma causa de resolução do negócio constitutivo da
obrigação; o comportamento do credor dá origem a uma causa para se invocar a exceção
do não cumprimento. Em qualquer destes casos estamos perante meios de defesa comuns,
que podem ser invocados por todos os condevedores, por qualquer um deles.
Vamos agora falar dos meios de defesa pessoais. Eles são assim chamados porque
têm uma conexão individualizada a um determinado condevedor, respeitam a um
concreto vínculo que faz parte da relação obrigacional complexa, reportam-se apenas a
um dos condevedores. Estes meios de defesa vão afetar a relação que se estabelece entre
o credor e um dos condevedores. Sendo pessoais, estes meios de defesa só podem ser
invocados pelo condevedor a que respeitam. No entanto, os seus efeitos podem ser
diversos, variando em função do facto que lhes serve de base, daí que se possa estabelecer
três subdistinções:
Meios de defesa pessoais que aproveitam exclusivamente ao condevedor que
os invoca – são os meios de defesa puramente pessoais. Estes meios só podem
ser invocados pelo condevedor a que dizem respeito. Quando invocados por
ele, aproveitam apenas a ele, prejudicando os demais condevedores quanto ao
direito de regresso. São exemplos de meios pessoais de defesa desta primeira
subespécie a anulabilidade por vício de vontade de um dos condevedores (por
haver uma situação de erro, por exemplo), a incapacidade de um dos
condevedores e a não verificação de uma condição ou termo que diz respeito
apenas a um dos condevedores.
Este regime resulta do artigo 519º/2. Mas como é que ele funciona na prática?
Exemplo: B, C e D devem 120 mil euros a A. Imaginando que a vontade de B
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estava viciada e que é anulada a sua declaração de vontade por causa desse
vício, vão responder pelos 120 mil euros o C e o D – B exonera-se, mas a
dívida mantém-se imutável. Se C responder por esse valor, só vai ter direito
de regresso face a D, não terá direito de regresso face a B – por isto é que se
diz que estes são meios de defesa que aproveitam apenas ao condevedor que
os pode invocar, prejudicando o direito de regresso dos demais.
Há quem defenda que a anulação quanto a um dos devedores pode arrastar
reflexamente a anulabilidade das declarações de vontade dos outros
condevedores, ao abrigo do 252º CC – para que tal aconteça, é preciso que os
requisitos do 252º estejam preenchidos.
Meios de defesa pessoais que, embora só possam ser invocados pelo devedor
a que respeitam, depois dessa invocação aproveitam a todos os condevedores.
Uma vez invocados pelo devedor a que respeitam, estes meios de defesa
podem ser opostos pelos demais condevedores ao credor. Um exemplo destes
meios é a compensação (847º e seguintes CC).
Como operam estes meios de defesa? Exemplo: A é credor de 120 mil euros
face a B, C e D. A interpela B para cumprir e este, em vez de entregar o
dinheiro, declara a compensação (vamos imaginar que B é credor de A no
valor de 150 mil euros por causa de uma outra relação obrigacional),
extinguindo a dívida de 120 mil euros (e passando a dívida de A para com B
a ser apenas de 30 mil euros). Só B é que pode fazer operar a compensação
(848º/1), porque só ele é que é credor daqueles 150 mil euros resultantes de
uma outra dívida, mas, uma vez invocada a compensação, nos termos do
851º/2 conjugado com o 523º, ela extingue a dívida de 120 mil euros face a
todos os condevedores – há um efeito extintivo recíproco, a compensação
equivale ao cumprimento. Nas relações internas, B torna-se credor de C e de
D pela quota que caiba a cada um deles (se as quotas forem iguais, ele pode
exigir 40 mil euros ao C e o mesmo valor a D).
Meios de defesa pessoais que, como tal, só podem ser invocados pelo
condevedor a que respeitam, mas que quando invocados só a esse condevedor
exoneram perante o credor, não beneficiando nem prejudicando os demais
condevedores, porque não impedem o exercício do direito de regresso. Um
exemplo destes meios de defesa é a prescrição, que pode ocorrer apenas
quanto a um dos condevedores sem ocorrer quanto aos demais, ela corre
autonomamente em relação a cada um dos condevedores – as causas que
suspendem ou interrompem a prescrição a respeito de um dos condevedores
não afetam os demais. A dívida de um deles pode prescrever sem que as dos
demais também prescrevam. O devedor cuja dívida tenha prescrito pode
invocar a prescrição face ao credor para não cumprir. Contudo, se um dos
condevedores for obrigado a cumprir, nomeadamente porque a sua dívida não
se encontra prescrita, ele tem direito de regresso contra todos os devedores,
mesmo contra aqueles cujas dívidas estão prescritas. A prescrição libera o
condevedor em causa perante o credor, mas nas relações internas não prejudica
o exercício do direito de regresso. Mas temos de ter em atenção o disposto no
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artigo 521º/2: se um dos condevedores não invoca a prescrição podendo tê-la
invocado e cumpre, depois não pode exercer o direito de regresso contra os
condevedores cuja dívida esteja prescrita e que tenham invocado a prescrição.
Também pertence a esta terceira submodalidade de meios pessoais de defesa
a remissão em que o credor reserve por inteiro o seu direito contra os restantes
condevedores – é o que resulta do 864º/2.
46
caracteriza-se pelo facto de se reunir na mesma pessoa as qualidades de credor
e de devedor, e vai ter por efeito a extinção do crédito e do débito. Partamos
do exemplo que temos dado até agora e consideremos que A, o credor, falece.
B é o herdeiro universal de A e enquanto tal vai adquirir o ativo e o passivo
do património hereditário, pelo que vai encabeçar os créditos de A que não se
tenham extinguido com a sua morte. B, que até agora era condevedor dos 120
mil euros, passa a assumir também a qualidade de credor desse valor. Se não
houvesse aqui uma obrigação solidária, se B fosse o único devedor, a
obrigação extinguia-se em virtude da factualidade descrita. Contudo, estamos
a tratar de uma obrigação solidária. Para estas obrigações, o legislador previu
um regime especial no 869º. Vamos focar-nos no 869º/1, dado estarmos a
estudar a solidariedade passiva. Diz-nos, então, o nº1 do 869º que aqui a
confusão também tem um efeito extintivo, mas esse efeito extintivo limita-se
à parte da dívida relativa ao devedor que se tornou credor. Peguemos
novamente no nosso exemplo e vamos pressupor que a quota de cada um dos
condevedores era igual, pelo que cada um deles devia 40 mil euros. Por
aplicação do 869º/1, a dívida de 120 mil euros vai extinguir-se parcialmente,
no valor de 40 mil euros, passando a ser de 80 mil euros. Por estes 80 mil euros
vão responder C e D, que continuam a ser condevedores solidários de uma
dívida que foi reduzida em virtude da confusão. Se, entretanto, C ficar
insolvente, a quota dele vai repartir-se entre D, o outro condevedor
(relembramos que agora são apenas dois os condevedores, C e D), e B, que se
tornou credor. Reformulando: B, o novo credor, vem exigir a D o pagamento
dos 80 mil euros. D, depois de pagar, podia exigir a C, através do direito de
regresso, os 40 mil euros que lhe cabiam, só que este está insolvente. Esta
quota de 40 mil euros vai repercutir-se não só na esfera de D, mas também na
de B, que, entretanto, se tornou credor.
47
E se o objeto entregue tem um valor inferior àquilo que era devido? O credor
podia não aceitar esse objeto, claro, mas estamos a partir do pressuposto que
aceitou. Neste caso, grande parte dos autores vem dizer que tem de se
recalcular o montante do exercício do direito de regresso (imaginado agora
que a coleção de quadros valia apenas 90 mil euros, e aplicando o raciocínio
destes autores, o exercício do direito de regresso deixaria de corresponder aos
iniciais 40 mil euros e passaria a ter o valor de 30 mil euros, a terça parte dos
90 mil euros, valor da coleção de quadros). Tem de se recalcular esse montante
para evitar que através da dação em cumprimento ocorra um enriquecimento
indevido do condevedor que entrega aquele objeto à custa dos demais
condevedores. Ribeiro de Faria não se mostra confiante em relação a esta
posição, porque entende que é necessário averiguar qual foi a razão que levou
o credor a aceitar um objeto com um valor inferior ao montante que era devido.
Segundo este autor, deve ser feita uma indagação cuidadosa das circunstâncias
do caso, da vontade que intervém. É que pode ter havido uma intenção de
beneficiar o condevedor que faz a entrega: o credor podia querer realizar uma
liberalidade apenas em favor de B – se assim for, no nosso exemplo haverá
um direito de regresso de B no valor de 40 mil euros face aos outros
condevedores.
Por fim, vamos referir-nos à remissão, mais uma forma de extinção das
obrigações. Ela está prevista nos artigos 863º e seguintes CC e assenta num
contrato entre o credor e o devedor, podendo esse contrato ser oneroso ou
gratuito. A remissão não se confunde com a renúncia, que é um ato unilateral;
ela assenta num contrato. O credor pode conceder a remissão a um dos
condevedores solidários. Essa remissão libera os condevedores, mas apenas
na parte relativa ao condevedor exonerado. Exemplo: A é credor de B, C e D
em 120 mil euros, e opera a remissão da dívida do B, por contrato celebrado
entre A e B. A estes casos aplicamos o 864º/1 CC: sendo as frações iguais (40
mil euros a cada um), a remissão vai operar uma redução da dívida dos 120
mil euros para os 80 mil euros. A vai continuar a poder exigir esses 80 mil
euros quer ao C, quer ao D. Se, todavia, se der a insolvência de C ou de D, a
quota do condevedor insolvente vai repercutir-se nos demais, inclusivamente
naquele cuja dívida foi remitida. Ou seja, se C pagar a A e se no exercício do
direito de regresso se deparar com a insolvência de D, a quota de D – os 40
mil euros que lhe cabiam – vai ser repartida entre C e B, cuja dívida foi
remitida.
O legislador admite que a remissão possa ter efeitos diferentes no caso da
solidariedade e diz, por isso, no 864º/2, que se o credor reservar o seu direito
por inteiro – isto é, se reservar o seu direito à totalidade da prestação (no nosso
exemplo, o direito aos 120 mil euros) – contra os outros condevedores,
conservam estes por inteiro também o direito de regresso contra o devedor
exonerado. Nesta última situação não há uma extinção parcial da dívida, ela
continua a ser de 120 mil euros. No entanto, o credor está, assim, a dizer que
não vai exigir nada de B, daí que nestes casos se chame àquele contrato pactum
de non petendo. Quando A exigir os 120 mil euros ou ao C ou ao D, aquele
que satisfizer o interesse do credor mantém o direito de regresso face ao
48
devedor cuja dívida foi remitida. Portanto, pode dar-se uma remissão ou da
espécie do nº1 do 864º, que é a regra, ou da espécie do nº2 do mesmo artigo.
É preciso distinguir o pactum de non petendo dos casos em que o credor
renuncia à solidariedade em favor de um (ou mais do que um) dos
condevedores, casos esses que estão especialmente previstos no artigo 527º
CC. Partindo, mais uma vez, do nosso exemplo, o A pode renunciar à
solidariedade em beneficio de B: isto significa que, em relação a B, só pode
ser exigido no máximo a quota que ele tem na dívida comum (no caso, 40 mil
euros). A renúncia à solidariedade face a B não afeta o direito que A tem de
exigir integralmente a prestação a C e a D.
49
impossibilidade (B, no nosso caso). Se a impossibilidade fosse imputável a B
e a C, responderiam solidariamente os dois por aqueles 50 mil euros.
o Havendo uma impossibilidade que não é imputável a nenhum dos
condevedores, nos termos do 790º CC, extingue-se a obrigação,
estendendo-se esse efeito extintivo a todos os condevedores.
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o Se, por outro lado, estivermos a falar de um caso julgado absolutório,
o legislador permite que os condevedores que não foram parte no
processo possam invocar esse caso julgado e possam opô-lo contra o
credor, desde que o caso julgado não se baseie num meio de defesa que
seja pessoal do condevedor que foi parte na ação. Entendeu-se que não
havia aqui interesses legítimos que justificassem uma outra solução,
que não havia comportamentos menos lícitos que pudessem ser
promovidos com esta solução. Se a decisão se basear, por exemplo, na
incapacidade do condevedor demandado ou na prescrição do seu
débito, então ela já não poderá ser invocada pelos condevedores que
não foram parte no processo, já que estes são meios de defesa que
respeitam apenas ao condevedor demandado.
51
Vamos analisar agora os casos em que há insolvência. Vamos imaginar que um
dos condevedores se torna insolvente. Como sabemos, uma das vantagens principais da
solidariedade passiva para o credor é a de que o risco de insolvência de um dos
condevedores vai projetar-se nos demais – há uma assunção por parte da comunidade dos
condevedores desse mesmo risco. Não vai ser o credor a suportar as consequências
negativas da insolvência de um dos condevedores. O que acontece é que, nas relações
internas, a quota do devedor que se tornou insolvente vai ser dividida entre os outros
condevedores proporcionalmente às quotas deles. Exemplo: B, C e D devem
solidariamente a A 120 mil euros. Se B se tornar insolvente, não é A que vai arcar com
as consequências dessa insolvência, porque vai poder exigir o cumprimento integral aos
demais condevedores. O que vai acontecer é que, nas relações internas, a quota de B vai
repartir-se pelos demais condevedores, incluindo a quota daquele condevedor que agora
é credor do direito de regresso, daqueles condevedores que hajam sido exonerados da
obrigação pelo credor e daqueles em relação a quem o credor tenha renunciado ao vínculo
da solidariedade – é isso que resulta do 526º/1 CC. Tem-se entendido que também se
abrange aqui os condevedores relativamente aos quais operou a confusão (reunião na
mesma pessoa das qualidades de credor e de devedor), ainda que a letra do artigo a eles
não se refira – opera-se aqui uma interpretação extensiva. Exemplo: A é credor de 120
mil euros em relação a B, C e D; a quota que cabe a B é de 20 mil euros, a de C é de 40
mil euros e a de D é de 60 mil euros. C torna-se insolvente. Os seus 40 mil euros vão
repartir-se proporcionalmente por B e por D: a quota de D é o triplo da quota de B; sobre
B vão recair 10 mil euros e sobre D vão recair 30 mil euros – só assim se respeita a
proporcionalidade da repartição. Artigo 526º/2 CC: o condevedor que vai exercer o direito
de regresso, por sua negligência, não conseguiu obter o cumprimento, em direito de
regresso, por parte do condevedor que entretanto se tornou insolvente – nestes casos, não
haverá lugar a esta repartição e o condevedor que se tornou credor do direito de regresso
suporta integralmente a quota do insolvente.
Analisemos os meios de defesa que são oponíveis pelos demais condevedores
ao credor do direito de regresso. Para o efeito, temos de ter em atenção o disposto no
525º CC. Os condevedores devem poder opor meios de defesa ao cumprimento do direito
de regresso que está a ser exercido contra eles pelo devedor que satisfez o débito comum.
Eles podem opor os meios de defesa comuns e os meios de defesa pessoais, tal como
resulta do 525º CC. Quanto aos meios de defesa comuns: os demais condevedores podem
opor-se ao cumprimento do direito de regresso por o negócio que está na origem da
obrigação ser nulo por vício de forma, por exemplo. Quanto aos meios de defesa pessoais:
podem invocar uma incapacidade que respeite a um deles, por exemplo. A este respeito,
remete-se para o que vimos na aula anterior. Mais: eles podem invocar ainda meios de
defesa que respeitem especificamente a eles e que se baseiem noutras relações. Partindo
do exemplo dado até agora, imaginemos que B cumpre integralmente perante A a
obrigação solidária no valor de 120 mil euros. No exercício do direito de regresso, B pode
exigir a C 40 mil euros e a D outros 40 mil euros. C, em resposta a B, pode invocar, por
exemplo, uma compensação – imaginemos que C é credor de B no valor de 40 mil euros,
por força de um outro NJ. C considerar-se-á, assim, liberado do direito de regresso.
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Modalidades das obrigações consoante os titulares da obrigação estejam
ou não individualizados/identificados no próprio ato constitutivo da
obrigação
A regra no comércio jurídico é a de que as obrigações têm os seus sujeitos
determinados, credor e devedor são individualizados no próprio ato constitutivo da
obrigação. Mas pode acontecer que assim não seja: podem existir situações em que a
obrigação nasce antes de os titulares da mesma estarem individualizados. Quando assim
aconteça, estamos a falar de obrigações de sujeito indeterminado. Não estamos a falar
da hipótese de os titulares estarem identificados e depois haver uma modificação subjetiva
desses titulares (quando por exemplo, o devedor morre e a dívida se transmite aos seus
herdeiros) – aqui há uma alteração da titularidade, e não é da alterabilidade da titularidade
das relações obrigacionais que estamos a falar.
Questionou-se, tendo em vista um conceito rigoroso de obrigação, se seria
possível ela existir sem o seu lado ativo ou o seu lado passivo. Do artigo 511º CC resulta
de forma expressa que é possível a constituição de obrigações sem que um dos lados
esteja identificado, mas apenas se esse lado for o lado ativo. O credor pode não estar
individualizado, mas o devedor tem de estar determinado. Segundo a nossa lei, pode
haver, então, obrigações de sujeito ativo indeterminado; não podem existir obrigações de
sujeito passivo indeterminado. Como vemos, pode haver obrigações de sujeito ativo
indeterminado, mas esse sujeito deve ser determinável – se o sujeito ativo não estiver
determinado e não for determinável, o negócio é nulo.
Quando é que estamos perante obrigações de sujeito ativo indeterminado?
Tem-se distinguido duas grandes situações:
53
de pessoas ou de uma certa pessoa a ser nomeada por terceiro de entre
um conjunto de pessoas está prevista no 2182º/2/a) e b) CC. A
obrigação nasce com a abertura da sucessão e o herdeiro (a parte
passiva) vincula-se a ela com a aceitação, sendo necessário identificar
posteriormente o credor.
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Obrigações específicas
São obrigações específicas aquelas em que o objeto mediato da obrigação
aparece definido, fixado, de uma forma concreta; a coisa devida encontra-se
individualizada por características particulares. Exemplos: se António vende o seu
automóvel de matrícula XX-YY-90, temos uma obrigação específica; se Maria vende a
fração autónoma em que habita, temos também uma obrigação específica. Os exemplos
dados são relativos a obrigações de coisas, mas o que dissemos a respeito delas aplica-se
também às obrigações que têm por objeto prestações debitórias respeitantes a factos.
