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CURSO DE DIREITO

A (IN) APLICABILIDADE DO DIREITO DE


ARREPENDIMENTO ÀS COMPRAS DE
PASSAGENS AÉREAS PELA INTERNET
THE (IN)APPLICABILITY OF THE RIGHT OF
REPENTANCE TO THE PURCHASES OF
AIRCRAFT PASSAGES BY THE INTERNET
Como citar esse artigo:
Sodré MYAR. A (IN) APLICABILIDADE DO DIREITO DE ARREPENDIMENTO ÀS COMPRAS
DE PASSAGENS AÉREAS PELA INTERNET. Anais do 17 Simpósio de TCC e 14 Seminário de
IC do Centro Universitário ICESP. 2019(17); 678-700 Maria Yolanda Almeida Rodrigues Sodré

Resumo: o presente artigo tem por escopo analisar a (in) aplicabilidade do direito de arrependimento às compras de passagens aéreas pela
internet. A referida abordagem justifica-se pela importância do direito de arrependimento para a proteção do consumidor no contexto
contemporâneo de vendas no qual destaca-se o e-commerce. Para atender a seu propósito adota a metodologia de pesquisa bibliográfica aliada
aos métodos indutivo e qualitativo. Estrutura-se em quatro capítulos pelos quais se propõe a responder objetivos específicos que corroboram a
resposta do objetivo geral deste artigo. Assim, inicialmente discorre acerca do direito de arrependimento em perspectiva histórica. Em seguida,
aborda o comércio eletrônico e os contratos de transporte aéreos em diálogo com a legislação consumerista. Retoma o direito de arrependimento
analisando-o em sua natureza jurídica, características, dinâmica e precipuamente em seu fundamento e finalidade. Finalmente, confronta a
compra de passagens aéreas ao direito de arrependimento a partir do estudo de sua normatização administrativa, da legislação em construção
e da interpretação doutrinária e jurisprudencial acerca da temática.
Palavras-chave: direito de arrependimento; consumidor; passagens aéreas.
Abstract: the purpose of this article is to analyze the (in) applicability of the right of repentance to the purchase of air tickets through the Internet.
This approach is justified by the importance of the right of repentance for consumer protection in the contemporary context of sales, in which e-
commerce stands out. In order to fulfill its purpose, it adopts the methodology of bibliographic research allied to the inductive and qualitative
methods. It is structured in four chapters by which it proposes to answer specific objectives that corroborate the answer of the general objective
of this article. Thus, it initially discusses the right of repentance in historical perspective. It then addresses e-commerce and air transport contracts
in dialogue with consumer law. It retakes the right of repentance by analyzing it in its juridical nature, characteristics, dynamics and primarily in its
foundation and purpose. Finally, it confronts the purchase of air tickets to the right of repentance from the study of its administrative standardization,
the legislation under construction and the doctrinal and jurisprudential interpretation on the subject.
Keywords: right of repentance; consumer; airline tickets.

Introdução Se a aplicabilidade do direito de reflexão às


Entre as garantias fundamentais albergadas compras feitas pela internet é entendimento pacífico,
pela Constituição Federal encontra-se a defesa do as contradições residem no objeto contratado. Nesta
consumidor. Como principal diploma legal com vistas senda, devido à diversidade de bens e serviços
a concretização desta garantia destaca-se o Código comercializados pela internet o direito de
de Defesa do Consumidor (CDC). O diploma arrependimento por óbvio não deve ser aplicado
consumerista insculpe diversas normas que indistintamente a todas as situações. Pelo contrário,
favorecem o consumidor atenuando sua inata deve se adaptar, visando atender a sua finalidade,
vulnerabilidade com vistas a nivelar os polos da sem desvirtuá-la causando prejuízos ao fornecedor
relação de consumo (consumidor e fornecedor). em detrimento de um benefício excessivo em favor do
Na atualidade, destaca-se como instrumento consumidor ou vice-versa. Isto é, a aplicação do
de defesa do consumidor o direito de arrependimento direito de arrependimento deve ser razoável e
trazido pelo art. 49 do CDC. Este direito permite que proporcional almejando sempre a harmonia das
o consumidor que compre fora do estabelecimento relações consumeristas.
comercial possa devolver, sem qualquer ônus A aludida controvérsia ocorre, dentre outras
financeiro ou motivação, o bem ou serviço adquirido. hipóteses, no caso da compra de bilhetes aéreos pela
Entretanto, o tratamento deste instituto na legislação internet. A discussão tem dois vieses. No primeiro,
brasileira é extremamente breve e superficial o que entende-se que as condições de compra online
amplia a margem interpretativa e por conseguinte equivalem às condições presenciais, portanto pugna-
enseja diversos conflitos quanto a sua aplicabilidade. se pela inaplicabilidade do direito uma vez que não se
O destaque para o direito de arrependimento atende a intenção do legislador, qual seja a proteção
se dá sobretudo, em razão da crescente do consumidor que compra fora do estabelecimento
popularização do comércio eletrônico. Como a comercial. No segundo, entende-se que a compra
introdução desta garantia no ordenamento jurídico pela internet se enquadra no conceito de compra fora
brasileiro se deu em um cenário em que a internet não do estabelecimento independentemente do objeto
apresentava a expressividade de hoje no ramo do contratado e que, portanto, o direito deve ser aplicado.