55
características que forem necessárias para determinar aquele objeto. Por outras palavras,
o género contém a prestação. O género não pode ser definido de forma tão vaga que o
torne demasiado extenso e que, consequentemente, faça duvidar da determinabilidade da
obrigação. Exemplo: A compromete-se a entregar a B um carro – é muito vago, não há
determinabilidade suficiente.
Não são obrigações genéricas aquelas em que, no momento da sua constituição,
já há determinação do seu objeto, mas em que, posteriormente, se vai proceder a uma
medição/contagem, nomeadamente para efeitos de se determinar a contraprestação.
Exemplo: A vende a B os limões que estão num determinado cesto pelo preço de 1,5
euros/quilo. O objeto da obrigação já está determinado, são aqueles limões, mas depois
vai ser preciso pesar os limões para que se possa determinar a contraprestação – se
pesarem 6 quilos, a contraprestação vai ser de 9 euros. A pesagem não influi na
determinação do objeto devido, não desempenha uma função individualizadora do objeto.
Nestes casos, estamos perante uma obrigação específica.
Também não são genéricas aquelas obrigações em que as várias possíveis
prestações são tomadas pelas partes não como abstrações definidas em função de um
conjunto de características ou qualidades comuns a vários objetos, mas como
possibilidades de prestação concretamente individualizadas. Se há uma representação
individualizada dos vários objetos, já não estaremos perante uma obrigação genérica, mas
perante uma obrigação alternativa. Exemplo: A obriga-se perante B a entregar-lhe dois
computadores do modelo Y da marca Z (todos os computadores que apresentem aquelas
características cabem naquele género) ≠ A deve a B um dos seus três computadores, ou o
da marca A, ou o da marca B, ou o da marca C (aqui os computadores não estão a ser
vistos como elementos de um género, eles estão a ser considerados pelas partes de uma
forma individualizada).
Se nas obrigações genéricas o objeto está individualizado porque pertence a um
determinado género, o seu cumprimento vai pressupor uma escolha, uma operação
material através da qual se vai concretizar qual a prestação devida. Exemplo: A deve
a B um Código Civil da editora Z – é preciso escolher um Código Civil. A escolha deve
ser feita de acordo com juízos de equidade, se não tiverem sido fixados outros critérios
– é o que resulta do 400º/1 CC. O que significa isto? O devedor não vai poder escolher
uma coisa de má qualidade para prejudicar o credor; se a escolha couber ao credor, ele
não vai poder exigir a coisa da melhor qualidade em prejuízo do devedor. A escolha pode
ser feita pelo devedor, pelo credor, ou pode ser confiada a terceiro. Supletivamente,
tal como resulta do 539º CC, a escolha é feita pelo devedor. O legislador optou por esta
solução por entender que ela corresponde, em regra, à vontade das partes, e também
porque a solução deve ser a menos onerosa para o devedor, já que em regra ele está em
situação de inferioridade. Resulta do 542º/1 CC que se a escolha couber ao credor ou a
terceiro, para ser eficaz, ela tem de ser declarada, respetivamente, ao devedor ou a ambas
as partes. Este artigo prevê também que a escolha feita é irrevogável. 542º/2 CC: se a
escolha couber ao credor e ele não a fizer dentro do prazo estabelecido ou dentro daquele
que lhe for fixado pelo devedor, passa a escolha a caber a este último.
Por vezes, esta escolha pode traduzir-se numa mera contagem/medição.
Exemplo: A compromete-se a entregar a B 10 metros do tecido Y – é preciso medir e
cortar os 10 metros de tecido, de modo a defini-los. A estas obrigações em que a escolha
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se traduz numa contagem/pesagem/medição também se dá o nome de obrigações de
quantidade, mas o regime aplicável é o mesmo regime das obrigações genéricas.
É preciso focarmo-nos na operação pela qual o objeto da prestação deixa de
estar num estado de indeterminação e passa a estar determinado, ou seja, a operação
através da qual a obrigação deixa de ser genérica e passa a ser específica – a esta
operação chamamos de concentração da obrigação genérica. A concentração é um
momento capital na vida da obrigação genérica, porque vai ser em função dela que vamos
aferir se o direito real sobre a coisa já se constituiu/transmitiu, ao abrigo do 408º/1 CC; é
também em função do momento da concentração que vamos aferir quem vai suportar o
risco de perecimento do objeto da prestação – 796º CC.
Artigo 541º CC: para haver concentração não basta a escolha da coisa devida, é
preciso algo mais. Em regra, a concentração dá-se com o cumprimento da obrigação.
Exemplo: A vai à livraria comprar um Código Civil da editora Z e da edição de 2020; o
auxiliar do detentor do estabelecimento – 800º CC – dirige-se à estante, entrega o livro a
A e este paga-o. Neste exemplo, a concentração dá-se no momento do cumprimento, o
direito real também se transmite nesse momento, assim como o risco. Mas o cumprimento
pode exigir mais: pode exigir, por exemplo, que o devedor se dirija a casa do credor para
lhe entregar a coisa – para podermos dizer que há cumprimento neste caso, deve haver
entrega no domicílio do credor.
No entanto, as coisas não funcionam sempre assim, e os problemas surgem quando
há um desfasamento entre o momento da concentração e o momento do cumprimento.
Olhando para o 541º CC, vemos que há quatro outras causas de concentração da
obrigação diferentes e anteriores ao cumprimento:
A primeira delas é o acordo das partes – mais uma vez se conclui que não basta
a mera escolha para haver concentração. Aqui, a efetivação da concentração
vai depender do teor do acordo das partes. Exemplo: a concentração opera se
o devedor, com o acordo do credor, efetuar a contagem das coisas devidas, as
colocar no armazém e as sinalizar com uma determinada marca – só depois de
tudo isto feito é que haverá concentração. O que se quer evitar com isto é que
o devedor possa substituir as coisas escolhidas por outras. Pode acontecer que
o cumprimento se dê no domicílio do devedor: o devedor, havendo a escolha,
deve notificar o credor, informando-o de que procedeu à escolha nos termos
acordados – é importante que assim seja, o credor deve saber que a coisa está
disponível, para que possa ocupar-se da sua conservação.
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mesmo que o armazém tivesse sido destruído, o devedor continuava a dever
esses 5 mil vasos ainda que tivesse de os adquirir à concorrência – neste caso,
não tinha havido uma extinção do género. É importante reter que, em regra, o
género nunca se extingue.
Por fim, temos os casos em que, por convenção das partes, a coisa devida deva
ser enviada para um dado local (artigo 797º CC). Aqui há apenas uma
obrigação de envio, não uma obrigação de entrega nesse local. A pessoa
encarregada do transporte, da execução do envio, não é auxiliar do devedor,
pois o ato de cumprimento termina quando se entrega a coisa ao expedidor. A
entrega ao expedidor neste caso compreende a individualização da coisa – no
momento da entrega dá-se a concentração.
58
obrigações genéricas do seu âmbito de aplicação. Considerando o disposto no regime das
obrigações genéricas, concluímos que a transferência da propriedade sobre as coisas
indeterminadas que entretanto se determinam se dá pela sua concentração (541º CC).
Vamos falar agora da hipótese – ainda que rara – de extinção/perecimento total
do género. Estamos a considerar uma extinção que não acontece por causa imputável ao
devedor. Mais uma vez, é essencial delimitar o género, de modo a saber se ele se extinguiu
ou não. Artigo 540º CC: o devedor não se libera pelo facto de serem destruídas as coisas
com que ele contava cumprir, desde que ainda seja possível cumprir com outras coisas do
mesmo género. Como ainda não se deu a concentração – no nosso exemplo, eram devidos
5 mil vasos daquele género, não aqueles 5 mil vasos em específico –, a obrigação continua
a ser genérica, o devedor continua obrigado a cumprir, desde que não tenha havido uma
extinção daquele género. O devedor só se desonera a partir do momento em que não existe
mais nenhum exemplar que caiba no género. Em regra, o género não perece, pelo que,
em regra, o devedor não se desonera – à partida, ele vai ter de obter outros objetos que
caibam no mesmo género para cumprir. Só assim não será quando o género é limitado
(exemplo: os 5 mil vasos do modelo X da marca Z que estão em armazém).
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recorrendo aos critérios que vimos anteriormente: se as várias prestações que cabem
dentro do objeto da obrigação são perspetivadas pelas partes considerando as notas
caracterizadoras comuns ao género, teremos uma obrigação genérica; se, pelo contrário,
as partes perspetivarem as várias prestações que cabem dentro do objeto da obrigação
considerando as características individualizadoras de cada uma delas, estaremos perante
obrigações alternativas. Exemplo: A reserva uma suite no hotel B para as noites X e Y –
obrigação genérica, definida pela quantidade e pelo género (um quarto da espécie suite);
A reserva no hotel B ou a suite do quinto andar, ou a suite do sétimo andar – obrigação
alternativa. Outro exemplo: A vende a B um dos seus cavalos – obrigação genérica; A
vende a B um dos seus cavalos, ou X, ou Y – obrigação alternativa. Pode acontecer que
as prestações abrangidas pela obrigação alternativa sejam elas próprias genéricas –
exemplos: A vende a B ou o seu trator, ou uma tonelada de trigo (esta última é genérica);
A vende a B ou uma tonelada de trigo, ou uma tonelada de adubo (são as duas genéricas).
O momento decisivo na vida das obrigações alternativas é o da escolha. A escolha
é o momento em que se individualiza a prestação que é devida, em que a obrigação
alternativa se concentra, em que deixa de ser alternativa e passa a ser específica;
deixa de haver uma pluralidade disjuntiva de objetos possíveis contidos na
obrigação e passa a haver um único objeto, aquele que foi escolhido (exemplo: era
vendido ou o cavalo X ou o cavalo Y e escolheu-se o cavalo X para ser vendido). Escolhe-
se uma das prestações integralmente, não se pode escolher parte de uma prestação e parte
de outra – é o que resulta do 544º CC. A escolha pode competir a uma das partes, credor
ou devedor, ou pode incumbir-se um terceiro dessa escolha – é o que resulta dos artigos
400º, 543º e 549º CC. Supletivamente, se nada se estipular em contrário, resulta do 543º/2
que a escolha cabe ao devedor. Resulta do 549º CC a aplicação do 542º aqui: quando a
escolha couber a credor ou a terceiro, ela só é eficaz se for declarada, respetivamente, ao
devedor ou a ambas as partes; também aqui há uma irrevogabilidade da escolha; por fim,
se a escolha couber ao credor e ele não a realizar dentro do prazo que foi fixado ou do
prazo que o devedor lhe fixou para o efeito, a escolha deixa de pertencer ao primeiro e
passa a pertencer ao segundo. A pessoa a quem caiba a escolha pode escolher qualquer
uma das prestações que cabem no vínculo obrigacional – aqui não se justifica o recurso à
equidade, precisamente porque as prestações são perspetivadas na sua individualidade.
Vamos agora ver um ponto muito importante no regime das obrigações
alternativas, que diz respeito à impossibilidade de uma das prestações. Aqui vamos
partir sempre de um exemplo: A vende a B, por 5 mil euros, ou o seu carro, ou a sua mota;
mais tarde, dá-se a impossibilidade de entrega do carro. Temos de fazer várias distinções:
Em primeiro lugar, vamos considerar que a impossibilidade de entregar o carro
é originária, contemporânea à constituição do vínculo. Neste caso, a
consequência é que o NJ de onde provém a obrigação vai enfermar de uma
nulidade parcial. Artigo 280º CC. Essa nulidade é parcial, porque respeita a
uma das prestações possíveis. Artigo 292º CC: no nosso caso, vai operar em
princípio uma redução, vai reduzir-se o leque das prestações a uma apenas, o
que quer dizer que também se vai dar a concentração. Mas se em vez de duas
prestações alternativas tivéssemos três, iria haver apenas uma redução às duas
prestações possíveis.
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Em segundo lugar, consideremos que a impossibilidade não é originária,
consideremos que a impossibilidade é superveniente. Dentro deste caso,
vamos ter de distinguir três situações:
o A primeira situação é a de haver uma impossibilidade superveniente
não imputável às partes.
Se a impossibilidade respeita a todas as prestações integradas
no objeto da obrigação, vamos aplicar o regime previsto para a
impossibilidade total superveniente da prestação – artigos 790º
e seguintes; para o nosso caso, interessa o artigo 790º. Aqui, a
obrigação extingue-se. Exemplo: o carro e a mota são
destruídos num incêndio.
Se a impossibilidade respeita a uma ou várias prestações (mas
não todas), vamos ter de distinguir duas hipóteses
Dando-se a impossibilidade antes de a escolha ter sido
feita, a obrigação considera-se limitada às prestações
possíveis – 545º CC. Se a obrigação compreender ab
initio apenas duas prestações (era o nosso caso), vai
haver uma concentração ope legis da obrigação na
prestação que resta (sendo impossível a entrega do
carro, a obrigação concentra-se na entrega da mota).
Dando-se a impossibilidade depois de a escolha ter sido
feita, a concentração já se deu, a obrigação já não é
complexa. Aqui há que subdistinguir duas situações:
Se a impossibilidade respeitar à prestação que
não foi escolhida, ela não perturba a vida da
relação obrigacional. Exemplo: escolheu-se a
mota, mas a impossibilidade dá-se em relação
ao carro.
Se a impossibilidade respeitar à prestação que
foi escolhida, vai aplicar-se o regime da
impossibilidade da prestação por causa não
imputável às partes (790º), pelo que a obrigação
se extingue. Exemplo: escolheu-se o carro e a
impossibilidade dá-se em relação a ele.
61
Pode exigir uma das prestações possíveis (no
nosso caso, exigir a mota).
Ou pode pedir uma indemnização pelos danos
decorrentes de não ter sido possível efetuar a
prestação que se tornou impossível. Já que aqui
a escolha cabia ao credor, o legislador quis, de
certa forma, garantir essa possibilidade de
escolha: ele pode ainda escolher a prestação que
se tornou impossível, mas a realização da
mesma não se vai dar in natura, apenas será
possível em equivalente, através de uma
indemnização.
Ou pode resolver o contrato nos termos gerais
(801º e seguintes CC), cumulando até esse
direito à resolução e o direito a ser indemnizado.
A resolução vai liberá-lo da obrigação de
entregar a contraprestação, se ainda não a tiver
feito; ou vai permitir que ele a possa reaver, se
já a tiver feito.
Dando-se a impossibilidade num momento posterior à escolha,
já se deu a concentração e o regime a aplicar é o regime geral
das obrigações específicas.
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entregar a mota e pedir uma indemnização pelos danos
decorrentes da destruição do carro. Esta prestação
indemnizatória funda-se em responsabilidade
extracontratual, que já estudámos: é assim porque o
contrato se considera integralmente cumprido (ele
entrega a mota e recebe o preço, mas como o carro foi
destruído por causa imputável ao credor, este último vai
ter de o indemnizar, não por incumprimento do
contrato, mas por responsabilidade extracontratual).
Se a impossibilidade de uma ou de algumas
prestações for apenas parcial, o devedor pode
cumprir a parte que é possível, exigindo a
contraprestação por inteiro. No entanto, se
preferir, pode realizar outra prestação possível
e, simultaneamente, exigir uma indemnização
pelos danos que sofreu em virtude da
impossibilidade parcial imputável ao credor,
precisamente porque as suas possibilidades de
escolha se mantêm intactas.
Até agora vimos apenas os casos em que a escolha cabe às partes. Quid juris se a
escolha couber a terceiro? Aqui há que distinguir:
Se a impossibilidade é imputável ao devedor, o terceiro pode exigir uma das
prestações possíveis, ou pode escolher a prestação que se tornou impossível,
pedindo neste caso uma indemnização pelos danos provenientes de não ter
sido possível efetuar a prestação que se tornou impossível. Quando a
impossibilidade é imputável ao devedor, vamos considerar para o terceiro as
possibilidades que cabem ao credor, com exceção de uma – a possibilidade de
resolução, mecanismo que só pode ser utilizado pela parte contratual.
Se a impossibilidade é imputável ao credor, a obrigação deve ter-se por
cumprida, salvo a possibilidade de o terceiro optar por uma das prestações
possíveis, tendo o devedor o direito a ser indemnizado pelos danos que tenha
sofrido em virtude da impossibilidade (547º/in fine).
É certo que muitas vezes estamos perante NJ bilaterais, pelo que ambas as partes
são simultaneamente credor e devedor, o que pode gerar alguma confusão relativamente
à determinação do credor e do devedor. Contudo, quando se fala em “credor”, fala-se
sempre no credor da obrigação alternativa; e quando se fala em “devedor”, fala-se sempre
no devedor da obrigação alternativa. Exemplo: A vende a B ou o seu carro, ou a sua mota,
por 5 mil euros. A, como vendedor que é, é credor do preço, dos 5 mil euros, e é devedor
ou da mota ou do carro. B, como comprador, é devedor do preço e é credor ou da mota
ou do carro. Ou seja, relativamente à obrigação alternativa, A é o devedor e B é o credor.
63
faculdade alternativa à parte debitoris, dado serem as mais comuns. As obrigações com
faculdade alternativa à parte debitoris têm por objeto uma só prestação, mas o devedor
(por isso é que é “à parte debitoris”) tem a faculdade de se desonerar realizando
outra prestação, sem necessidade de obter o consentimento posterior do credor para
esse efeito. Exemplo: A vende a B a sua mota, mas com a possibilidade de lhe entregar o
seu automóvel em vez da mota – a obrigação não abrange ou a mota ou o automóvel, não
é uma obrigação alternativa, ela abrange apenas a mota, ela é específica, mas o devedor
da mota tem a faculdade de, em vez de entregar a mota, entregar o automóvel. Estas
obrigações são obrigações simples, mas comportam um poder de substituição, que neste
caso é reconhecido apenas ao devedor; o credor não pode exigir a prestação alternativa,
mas tem de a aceitar. No nosso exemplo, B não pode exigir o automóvel, mas se A decidir
entregar o automóvel em vez da mota, B terá de aceitar. É o devedor que tem este poder
de substituição. Se ele optar pela prestação alternativa, o credor tem de recebê-la; se não
a receber, o credor incorre em mora (813º e seguintes CC).