comércio, o legislador não a trouxe expressamente Diante do exposto, esta pesquisa se propõe a
como meio de compra, mas preferiu dar destaque responder o seguinte questionamento: O direito de
para meios mais usuais à época como as vendas por arrependimento deve ser estendido às compras de
telefone ou a domicílio. Não obstante o relatado, é passagens aéreas pela internet? Para atender ao
pacífico o entendimento de sua aplicabilidade ao e- objetivo traçado este artigo será estruturado em
commerce, tendo em vista que a relação de compras quatro capítulos pelos quais responderá objetivos
listada no art. 49 do CDC é meramente exemplificava específicos, conforme se explicitado a seguir.
de acordo com a doutrina majoritária. No primeiro capítulo tratar-se-á do direito de
arrependimento a partir de uma perspectiva histórica
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possibilitando compreender o fundamento utilizado evidenciado pela legislação dos países que
pelos legisladores para a criação do instituto. No inauguraram o direito de arrependimento compilada a
capítulo seguinte serão abordados o comércio seguir.
eletrônico bem como o contrato de transporte aéreo Figurando entre os países pioneiros a regular
em seus respectivos conceitos e legislações frente ao o direito de arrependimento, a França promulgou a Lei
Direito do Consumidor. Uma vez compreendidos os 72-1137 em 1972. Tratando inicialmente das vendas
institutos conexos, o direito de arrependimento será realizadas na residência ou local de trabalho de
retomado e analisado em profundidade desde sua pessoas naturais consumidoras, após sofrer
natureza jurídica até sua finalidade. Por fim, no alteração, em 1989, passou a abranger toda venda
derradeiro capítulo será traçado o confronto do direito realizada fora do estabelecimento comercial. Atalá
de arrependimento em face das contratações online Correia (2006, p. 11) explica o conteúdo da legislação
de bilhetes aéreos. Neste sentido serão abordados o francesa:
projeto de Lei nº 281/12 do Senado e da Resolução nº Para que o consumidor fosse adequadamente
400/2016 da Anac bem como o entendimento informado, o fornecedor passou a ser obrigado a
doutrinário e jurisprudencial acerca da aplicação do entregar por escrito, quer quando se dirija ao
direito de arrependimento às compras de passagens consumidor, quer quando o consumidor solicite a sua
aéreas pela internet. visita, uma série de informações, como seu nome,
Para o desenvolvimento deste artigo optou-se endereço e descrição do produto ou serviço, bem
pela pesquisa bibliográfica e pelo método dedutivo. O como uma espécie de “carta resposta” que deve ser
método dedutivo foi desenvolvido a partir da remetida pelo consumidor ao fornecedor por via postal
construção de bases conceituais - ou premissas - caso ele se arrependa, dentro de 7 (sete) dias
obtidas pela consulta a doutrina e a legislação e posteriores à contratação, do negócio concluído.
posterior reflexão pela construção de linhas de Já no âmbito comunitário europeu, o primeiro
raciocínio – ou conclusões - amparadas pela doutrina, texto legislativo, influenciado pela legislação francesa,
produções acadêmicas e entendimentos que introduziu o direito de arrependimento foi a
jurisprudenciais. Ademais, foi desenvolvido raciocínio Diretiva 577 do Conselho da Comunidade Econômica
próprio a partir da interpretação crítica do material Européia de 20 de dezembro de 1985. A aludida
levantado em busca da construção de nova legislação dispunha que sua aplicabilidade se
perspetiva acerca do tema. estendia a contratos celebrados fora do
1. A origem do direito de arrependimento estabelecimento comercial destacando as hipóteses
Uma das estratégias para compreender os de visita do comerciante à casa ou ao local de trabalho
fundamentos de determinado instituto - um dos do consumidor. A diretiva estendia-se ainda aos
objetivos desta pesquisa - se dá por meio da casos em que o comerciante, em visita solicitada pelo
interpretação histórica a partir da qual se pode consumidor apresentasse bem ou serviço diverso do
alcançar a mens legislatoris. (GOMIDE, 2014, p. 47). solicitado. Nas hipóteses listadas a legislação
Como este trabalho estudará pormenorizadamente os europeia obrigava o comerciante a informar por
fundamentos do direito de arrependimento em escrito ao consumidor o direito de rescisão que lhe
capítulo específico, neste capítulo será privilegiada a assistia. Para exercer o referido direito o consumidor
perspectiva histórica. A adoção da referida deveria notificar o comerciante em sete dias contados
metodologia se mostra acertada pois viabiliza a do recebimento da informação de seu direito de
compreensão dos fundamentos do direito de arrependimento. do contrato enviando uma
arrependimento. Isto porque a legislação brasileira notificação no prazo de sete dias.
não inaugurou esta prerrogativa consumerista, mas A normativa europeia partia do mesmo
inspirou-se na legislação estrangeira já existente conceito da lei francesa, qual seja, a venda realizada
incorporando-a ao ordenamento jurídico pátrio com a fora do estabelecimento, para sugerir que os demais
promulgação da Lei 8.078, de 11 de setembro de estados da União Européia adotassem normas
1990, o Código de Defesa do Consumidor. obrigando o fornecedor a informar ao consumidor e
Numa perspectiva histórica mais abrangente facultar-lhe o arrependimento contratual. (CORREIA,
pode-se entender que o direito de arrependimento é 2006, p. 12)
um dos resultados do dirigismo contratual. Acredita-se que o Parlamento Europeu
Inicialmente prevalecia absoluta a obrigatoriedade buscou tutelar principalmente os consumidores nas
contratual viabilizando a segurança jurídica vendas realizadas “door-to-door”, ou seja, aquelas
necessária à concretização dos princípios do vendas em que o comerciante surpreendia o
desenvolvimento nacional e da livre concorrência. consumidor em sua casa ou local de trabalho.
Posteriormente, com o intervencionismo estatal na (GOMIDE, 2014, p. 48).
economia, pós Segunda Guerra, a autonomia da O direito de arrependimento fixado por essa
vontade foi relativizada. A máxima do pacta sunt diretiva visava tutelar a compra impulsiva, a qual era
servanda permaneceu como regra, sendo afastada influenciada por pressões e outros elementos que
somente nos casos autorizados pela lei (ATALÁ, aumentavam a vulnerabilidade dos consumidores.
2006, p. 26). No âmbito do direito do consumidor o Posteriormente foi agregada à legislação
direito de arrependimento se apresentou como um europeia a Diretiva 97/7/CE do Parlamento Europeu e
dos institutos responsáveis pela aludida relativização. do Conselho de 20 de maio de 1997. A
Esta surgiu legitimada pela proteção do consumidor regulamentação se direciona desta feita às vendas à
cuja vulnerabilidade se acentuava diante das novas distância abrangendo como as vendas realizadas por
técnicas de vendas do fornecedor, conforme

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telefone, via postal e pela internet. Em seu artigo 6º, a visando negócios como por exemplo as propagandas
Diretiva previa que: publicitárias.
Em qualquer contrato à distância, o consumidor A lei n.º 12.965 (BRASIL, 2014) conhecida
disporá de um prazo de, pelo menos, sete dias úteis como a “Lei do Marco Civil da Internet” trouxe
para rescindir o contrato sem pagamento de disposições atinentes ao e-commerce para o Brasil.
indenização e sem indicação de motivo. As únicas Entre elas dispôs como fundamento do uso da internet
despesas eventualmente a seu cargo decorrentes do a defesa do consumidor no inciso V do art. 2º. Trouxe
seu direito de rescisão serão as despesas diretas da ainda em seu art. 7º inciso XIII como direito dos
devolução do bem. usuários da internet “a aplicação das normas de
Em 11 de setembro de 1990 o legislador proteção e defesa do consumidor nas relações de
brasileiro promulga o Código de Defesa do consumo realizadas na internet”. Entretanto o aludido
Consumidor cujo artigo 49, inspirado pela Diretiva diploma trata da internet de maneira geral e não se
Europeia de 1985, albergava o instituto do direito de aprofunda no ecommerce que portanto ainda não
arrependimento. A influência europeia na lei brasileira dispõe de legislação própria. Assim, até que tal
é clara tanto na adoção do mesmo prazo de sete dias regulamentação ocorra conjugam-se o CDC e a lei n.
como no emprego da expressão “fora do 12.965/14 para o tratamento do e-commerce.
estabelecimento comercial”, A intenção do legislador Ressalte-se que pela breviedade do tratamento do
brasileiro assemelha-se àquela extraída do direito ecommerce na lei 12.965 não há nenhuma alusão ao
europeu dadas as semelhanças das redações, direito de arrependimento e portanto não há sequer a
conforme segue: possibilidade de conflito com o CDC neste ponto.
Art. 49. O consumidor pode desistir do contrato, no O contrato de transporte é “o negócio pelo
prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato qual um sujeito se obriga, mediante remuneração, a
de recebimento do produto ou serviço, sempre que a entregar coisa em outro local ou a percorrer um
contratação de fornecimento de produtos e serviços itinerário para uma pessoa”. (VENOSA, 2013, p. 365).
ocorrer fora do estabelecimento comercial, Em seu art. 730, o Código Civil preceitua que “pelo
especialmente por telefone ou a domicílio. contrato de transporte alguém se obriga, mediante
Parágrafo único. Se o consumidor exercitar o direito retribuição, a transportar, de um lugar para outro,
de arrependimento previsto neste artigo, os valores pessoas ou coisas”.
eventualmente pagos, a qualquer título, durante o O Código Civil de 2002 trouxe para o
prazo de reflexão, serão devolvidos, de imediato, ordenamento jurídico brasileiro normas acerca do
monetariamente atualizados. (BRASIL, 1990). transporte subdividindo-as em três seções tratando
Pelo breve delineamento histórico traçado respectivamente de disposições gerais (art. 730 a
entende-se o fundamento incial do direito de reflexão 733), transporte de pessoas (art. 734 a 742) e
de modo a possibilitar um estudo mais aprofundado transporte de coisas (art. 743 a 756). Em seu artigo
sobre o tema em capítulo posterior. 732 o Código Civil (BRASIL, 2002) aduz que
aos contratos de transporte, em geral, são aplicáveis,
2. O comércio eletrônico e contrato de transporte quando couber, desde que não contrariem as
aéreo à luz do Código de Defesa do Consumidor disposições deste Código, os preceitos constantes da
Além da compreensão do panorama histórico legislação especial e de tratados e convenções
do direito de arrependimento, mostra-se pertinente à internacionais.
temática desta pesquisa o estudo do comércio A disposição transcrita visa harmonizar as
eletrônico e do contrato de transporte aéreo em normas do Código Civil com as legislações especiais
atenção ao objeto que pretende-se confrontar ao referentes a transportes repercutindo sobremaneira
direito de arrependimento: passagens aéreas no transporte aéreo objeto de diversos tratados
compradas pela internet. O propósito da abordagem internacionais ratificados pelo Brasil. (GONÇALVES,
dos institutos é demonstrar a compatibilidade das 2017, p. 612).