As diferenças de regime entre as obrigações alternativas e as obrigações com
faculdade alternativa são várias, mas vamos destacar três:
Não existe nas obrigações com faculdade alternativa nenhuma escolha para
determinar o objeto da obrigação. Só há uma prestação devida (no exemplo
que vimos, é a mota). A constituição/transferência do direito real sobre a coisa
opera por mero efeito do contrato, porque a coisa já está determinada – 408º/1
CC. Transferindo-se o direito real sobre a coisa, transfere-se também o risco
de perecimento da coisa – 796º.
Se, nas obrigações com faculdade alternativa, houver uma impossibilidade
originária da prestação devida (se, no nosso exemplo, a mota não puder ser
entregue ab initio), o negócio é totalmente nulo, nos termos do 280º CC,
mesmo que a outra prestação (no nosso exemplo, a entrega do carro) seja
possível. Já se a obrigação impossível for a obrigação substituta (no nosso
caso, o carro), essa impossibilidade não afeta a validade do NJ constitutivo da
obrigação (o NJ respeita à mota, há uma obrigação simples).
Havendo uma impossibilidade superveniente da prestação devida nas
obrigações com faculdade alternativa (no nosso caso, da mota), vai aplicar-se
o regime previsto para a impossibilidade das obrigações simples – 790º e
seguintes CC. Se a impossibilidade for total e não for imputável a nenhuma
das partes, a obrigação extingue-se, nos termos do 790º - isto será assim ainda
que a obrigação substituta (no nosso exemplo, o carro) seja possível. Se a
prestação substituta se tornar supervenientemente impossível, a vida da
relação obrigacional mantém-se, porque a obrigação constituída respeita
apenas a uma prestação (no nosso exemplo, a mota).
Obrigações pecuniárias
O regime das obrigações pecuniárias está previsto nos artigos 550º e seguintes
CC. As obrigações pecuniárias são obrigações cuja prestação debitória tem por objeto
dinheiro, visando esse dinheiro proporcionar ao credor o valor que as espécies
monetárias têm enquanto tais, ou seja, a função liberatória que o Estado lhes
reconhece. Por outras palavras, estas obrigações visam proporcionar ao credor a
64
disposição sobre o valor patrimonial incorpóreo que está expresso pelo montante da
dívida. É devido dinheiro, no sentido de ser devido o valor da quantia devida, não no
sentido de estarem determinadas as moedas ou a quantidade de determinadas espécies
monetárias devidas. O importante aqui é o valor que é devido. As obrigações pecuniárias
são uma forma muito particular de obrigações genéricas, porque têm por objeto dinheiro.
Não são obrigações pecuniárias e não são obrigações genéricas aquelas em que A
empresta a B uma determinada quantidade de notas/moedas pelo seu interesse histórico
ou numismático, esperando que B lhe devolva aquelas quantidades monetárias – neste
caso, haverá uma obrigação de coisa certa e determinada; neste exemplo, o importante
era o valor histórico ou cultural daquelas moedas, não era o valor que as moedas têm
como mecanismo de pagamento, não era o efeito liberatório reconhecido pelo Estado.
Também não são obrigações pecuniárias aquelas em que alguém se obriga a
entregar um dado número de moedas que se encontram contidas num dado género, não
considerando o seu valor monetário mas o seu valor histórico ou numismático. Exemplo:
A compromete-se a entregar a B 100 moedas de prata com a efigie do rei D. Carlos – aqui
há uma obrigação genérica, mas não há uma obrigação pecuniária, porque o dinheiro não
é visto como meio de pagamento com a função liberatória que o Estado lhe reconhece, é
visto sim pelo interesse histórico e numismático que tem.
Nas obrigações pecuniárias, o valor do dinheiro tem de estar em primeiro plano.
Há três modos de o fazer, daí que haja três subespécies de obrigações pecuniárias:
O valor do dinheiro pode ser tido como referência porque determina o objeto
da prestação – obrigações de soma ou quantidade (são as mais frequentes).
Exemplo: A deve a B 1000 euros.
O valor do dinheiro individualiza-se em função do quantum das espécies
monetárias em que se deve efetuar o cumprimento – obrigações pecuniárias
em moeda específica. Exemplo: A deve entregar a B moedas em ouro que
perfaçam 1000 euros.
O valor do dinheiro serve para identificar a quantidade de moeda estrangeira
(sem curso legal no país) com que se deve cumprir a obrigação – obrigações
pecuniárias em moeda estrangeira/obrigações valutárias. Exemplo: A deve a
B libras inglesas que correspondam a 1000 euros.
65
É o valor da moeda para quem pretenda dar-lhe outra aplicação que não aquela
que o Estado lhe quis dar com a sua produção. O valor metálico da moeda não
coincide com o seu valor nominal: em regra, ele é inferior ao valor nominal.
Valor aquisitivo: é o valor de troca da moeda, o valor de aquisição da moeda,
o valor da moeda em relação aos bens de consumo. É um valor relacional, põe
em relação a moeda e os bens de consumo que ela permite adquirir. Sendo
relacional, está sujeito a flutuações, que podem traduzir a depreciação ou a
valorização da moeda face aos bens que com ela se adquirem.
Valor corrente: valor que a moeda tem em si, é o preço que ela reveste nas
transações. Este valor pode não coincidir com o valor nominal, nem com o
valor metálico.
66
Para além dos desvios convencionais que se podem estabelecer a este princípio, a
própria lei determina, por vezes, que os montantes pecuniários devem ser
atualizados. Um exemplo destas situações é o da indemnização sob a forma de renda,
prevista no 567º CC (deve haver requerimento do lesado; o pagamento da renda pode
estender-se por um período de tempo mais ou menos longo, podendo até prolongar-se a
toda a vida do lesado, caso em que tomará o nome de renda vitalícia): ao longo do tempo,
pode dar-se uma alteração considerável das circunstâncias que tenha reflexo no montante
da renda que foi fixado inicialmente – daí que o legislador preveja, no 567º/2 CC, que à
obrigação sob a forma de renda não se aplica o princípio nominalista mas um princípio
de atualização. Outro exemplo destes desvios é o da obrigação de alimentos, regulada nos
artigos 2003º e seguintes CC (o credor da obrigação deve necessitar desses alimentos e o
devedor deve poder prestá-los – é com base nestas duas circunstâncias que se fixa o valor
da obrigação; esta obrigação não tem de revestir a forma de obrigação pecuniária, apesar
de isso acontecer frequentemente): o montante desta obrigação pode ser alterado depois
de ser fixado, em função das alterações que se venham a verificar, quer elas se repercutam
nas necessidades do alimentado, quer se repercutam nas possibilidades do alimentante –
esta possibilidade de atualização está prevista no 2012º CC. Outro exemplo está no
2109º/3 CC (este artigo integra-se no regime jurídico da colação – aqueles que, durante a
vida do de cujus, beneficiaram de liberalidades por parte deste devem, depois, em
contexto sucessório, trazer à colação os benefícios que retiraram dessas mesmas
liberalidades): se a doação (é uma forma de liberalidade) for em dinheiro, se for
pecuniária, o seu montante tem de ser atualizado – isto é assim porque se presume que
com a doação o de cujus quis antecipar a quota hereditária do sucessível.
Estes desvios estão associados àquilo a que a doutrina costuma designar por
dívidas de valor, que são aquelas dívidas cujo objeto não é diretamente uma soma em
dinheiro; elas têm por objeto uma outra prestação, mas o dinheiro intervém como meio
de determinação da quantia dessa prestação, ou como meio de liquidação da mesma.
Exemplo: na obrigação de indemnizar, a reparação faz-se, em regra, in natura, mas há
um conjunto de situações em que a reparação se faz por equivalente, por meio de uma
quantia pecuniária; ora, a obrigação de indemnizar, mesmo quando revista a forma de
quantia pecuniária, não tem por objeto direto o dinheiro, o seu objeto é aquilo que for
necessário para reconstruir a situação em que o lesado se encontraria se não se tivesse
verificado a lesão; o dinheiro só serve para traduzir aquilo que é necessário para proceder
a essa reconstituição; se o objetivo é reparar, terá de haver uma atualização quando exista
uma variação entre o momento de constituição da obrigação (o momento da prática do
ato gerador de responsabilização) e o momento de fixação da indemnização. Só nesta
medida é que há um desvio ao princípio nominalista, porque a partir do momento em que
se fixa o montante da indemnização já não há atualização.
Como é que se procede à atualização das prestações pecuniárias que têm de
ser atualizadas? O artigo 551º CC regula esta matéria: a atualização faz-se recorrendo a
índices de preços – restabelece-se entre o valor da obrigação e os produtos que com esse
valor se conseguia comprar a relação existente à data da constituição da obrigação. O
julgador deverá atender aos índices de preços publicados pelo Instituto Nacional de
Estatística para este efeito.
67
Vamos agora ver outra modalidade de obrigações pecuniárias, que é menos
frequente: as obrigações pecuniárias em moeda específica. Por vezes, as partes fixam
o género de moeda em que se efetuará o pagamento. Com frequência, fazem-no para se
defenderem da variação do valor da moeda, nomeadamente da sua desvalorização. Elas
podem fazê-lo de uma de duas formas: ou se limitam a dizer que é devida uma dada
quantia, que deve ser paga num certo género de moedas; ou fixam mesmo o número de
moedas que está em dívida. O legislador vem dizer, no 552º CC, que, ao prescrever o
curso legal ou forçado da nota do banco, não se prejudica a validade do ato pelo qual
alguém se compromete a pagar em moeda metálica ou em valor dessa moeda. Este artigo
admite, portanto, esta modalidade de obrigações pecuniárias.
As obrigações pecuniárias em moeda específica podem dividir-se em duas
submodalidades:
Por um lado, pode haver a especificação do género da moeda sem indicação
do montante da dívida em moeda corrente. Exemplo: alguém se obriga a
entregar 100 moedas de ouro a outra pessoa – especifica-se o género da moeda
(moedas de ouro), mas não se indica qual é o valor dessa dívida em moeda
corrente. E se houver uma oscilação do valor das moedas de ouro? Artigo
553º: o devedor vai ter de entregar as 100 moedas de ouro, mesmo que se tenha
dado uma variação do valor dessa moeda. E se a moeda em causa já não tem
curso legal, porque o Estado a pôs fora de circulação? Artigo 556º/1.
Por outro lado, pode especificar-se o género da moeda e, simultaneamente, o
montante da dívida em moeda corrente. Exemplo: A obriga-se a entregar a B
1000 euros, pagáveis em moedas de ouro – o cumprimento faz-se em moedas
de ouro, mas vai entregar-se moedas de ouro que perfaçam 1000 euros. E se
houver uma variação do valor da moeda especificada para a liberação do
devedor? Que momento vai ser tomado como referência para determinarmos
quantas moedas de ouro vão ser necessárias para se perfazer 1000 euros, se
houver essa variação? Artigo 554º: presume-se (é uma presunção relativa,
ilidível) que as partes se quiseram vincular ao quantitativo fixado no momento
do surgimento da obrigação, é este o momento determinante.
68
Podem ser obrigações valutárias próprias ou puras, em que o pagamento deve
ser feito na moeda estrangeira.
Podem ser obrigações valutárias impróprias ou impuras, em que a moeda
estrangeira é apenas uma moeda de cálculo, servindo apenas para calcular o
montante que vai ter de ser entregue em moeda com curso legal no país.
Exemplo: A deve a B 5 mil dólares americanos, mas esse valor vai ser pago
em euros – os 5 mil dólares apenas servem para determinar qual a quantidade
de moeda com curso legal no país que deve ser entregue.
Ou podem ser obrigações valutárias mistas, em que o pagamento deve ser
feito, em princípio, em moeda estrangeira, sem prejuízo da faculdade
alternativa conferida ao devedor de pagar em moeda com curso legal no país.
O credor só pode exigir o pagamento em moeda estrangeira, mas o devedor
tem um poder de substituição, pode cumprir com moeda com curso legal no
país, segundo o câmbio do dia de cumprimento e do lugar estabelecido para o
cumprimento – 558º CC. Esta norma é supletiva.
Obrigações de juros
As obrigações de juros têm como elemento central o juro, que é uma quantidade
de coisas fungíveis (não tem de ser necessariamente dinheiro) que pode exigir-se
como rendimento de uma obrigação de capital, em proporção da importância/valor
do capital e do tempo durante o qual se cede a utilização do capital a outra pessoa.
A obrigação de juros pressupõe três elementos: tem de haver uma dívida de capital; tem
de haver a fixação do juro em função de um período de tempo; a fixação do juro deve ser
feita numa percentagem do capital devido. A dívida principal, a dívida de capital, não tem
de ser pecuniária, embora o seja em regra. Ela só tem de ter por objeto coisas fungíveis.
Como se fixam os juros? Eles podem resultar de acordo das partes (juros
convencionais) ou da lei (juros legais). A lei pode fixar juros quando, por exemplo,
havendo uma obrigação pecuniária, o devedor se constitui em mora: a indemnização por
danos moratórios, nos termos do 806º CC, corresponde a juros legais. Quanto aos juros
legais, importa ter presente o que nos diz o artigo 559º CC. As taxas de juros legais são
diferentes consoante se trate de juros civis ou de juros comerciais. Os juros civis estão
fixados na Portaria nº 291/2003, de 8 de abril: a taxa é fixada em 4%. Os juros comerciais
são fixados por portaria conjunta dos ministros da Justiça e das Finanças, nos termos do
artigo 102º/3 a 5 do Código Comercial – Portaria nº 277/2013, de 26 de agosto: as taxas
são fixadas semestralmente, sendo que há uma divulgação das mesmas em DR, Série II.
Para o primeiro semestre de 2020, as taxas supletivas de juros comerciais foram
publicadas em DR, Série II, de 30 de janeiro de 2020.
Vamos falar dos juros convencionais. Se nada se disser, resulta do 559º/1 CC que
os juros convencionais são os juros legais. Em segundo lugar, a estipulação de juros a
uma taxa superior à taxa legal tem de ser feita por escrito – 559º/2 CC. A inobservância
desta forma escrita leva a que sejam devidos juros apenas na medida dos juros legais –
559º/2 CC. Há limites para os juros convencionais – 559º-A CC, que remete para o
disposto no 1146º CC.
69
Os juros podem vencer juros? Em que termos podem fazê-lo? Este é um
problema que se denomina por anatocismo. A este respeito, temos de ter em atenção o
disposto no 560º CC: para que os juros vençam juros é necessária uma convenção das
partes posterior ao seu vencimento. Pode também haver juros de juros a partir da
notificação judicial feita ao devedor para capitalizar (capitalizar é, precisamente,
constituir juros sobre juros) os juros vencidos ou para proceder ao seu pagamento, sob
pena de capitalização. Só podem ser capitalizados juros correspondentes ao período
mínimo de um ano.
Por fim, a obrigação de juros é autónoma em relação à obrigação de capital?
A obrigação de juros é uma obrigação acessória da obrigação de capital, ela não pode
constituir-se sem uma obrigação de capital, o juro é um rendimento do capital. No entanto,
a obrigação de juros pode ser autonomizada da obrigação de capital, desde logo depois
da sua constituição – é o que resulta do 561º CC. O titular do crédito de juros pode ser
diferente do titular do crédito de capital, ou porque no ato constitutivo de ambas as
obrigações se estipulou isso, ou porque em momento posterior o credor dos juros cedeu
a uma terceira pessoa o crédito sobre os juros, conservando a titularidade do crédito de
capital. Esta autonomia reflete-se também na prescrição dos dois créditos: a prescrição de
cada um deles pode ocorrer em momentos diversos – é o que resulta do 307º e 310º CC.
Obrigações civis
Nas obrigações civis existe um poder de exigir o cumprimento ao devedor, por
parte do credor. Por outro lado, existe um dever de prestar, por parte do devedor. O que
caracteriza as obrigações civis é que aquele poder de exigir o cumprimento é um poder
garantido, tal como o dever de cumprir é um dever garantido pela coação, pelo
sancionamento: se o devedor não cumprir voluntariamente a obrigação, é possível
recorrer à justiça organizada estadualmente, aos meios coercitivos proporcionados pelo
Estado; o credor pode, nos termos do 817º CC, exigir judicialmente o cumprimento da
prestação, e pode mesmo executar o património do devedor para esse fim. Nas obrigações
civis, para se obter o cumprimento coativo, pode recorrer-se à via judicial. Tal não
acontece nas obrigações naturais.
70
Obrigações naturais ou imperfeitas
As obrigações naturais estão reguladas nos artigos 402º e seguintes CC.
Diversamente das obrigações civis, nas obrigações naturais, o credor não pode exigir
coativamente o cumprimento. Contudo, se o cumprimento se der voluntariamente, o
credor goza do direito de reter a prestação. Daqui se retira as duas notas (cumulativas)
características das obrigações naturais: por um lado, a falta do direito de exigir
judicialmente o cumprimento e de executar o património do devedor para esse fim – não
exigibilidade judicial da prestação; por outro lado, o direito do credor de se opor à
repetição do indevido, nos casos em que haja cumprimento voluntário (não se aplica o
476º CC) – solutio retentio. O credor é tutelado pela possibilidade de conservar a
prestação que tenha sido espontaneamente feita. O credor tem o direito de reter a
prestação, que é devida à luz de uma outra ordem normativa (a ordem moral ou a ordem
social, por exemplo), e o cumprimento corresponde a um dever de justiça. Ele não a retém
como se lhe tivesse sido feita uma liberalidade, nem como um enriquecimento indevido.
Isto extrai-se do 402º CC.
As obrigações naturais são verdadeiras obrigações jurídicas ou são meras relações
de facto, oriundas de outras ordens normativas, a que pontualmente se dá relevância
jurídica? Qual a sua natureza jurídica? A doutrina portuguesa dividiu-se a respeito desta
questão:
Parte da doutrina defendeu que são verdadeiras obrigações jurídicas, dotadas
de uma juridicidade diversa, imperfeita – esta é a doutrina clássica, defendida
por José Tavares, Manuel de Andrade, Vaz Serra, Almeida Costa, Menezes
Cordeiro, Ribeiro de Faria e Nuno Pinto de Oliveira. Manuel de Andrade dizia
que as obrigações naturais podiam ser de uma de duas espécies: ou eram
obrigações civis frustradas, ou eram obrigações civis degeneradas. Seriam
frustradas por lhes faltar um dos requisitos para que pudessem ser
consideradas obrigações civis; e seriam degeneradas, porque de facto foram
obrigações civis, preencheram os requisitos e mereceram essa qualificação,
mas entretanto extinguiram-se por qualquer causa legal.