disposições do CDC com suas respectivas Assim no que for compatível com o Código
legislações. Civil o transporte aéreo nacional regula-se pelo
O e-commerce ou o comércio eletrônico Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei nº 7.656/86). Do
consiste no conjunto de transações de compra e mesmo modo, havendo compatibilidade, o transporte
venda de mercadorias e serviços realizadas por meios aéreo internacional é regulado pela Convenção de
eletrônicos. Subdivide-se em duas vertentes: o Varsóvia ratificada pelo Brasil e promulgada pelo
comércio próprio ou direto pelo qual se comercializam Decreto nº 20.704/31. Além das mencionadas
bens intangíveis como é o caso dos softwares e o legislações o Código de Defesa do Consumidor
comércio impróprio ou indireto pelo qual são também rege os contratos de transporte aéreo visto
comercializados bens tangíveis como é o caso de que a atividade se caracteriza como prestação de
equipamentos de hardware (CASTRO, 2002, p. 254). serviços abarcada pela disposição do parágrafo 2º do
Cláudia Lima Marques (2004, p.35) pontua o art. 3º do CDC. Neste sentido: “Quanto aos contratos
comércio eletrônico em sentido estrito e em sentido de transporte (definidos pelo art. 730 do CC), são
amplo. Segundo a autora o sentido amplo abarca sempre de consumo o transporte remunerado de
contratações a distância para aquisição de produtos pessoas ou de passageiros e suas bagagens. ”
ou serviços por meio eletrônico sendo que a internet (MARQUES, 2016, p. 63, grifo nosso).
é apenas um dos meios entre outros como o telefone As disposições do código civil acerca da
e a televisão. Já em sua acepção ampla o comércio rescisão do contrato de transporte não podem ser
eletrônico abrange todas as trocas informações confundidas com a hipótese de direito de

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arrependimento do CDC. A gratuidade do direito de espécie de problema com o bem.” (BESSA; MOURA,
arrependimento o diferencia essencialmente do 2014, p. 214).
direito de rescisão previsto no art. 740 do Código Civil. Por fim, gratuito pois as despesas
Neste sentindo o exercício do direito de rescisão do decorrentes de seu exercício ficam a cargo do
diploma cível implica a “retenção de até cinco por fornecedor ao qual incumbe devolver integralmente o
cento da importância a ser restituída ao passageiro, a pagamento do consumidor, sem a retenção de
título de multa compensatória” em favor do qualquer valor a título por exemplo de penalização.
transportador (§3º, art. 740, CC). Enquanto para o Assim, os “encargos suportados pelo fornecedor para
direito de arrependimento a previsão é de devolução fazer chegar às mãos do consumidor o produto ou
integral dos valores eventualmente pagos, a qualquer serviço contratado fora do estabelecimento comercial,
título (parágrafo único, art. 49, CDC). seu ressarcimento fica conta do risco negocial da
Assim, há compatibilidade do CDC e por empresa”. (NERY JÚNIOR, 2011, p. 564).
conseguinte do direito de arrependimento tanto com o 3.2. Segundo o artigo 49 do CDC
comércio eletrônico quanto com os contratos de Da primeira parte do art. 49 do CDC – o
transporte aéreo. Isto porque o comércio eletrônico consumidor pode desistir do contrato - extraímos duas
deve seguir os preceitos da legislação consumerista informações. Primeiro: o âmbito de aplicação da
por determinação legal expressa do artigo inciso XIII norma se atém às relações consumeristas. À luz dos
do art. 7º da Lei n.º 12.965 (BRASIL, 2014) enquanto artigos 2º e 3º do CDC “relação de consumo
os contratos de transporte aéreo configuram pressupõe um fornecedor prestando serviços ou
prestação de serviço em consonância com §2º do art. fornecendo produtos para um consumidor, pessoa
3º do CDC (BRASIL, 1990) não se confundindo o natural ou jurídica, que os adquire ou os utiliza na
direito de rescisão e o direito de arrependimento. qualidade de destinatário final” (CORREIA, 2006, p.
3. O direito de arrependimento 16). No caso em estudo a relação entre o passageiro
Apresentado o comércio eletrônico e o e a companhia aérea amolda-se perfeitamente ao
contrato de transporte aéreo, esse artigo terá conceito de relação consumerista. Segundo: o direito
prosseguimento com o estudo do direito de de desistência é faculdade exclusiva do consumidor
arrependimento. A abordagem escolhida se de modo que o fornecedor não pode exercê-la.
sustentará pela análise da normatização brasileira (BASTOS; SILVA, 2016, p. 207).
acerca do tema insculpida no art. 49 do CDC O excerto “no prazo de 7 dias” traduz-se em
associada às considerações doutrinarias e um dos requisitos para o exercício do direito de
jurisprudências conexas. arrependimento. Atalá Correia (2006, p. 17) explica
3.1. Natureza jurídica e características que o legislador estipulou um prazo razoável. Não
Albergado pelo CDC em seu artigo 49, é muito longo a ponto de gerar instabilidade nas
direito que permite ao consumidor desistir de compras relações jurídicas e ao mesmo tempo não muito curto
efetuadas fora do estabelecimento comercial. O ao ponto de impossibilitar a reflexão. Ademais, não há
arrependimento compreende todas as hipóteses em óbice para a ampliação do período de reflexão. Nesta
que a lei concede a um dos contraentes a faculdade hipótese o fornecedor não poderá se retratar em
de, em prazo determinado e sem contrapartida, respeito ao princípio da vinculação do vendedor a
desvincular-se de um contrato através de declaração oferta albergado pelo art. 30 do CDC (BRASIL, 1990).
unilateral e imotivada (ALMEIDA, C. F., 2005, p. 105). Em seguida, o legislador foi genérico ao traçar
Pelo conceito exposto o direito de arrependimento se a designação “produto ou serviço” sem lhe trazer
caracteriza por ser forma de extinção contratual, qualquer restrição. Neste sentido:
potestativa, imotivada e gratuita. percebe-se que a lei não qualifica nem exclui
Trata-se de forma de extinção contratual, mas certos produtos ou serviços, ao contrário, é
não há unanimidade quanto a sua natureza jurídica. genérica e a todos alcança; logo, é inviável ao
As classificações do instituto oscilam entre forma de intérprete restringir onde a lei não o fez. E não o fez
resolução contratual e forma de resilição unilateral. porque o sistema sabe que o consumidor é vulnerável
Mas, predomina na doutrina a última classificação. e que o ônus da atividade lucrativa explorada no
Neste sentido diz-se que a resolução está associada mercado é exclusivo do fornecedor, isto é, se efetuar
ao inadimplemento contratual sendo portanto fora do seu estabelecimento, está a assumir o risco
incompatível com o direito de arrependimento. que a lei lhe atribui: o arrependimento do consumidor.
(BASTOS; SILVA, 2016, p. 206). (CRUZ, 2013, p. 169, grifo nosso)
Potestativo ao passo em que dispensa a Por outro lado, asseveram Bastos e Silva
concordância do outro contratante, no caso em estudo (2016, p. 227) que a aplicação irrestrita do direito de
a companhia aérea. Sua “eficácia depende arrependimento a certos produtos e serviços pode
exclusivamente do seu exercício por parte do fomentar o abuso de direito. Entendem que a natureza
consumidor.” (MIRAGEM, 2013, p. 364). No mesmo do produto ou serviço importa para a aplicação da
sentido afirma-se que “a lei confere poder ao norma no caso concreto. Cabendo ao intérprete,
consumidor de influir, com sua declaração de diante da ausência de exceções legais, fazer a
vontade, na situação jurídica do fornecedor, à revelia distinção.
deste último.” (BASTOS; SILVA, 2016, p. 207). A par do entendimento de que o rol de
Imotivado pois o consumidor não precisa produtos e serviços contemplados pelo direito de
expor as razões que o levaram a optar pela arrependimento deve ser restringido, a legislação
devolução. “Cumpre destacar que o cancelamento da estrangeira tem limitado o direito de arrependimento
compra independe de existência de vício ou qualquer em razão da natureza de certos bens e serviços. À

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guisa de exemplo a Diretiva 97/7 da CEE discrimina Internet assim como as realizadas há muito tempo em
como ilícita a aplicação do arrependimento para via pública, mediante abordagem direta do
gêneros alimentícios, bens personalizados ou consumidor. (MIRAGEM, 2013, p. 364)
confeccionados segundo especificações do O rol eminentemente exemplificativo
consumidor, fornecimento de jornais e revistas, elencado no art. 49 em virtude da expressão
serviços de apostas e loterias, etc. “especialmente” permite a ampliação das hipóteses
Ainda no mesmo sentido a doutrina brasileira, de incidência da norma. Esta ampliação tem se dado
mesmo diante da ausência de restrição legal afasta a inclusive para beneficiar consumidores cujas compras
incidência do direito nos casos em que há consumo foram efetivadas dentro do estabelecimento
ou desgaste do produto. Marques (2006, p. 675) comercial. Isto porque a doutrina e jurisprudência têm
elucida: admitido repetidamente que quando o fornecedor
Se ele pretende fazer uso do seu novo direito de adota estratégia de venda com vistas a
arrependimento, no prazo de 7 dias, deverá cuidar descaracterizar a compra dentro do estabelecimento
para que o bem não pereça e não sofra qualquer tipo comercial, o consumidor deve ser protegido pelo
de desvalorização, devendo evitar usá-lo ou danificá- direito de arrependimento como se estivesse fora do
lo (abrir o pacote, experimentar o shampoo, manusear estabelecimento.
e sujar a enciclopédia etc.). Se o fizer, segundo nos É o caso da contratação de time-sharing na qual o
parece, poderá até desistir do vínculo obrigacional, consumidor inicialmente era convidado para uma
liberando-se das obrigações assumidas, (por ex.: festa, que embora ocorrendo dentro do
pagamento da segunda prestação, recebimento estabelecimento do fornecedor, encontrava-se
mensal dos fascículos da enciclopédia etc.), mas descaracterizado como tal, e na qual o consumidor é
como não pode mais devolver o produto nas submetido ao apelo de compra por horas, mediante a
condições que recebeu (volta ao status quo) terá que veiculação de vídeos, prospectos e outras técnicas de
ressarcir o fornecedor pela perda do produto ou pela abordagem pelo fornecedor, inibindo sua decisão
desvalorização que o uso causou, tudo com base no racional.” (MIRAGEM, 2013, p. 365)
princípio do enriquecimento ilícito. A partir da análise dos principais elementos
Embora o legislador não tenha limitado o trazidos pelo caput do art. 49 do CDC algumas
exercício do direito de arrependimento em virtude do considerações podem ser traçadas. São duas as
objeto da contratação, limitou a incidência da norma principais condições para o exercício do direito de
pelo contexto da contratação. Restringiu a aplicação arrependimento: que o contexto da compra seja fora
da prerrogativa para contratações fora do do estabelecimento comercial (de fato ou em essência
estabelecimento comercial: “sempre que a como no caso do time-sharing) ou a distância e que o
contratação de fornecimento de produtos e serviços direito seja exercido dentro do prazo de 7 dias – ou
ocorrer fora do estabelecimento comercial”. Trata-se mais em caso de eventual ampliação que vincula o
de outro requisito do direito de arrependimento. fornecedor. Um terceiro requisito pode ser
A discussão acerca da acepção jurídica ou acrescentado, decorrente da boa-fé: a incolumidade
coloquial da expressão “estabelecimento comercial” do produto a ser devolvido que não pode ser violado
pretendida pelo legislador desvelou inicialmente em pelo consumidor.