Outra parte da doutrina vem dizer que não estamos perante verdadeiras
obrigações jurídicas; estamos perante meras situações de facto a que
pontualmente se reconhece eficácia jurídica ou deveres de outra ordem
normativa a cuja prática se atribui efeitos jurídicos. Esta posição foi defendida
por Guilherme Moreira, Jaime de Gouveia, Pereira Coelho, Galvão Teles,
Antunes Varela e Menezes Leitão.
Falemos, agora, da noção de obrigações naturais. Em primeiro lugar, é
importante referir que a nossa lei não prevê um elenco taxativo de obrigações naturais,
apesar de termos algumas obrigações naturais nominadas. Para além das obrigações
naturais nominadas, para sabermos quando estamos perante uma obrigação natural,
vamos ter de aplicar a fórmula do 402º CC. Esta é uma fórmula maleável, tem contornos
amplos, o intérprete pode adequá-la à variabilidade das conceções sociais e éticas em cada
momento.
Do artigo 402º CC tiramos três notas características das obrigações naturais:
é preciso que haja falta de coercibilidade do vínculo, o credor não terá o direito de exigir
71
judicialmente o cumprimento da obrigação nem de executar o património do devedor para
o efeito; a prestação deve corresponder a um dever moral ou social, ela deve corresponder
a um dever proveniente de outra ordem normativa; o cumprimento da prestação deve
corresponder a um dever de justiça, à reta composição dos interesses. Este último
requisito deve ser aferido subjetiva e objetivamente, ou seja, deve corresponder a um
dever de justiça sentido pelo devedor e pela comunidade em que ele se insere,
respetivamente.
As partes não podem, no exercício da sua autonomia privada, convencionar a
constituição de uma obrigação natural, porque isso significaria que o credor estava ab
initio a renunciar ao seu direito a exigir o cumprimento coercitivo, o que é proibido pelo
artigo 809º CC.
Vamos ver as obrigações naturais nominadas. Elas são obrigações naturais que
estão previstas na lei, que estão consagradas enquanto tal na lei.
Em primeiro lugar, temos o cumprimento de uma dívida prescrita, previsto no
304º/2 CC. A classificação desta situação como obrigação natural é hoje pacificamente
aceite. Não pode ser repetida a prestação realizada espontaneamente no cumprimento de
uma obrigação prescrita. Não basta o mero decurso do prazo prescricional para que a
prescrição opere. Nos termos do 303º CC, o tribunal não pode suprir oficiosamente a
prescrição. Ela necessita de ser invocada para ser eficaz, o devedor deve opô-la ao credor,
só assim é que a dívida se considera prescrita. Se a dívida estiver prescrita nestes termos
e ainda assim o devedor cumprir, ele estará a cumprir uma obrigação natural. A prescrição
serve os valores da certeza e da segurança, mas o dever de justiça que fica por ela
paralisado perdura, daí que se o devedor cumpre, ele cumpre uma obrigação natural.
Depois, temos o caso das dívidas derivadas de jogo ou aposta, previsto no 1245º
CC. O artigo 1247º CC ressalva a legislação especial em matéria de jogo ou aposta, da
qual não vamos falar. Na primeira parte do 1245º CC, o legislador censura uma atividade
que é economicamente estéril e moralmente duvidosa, pelo que considera que ela não dá
origem a obrigações civis. Contudo, na segunda parte da norma, considerando o dever de
justiça que lhe pode estar subjacente, diz-se que se a atividade de jogo ou aposta for lícita
gera uma obrigação natural. O 1246º CC excetua deste regime as competições desportivas
relativamente a quem participa nelas, de modo a evitar apostas precipitadas.
Em terceiro lugar, temos a prestação de alimentos em benefício de certas
pessoas que não são titulares de um direito a alimentos judicialmente exercitável.
Esta situação está prevista no 495º/3 CC. Este artigo abrange alimentos que são objeto de
obrigações civis e alimentos que são objeto de obrigações naturais. As obrigações civis
de alimentos podem resultar da lei (2009º CC) ou de NJ (2014º CC), mas não é dessas
que vamos falar. As obrigações naturais de alimentos estão na parte final deste artigo.
Mas quem são as pessoas às quais o lesado presta alimentos ao abrigo de uma obrigação
natural? O legislador não nos disse, não estabeleceu um elenco, pelo que para sabermos
quem elas são vamos ter de recorrer à fórmula do 402º CC, vamos ter de ver se há um
dever social ou moral cujo cumprimento corresponde a um dever de justiça. Atualmente,
é pacífico que caberá aqui a situação do unido de facto. Os unidos de facto não se devem
alimentos civilmente, em princípio, mas como há uma comunhão de vida, há muitas vezes
a prestação de alimentos ao abrigo de uma obrigação natural.
72
O quarto exemplo de obrigação natural nominada é a compensação que é devida
pelos pais aos filhos pelo trabalho que estes realizam em certas condições, prevista
no 1895º/2 CC. O nº1 deste artigo vem dizer-nos que aqueles bens que resultam do
trabalho dos filhos com recurso a meios dos pais pertencem aos últimos. Mas o nº2
acrescenta que os pais devem dar aos filhos parte nesses bens produzidos ou de outra
forma compensá-los do seu trabalho. Contudo, esta compensação não pode ser
judicialmente exigida, é uma obrigação natural.
Vejamos, agora, as obrigações naturais inominadas. Como vimos, nestes casos
temos de aplicar a fórmula do 402º CC. Exemplos:
632º/2 CC: ainda que seja anulada a obrigação principal (a obrigação do
devedor) por incapacidade, por falta ou vício de vontade do devedor, nem por
isso a fiança deixa de ser válida se o fiador conhecia a causa da anulabilidade
ao tempo em que a fiança foi prestada. Assim, o fiador tem de cumprir. Se ele
cumprir e mais tarde o devedor cumprir perante ele, aquilo que o devedor está
a fazer é cumprir uma obrigação natural.
636º/3 CC: a dívida do devedor principal prescreve, ele invoca a prescrição e
a prescrição opera. O fiador, por sua vez, não invoca a prescrição e cumpre
perante o credor. Se mais tarde o devedor cumprir perante o fiador, ele está a
cumprir uma obrigação natural.
Falemos do regime das obrigações naturais, previsto nos artigos 403º e 404º CC.
Do artigo 403º resulta que não pode ser repetido o que for prestado espontaneamente em
cumprimento da obrigação natural, exceto se o devedor não tiver capacidade para efetuar
a prestação. A obrigação natural caracteriza-se pela irrepetibilidade da prestação, mas
para que haja solutio rentetio é preciso que se verifiquem dois requisitos, previstos neste
artigo: deve haver um cumprimento espontâneo, livre de qualquer coação (o devedor até
pode estar em erro, mas isso não obsta à espontaneidade da prestação, exige-se apenas
que não haja coação – 403º/2 CC); e o devedor deve ser capaz – 764º CC.
Do artigo 404º CC extraímos a ideia de que às obrigações naturais se aplicam as
disposições que regulam as obrigações civis. Contudo, há duas exceções: quando haja um
preceito especial que preveja o contrário; e quando a norma aplicável às obrigações civis
contrarie a não exigibilidade da obrigação natural. Comecemos pela primeira exceção.
Exemplos: 495º/3; 615º/2 – este artigo respeita à impugnação pauliana e vem prever a
possibilidade de impugnação pauliana do cumprimento de obrigações naturais,
desviando-se do regime das obrigações civis; 764º – em regra, se um devedor incapaz
cumprir perante o credor, este pode opor-se à anulação do cumprimento desde que o
devedor não tenha sido prejudicado por esse cumprimento, mas esta solução não se aplica
às obrigações naturais (isto já resultava do segundo requisito previsto no 403º CC, que
analisámos anteriormente). Quanto à segunda exceção, é importante dizer que o
cumprimento de uma obrigação natural não é uma liberalidade, pelo que não se vai aplicar
às obrigações naturais o regime das doações (947º e seguintes). Mais que isso: não se vão
aplicar regras que digam respeito à coercibilidade das obrigações. Que regras são estas?
A doutrina tem entendido que não se vão aplicar às obrigações naturais as regras relativas
ao não cumprimento (790º e seguintes) e ao cumprimento (772º e seguintes). Mas já se
vai aplicar, por exemplo, a norma relativa ao princípio da boa fé (762º).
73
Falta-nos falar na possibilidade de compensação quando estamos perante uma
obrigação natural. A compensação é, como já sabemos, um modo de extinção das
obrigações diferente do cumprimento e está regulada nos artigos 847º e seguintes. Ela
pressupõe que haja dois créditos, um crédito e um contracrédito, que os sujeitos sejam
simultaneamente devedores e credores um do outro. Exemplo: A deve a B 1000 euros e
B deve a A 1000 euros também. Se estas duas obrigações fossem civis, em princípio,
qualquer um deles poderia fazer operar a compensação. Quid juris se uma delas for uma
obrigação natural? O titular do crédito natural não pode invocar a compensação para
extinguir uma dívida civil sua. Se assim não fosse, atacava-se a não coercibilidade das
obrigações naturais. Por sua vez, o titular do crédito civil pode declarar a compensação.
Noção e características
Então, o que é o cumprimento? É um ato jurídico através do qual a obrigação
se extingue. Traduz-se na realização da prestação debitória pelo devedor. É isso que
se retira do artigo 762º CC. A realização da prestação debitória pode traduzir-se em atos
muito diversificados: a prestação debitória pode ter por objeto uma coisa ou um facto,
facto esse que pode ser positivo ou negativo. Exemplo: contrato de compra e venda por
meio do qual A vende a B o Código Civil de que é titular pelo preço de 5 euros – o
cumprimento da obrigação de entregar a coisa traduzir-se-á na entrega do Código Civil e
o cumprimento da obrigação de pagar o preço traduzir-se-á na entrega dos 5 euros
74
correspondentes ao preço. Outro exemplo: contrato de mútuo (contrato real quanto à
constituição, porque a entrega da quantia mutuada é um elemento constitutivo do
contrato) no valor de 5 mil euros – o cumprimento dar-se-á com a entrega desses 5 mil
euros e, no caso de o mútuo ser oneroso, com a entrega do valor correspondente aos juros.
Outro exemplo: comodato – o cumprimento por parte do comodatário dá-se com a
restituição da coisa emprestada.
Há outros atos jurídicos que também extinguem a obrigação mas que não se
confundem com o cumprimento, como, por exemplo, a dação em cumprimento (837º CC
– quando o devedor entrega coisa diversa daquela que é devida para extinguir a
obrigação), a compensação (847º CC), a remissão (863º CC) e a confusão (868º CC).
Estas figuras não se confundem com o cumprimento, porque não há a realização da
prestação debitória pelo devedor.
Podemos dizer que o cumprimento é o modo natural de extinção das obrigações:
a obrigação nasce para se extinguir com o cumprimento. É com o cumprimento que se dá
a concretização da finalidade a que a obrigação se preordena. A obrigação nasce para ser
cumprida, porque o seu objetivo é satisfazer o interesse do credor.
Em suma, o cumprimento caracteriza-se por três elementos, que o diferenciam das
demais formas de extinção da obrigação: ele extingue a obrigação, como qualquer causa
extintiva; ele traduz-se na realização da prestação debitória pelo devedor; ele dá
lugar à satisfação do interesse do credor. Quanto ao último elemento, o cumprimento
da prestação debitória, que satisfaz o interesse do credor, pode exigir diferentes
comportamentos: quando estejamos perante uma obrigação de resultado, a prestação
debitória cumprir-se-á quando o resultado for alcançado; quando haja uma obrigação de
meios, o cumprimento dar-se-á com a adoção daqueles atos que são exigíveis para se
obter o resultado, embora o resultado não seja prometido.
A extinção da obrigação pode não ser acompanhada da realização da prestação
debitória pelo devedor e da satisfação do interesse do credor. Exemplo da compensação:
A deve a B 1000 euros e B deve a A 1200 euros; qualquer um deles pode invocar a
compensação nos termos do 847º CC – ela vai operar a extinção total da dívida de A em
relação a B, mas vai operar apenas uma extinção parcial da dívida que B tem em relação
a A, porque B continua a dever 200 euros a A. Na compensação, extingue-se a obrigação,
mas não há realização da prestação debitória pelo devedor nem há necessariamente a
satisfação do interesse do credor. Exemplo da dação em cumprimento: A deve a B 1000
euros, mas em vez de lhe entregar esse valor entrega-lhe um quadro; para operar a dação
em cumprimento, nos termos do 837º CC, deve haver o acordo do credor. Se houver esse
acordo do credor, extingue-se a obrigação, mas não se realizou a prestação debitória que
é devida e o interesse do credor pode não ficar satisfeito. Exemplo da impossibilidade de
cumprimento não imputável às partes (790º CC): há extinção da obrigação, mas não há
realização da prestação debitória pelo devedor, nem satisfação do interesse do credor.
75
é devido. Para além destas características, não há respostas uniformes: nem sempre o
cumprimento é um NJ, embora o seja às vezes; nem sempre é um contrato, embora por
vezes tome essa forma. O cumprimento de um contrato-promessa, por exemplo, vai
consubstanciar-se na celebração de um contrato. O que é certo é que o cumprimento é
sempre um ato jurídico devido.
Esta qualificação não é determinante, tendo em conta o disposto no 295º CC. O
cumprimento pode ser nulo, ou pode ser anulado, por exemplo. Sempre que a analogia o
justifique, aplicam-se aos atos jurídicos não negociais as disposições relativas aos NJ.
Contudo, em certos campos, há normas específicas do cumprimento, que se distinguem
das normas aplicáveis aos NJ (as normas relativas à capacidade para cumprir são distintas
das regras relativas à capacidade negocial, por exemplo).
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Princípio da pontualidade do cumprimento
Artigo 406º/1 CC. Cumprimento pontual não deve ser atendido apenas num
sentido temporal. Cumprir pontualmente significa também que a obrigação deve ser
cumprida ponto por ponto, nos exatos termos em que o devedor se vincular.
Extraem-se três corolários deste princípio:
Quanto ao objeto do cumprimento, a prestação que é realizada não deve
(nem pode) ser diversa daquela que é devida. O devedor não pode prestar
uma coisa diferente daquela que é devida, mesmo que tenha valor superior. A
prestação de coisa diversa daquela que é devida só é possível mediante o
acordo do credor – é o que se retira do 837º CC.
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subscreve uma obra literária que é publicada em fascículos, sabe-se
que o cumprimento se vai dar necessariamente por prestações.
o Porque resulta da lei (caso da compensação quando as dívidas em
causa tenham valores diferentes, por exemplo, A deve a B 1000 euros
e B deve a A 1200 euros, opera a compensação, a dívida de 1000 euros
de A para com B extingue-se, mas B continua a dever a A 200 euros).
o Porque resulta dos usos (aqui, têm particular importância as diretrizes
que se retiram do princípio da boa-fé – se, por exemplo, se compram
bens perecíveis para serem consumidos durante determinado período
de tempo, faz sentido que o cumprimento não se faça de uma só vez).
Requisitos do cumprimento
Há um conjunto de pressupostos de validade do cumprimento, que se costumam
agrupar em três níveis: os respeitantes à capacidade do devedor, os respeitantes à
capacidade do credor e os que dizem respeito ao poder de disposição do devedor sobre o
objeto da prestação. Para que o cumprimento seja válido, é necessário que a obrigação
seja cumprida por um devedor capaz, perante um credor capaz, e que o devedor tenha
poderes de disposição sobre o objeto da prestação.
Capacidade do devedor
Artigo 764º/1 CC. Retiramos deste artigo que, em regra, não se exige a
capacidade de exercício do devedor: por norma, o devedor para cumprir não tem de ter
capacidade de exercício. Só assim não será se o cumprimento respeitar a um ato de
disposição. A capacidade de exercício de direitos é a aptidão para atuar juridicamente
(exercendo direitos, cumprindo deveres, adquirindo direitos e assumindo obrigações) por
ato próprio e exclusivo ou mediante representante ou procurador. Se o cumprimento de
uma obrigação for feito por um devedor capaz ou se, sendo o devedor incapaz, o
cumprimento for feito pelo seu representante legal, o ato de cumprimento é válido, não
temos de averiguar a natureza do ato de cumprimento. Se assim não for, teremos então de
averiguar se o cumprimento consubstancia um ato de disposição, porque, como vimos,
quando está em causa um ato de disposição, exige-se a capacidade do devedor.
O que é, então, um ato de disposição? Costuma definir-se ato de disposição pela
negativa: é todo aquele ato que não se destina à conservação dos bens administrados,
nem à promoção da sua frutificação normal. São atos de disposição os atos de
alienação e os atos de oneração. Nestes casos, o legislador exige a capacidade do devedor
ou o suprimento da sua incapacidade por representante, sob pena de anulabilidade. Por
vezes, os autores incluem nesta classificação atos que não são atos de disposição em
sentido técnico: a locação, por exemplo. Estes autores incluem aqui todos os negócios
que afetem duradouramente o bem a uma finalidade económico-prática.
Apesar de haver a possibilidade de anular um cumprimento quando não se
preencham estes requisitos, a verdade é que não há grande interesse em fazê-lo, porque
terá de haver um novo cumprimento. Daí que o 764º/1/2ª parte preveja a possibilidade de
não haver anulação do cumprimento se o devedor não tiver sofrido um prejuízo com ele.
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Só não haverá esta possibilidade se estiver em causa uma obrigação natural: nos termos
do 403º CC, a não repetição do indevido só ocorre se o cumprimento da obrigação natural
for feito voluntariamente por um devedor capaz.
Capacidade do credor
Artigo 764º/2 CC. O legislador vem exigir aqui a capacidade do credor para
receber a prestação. Se o credor que recebe a prestação não tiver capacidade, o
cumprimento é anulável e o seu representante legal pode promover a anulação do
mesmo. Anulado o cumprimento, o ato carece de eficácia jurídica e vai ter de ser repetido
perante o representante do credor incapaz. Mas o legislador estabelece uma ressalva na
segunda parte do artigo: se o credor incapaz recebe o valor correspondente ao
cumprimento e o entrega ao seu representante, ou o guarda, ou o investe, o devedor pode
opor-se à anulação e, consequentemente, à realização de um novo cumprimento.