dissenso doutrinário. Fábio Ulhôa Coelho (2002 apud Ademais, ainda que o legislador não tenha
GOMIDE, 2014, p. 147) assumia que a compra feita limitado os produtos e serviços abarcados pela norma
pela internet não era feita fora do estabelecimento tanto as legislações estrangeiras quanto a doutrina e
comercial, e, portanto, não admitia o direito de os julgados brasileiros têm relativizado a aplicação do
arrependimento nesta hipótese. Isto porque instituto em face das peculiaridades de determinados
compreendia que o site do fornecedor se amoldava ao produtos e serviços.
conceito jurídico de estabelecimento comercial - 3.3. Fundamentos e finalidade
conjunto de elementos e materiais e imateriais Diante da análise dos principais elementos
organizados pelo empresário para o exercício de sua trazidos no bojo do art. 49 o estudo do direito de
atividade econômica. Posteriormente, seguindo o arrependimento terá prosseguimento com a análise
entendimento majoritário, o autor passou a admitir a de seu fundamento e finalidade.
aplicação do direito de arrependimento às compras Entende-se que a compreensão da ratio do
feitas pela internet. instituto viabiliza a justa aplicação da norma e
Assim, a despeito da redação do art. 49 do soluciona vários problemas jurídicos (CORREIA,
CDC não ser expressa no sentido de mencionar as 2006, p. 31). Em sentido complementar, aponta-se a
compras à distância, a jurisprudência e doutrina insuficiência da mera exegese gramatical e a
admitem em peso que a aplicação do instituto abarca necessidade de aprofundamento sobre os
esta modalidade de compras em suas várias espécies fundamentos da norma em função dos casos
como é o caso das compras por telefone – concretos. (BASTOS; SILVA, 2016, p. 231).
mencionada a título exemplificativo no próprio artigo - Os principais fundamentos do direito de
e as compras pela internet. Neste sentido: arrependimento podem ser subdivididos em duas
(...) é pressuposto básico da existência deste direito a categorias. De um lado os fundamentos principais que
circunstância fática da contratação ter sido feita fora concedem ao consumidor um prazo de reflexão para
do estabelecimento comercial, tratando o legislador evitar compras por impulso. De outro lado os
de exemplificar situações como as contratações fundamentos acessórios que possibilitam ao
celebradas por telefone ou a domicílio (door-to-door), consumidor: testar pessoalmente o produto ou
ao que hoje se pode acrescer as realizadas via serviço; comparar com outros modelos e marcas;

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esclarecer dúvidas pessoalmente e trocar Apresentado pelo ex-senador José Sarney, o
experiências com outros consumidores. (ALMEIDA, projeto de lei nº 281 de 2012 tinha entre seus objetivos
F. B., 2019, p. 733) dispor normas gerais de proteção ao consumidor no
Outra classificação, seguindo os comércio eletrônico. O projeto, que sofreu inúmeras
ensinamentos do professor Luís Miranda Serrano modificações ao longo de sua tramitação, ainda hoje
subdivide os fundamentos como destinados a sanar se encontra pendente de revisão pela Câmara, nos
duas categorias de déficits: termos do artigo 65 da Constituição Federal. Acerca
(...) déficit informacional – o primeiro é a das alterações propostas interessa ao
impossibilidade de examinar o produto com desenvolvimento desta pesquisa as que recaem
segurança, já que o consumidor não manteve contato sobre o direito de arrependimento.
físico algum no momento da contratação à distância; Não obstante a ausência de validade
déficit de reflexão – o segundo é a necessidade de normativa do projeto analisado, seu estudo é de suma
conceder prazo maior para reflexão, evitando a importância visto que permite antever e compreender
tomada de decisões irrefletidas e não preparadas, a direção em que caminha o ordenamento juridico
quando o fornecedor incita a realização do negócio pátrio.
jurídico através de condutas ativas (“venda A pretendida expansão do artigo 49 pela
agressiva”) e lhe oferece, diretamente, produtos e inclusão de nada menos que nove parágrafos reflete
serviços fora do estabelecimento comercial. a clara necessidade de regulamentação do instituto.
(BASTOS; SILVA, 2016, p. 210) Os aludidos parágrafos delimitam alguns pontos
Em suma, independente das classificações relevantes como por exemplo a penalização do
adotadas pela doutrina, o objetivo do instituto é a fornecedor que descumprir suas obrigações no
viabilizar as condições necessárias para que o tocante ao direito de arrependimento bem como trata
consumidor forme uma vontade qualificada do direito de arrependimento em contratos de crédito.
(BASTOS; SILVA, 2016, p. 203) assegurando ao Segue-se ao art. 49 o art. 49-A, cuja transcrição se
consumidor a realização de uma compra consciente mostra oportuna:
(KLEE, 2014, p. 170). No mesmo sentido afirma-se Sem prejuízo do direito de rescisão do contrato de
que “o objetivo da norma é dar ao consumidor um transporte aéreo antes de iniciada a viagem, nos
certo tempo (que se presume não ter sido observado termos do art. 740, §3º da Lei nº 10.406, de 10 de
no momento da celebração do contrato) para que janeiro de 2002 (Código Civil), o exercício do direito
pense na aquisição e possa, se for o caso, mudar de de arrependimento do consumidor de passagens
ideia.” (EBERLIN, 2010, p. 59). Isto é, “concede ao aéreas poderá ter seu prazo diferenciado, em virtude
consumidor o tempo necessário para um das peculiaridades do contrato, por norma
consentimento refletido, protegendo-o contra fundamentada das agências reguladoras.
precipitações ou pressões psicológicas” (ALMEIDA, Parágrafo único. A regulamentação prevista no caput
C.F., 2005, p. 107). deverá ser realizada no prazo máximo de 180 (cento
Em outras palavras, a norma visa possibilitar e oitenta) dias após a entrada em vigor desta Lei.
que a decisão do consumidor seja refletida e pautada O legislador, motivado pelas
em informações corretas. Para isto o prazo de particularidades do objeto, optou por não adentrar o
reflexão permite que o consumidor avalie o binômio mérito do exercício do direito de arrependimento no
necessidade de aquisição e possibilidade econômica caso das passagens aéreas deixando tal matéria a
bem como as características do objeto da contratação cargo do poder executivo. O Executivo, por sua vez,
atenuando respectivamente o déficit de reflexivo e representado pela Agência Nacional de Aviação Civil
informacional - em consonância com a segunda e a despeito do projeto de lei ainda em trâmite,
classificação. regulamentou a matéria em questão expedindo a
Frise-se que para o cabimento do resolução nº 400/2016 que será examinada a seguir.
arrependimento basta a ocorrência de uma das
hipóteses listadas, não sendo necessária a presença 4.2. Resolução n.º 400/2016 da ANAC
simultânea dos fundamentos para caracterização da A Resolução n.º 400 expedida pela Agência
vulnerabilidade do consumidor. Nacional de Aviação Civil – ANAC em dezembro de
4. A (in) aplicabilidade do direito de 2016 e em vigor desde 14 de março de 2017 dispõe
arrependimento às compras de passagens aéreas sobre as condições gerais de transporte aéreo. Além
pela internet de tratar acerca de assuntos como o check-in,
A par do conceito, natureza jurídica, informações sobre bagagens e assistência material, a
características, requisitos, funcionamento resolução trata da alteração e resilição do contrato de
(relativizações e ampliações) e sobretudo do transporte aéreo tanto por parte do transportador,
fundamento e finalidade do direito de arrependimento quanto por parte do passageiro. A esta pesquisa
resta confrontá-lo ao objeto do presente estudo: a interessa a última hipótese, mais especificamente, a
compra de passagens aéreas pela internet. Para isso, redação do art. 11 transcrita a seguir:
será tratada a normatização do tema pela ANAC com Art. 11. O usuário poderá desistir da passagem aérea
a Resolução 400/2016 bem como a legislação em adquirida, sem qualquer ônus, desde que o faça no
construção pelo estudo do Projeto de Lei 281/2012. prazo de até 24 (vinte e quatro) horas, a contar do
Por fim, serão apresentadas as interpretações da recebimento do seu comprovante.
doutrina bem como da jurisprudência acerca do tema. Parágrafo único. A regra descrita no caput deste
4.1. Projeto de Lei n. 281/2012 do Senado artigo somente se aplica às compras feitas com

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antecedência igual ou superior a 7 (sete) dias em no prazo correto e compra que se coadune ao
relação à data de embarque. conceito de “fora do estabelecimento comercial”).
Questionando o tratamento do direito de Segundo no plano teleológico dada a ausência de
arrependimento pela norma em análise, o Tribunal de fundamentos para a aplicação da norma. Em geral, a
Contas da União (TCU) em relatório de auditoria doutrina e a jurisprudência se respaldam na ausência
realizada na ANAC por solicitação da Comissão de de fundamento da segunda espécie. Partindo do
Defesa dos Direitos do Consumidor da Câmara dos pressuposto de que o fundamento da norma se
Deputados trouxe a seguinte consideração: sustenta em dois pilares (déficit informacional e déficit
18. Quanto ao amparo normativo da agência para que de reflexão) independentes e cuja presença isolada
as companhias aéreas possam desconsiderar o basta para a incidência da norma, entende-se que é
direito de desistência previsto no Código de Defesa preciso a ausência simultânea para afastar o direito
do Consumidor (sete dias), no caso de compra online, de arrependimento.