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Legitimidade para cumprir
Quem tem legitimidade para cumprir? Não estamos a perguntar quem deve
cumprir, porque quem deve cumprir é o devedor, só ele tem o dever de cumprir. Quando
falamos em legitimidade para cumprir, queremos saber quem é que pode cumprir. A
este propósito, temos o 767º/1 CC: o cumprimento pode ser feito tanto pelo devedor como
por terceiro, interessado ou não na obrigação. Isto só não poderá ser assim se houver
convenção em contrário ou se a substituição do devedor por terceiro causar prejuízo ao
credor – 767º/2 CC. Isto leva-nos a distinguir entre obrigações fungíveis e obrigações
infungíveis: fungíveis são aquelas que podem ser realizadas por terceiros sem que a
realização por terceiro cause qualquer prejuízo ao credor – são a regra.
No 768º/1 CC o legislador vem dizer que se a prestação puder ser feita por terceiro
(se for fungível), o credor tem de a aceitar, sob pena de incorrer em mora perante o
devedor (813º CC) – aqui não se dá relevância à sua vontade. Mas se a vontade do credor
não é decisiva nestas situações, a vontade do devedor já pode ter algum peso: o credor
que recuse a prestação de terceiro não incorre em mora desde que o devedor se oponha a
esse cumprimento – o credor pode até aceitar a prestação, não está obrigado a recusar.
768º/2 CC: o credor não pode recusar a prestação de terceiro, mesmo que haja
oposição do devedor, se o terceiro puder ficar sub-rogado nos termos do artigo 592º CC.
A sub-rogação é uma forma de transmissão dos direitos de crédito. O terceiro cumpre e
sub-roga-se, isto é, adquire o direito que era do credor. O artigo 592º prevê a sub-rogação
legal: se o terceiro tiver garantido a obrigação (se for um fiador, por exemplo) ou se, por
qualquer outra causa, estiver diretamente interessado na satisfação do crédito (se o direito
desse terceiro estiver em causa, por exemplo: A é arrendatário de X e B é subarrendatário
– B, terceiro, pode ter interesse em pagar a renda que A não pagou para evitar a resolução
do contrato, que o afetaria enquanto sublocatário), ele fica sub-rogado, e a oposição do
devedor não é suficiente para que o credor possa recusar o cumprimento por terceiro.
Falemos, agora, das prestações infungíveis. A infungibilidade pode ser
convencional, se resultar do acordo das partes; e pode ser natural, se a substituição, pela
natureza da prestação, importar um prejuízo para o credor. Quando é que há prejuízos
para o credor que tornam a prestação infungível? Estamos a falar, sobretudo, de situações
em que estão em causa qualidades pessoais do devedor. Se A, um pintor famoso,
contratado pelas suas qualidades artísticas, se compromete a pintar um quadro de B, ele
não poder ser substituído por terceiro. Estão em causa qualidades técnicas, científicas,
artísticas do devedor e a relação de confiança existente entre ele e o credor. Quando a
obrigação é infungível, o devedor não pode fazer-se substituir por terceiro. Contudo, pode
recorrer a auxiliares, que não são considerados terceiros para este efeito. Os auxiliares
auxiliam o devedor no cumprimento da obrigação, o cumprimento é feito na mesma pelo
devedor. Só não poderá recorrer a auxiliares se isso resultar do negócio ou da natureza do
ato a praticar – isto resulta do 264º/4 (procuração) e do 1165º CC (mandatário).
O que acontece quando a prestação (fungível) é cumprida por terceiro? São
várias as situações que podem ocorrer.
Uma delas é a sub-rogação: A deve a B 1000 euros e X paga esses 1000 euros
a B – o terceiro, X, pode vir a assumir a posição de credor (sub-rogação legal,
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nos termos do 592º CC; podia também ser uma sub-rogação por acordo com
o credor, nos termos do 589º CC, ou uma sub-rogação por acordo com o
devedor, nos termos do 590º CC), transmite-se o direito de crédito do credor
para o terceiro que cumpre. Ou seja, apesar de ter havido cumprimento da
obrigação por terceiro, ela não se extinguiu.
Outra situação é aquela em que a obrigação se extingue mas nasce um
crédito novo. Exemplo: o cumprimento é feito por terceiro enquanto gestor
de negócios. A obrigação extingue-se, mas o gestor tem direito a ser
indemnizado pelo dominus pelas despesas que tenha realizado (468º CC).
outro exemplo: o terceiro cumpre, mas cumpre como mandatário – neste caso,
o mandante tem de reembolsar o mandatário, não obstante a extinção da
primeira obrigação (1167º/c) CC).
Outra hipótese ainda é a de haver uma doação indireta. X entrega a B 1000
euros para pagar a dívida que A tem em relação a este. X pode estar a fazer
uma doação indireta: em vez de doar a A os 1000 euros para ele saldar a sua
dívida, o X pode diretamente pagar essa dívida. Não nos podemos esquecer é
que a doação é um contrato, pelo que tem de haver uma aceitação do donatário,
de A, neste caso. Se A não aceitar, há a extinção da dívida, a menos que o
terceiro tenha direito de repetição nos termos gerais.
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aproveita porque a sua dívida se extingue e, para além disso, pode não ter um fundado
motivo em não considerar a prestação como feita a si próprio; verificados
cumulativamente estes requisitos, o cumprimento feito a terceiro é liberatório). Alínea e):
se o credor for herdeiro de quem recebeu a prestação e se responder pelas obrigações do
autor da sucessão – há um terceiro que recebe a prestação, mas entretanto o credor sucede
a esse terceiro, respondendo pelas suas obrigações. Alínea f): quando a lei o determinar
(artigo 685º CC, por exemplo).
Lugar do cumprimento
A este respeito, importa ter presente o princípio geral consagrado no 772º CC: em
regra, o cumprimento dá-se no domicílio do devedor. Mas esta é uma norma supletiva,
aplicável apenas se as partes não dispuserem em sentido diverso. As partes podem
estipular de forma expressa o lugar do cumprimento, mas com muita frequência esta
estipulação decorre de manifestações de vontade tácitas – aliás, a referência aos usos e
à natureza da prestação tem particular importância aqui. Exemplo: A obriga-se a pintar
as paredes da sala da casa de B – o lugar do cumprimento, ainda que as partes não o
estipulem expressamente, decorre da natureza da prestação, é a casa de B.
A norma do 772º CC é uma norma geral, pelo que cede quando confrontada com
normas especiais aplicáveis ao caso concreto. Quanto a essas normas especiais, há que
destacar dois grupos: o grupo das normas que, sendo especiais face à norma do 772º CC,
são elas próprias genéricas (têm uma amplitude de aplicação genérica), condição
decorrente da sua inserção sistemática (773º e 774º); e o grupo das normas especiais em
relação a estas últimas (885º, 1039º, 1195º e 2270º).
Grupo das normas que, sendo especiais, têm ainda uma amplitude de aplicação
genérica:
o O artigo 773º aplica-se às obrigações de coisa móvel: no nº1
contempla-se uma norma aplicável às obrigações de coisa móvel
determinada, e no nº2 contempla-se uma regra aplicável às obrigações
de coisa genérica ou de coisa que ainda deva ser produzida.
o O artigo 774º diz respeito ao pagamento de obrigações pecuniárias: o
lugar do pagamento será o lugar do domicílio que o credor tiver ao
tempo do cumprimento.
Grupo das normas especiais relativamente às anteriores: estas normas estão
distribuídas pelas disciplinas legais de certos NJ
o O artigo 885º diz respeito ao lugar de pagamento do preço na compra
e venda (é uma obrigação pecuniária, pelo que se poderia ponderar a
aplicação do 774º). Este artigo refere-se ainda ao lugar da entrega da
coisa vendida.
o O artigo 1039º diz respeito ao lugar de pagamento de renda e aluguer
(também são obrigações pecuniárias).
o O artigo 1195º diz respeito à obrigação do depositário de restituir a
coisa depositada.
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o O artigo 2270º diz respeito à obrigação de cumprimento dos legados
(que, em regra, têm por fonte um NJ unilateral que é o testamento).
Muitas destas normas preveem que o lugar do cumprimento seja o domicílio do
credor ou o domicílio do devedor. Quid juris se houver uma mudança destes
domicílios? Quanto à mudança do domicílio do devedor, temos de ter presente a regra do
772º/2 CC: em princípio o cumprimento será feito no novo domicílio do devedor, a menos
que essa mudança acarrete um prejuízo para o credor, caso em que a obrigação será
cumprida no primitivo domicílio do devedor. Quanto à mudança do domicílio do credor,
temos uma norma prevista no 775º CC.
Quid juris se houver uma impossibilidade de prestação no lugar fixado?
Artigo 776º CC. Se o lugar fixado para a prestação for um elemento essencial da própria
prestação (isto é, as partes não teriam celebrado o negócio se a prestação não pudesse ser
realizada naquele local), há que distinguir: se há uma impossibilidade originária, a
consequência é a nulidade (401º CC); se a impossibilidade for superveniente, dá-se a
extinção da obrigação, nos termos do 790º CC. Outra hipótese é aquela em que o lugar
fixado não é um elemento essencial da própria prestação: neste caso, aplicamos as normas
supletivas dos artigos 772º a 774º.
Tempo do cumprimento
Quanto ao tempo do cumprimento, temos de distinguir duas espécies de
obrigações: as obrigações puras e as obrigações a prazo.
Comecemos pelas primeiras. Obrigações puras (777º/1 CC) são aquelas
relativamente às quais não foi fixado qualquer prazo para o respetivo cumprimento.
Quer isto dizer que o seu vencimento se dá no momento em que o credor exige o
cumprimento da obrigação ao devedor, no momento em que o credor interpela o devedor
para cumprir. É a interpelação que marca o momento do vencimento. Se houver
interpelação e o devedor não cumprir, ele entra em mora. Isto resulta do 805º/1 CC. Estas
obrigações vencem-se quando o credor interpela o devedor para cumprir, sendo que pode
fazê-lo a todo o tempo, mas este último pode cumprir também a todo o tempo.
Já as obrigações a prazo são aquelas em que o cumprimento não pode, em
princípio, ser exigido ao devedor antes que tenha decorrido um certo período de
tempo ou antes que se tenha alcançado uma determinada data. Em princípio, o
devedor pode cumprir imediatamente (embora haja exceções – 1147º CC). Nas
obrigações a prazo, o decurso do prazo constitui o devedor em mora. Se, decorrido o
prazo ou chegada a data fixada, não há cumprimento, o devedor constitui-se em mora – é
o que resulta do 805º/2/a) CC. O prazo pode ser fixado por acordo das partes, pode ser
fixado pela lei (885º CC, por exemplo) e pode decorrer da natureza da prestação, das
circunstâncias que determinam a prestação ou dos usos – 777º/2 CC. Exemplo da última
situação: A contrata B para lhe construir uma casa – como é óbvio, a construção da casa
está sujeita a prazo, correspondente ao tempo que demora essa mesma construção, um
prazo resultante da natureza da prestação.
83
Qual é esse prazo? As partes podem acordar na sua determinação, mas, na falta
de acordo, pode o prazo ser fixado pelo tribunal, caso em que se aplicam as regras dos
artigos 1026º e 1027º CC.
Falemos, agora, do benefício do prazo. Quem é que é beneficiário do prazo? Em
benefício de quem é que o prazo é estabelecido? O prazo pode aproveitar ao devedor, ao
credor ou aos dois simultaneamente.
Comecemos pela primeira hipótese, em que o prazo é fixado em benefício do
devedor. Esta é a regra, que está vertida no 779º CC. Neste artigo temos uma presunção
de que o prazo é estabelecido no interesse do devedor. Neste caso, o prazo suspende a
exigibilidade da prestação pelo credor: o credor não pode exigir a prestação antes de
decorrido o prazo. Mas o devedor pode oferecer o cumprimento antecipado, ele pode
renunciar ao benefício do prazo. Se o fizer e o credor recusar a prestação antecipadamente
oferecida, o credor incorre em mora, nos termos do 813º CC.
Mas o prazo também pode ser estabelecido em benefício do credor. Neste caso,
o prazo suspende a possibilidade de cumprimento pelo devedor, o devedor não pode
cumprir antes de o prazo decorrer. Ainda assim, o credor pode exigir o cumprimento
antecipado, renunciando ao benefício do prazo. Uma hipótese em que o prazo é
estabelecido em benefício do credor consta do artigo 1194º CC.
O prazo pode ainda ser estabelecido em benefício do devedor e do credor.
Quer isto dizer que nem o credor pode exigir a prestação, nem o devedor a pode cumprir
antes de decorrido o prazo, a menos que haja acordo entre eles em sentido diverso. Isto
acontece no mútuo oneroso – 1147º CC: neste caso, o devedor (o mutuário) pode pagar
antecipadamente, mas para tal tem de pagar os juros de todo o período por inteiro.
Há negócios sujeitos a prazos fixos. A obrigação com prazo fixo pode ser de uma
de duas espécies: obrigação com prazo fixo absoluto ou obrigação com prazo fixo
relativo. No primeiro caso, o decurso do prazo sem que haja cumprimento importa a
impossibilidade definitiva de cumprir a prestação. Exemplo: A vai casar-se e vai a uma
loja para comprar um fato para vestir nesse dia – se o fato não é entregue atempadamente,
não há mais possibilidade de cumprir. No segundo caso, o decurso do prazo sem que haja
cumprimento importa que o credor possa exigir uma indemnização pelos danos
decorrentes do atraso no cumprimento, ou que possa promover a resolução imediata do
contrato, sem necessidade de fixar um prazo suplementar para o cumprimento. Este
último prazo é relativo, porque ainda há oportunidade para cumprir a obrigação – se o
credor optar pela primeira solução e não resolver com efeitos imediatos o contrato, ainda
é possível cumprir. Cabe ao credor decidir se ainda há essa oportunidade para cumprir.
O prazo pode depender da possibilidade ou do arbítrio do devedor – é o que
resulta do 778º CC. Comecemos pelos casos em que depende da possibilidade do devedor,
previstos no 778º/1. Aqui, estipula-se que o devedor cumprirá quando puder, a prestação
só será exigível quando ele a puder prestar, quando ele tiver possibilidades de o fazer –
quando ele tiver os meios para cumprir, quando tiver possibilidades económicas para
cumprir, quando tiver disponibilidade de tempo para cumprir, quando tiver possibilidades
materiais para cumprir. O credor só pode exigir o cumprimento se provar que o devedor
já pode cumprir. Nos termos do 778º/1, se o devedor falecer, a prestação é imediatamente
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exigível aos seus herdeiros – não podem os herdeiros invocar a mesma condição da pessoa
a quem sucederam. Por outro lado, pode o prazo ficar dependente da vontade/arbítrio do
devedor, caso em que ele cumprirá quando quiser – 778º/2. A prestação fica dependente
da vontade do devedor. Mas esta vantagem só a ele aproveita, porque, nos termos do
778º/2, se ele falecer, o credor pode exigir aos herdeiros que cumpram a prestação.
Importa falar na exigibilidade antecipada. Como vimos, em regra, o prazo é
estabelecido a favor do devedor, o que quer dizer que o cumprimento só lhe é exigível
uma vez decorrido o prazo. Contudo, por vezes, pode ser possível exigir-lhe o
cumprimento antecipado, há causas de perda do beneficio do prazo, causas que fazem
o credor duvidar da solvabilidade do devedor, que fazem o credor perder a confiança no
devedor. Quais são essas causas?
Em primeiro lugar, as que estão enunciadas no 780º CC. Nos termos deste
artigo, são causas da perda do beneficio do prazo:
o A insolvência do devedor: se o devedor se tornar insolvente, o credor
pode exigir o cumprimento imediato da obrigação. Basta que haja uma
situação de insolvência, ainda que não tenha sido decretada
judicialmente – artigo 3º Código de Insolvência e de Recuperação de
Empresas. Nos termos deste artigo, haverá insolvência quando o
devedor se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações
vencidas. Note-se ainda que não basta o perigo de insolvência, tem de
ter havido efetivamente insolvência.
o A diminuição das garantias ou falta delas. Está em causa uma
diminuição das garantias/falta de prestação das garantias imputável ao
devedor. Nestes casos, o credor tem o direito de, em vez de exigir o
cumprimento imediato, requerer a substituição ou o reforço das
garantias – é dada uma alternativa ao credor. Não é necessário que a
diminuição das garantias as torne insuficientes para garantir o crédito
– o legislador não exige uma diminuição qualificada. Mas também não
basta uma diminuição ínfima das garantias (se bastasse, violar-se-ia o
princípio da boa-fé).
Quanto a certas garantias há normas especiais: quanto à
hipoteca, temos o artigo 701º CC; quanto à fiança, artigo 633º
CC; quanto à consignação de rendimentos, artigo 665º CC;
quanto ao penhor, artigo 670º/c) CC. Estas normas especiais
aplicam-se quando a diminuição das garantias não seja
imputável ao devedor. Para além disso, nestas normas há uma
subsidiariedade da perda do benefício do prazo: havendo
diminuição das garantias, em primeiro lugar tem de se exigir o
seu reforço, e só se elas não forem reforçadas é que se pode
exigir imediatamente o cumprimento. Por fim, nestes casos,
tem de haver uma diminuição qualificada das garantias. Se
estiver em causa alguma destas garantias e houver uma
diminuição por causa imputável ao devedor, não se aplicam
estas normas especiais, aplica-se sim o artigo 780º.
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Há perda do beneficio do prazo também no caso do 781º CC, relativo às
dívidas liquidáveis em prestações. Nestes casos, se se falhar o cumprimento
de uma das prestações, há lugar à perda do beneficio do prazo. Não há um
vencimento antecipado, o devedor não fica logo constituído em mora, só há
lugar à perda do beneficio do prazo, o cumprimento pode ser exigido.
o Há um regime especial para a compra e venda a prestações – 934º CC.
Aqui não basta a falta de cumprimento de uma só prestação para haver
perda do beneficio do prazo. Tem de haver a falta de cumprimento de
duas ou mais prestações, ou a prestação em falta tem de exceder um
oitavo do preço.
o Estes dois regimes dizem respeito a dívidas liquidáveis em prestações,
prestações instantâneas que foram fracionadas. Não estão em causa as
obrigações duradouras.
A perda do benefício do prazo é pessoal, ou seja, respeita apenas ao devedor,
não se estende aos coobrigados, nem a terceiros que garantiram a obrigação – 782º CC.
Quanto a estes terceiros existem apenas duas exceções, que estão nos artigos 701º e 678º
CC (casos em que o terceiro que garantiu a obrigação pode perder o beneficio do prazo).
Imputação do cumprimento
Este problema surge quando, existindo várias dívidas do mesmo devedor em
relação ao mesmo credor e sendo realizada uma prestação debitória, se pretende
saber por conta de que dívida/dívidas essa prestação foi realizada. A questão só surge
quando o quantitativo prestado não chegar para o pagamento integral das
obrigações que estão em dívida. Exemplo: A deve a B 1000 euros, por força de uma
obrigação contraída em 2000; 2000 euros, por força de uma obrigação constituída em
2010; e 3000 euros, por força de uma obrigação constituída em 2015. Se A entregar a B
6000 euros, o problema da imputação do cumprimento não se coloca, porque a entrega
desse valor corresponde ao cumprimento integral de todas as dívidas de A em relação a
B. Este problema também não se coloca se se puder estabelecer, por força da
natureza da prestação debitória realizada, uma conexão entre ela e a obrigação a
extinguir com esse cumprimento. Exemplo: A, para além de dever a B aqueles 6000
euros, deve-lhe também a entrega de um computador – ora, se A entregar a B um
computador, sabemos por conta de que obrigação o cumprimento deve ser tido como feito
(a obrigação de entrega de um computador).
Quando o problema surge, aplicamos as regras dos artigos 783º e seguintes CC.
A este respeito cumpre, desde logo, destacar o princípio da autonomia privada: as partes
podem definir, por acordo, expresso ou tácito, por conta de que obrigação o
cumprimento deve ser tido como feito. Se não houver acordo entre as partes, resulta
do 783º/1 CC que cumpre ao devedor designar as dívidas por conta das quais o
cumprimento deve ser tido como feito. Mas a vontade do devedor não se impõe ao
credor em todos os casos, nomeadamente quando este seja titular de um interesse
protegido por lei que possa opor àquele. Por exemplo, o devedor não pode determinar que
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o cumprimento se faz por conta de uma obrigação que ainda não se venceu e cujo prazo
é estabelecido em favor do credor – há um interesse legítimo do credor a ser tutelado aqui.
Também não pode o devedor determinar que a prestação debitória realizada se deve
entender como feita por conta de uma obrigação de valor superior, se o credor se puder
opor ao cumprimento parcial.
Quid juris se, na falta de acordo, o devedor nada disser? O artigo 784º/1 CC
estabelece critérios supletivos de imputação:
O primeiro critério diz que a imputação se deve fazer na obrigação vencida:
havendo várias obrigações e só estando uma delas vencida, imputa-se o
cumprimento nela.
O segundo critério diz que, havendo várias obrigações vencidas, a imputação
deve fazer-se naquela que apresenta menor garantia para o credor. Exemplo:
há várias obrigações vencidas, estando uma delas garantida por uma hipoteca
e as outras pelo património do devedor (garantia geral das obrigações) – a
dívida garantida pela garantia especial, a hipoteca, oferece mais garantias ao
credor, pelo que a imputação não se fará nela.
O terceiro critério diz que, havendo várias dívidas igualmente garantidas, a
imputação deve fazer-se na dívida mais onerosa para o devedor. A onerosidade
tem de ser apreciada face ao caso concreto. Se uma das obrigações está
associada a uma cláusula penal, é mais onerosa para o devedor; se uma das
obrigações está a vencer juros, é mais onerosa para o devedor; estando uma
das obrigações a vencer juros a 5% e outra a 5,5%, a última é mais onerosa
para o devedor.
O quarto critério diz que se houver várias dívidas igualmente onerosas, a
imputação deve fazer-se naquela que se tiver vencido primeiro.
O quinto critério diz que, havendo várias dívidas que se tenham vencido
simultaneamente, a imputação deve fazer-se na mais antiga em data.
E se nenhuma destas regras permitir diferenciar as dívidas? Aplica-se o 784º/2
CC: a prestação presume-se feita por conta de todas as dívidas proporcionalmente.
Vejamos, agora, o regime do artigo 785º CC. Resulta do 785º/2 CC que, havendo
uma dívida de capital e uma dívida de juros, a imputação no capital só pode fazer-se em
último lugar, a menos que o credor consinta que se impute antes. O 785º/1 CC prevê uma
regra supletiva que nos diz que primeiro se imputa o valor pago por conta das despesas e
depois, sucessivamente, por conta da indemnização e dos juros – o capital está em último
lugar, por força do 785º/2.
87
exemplo, a obrigação extingue-se, não há realização da prestação debitória, mas não há
incumprimento. Também não há incumprimento se houver prescrição da obrigação – a
obrigação não é cumprida porque se fez operar a prescrição. Também não há
incumprimento se a realização da prestação debitória não acontece mas o NJ do qual
nasceu a obrigação era nulo, ou foi anulado, ou foi revogado.
Modalidades do não-cumprimento
O incumprimento não se configura sempre da mesma forma. As várias espécies
de não-cumprimento podem identificar-se com base em vários critérios:
Quanto à causa do incumprimento, podemos ter:
o Incumprimento imputável ao devedor – quando o incumprimento
fica a dever-se a um facto culposo do devedor. Ele não praticou os atos
que eram devidos por culpa sua. Exemplo: A deve entregar a B um
computador no dia 27 de abril, mas não o faz porque se esquece ou
porque não quer, sem haver um motivo legítimo para não cumprir.
Artigos 798º e seguintes CC.
o Incumprimento não imputável ao devedor – o não-cumprimento
não fica a dever-se a um facto culposo do devedor. Ele pode ficar a
dever-se a um facto fortuito ou de força maior (exemplo: A não entrega
o computador porque, no dia 26 de abril, ele é destruído num incêndio
causado por um raio), a um facto de terceiro (exemplo: A não entrega
o computador porque, estando a caminho da casa de B, onde se deveria
dar o cumprimento, é atropelado por X, que vem em excesso de
velocidade, resultando desse acidente a destruição do computador), a
um facto do credor (exemplo: A dirige-se à casa de B no dia e hora
acordados, mas B não está lá porque foi de férias – o credor devia
colaborar e não colabora), a um facto do próprio devedor mas sem
culpa, ou à lei (a lei pode determinar uma situação de incumprimento
– por exemplo, num contexto de pandemia, as regras impostas pelo
decretamento do estado de emergência podem impossibilitar o
cumprimento). Artigos 790º e seguintes CC.
88
Estas situações são, verificados certos requisitos, equiparadas
às situações de impossibilidade de cumprimento. Exemplo: A
compra a B o vestido do seu casamento, que tem de ser
entregue na data X, mas o vestido não é entregue até essa data
– ainda se pode entregar o vestido, mas o credor já não está
interessado na sua entrega.
o Mora ou retardamento – há um mero atraso no cumprimento, que
continua a ser possível e a corresponder à satisfação de um interesse
do credor. Exemplo: A deveria ter comparecido na casa de B para lha
pintar no dia X, mas só apareceu dias depois – a casa continua a poder
ser pintada e B continua a ter interesse nisso.
o Cumprimento defeituoso ou imperfeito ou mau cumprimento – a
prestação debitória é realizada, e até pode ser realizada
atempadamente, mas a qualidade que apresenta é diferente daquela que
deveria apresentar. A prestação debitória não apresenta a qualidade
que era exigida. Exemplo: A entrega a B o seu vestido de noiva na data
acordada, mas ele apresentava vários problemas.
Estes critérios podem cruzar-se. Exemplo: a mora pode ter várias causas, podendo
dever-se, por exemplo, a um facto culposo do devedor (incumprimento imputável ao
devedor), ou a um facto do credor (incumprimento não imputável ao devedor). O
cruzamento destes critérios vai repercutir-se a nível do regime a aplicar: se, no exemplo,
a mora for imputável ao devedor, aplicamos os artigos 804º e seguintes CC (muitas vezes,
o termo “mora” até é reservado para os casos de retardamento imputável ao devedor); se
se ficar a dever a facto do credor, aplicamos os artigos 813º e seguintes CC.
89
impossibilidade pode decorrer de um facto fortuito ou de força maior (ou seja, um facto
que escapa ao controlo do devedor, um facto que ele não podia razoavelmente prever no
momento da constituição da obrigação e que não pode prevenir com medidas adequadas),
de um facto de terceiro, de um facto do credor, de um facto do próprio devedor, desde
que não lhe seja imputável a título de culpa, ou da lei.
Para além disso, a impossibilidade de que agora falamos pode ser objetiva ou,
em certos casos, subjetiva. Impossibilidade objetiva é aquela que respeita à prestação,
ao seu objeto. Se há uma impossibilidade objetiva, a prestação não pode ser realizada por
ninguém. Exemplo: o computador que é devido e que é destruído por causa não imputável
ao devedor. Por outro lado, impossibilidade subjetiva é aquela que respeita ao devedor.
Se há impossibilidade subjetiva, a prestação não pode ser realizada pelo devedor, mas
pode ser realizada por terceiro. Em princípio, a impossibilidade subjetiva não releva para
extinguir a obrigação. Ela só relevará num caso: quando a prestação for infungível.
A impossibilidade pode ainda ser total ou parcial. Será total quando respeite a
toda a prestação. Exemplo: A tem de entregar a B o computador e ele é totalmente
destruído. E será parcial quando respeite apenas a uma parte da prestação. Exemplo: A
tem de entregar uma coleção de livros a B e dois dos livros dessa coleção são destruídos.
A impossibilidade total convoca a aplicação do 790º CC; a impossibilidade parcial
convoca a aplicação do 793º CC.
Analisemos, em primeiro lugar, a problemática da não exigibilidade da
prestação por dificuldade em prestar. Se a prestação se tornar extraordinariamente
onerosa ou excessivamente difícil para o devedor (como acontece em situações de guerra,
de inflação e grande perturbação económica e de pandemia), a obrigação deve extinguir-
se? Deve o efeito liberatório do 790º CC associar-se não só à impossibilidade de prestar,
mas também a uma dificuldade extraordinária não imputável ao devedor? Podemos
equiparar esta dificuldade em prestar à impossibilidade da prestação? O 790º CC refere-
se à impossibilidade absoluta da prestação – a prestação é material, física ou
juridicamente impossível.
Na doutrina alemã desenvolveu-se a ideia de que a impossibilidade relativa, ou
seja, a dificuldade extraordinária em termos económicos para o devedor cumprir deveria
gerar uma situação de inexigibilidade em certos casos, sendo equiparada àquela
impossibilidade absoluta de prestar – esta é a teoria do limite do sacrifício. Entendia-se
que o dever de prestar teria como limite o sacrifício que fosse razoavelmente exigível ao
devedor para satisfazer o interesse do credor, à luz do princípio da boa fé. Quando se
ultrapassar esse limite, o cumprimento deverá ser inexigível e, portanto, o devedor deverá
libertar-se da obrigação, a obrigação deverá extinguir-se, tal como acontece nos casos de
impossibilidade.
O anteprojeto de Vaz Serra para o atual Código Civil dava relevância a estas
situações de excessiva onerosidade do cumprimento para o devedor, mas a norma que ele
propôs neste âmbito acabou por não ser acolhida. A teoria do limite do sacrifício não
foi acolhida entre nós. A posição maioritária da doutrina portuguesa nesta matéria é a da
oposição a esta teoria. Assim, para a doutrina maioritária, deverá haver uma diferenciação
entre a impossibilidade em sentido técnico (geradora da exoneração do devedor) e a
situação de dificuldade em prestar, porque aceitar a teoria do limite do sacrifício geraria
90
incertezas no tráfego jurídico-negocial. A diferenciação entre as duas figuras referidas
deverá manter-se, à luz de uma ideia de confiança contratual, por respeito pelo interesse
no cumprimento por parte do credor. A onerosidade da prestação não pode importar, só
por si, a exoneração do devedor. O devedor assumiu uma obrigação, vinculou-se a uma
determinada prestação que importa riscos e sacrifícios, pelo que não pode libertar-se dela
com a simples invocação de uma dificuldade, ainda que extraordinária, em cumprir. O
artigo 790º CC só se aplica aos casos de impossibilidade em sentido técnico.
Não podemos aplicar o artigo 790º CC aos casos de dificuldade extraordinária em
cumprir, mas podemos invocar outros instrumentos do nosso OJ. As considerações
subjacentes à teoria do limite do sacrifício também se encontram presentes no OJ
português. Essas considerações encontram reflexo em alguns preceitos: artigos 437º,
566º e 762º CC, por exemplo.
Analisemos o artigo 437º CC. Havendo uma alteração anormal de certas
circunstâncias vigentes à data da conclusão do negócio, pode haver lugar à resolução ou
à modificação do contrato, segundo os critérios da equidade. Isto poderá acontecer desde
que estejam verificados os cinco requisitos cumulativos do 437º CC: tem de haver uma
alteração das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, que
existiam à data em que celebraram o negócio e que foram determinantes para a celebração
do contrato; tem de haver uma alteração anormal / imprevisível das circunstâncias; a
alteração das circunstâncias tem de provocar uma lesão a uma das partes, ditando um
desequilíbrio entre as prestações contratuais; a lesão tem de ser de tal ordem que a
exigência do cumprimento a essa parte seja contrária aos ditames da boa-fé; a lesão não
pode estar coberta pelos riscos próprios do contrato. Um regime idêntico é aplicável aos
casos em que há um erro sobre as circunstâncias que constituíram a base negocial, nos
termos do 252º/2 CC.
Já o artigo 566º CC diz respeito à reparação de danos e prevê como regra, nos
termos do nº1, a restauração in natura. Contudo, uma das causas que pode afastar a
restituição natural é a excessiva onerosidade para o devedor.
Por outro lado, o 762º CC estipula que o princípio da boa-fé se aplica não apenas
ao devedor, mas também ao credor no exercício do seu direito, o que quer dizer que se a
dificuldade da prestação, que não dita a extinção da obrigação, puder ser imputada ao
credor, pode surgir na esfera deste o dever de indemnizar o devedor, por violação do
disposto nesta norma.
Apesar disto, a teoria do limite do sacrifício tem sido invocada para afirmar
uma não exigibilidade do cumprimento e para ditar uma impossibilidade
temporária em casos em que há uma impossibilidade psíquica ou moral. Até agora
falámos de dificuldades de índole económica; agora vamos falar de situações em que há
uma dificuldade psicológica ou moral. Exemplo: um ator prepara uma peça que vai estrear
em breve e alguém muito próximo dele falece – há aqui uma impossibilidade psíquica ou
moral, de acordo com aquela teoria, pelo que o credor da prestação, se exigisse o seu
cumprimento imediato, estaria a exercer ilegitimamente o seu direito. Com base neste
raciocínio, tem-se afirmado que o credor deve esperar que seja superada esta situação
anormal para poder exercer o seu direito, à luz dos ditames da boa-fé.
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Falemos, agora, da impossibilidade objetiva e da impossibilidade subjetiva não
imputáveis ao devedor. A impossibilidade objetiva importa o efeito de extinção da
obrigação – 790º/1 CC. A prestação não pode ser realizada por ninguém, nem mesmo
pelo devedor, porque esta impossibilidade diz respeito ao seu objeto. Nestes casos, a
obrigação extingue-se, o devedor libera-se e não tem dever de indemnizar. Exemplo: o
computador que era devido é destruído por facto não imputável ao devedor – a obrigação
de entregar o computador extingue-se. Apesar de a obrigação se extinguir, pode haver
lugar à aplicação do 794º CC, que prevê que se o devedor, por força da impossibilidade,
adquirir um direito (no exemplo do computador, se por causa da sua destruição o devedor
tiver direito ao valor do seguro correspondente), o credor pode exigir a prestação daquilo
a que esse direito respeita (no nosso exemplo, pode exigir o montante do seguro).
Por outro lado, quando há impossibilidade subjetiva, isto é, quando a
impossibilidade diz respeito àquele concreto devedor (a prestação pode até ser realizada
por outras pessoas, mas não pelo devedor), aplicamos o 791º CC. Em regra, a prestação
debitória pode ser realizada por terceiro (767º CC), ou seja, em regra, a prestação
debitória é fungível, pelo que se o devedor não conseguir cumprir, faz-se substituir por
terceiro. E quando a prestação é infungível? Exemplo: A contrata B, um famoso pintor,
para fazer um retrato seu, e fá-lo devido às suas qualidades artísticas e técnicas. Se B
cegar, teremos uma impossibilidade subjetiva. Mas o devedor não se pode fazer substituir
por terceiro, porque a obrigação era infungível. Assim, dá-se a extinção da obrigação e o
devedor libera-se. Em suma, se a prestação é fungível, só a impossibilidade objetiva dá
origem à extinção da obrigação. Só há extinção da obrigação por impossibilidade
subjetiva se a prestação for infungível. Isto extrai-se do 791º CC.
Vejamos a matéria da satisfação do interesse do credor por outra via e da
frustração do fim da prestação. Pode acontecer que o resultado a que a prestação do
devedor se dirige seja alcançado sem que o devedor tenha realmente efetuado a prestação.
Exemplo: o motor de um carro não está a funcionar e o respetivo titular contacta um
mecânico para que o venha rebocar, mas antes de o rebocador chegar ao local o motor do
carro volta a pegar. Noutros casos, o que acontece é que o credor não pode mais alcançar
o resultado pretendido. Exemplo: chama-se o rebocador, mas o carro incendeia-se. As
primeiras situações correspondem à satisfação do interesse do credor por outra via; as
segundas correspondem à frustração do fim da prestação.
A primeira questão que surge a este propósito é a de saber se estas situações
consubstanciam autêntica situações de impossibilidade. O mecânico está apto a reparar o
motor do carro, mas, num caso, o motor voltou a funcionar e, no outro caso, o carro foi
completamente destruído. Pode nestes casos dizer-se que há uma impossibilidade da
prestação? O interesse do credor é um elemento essencial do direito de crédito?
Há autores, nomeadamente Vaz Serra, que respondem afirmativamente: para
estes autores, o desaparecimento do interesse do credor, seja porque foi
satisfeito de outra forma, seja porque foi completamente frustrado, pode levar
a que se entenda que estamos perante uma impossibilidade.
Contudo, a maioria da doutrina responde negativamente – é o caso de Antunes
Varela, Ribeiro de Faria e Menezes Leitão: para estes autores, o interesse do
credor não é um elemento essencial do direito de crédito. Os fins prosseguidos
92
pelo credor ficam à margem do direito de crédito. Contudo, isto não significa
que o interesse do credor, em certos casos, não possa relevar. É que, em certos
casos, a realização da prestação debitória depende de fatores exteriores à
vontade do devedor, sendo que esta dependência restringe de forma decisiva
a possibilidade de prestar. O interesse do credor não integra o direito de
crédito, mas a possibilidade da prestação deve apreciar-se aferindo-se também
a existência, ou não, destes condicionalismos externos. Nos casos que
anteriormente apresentámos, podemos dizer que há condicionalismos externos
que vão impedir a realização da prestação debitória de modo a satisfazer o
interesse do credor. Assim, dizem estes autores que sempre que a prestação
dependa de um condicionalismo externo à vontade do devedor, a consecução
do fim da prestação por outra via ou a frustração do fim da prestação importam
um tratamento semelhante ao da impossibilidade da prestação. Ou seja, o
devedor desvincula-se. Estes autores aceitam que se possa aplicar a estes casos
o regime do 790º CC. No nosso exemplo, o mecânico não está obrigado a
consertar o motor.
E o que acontece à contraprestação quando o devedor se exonera? O dono do carro
tem de pagar o preço previsto para o conserto do motor? Tem-se dito que nestes casos
não se pode aplicar o 795º/2 CC, porque ele está previsto para situações em que há culpa
do credor e aqui não há culpa do credor. Mas podemos aplicar o 795º/1 CC, do qual
resultaria que a contraparte não teria de pagar a contraprestação e que, se já o tivesse feito,
teria direito à sua restituição? A doutrina portuguesa tem respondido negativamente a esta
questão, porque entende que esta norma não foi pensada para estas hipóteses, mas sim
para situações em que a impossibilidade, não sendo imputável a nenhuma das partes, se
conexiona com a esfera de riscos do devedor. Nos casos que agora estamos a estudar, a
causa que justifica a frustração do fim da prestação ou a sua consecução por outra via
conexiona-se com a esfera de riscos do credor. Kohler diz que o regime do 795º/1 CC foi
pensado para situações em que o devedor chega perante o credor de mãos vazias e exige
a contraprestação, enquanto que nas situações que agora estudamos o devedor se dirige
ao credor e está apto a cumprir – o mecânico está disposto a cumprir perante o dono do
carro. Isto leva a que os autores concluam que o credor tem de indemnizar o devedor
pelos prejuízos que ele tenha sofrido e pelas despesas que tenha feito em vista da
realização da prestação que tratamos como sendo impossível. Se o mecânico comprou um
produto específico para consertar aquele motor, então tem direito a ser ressarcido pelo
dono do carro. Qual o fundamento que justifica esta indemnização? Na doutrina
portuguesa encontramos dois possíveis fundamentos:
93
Aula do dia 28 de abril
94
titular do direito que se adquira por força da impossibilidade de a prestar, sem necessidade
de sub-rogação. Se o credor fizer valer o direito ao benefício do commodum da
representação, não pode deixar de realizar a contraprestação.
Em terceiro lugar, temos o efeito-regra da impossibilidade da prestação por causa
não imputável ao devedor: a perda do direito à contraprestação. Se o devedor fica
exonerado, perde o direito à contraprestação, é o sinalagma dos contratos bilaterais a
funcionar. É isto que resulta do 795º/1 CC. O credor também se desonera, não tem de
realizar a contraprestação, e se já o tiver feito pode exigir a sua restituição, nos termos
prescritos para o enriquecimento sem causa (479º e 480º CC). Se a impossibilidade
derivar de um facto imputável ao credor, diz o 795º/2 CC que ele não fica desobrigado da
contraprestação. Ressalva-se a possibilidade de o devedor retirar algum beneficio da sua
exoneração, caso em que esse beneficio será descontado na contraprestação. Exemplo: A
contrata B para pintar a sua casa por 5000 euros e a casa arde em consequência de um
facto culposo de A – a obrigação de B extingue-se (790º), mas A continua a ter de pagar
os 5000 mil euros, podendo descontar desse valor o beneficio que B tire por não ter
executado a sua prestação: se, por exemplo, B, no período de tempo em que estaria a
pintar a casa de A, conserta o telhado da casa de C e ganha com isso 3000 euros, este
valor pode ser descontado daqueles 5000 euros.
O 795º/2 CC não é o único desvio à regra da perda do direito à contraprestação.
Há desvios a esta regra que advêm do regime do risco, previsto no 796º CC. São desvios
que respeitam aos contratos com eficácia real. Esta eficácia real pode ditar que, apesar de
haver uma impossibilidade de prestação e, consequentemente, uma extinção da obrigação
de prestar, não haja uma perda do direito à contraprestação – é o que resulta do 796º/1
CC. Exemplo: A vende a B o seu computador por 800 euros, mas não lho entrega de
imediato – se, antes da data de entrega do computador, ele é furtado por terceiro, a
obrigação de o entregar torna-se impossível, mas não há perda do direito à
contraprestação. Nos termos do 408º/1 CC, o computador já é de B, transferiu-se para ele
por mero efeito do contrato, pelo que ele tem de suportar o risco de furto e tem de pagar
os 800 euros, sendo que se já os pagou não pode exigir a sua restituição. É assim porque
se entende que, neste caso, o alienante só conserva a coisa em seu poder, mesmo depois
de transferida a sua titularidade, como mero depositário.
Isto não funciona assim nos casos do 796º/2 CC, em que o alienante conserva a
coisa em seu poder por interesse próprio, não podendo, por isso, ser considerado
depositário. Aqui é o alienante que vai suportar o risco: se a obrigação se tornar
impossível e se extinguir, ele perde o direito à contraprestação. No nosso exemplo, se A
não entregar imediatamente o computador a B porque precisa de terminar um trabalho, o
termo para a entrega do computador foi constituído a seu favor, pelo que o risco ainda
corre por conta dele: assim, se o computador for furtado por terceiro, há uma
impossibilidade de cumprimento que dita a extinção da obrigação, mas o comprador, B,
não tem de pagar o preço.
O 796º/3 CC estabelece que se o NJ estiver sujeito a uma condição resolutiva,
o risco corre por conta do adquirente, se a coisa lhe tiver sido entregue. O efeito
normal da verificação da condição resolutiva é a reposição das coisas no status quo ante
– ou seja, no contrato de compra e venda, importa a restituição da coisa vendida e do
95
preço. No entanto, nos termos do 796º/3 CC, se a coisa tiver sido entregue ao adquirente,
não vai proceder-se assim. Ele está na posse da coisa, guarda-a, administra-a e colhe os
seus frutos, pelo que tem de lhe ser dado o mesmo tratamento que seria dado a uma
aquisição pura e simples. Ele tem de suportar o risco e, portanto, tem de pagar o preço, e
se já o tiver feito não pode exigir a sua restituição. Por outro lado, se o NJ estiver sujeito
a uma condição suspensiva, o risco corre por conta do alienante durante a pendência
da condição. Neste caso, a lei não considera a hipótese de a coisa ter sido entregue ao
adquirente durante a pendência da condição: em qualquer caso, tenha havido ou não essa
entrega ao adquirente, é o alienante que suporta o risco.
Vejamos, agora, o regime do 797º CC, aplicável às obrigações genéricas. A
situação prevista neste artigo é uma das causas de concentração da obrigação genérica –
é o que resulta do 541º CC. De acordo com esta norma, nas obrigações de envio, a
concentração dá-se com a entrega ao transportador. Com a concentração da obrigação dá-
se a transferência do direito de propriedade sobre a coisa e a transferência do risco.
Exemplo: A compromete-se a enviar para B 20 computadores – se o transporte dos
computadores se faz por comboio e ele descarrila depois de aqueles terem sido entregues
ao transportador, o risco já corre por conta do adquirente.
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da prova da falta deste interesse justificado recai sobre o credor. E como se avalia essa
falta de interesse? Ela deve ser avaliada objetivamente, não pode tratar-se de um mero
capricho, deve haver motivos ponderosos. No entanto, na avaliação desses motivos
ponderosos, vamos atender ao concreto credor, às suas finalidades e aos seus motivos
subjetivos. Por fim, como se opera esta resolução? O artigo 793º CC não prevê os termos
em que ela pode acontecer, mas tem-se entendido que esta norma deve ser interpretada à
luz do princípio que retiramos do 795º/1 CC: resolvido o contrato, porque falta
fundamentadamente interesse no cumprimento parcial, o devedor, cuja prestação se
tornou parcialmente impossível e que recebeu o preço, vai ter de restituir a
contraprestação que tenha sido realizada, nos termos do enriquecimento sem causa.
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Só haverá mora do devedor se o cumprimento depender exclusivamente de um
comportamento do devedor; não haverá mora do devedor se o cumprimento depender,
por exemplo, de um comportamento do credor e ele não adotar esse comportamento.
Exemplo: A tem de entregar o computador a B no seu próprio domicílio, o credor tem de
se deslocar ao domicílio de A – se B não se deslocar ao domicílio de A, A não pode
efetuar a sua prestação, dado que esta não depende exclusivamente de um comportamento
seu, logo, não pode haver mora do devedor. Além disso, não haverá mora se, mesmo
decorrido o prazo, o devedor tiver uma causa legítima para não cumprir.
Por sua vez, as obrigações puras (obrigações que não estão sujeitas a prazo, seja
ele convencional, legal ou judicial) são exigíveis desde o momento da sua constituição.
Contudo, o devedor só ficará constituído em mora a partir do momento da interpelação.
O vencimento das obrigações puras depende da interpelação do credor ao devedor. A
interpelação é uma declaração unilateral receptícia, sendo que os seus efeitos se
produzem nos termos do 224º CC. O efeito da interpelação é o vencimento da obrigação.
A interpelação do credor ao devedor não carece de forma especial, pode ser feita de forma
expressa ou de forma tácita, nomeadamente através de comportamentos concludentes.
Mesmo nas obrigações puras, a interpelação é desnecessária em alguns casos:
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enriquecimento injustificado do lesado. A este respeito foi proferido o acórdão
UJ 4/2002, de 9 de maio: até à decisão atualizadora contabilizam-se os juros
compensatórios; a partir dela é que se vencem juros moratórios.
Vamos agora falar dos efeitos da mora imputável ao devedor. Eles são três:
O primeiro efeito é a responsabilidade obrigacional do devedor pelos danos
moratórios, nos termos do 804º/1 CC. Esta é uma concretização do princípio
geral que está no 798º CC. O atraso no cumprimento pode gerar danos ao
credor, danos esses que podem revestir a forma de danos emergentes ou de
lucros cessantes, ambos abrangidos pela indemnização, tal como resulta das
regras gerais dos artigos 562º e seguintes CC.
o Nas obrigações pecuniárias (806º CC), a indemnização corresponde a
juros a contar da data da constituição em mora – são os juros
moratórios. Nas obrigações pecuniárias, o cálculo da indemnização é
feito à “forfait”, à luz de uma avaliação abstrata do dano. A lei presume
iuris et de iure que há sempre danos causados pela mora no
cumprimento da obrigação pecuniária (ainda que não os haja), sendo
esses danos avaliados em abstrato. De modo a promover a certeza e a
segurança jurídicas e de modo a evitar litígios, o legislador entendeu
que, nestes casos, não devia fazer depender a reparação dos danos da
demonstração da verificação dos danos. Como resulta do 806º/2 CC,
os juros moratórios correspondem aos juros legais. Só assim não será
se antes da mora for devido um juro mais elevado do que o juro legal,
ou se as partes tiverem estipulado um juro moratório diferente.
Acórdão UJ 9/2015, de 14 de maio: “Se o autor não formula na petição
inicial, nem em ulterior ampliação, pedido de juros de mora, o tribunal
não pode condenar o réu no pagamento desses juros.”
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sofrido (se B já tivesse acordado com C a venda dos computadores por 2000
euros, A vai ter de indemnizar B pela perda desse valor). Como podemos ver,
não se trata apenas de fazer A suportar o risco que em princípio correria por
conta de B, mas também de lhe impor uma responsabilidade objetiva.
Não se exige nexo causal entre os danos resultantes da perda ou deterioração
da prestação e a mora. Contudo, o 807º/2 CC concede ao devedor um meio de
defesa: para se eximir da responsabilidade, ele pode provar que o credor teria
tido o mesmo prejuízo mesmo que a obrigação tivesse sido cumprida
atempadamente, ele pode fazer relevar negativamente a causa virtual. No
nosso exemplo, A não responderá perante B se conseguir demonstrar que,
mesmo que tivesse enviado os computadores a tempo, eles seriam destruídos
pelo incêndio que destruiu o estabelecimento comercial de B.
Não-cumprimento definitivo
No não-cumprimento definitivo cabem três situações: a situação de
impossibilidade da prestação, a situação de falta ao cumprimento da prestação com perda
de interesse do credor e a situação de declaração terminante e inequívoca do devedor ao
credor no sentido de que não cumprirá.
São três os efeitos associados ao não-cumprimento definitivo.
O primeiro efeito é a obrigação de indemnizar. O incumprimento culposo de
uma obrigação gera responsabilidade obrigacional – é isso que decorre dos artigos 798º e
seguintes CC. O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se
responsável pelo prejuízo que causa ao credor. O não-cumprimento definitivo da
obrigação gera um dever secundário de prestar que tem por objeto não a prestação
debitória inicial, mas a reparação dos danos que decorrem do incumprimento definitivo.
O que aqui se diz vale mutatis mutandis para as outras situações de incumprimento: mora
imputável ao devedor e cumprimento defeituoso.
Quais são os elementos geradores da obrigação de indemnizar? Artigo
798ºCC, do qual extraímos requisitos semelhantes aos do 483º/1 CC: ato ilícito, que aqui
se traduz no incumprimento; culpa do devedor; danos; e nexo causal entre o
incumprimento e os danos. Contudo, há importantes diferenças entre os dois regimes:
aqui, o incumprimento traduz a ilicitude e há causas de exclusão da ilicitude específicas,
para além das gerais, de que já falámos; a presunção de culpa do 799º, que se aplica à
responsabilidade obrigacional; o prazo de prescrição na responsabilidade obrigacional é
o prazo geral, não o do 498º CC.
O primeiro elemento gerador da obrigação de indemnizar é a ilicitude: traduz-se
no incumprimento da obrigação. Há um ato ilícito se houver um incumprimento da
obrigação. Há incumprimento da obrigação quando há um desvio entre aquilo a que o
devedor estava vinculado e o comportamento que adotou (em regra, é uma omissão, mas
pode ser uma ação). Tratando-se de uma obrigação de meios, o incumprimento não resulta
da mera não-produção de um dado resultado, porque o devedor não estava obrigado ao
101
resultado, mas sim a adotar uma diligência (o médico não se compromete a curar,
compromete-se sim a adotar aqueles procedimentos que, segundo a ciência médica, são
devidos num caso daquela espécie – não é pelo facto de o doente não se curar que há
incumprimento). Apesar de tudo o que se disse, podem intervir causas de justificação da
ilicitude (para além das causas gerais):
O direito de retenção (754º a 761º CC): é um direito atribuído por lei a certos
credores que detêm certas coisas de cuja entrega são devedores. Estes credores
podem incumprir o dever de entrega da coisa, exercendo a faculdade de a reter
enquanto o seu crédito não for satisfeito – 754º CC. Têm ainda a faculdade de
se fazer pagar por força da venda judicial da coisa, com preferência sobre
todos os outros credores comuns e até sobre os credores hipotecários – 758º e
759º CC. Assim, o direito de retenção desempenha uma dupla função: por um
lado, é uma forma lícita de não cumprir; por outro lado, é uma garantia do
credor em caso de incumprimento.
O direito de retenção existe em hipóteses específicas previstas pelo legislador
(755º e 1322º CC), mas o 754º CC prevê uma cláusula geral, que contém
vários requisitos para haver direito de retenção fora dos casos especificados
na lei: o retentor tem de ter a detenção de coisa alheia por uma causa lícita; o
detentor da coisa retida tem de ter o dever de entregar a coisa alheia; o retentor
tem de ser credor do credor da entrega da coisa – há uma reciprocidade de
créditos; tem de haver uma conexão substancial entre o crédito do retentor e a
coisa retida – o seu crédito tem de resultar de despesas feitas por causa da
coisa ou de danos causados por ela. Exemplo: A compromete-se a consertar o
computador de B por 300 euros. A conserta o computador. B dirige-se à
oficina de A e pretende que o computador lhe seja entregue. A pode não o
entregar enquanto não lhe for pago o preço, exercendo um direito de retenção.
102
conserto, não entre a obrigação de entrega da coisa consertada e o pagamento
do preço; pelo contrário, se A dissesse que não consertava o computador
enquanto não lhe fosse pago o preço, já estaríamos perante a exceção do não
cumprimento); na exceção do não cumprimento não há a possibilidade de
obter o pagamento da dívida através do valor da venda da coisa, ela não é uma
garantia especial das obrigações; a exceção do não cumprimento só é oponível
ao outro contraente, enquanto o direito de retenção, enquanto direito real (de
garantia), é oponível erga omnes. No mesmo contrato até pode haver lugar às
duas figuras; no entanto, elas não se confundem.
103
Preexistência de uma obrigação – a obrigação não nasce da atuação de
terceiro. Esta é uma grande diferença entre o 800º e o 500º CC. A contrata B
para reparar o telhado da sua casa, e B recorre a C para realizar a prestação –
se C, durante a realização da prestação, fere D, transeunte, B vai responder
enquanto comitente, ao abrigo do 500º CC, porque não há nenhuma relação
obrigacional prévia entre ele e o lesado. Já se C danificar um vidro da casa de
A, B poderá responder ao abrigo do 800º CC, desde que verificados os demais
requisitos deste artigo, porque há uma relação obrigacional previamente
estabelecida entre ele e A.
104
é o devedor, não o seu representante ou auxiliar (ao contrário do que acontece
no 500º CC, em que para termos responsabilidade do comitente é preciso que
exista responsabilidade do comissário) – está aqui em causa uma relação entre
aqueles, estes terceiros nada têm a ver com ela.
A atuação do terceiro tem de ser culposa. O devedor não tem de ter culpa,
bastamo-nos com a culpa do terceiro. A responsabilidade prevista neste artigo
é objetiva, independente de culpa. Se o auxiliar ou representante tiver culpa, o
devedor responde, mesmo que não tenha culpa. O padrão de aferição da culpa
do auxiliar/representante é o padrão de diligência que era exigido ao devedor
no cumprimento daquela obrigação, porque o devedor vai responder como se
os atos do terceiro tivessem sido praticados por si; tem de haver uma
comparação entre aqueles dois padrões.
105
lado, o 496º CC, que prevê a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais, está inserido
sistematicamente na parte do Código relativa à responsabilidade extracontratual e, por
outro lado, aceitar a reparação dos danos não patrimoniais no âmbito obrigacional é um
ataque à segurança no tráfego jurídico-negocial. Este é o entendimento minoritário. A
maioria da doutrina (Vaz Serra, António Pinto Monteiro, Galvão Telles, Menezes Leitão,
Almeida Costa, Ribeiro de Faria e a professora, por exemplo) defende que mesmo no
âmbito obrigacional são ressarcíveis os danos não patrimoniais. Para estes autores, o 496º
CC contém um princípio de aplicação genérica, aplicável não só no âmbito
extraobrigacional, mas também no âmbito obrigacional. Há certos contratos em que os
danos produzidos pelo incumprimento são iminentemente de natureza não patrimonial –
um contrato de prestação de serviços médicos, por exemplo. A nossa jurisprudência
também acolhe este último entendimento – veja-se o acórdão de 01/10/2015 do STJ,
relatora Maria dos Prazeres Pizarro Beleza.
O artigo 494º CC, que prevê que quando o lesante atue com mera culpa a
indemnização possa ser fixada em montante inferior ao dos danos, aplica-se no âmbito
obrigacional? Esta questão coloca-se, mais uma vez, devido à inserção sistemática da
norma e porque a aplicação da mesma neste âmbito colocaria em causa a segurança no
tráfego jurídico-negocial. A maioria da doutrina (Antunes Varela, Pinto Monteiro,
Ribeiro de Faria e Menezes Cordeiro, por exemplo) responde negativamente. Por outro
lado, há doutrina (Pessoa Jorge, Ana Prata, Paulo Mota Pinto e Menezes Leitão, por
exemplo) que aceita a aplicação desta norma no âmbito obrigacional, defendendo que não
deve haver uma diferença de tratamento dos lesados e dos lesantes consoante a relação
obrigacional em que se inserem tenha sido constituída no âmbito da responsabilidade
extraobrigacional ou no âmbito da responsabilidade obrigacional.
106
a cláusula permitirá evitar litígios que conduzam à propositura de ações judiciais e,
consequentemente, permitirá evitar as perdas de tempo e os custos financeiros associados
aos processos judiciais.
Do 810º/2 CC resulta o caráter acessório da cláusula penal: a sua validade
depende da validade da obrigação principal.
O credor não pode exigir cumulativamente o cumprimento e a indemnização
prevista antecipadamente para o incumprimento, exceto quando a cláusula penal seja
prevista para as situações de mora – 811º/2 CC.
Nos termos do 810º/3 CC, as partes podem acordar que se o montante dos
danos for superior ao montante fixado através da cláusula penal o excesso possa ser
autonomamente exigível. Nestes casos, o credor pode optar entre o exercício do direito
contido na cláusula penal e o regime geral da indemnização: para poder obter a
indemnização pelo excedente de danos, tem de provar a total extensão dos mesmos, de
modo a ser possível estabelecer que os danos excederam o montante da cláusula penal.
Se a cláusula penal for manifestamente excessiva, ela pode ser reduzida – 812º
CC. É nula qualquer convenção pela qual as partes afastem a possibilidade de redução. A
redutibilidade da cláusula penal é imperativa, não pode ser afastada. Com a redução da
cláusula penal manifestamente excessiva pretende-se proteger o devedor, que a lei
pressupõe ser o contraente mais débil, de cláusulas penais abusivas. Segundo a maioria
da doutrina, esta redução não visa reduzir a cláusula penal ao valor exato dos prejuízos
sofridos, mas apenas eliminar a excessividade manifesta. A redução faz-se à luz da
equidade, o que quer dizer que o tribunal vai considerar todas as circunstâncias do caso
concreto – o valor dos danos, as situações financeiras do lesante e do lesado, as
dificuldades que o devedor encontrou para cumprir, a gravidade da culpa do devedor no
seu não-cumprimento e a maior ou menor facilidade que o credor tenha em obter uma
prestação substitutiva que satisfaça o seu interesse, por exemplo.
107
pedindo uma indemnização pelos 3000 euros à qual será descontado o valor da
contraprestação que não vai realizar (os 2500 euros)? Estando em causa uma
contraprestação pecuniária, a resposta não se afigura difícil. Mas vamos supor que está
em causa um contrato de permuta entre o computador e um televisor, sendo B o devedor
deste último. Para obter a indemnização por aqueles 3000 euros, tem B de entregar o
televisor, ou pode retê-lo e obter uma indemnização descontada da contraprestação que
não vai realizar (vamos supor que o televisor, tal como o computador, valia 2500 euros)?
Outra doutrina (Vaz Serra e Batista Machado) entende que o credor não está
mais obrigado a realizar a contraprestação; ele pode fazê-lo, mas não está
obrigado. Perante uma crise contratual imputável à contraparte, para defender
os interesses do credor, dá-se-lhe uma escolha: ou exige uma indemnização
diferencial – a pequena indemnização –, correspondente à diferença entre os
danos sofridos e o valor da contraprestação que não vai realizar (500 euros, no
nosso exemplo); ou realiza a contraprestação, exigindo uma indemnização por
todos os danos decorrentes do incumprimento sem qualquer desconto – a
grande indemnização (3000 euros, no nosso exemplo). O credor optará pela
segunda via se não tiver nenhum interesse na contraprestação. Contudo, se
optar por ela, fica numa situação mais frágil: entrega o televisor e passa a ser
credor de 3000 euros, que o devedor pode não pagar.
Dentro deste entendimento, é importante considerar o caso em que o credor
não quer realizar a contraprestação, mas já a realizou. No nosso exemplo, quid
juris se B não quer entregar o televisor, mas já o entregou?
o Segundo uma parte da doutrina (Vaz Serra), para que o credor possa
optar pela pequena indemnização, não realizando a contraprestação,
ele tem de resolver o negócio. A resolução é um mecanismo
liberatório. Isto aplica-se quer aos casos em que o credor tenha já
realizado a contraprestação (caso B tenha entregue o televisor e o
queira reaver), quer aos casos em que ainda não o tenha feito (caso não
tenha entregue o televisor e não o queira entregar).
o Outra parte da doutrina (Batista Machado) entende que temos de
distinguir a situação em que ainda não se realizou a contraprestação da
situação em que ela já foi realizada. Se ainda não se realizou a
contraprestação, a opção pela indemnização diferencial com retenção
da contraprestação não pressupõe a resolução do contrato. Está em
causa uma mera faculdade resolutiva, resultante da rutura do
sinalagma. Se o credor ainda não tiver realizado a prestação, ele já não
está vinculado a ela, pode realizá-la se quiser, mas se não quiser não
terá de resolver o negócio, basta exercer aquela faculdade resolutiva.
Por outro lado, se a contraprestação já tiver sido realizada, há que
resolver o negócio para obter a sua devolução.
108
O segundo efeito do não-cumprimento definitivo imputável ao devedor é o direito
à resolução do contrato. Este direito pressupõe que estejamos perante um contrato
bilateral – é isso que resulta do 801º/2 CC. O direito à resolução existe
independentemente do direito à indemnização, ou seja, com a resolução pode cumular-
se uma indemnização. Mas que indemnização? A este respeito surge uma importante
querela na doutrina portuguesa:
Segundo a conceção tradicional (Antunes Varela, Pires de Lima, Almeida
Costa, Mota Pinto, Calvão da Silva e Menezes Leitão, por exemplo), havendo
incumprimento definitivo imputável ao devedor, o credor pode fazer uma de
duas coisas: pode exigir ao devedor uma indemnização pelo interesse
contratual positivo, caso em que se mantém vinculado à realização da
contraprestação; ou pode resolver o contrato. A resolução do contrato opera
por meio de uma declaração unilateral e recetícia, nos termos do 436º CC.
Quando chega ao poder do devedor ou é por ele conhecida, essa declaração
torna-se irrevogável. A resolução tem um efeito liberatório (se o credor ainda
não realizou a contraprestação, não tem mais de o fazer), ou um mero efeito
restitutório (se o credor já realizou a contraprestação, ele pode exigir a sua
restituição). Diz esta doutrina que se houver resolução do contrato o credor só
tem direito a uma indemnização pelo interesse contratual negativo – esta
indemnização é calculada em função da situação que existiria se o contrato
não tivesse sido celebrado, visando colocar o credor na situação em que ele
estaria se não tivesse celebrado o contrato que foi resolvido. Não há
possibilidade de compatibilizar a resolução, que destrói o negócio com efeitos
retroativos (433º e 434º CC), com uma indemnização que visa colocar o credor
na situação em que estaria se o contrato resolvido tivesse sido cumprido
(indemnização pelo interesse contratual positivo). Não é possível
compatibilizar a liberação/restituição da contraprestação com uma
indemnização pelo interesse contratual positivo.
109
O terceiro efeito do não-cumprimento definitivo imputável ao devedor é o
commodum da representação. No caso de impossibilidade da prestação por facto
imputável ao devedor, o credor pode exercer o direito que está previsto no 803º CC. Se,
por causa da impossibilidade da prestação que lhe é imputável, o devedor adquire um
direito, o credor pode exigir o benefício para o património do devedor que daí tenha
decorrido. Se o credor optar pelo commodum da representação, ele não se desvincula do
contrato, afasta-se a possibilidade de resolução – o credor tem de realizar a
contraprestação e tem direito a uma indemnização pelo interesse contratual positivo, na
qual se desconta o benefício da representação que está a ser exercido – 803º/2 CC.
Cumprimento defeituoso
O cumprimento defeituoso abrange os casos em que a prestação é efetuada sem
retardamento, mas com vícios, defeitos e irregularidades. Há uma falta de exatidão, em
termos qualitativos, no cumprimento. O credor é que tem de provar o defeito. A nossa lei
não regulamenta especificamente esta matéria, apenas se refere a ela no 799º/1 CC. Há
uma prestação indevida por culpa do devedor, sendo que esta culpa se presume. Exemplo:
110
A pede a B, perito, um parecer, com base no qual vai tomar determinadas decisões, mas
o parecer tinha profundos erros técnicos, que acabam por gerar grandes prejuízos para A.
A prestação é realizada de forma inexata, sem qualquer causa justificativa para tal. Há
um cumprimento defeituoso que é ilícito e que se relaciona muitas vezes com o
incumprimento de deveres de conduta. Em muitos casos de cumprimento defeituoso
geram-se danos excedentários, isto é, danos que excedem o valor correspondente ao
simples interesse no cumprimento (no exemplo dado, os prejuízos que A sofre em
consequência de ter tomado uma decisão com base num parecer tecnicamente inexato).
Qual o regime aplicável ao cumprimento defeituoso? Não tendo a lei previsto um
tratamento específico para estas situações, aplicam-se-lhes as regras previstas para a
mora, enquanto houver possibilidade de cumprir, ou para o incumprimento definitivo,
quando a mora se converta em não-cumprimento definitivo.
Tem-se discutido se se pode aplicar aqui a figura da exceção do não
cumprimento. Tem-se entendido que é possível aplicá-la neste âmbito – autores como
Antunes Varela, Menezes Cordeiro e Ribeiro de Faria defendem este entendimento.
Assim, o credor da prestação cumprida defeituosamente pode recusar-se, licitamente, a
realizar a contraprestação. Contudo, tem de haver um equilíbrio funcional – o princípio
da boa-fé (especialmente a dimensão de proporcionalidade que lhe subjaz) deve intervir
neste domínio, de modo a que não se recorra à exceção do não cumprimento quando haja
defeitos diminutos no cumprimento de uma das prestações.
Antunes Varela destaca como efeito mais importante do cumprimento defeituoso
a obrigação de reparar os danos causados ao credor. Mas o OJ reconhece-lhe outros
direitos, nomeadamente o direito a exigir a substituição da coisa com defeito (é o que se
prevê no 914º CC, no âmbito do contrato de compra e venda), o direito à eliminação dos
defeitos, quando tal seja material e economicamente viável (é o que decorre do 1221º CC,
relativo ao contrato de empreitada), e o direito de redução da contraprestação (911º CC).
Sem prejuízo das regras previstas para a compra e venda de bens onerados ou de
coisas defeituosas, Batista Machado constrói um regime-esquema jurídico de resposta ao
cumprimento defeituoso, recorrendo às regras dos artigos 801º, 802º, 808º e 1221º a 1224º
CC. Para o autor, é essencial distinguir as situações em que há um mero vício da prestação
das situações em que a prestação realizada é tão inexata que a coisa prestada é diversa da
coisa devida (há uma inexatidão total). Quando haja um mero vício da prestação, o
credor pode recusar o cumprimento, incorrendo o devedor em mora. Para além disso, o
credor tem o direito de exigir uma nova prestação ou a eliminação dos defeitos na
prestação realizada, desde que não haja uma grande desproporção entre os benefícios que
o credor retira da nova prestação ou da reparação da prestação realizada e os sacrifícios
que elas representam para o devedor. Para se justificar estas faculdades, convoca-se o
1221º/2 e o 566º/2 CC. Se não houver substituição da prestação ou eliminação dos
defeitos da prestação realizada, a prestação tem-se por definitiva e parcialmente
incumprida, nos termos do 802º e do 1222º CC: o credor tem direito a reduzir a
contraprestação ou a resolver o contrato. Quando haja prestação de coisa diversa da
que é devida, o credor pode recusar a prestação. Se o devedor, perante a recusa da
prestação pelo credor, não proceder à prestação devida, há um incumprimento total e
111
definitivo, com a consequente aplicação do regime do 801º CC. Pode ser difícil distinguir
estas duas situações, pelo que em caso de dúvida o critério decisivo é o do fim do contrato.
Mora do credor
Artigo 813º CC. Muitas vezes, o cumprimento da obrigação não depende apenas
do devedor, sendo também necessária a colaboração do credor. Exemplo: A obriga-se a
pintar o interior da casa de B, mas B não lhe abre a porta para o efeito. Também se estará
perante uma omissão dos atos necessários ao cumprimento por parte do credor nos casos
em que ele não dá quitação, não restitui o título ou não apõe no título o cumprimento.
Quais são os requisitos da mora do credor? Para este efeito, há que distinguir a
impossibilidade da prestação da mora do credor: há impossibilidade de prestação se à
omissão do credor se associar o caráter irrecuperável da prestação em data posterior. O
credor não está obrigado a colaborar e, por isso, em princípio, o devedor não tem
contra ele um direito a ser indemnizado pela falta de cooperação. Porque não há um dever
de colaboração, a mora do credor não depende de culpa, diferentemente da mora do
devedor. Se o credor não colaborar, prejudica-se a si. Não há um dever, mas sim um ónus
de colaborar. Mas pode também estar em causa o interesse do devedor, pelo que, nesses
casos, em função do conteúdo do contrato e do princípio da boa-fé, haverá um dever
jurídico de colaborar, cuja violação se pode qualificar como uma violação contratual
positiva e que pode dar origem a um direito de indemnização. A mora do credor pressupõe
que o credor não colabore e não tenha um motivo justificativo para não colaborar.
Se há motivo legítimo para não cooperar, não há mora do credor. O que deve
entender-se por motivo legítimo?
Há um entendimento mais restritivo (Antunes Varela), que defende que
motivo justificativo é aquele que encontra previsão na lei (a recusa da
prestação por defeito da mesma, ou por ter havido apenas cumprimento
parcial, por exemplo). Segundo esta perspetiva, não há motivo legítimo se, por
exemplo, o credor pretender justificar a sua não colaboração com um acidente
ou com uma doença, porque a lei não os prevê como motivos legítimos para
não colaborar. Antunes Varela admite, no entanto, que possa haver exceções
a este entendimento, nomeadamente quando esteja em causa uma doença
muito grave ou inesperada. Assim, para esta doutrina, são mais os casos em
que, por não haver motivo justificativo para não colaborar, há mora do credor.
Por outro lado, o entendimento mais amplo (Batista Machado) considera
justificada a não cooperação do credor sempre que este esteja impossibilitado
de prestar essa colaboração, ou quando não lhe seja exigível outro
comportamento nas circunstâncias do caso. Há não exigibilidade se, por
exemplo, o credor estiver doente. Para Batista Machado, há que distinguir
consoante haja uma situação de impossibilidade ou uma situação de
inexigibilidade. Se houver uma mera inexigibilidade da cooperação, temos de
distinguir a situação de risco da situação de culpa. Se o devedor atuar com
culpa, não há uma atenuação da diligência que lhe é exigível, ele deve
112
responder pela impossibilidade da prestação. Diferentemente, se há risco (a
prestação torna-se impossível por causa não imputável às partes), há uma
situação que está mais próxima da esfera do credor, pelo que deve ser ele, e
não o devedor, a suportar esse risco. Ou seja, Batista Machado defende que
quando há inexigibilidade podemos aplicar o 815º CC, mas não o 814º CC.
113
da prestação e com a conservação do respetivo objeto. Esta será uma responsabilidade
por facto lícito, já que o credor não tem um dever jurídico de praticar atos de cooperação.
A lei circunscreve os danos que são ressarcíveis, abrangendo apenas as despesas com o
oferecimento infrutífero da prestação e com a guarda e conservação do respetivo objeto.
Exemplo: A tem de arrendar um espaço para poder armazenar a mobília que não
conseguiu entregar a B – as despesas com o armazenamento do objeto da prestação são
abrangidas aqui. Outros danos só são ressarcíveis se se provarem os pressupostos de que
depende a responsabilidade civil. Não se abrangem os lucros cessantes. Exemplo: A
guarda a mobília que devia ter entregue a B no seu armazém – não se abrangem aqui as
rendas que A poderia ter recebido se tivesse arrendado aquele armazém a um terceiro mas
que não recebe por ter lá a mobília. Os lucros cessantes são também danos, mas o artigo
816º CC não se refere a danos, refere-se sim a despesas, que são danos emergentes. Tem-
se entendido que o 816º CC pode ser aplicado, por analogia, a certos casos em que o
devedor tenha de suportar mais despesas no cumprimento, já não por causa de mora do
credor, mas porque este não prestou uma cooperação que, à luz do princípio da boa-fé,
seria exigível para o devedor cumprir de uma forma menos onerosa. Aqui, a cooperação
que decorre do princípio da boa-fé não era necessária ao cumprimento, mas era necessária
a um cumprimento menos oneroso. Exemplo: A, tipógrafo, obriga-se a imprimir um
determinado livro por um determinado valor, mas as provas que o credor da impressão,
B, lhe entrega são muito difíceis de ler, é muito difícil extrair delas a informação a
imprimir – o tipógrafo pode cumprir, mas a falta de cooperação do credor tornou mais
difícil esse cumprimento, pelo que se pode aplicar, por analogia, o 816º CC.
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