respondeu-se que nenhuma norma da ANAC Rechaçando a aplicabilidade da norma in
desconsidera o direito de arrependimento previsto no casu, pela ausência de déficit informacional, Gomide
Código de Defesa do Consumidor - CDC (peça 13, p. (2014, p. 184) argumenta que “inexiste qualquer
4). Além disso a Anac destacou que o Poder Judiciário elemento surpresa na compra de uma passagem
vem firmando entendimento de que essa regra aérea”. No mesmo sentido o julgado da Segunda
contida no CDC não se aplica à compra de bilhetes Turma Recursal Cível do Tribunal de Justiça do Rio
aéreos pela internet e que, mais recentemente, a Grande do Sul:
Resolução Anac 400/2016 assegurou garantia certa (...) Não tem aplicabilidade, em se tratando de compra
ao consumidor de poder desistir de seu contrato, sem de passagens aéreas pela internet, o prazo de sete
qualquer ônus, no prazo de 24 horas a partir de sua dias previsto no artigo 49 do CDC, tendo em vista que
aquisição (desde que o serviço seja executado em as peculiaridades do serviço, bem como o que
prazo igual ou superior a sete dias). Foi ressaltado pode vir a oferecer ao comprador, são conhecidas
pela Anac ainda que essa regra valerá não só para as desde o momento da contratação, diferentemente
compras de passagem aérea realizadas a distância do que ocorre na compra de produto de forma não
mas também para àquelas que se realizarem nas presencial, quando então o consumidor pode, em
lojas físicas das empresas. (TCU - SOLICITAÇÃO DO tese, ser surpreendido com características
CONGRESSO NACIONAL (SCN): 01274420174, diversas da pretendida (exemplo: cor, tamanho,
Relator: AUGUSTO SHERMAN, Data de Julgamento: funcionalidades, etc). (...) (TJ-RS - Recurso Cível:
30/05/2018, Plenário). 71007925548 RS, Relator: Roberto Behrensdorf
Indaga-se acerca da validade da resolução. Gomes da Silva, Data de Julgamento: 26/09/2018,
Se por um lado amplia o direito de arrependimento Segunda Turma Recursal Cível, Data de Publicação:
abrangendo compras feitas ou não fora do Diário da Justiça do dia 28/09/2018, grifo nosso)
estabelecimento comercial, por outro restringe o Em sentido complementar o julgado
direito de arrependimento previsto no art. 49. Isto da 1ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito
porque reduz o prazo de 7 dias para 24 horas além de Federal e Territórios
acrescentar como condição para o cancelamento a (...) o direito de arrependimento estratificado no
antecedência de no mínimo sete dias em relação à artigo 49 da lei de consumo, considerando-se sua
data de embarque. finalidade, não se coaduna com a fórmula de
Diante de um conflito entre regras legais e aquisição de passagens áreas pela via eletrônica, à
regulamentares aquelas prevalecem (MARÇAL, medida que as condições do serviço aéreo, além
2002, p. 505). Portanto, contrapondo o Código de de consignadas na página eletrônica da
Defesa do Consumidor, uma lei ordinária a Resolução companhia aérea, são públicas e notórias, e, em
n. 400/2016, uma norma de caráter administrativo se tratando de serviço padronizado e impassível
tem-se a prevalência do primeiro em observância a de irradiar qualquer dúvida no momento da sua
hierarquia das normas. aquisição, não se afigura consoante a destinação
Ressalte-se que embora esta resolução não do instituto (...) (TJ-DF - APC: 20120110360896 DF
tenha apresentado grandes reflexos na jurisprudência 0002317-28.2012.8.07.0018, Relator: TEÓFILO
- possivelmente em virtude de sua invalidade jurídica CAETANO, Data de Julgamento: 02/04/2014, 1ª
para o caso de compras pela internet -, caso o PL 281 Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE :
entre em vigor, passará a ter validade jurídica 05/05/2014 . Pág.: 124, grifo nosso)
respaldada pela alteração do próprio CDC. O último acórdão colacionado foi adotado
4.3. Considerações doutrinárias e como paradigma em decisões recentes dos juizados
jurisprudenciais especiais do TJDFT – onde com mais frequências
A pesquisa da temática na doutrina e causas desta natureza são julgadas em vista do
jurisprudência apresentou resultados que evidenciam reduzido valor econômico – proferidas em sede de
argumentos contra e a favor da aplicabilidade do julgamento nos processos 0745016-86.2018.8.07 e
arrependimento às compras de bilhetes aéreos online. 0704906-11.2019.8.07.0016.
Primeiro serão apresentados argumentos que Portanto, superado o fundamento do déficit
afastam a aplicação do instituto e posteriormente informacional, resta, em tese, o fundamento do déficit
aqueles em sentido contrário. de reflexão. Pelo estudado o déficit de reflexão
A aplicação do direito de arrependimento impede que o consumidor tome uma decisão atenta e
pode ser rejeitada em dois planos. Primeiro no plano bem pensada. Hora porque é pego de surpresa,
fático pela ausência dos requisitos básicos (exercício desprevenido, hora porque a técnica de venda

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agressiva fragiliza o seu poder decisório. Assim, pela internet se comparado a compra no balcão de
impera ponderar se na compra de passagens aéreas uma agência de turismo em contato direto com o
pela internet o consumidor não está em posição que vendedor. (GOMIDE, 2014, p. 184).
prejudica seu poder de reflexão. Importa aqui a Rejeita-se ainda a compra por impulso, e,
reflexão pautada pelo binômio possibilidade e portanto, o déficit de reflexão sob o argumento de que
necessidade de consumo. a compra de uma passagem aérea implica
Se o elemento surpresa não existe, pois em “planejamento do consumidor, predisposição para
geral é o consumidor quem acessa a internet em viajar, além de minuciosa análise dos dados do vôo”
busca de passagens aéreas - valendo-se ainda de (TJ-RS - Recurso Cível: 71007925548 RS, Relator:
ferramentas que o auxiliam a comparação de preços Roberto Behrensdorf Gomes da Silva, Data de
como por exemplo o skyscanner. Por outro lado, sua Julgamento: 26/09/2018, Segunda Turma Recursal
determinação pode ser prejudicada pelos meios de Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia
persuasão adotados pelas companhias aéreas. 28/09/2018).
Dentre eles os spams, os cookies de rastreamento e A inaplicabilidade do direito de
as notificações push. arrependimento é mais frequente nos julgados
O spam dentre as ferramentas listas é a mais quando a companhia aérea comercializa tarifas
ultrapassada. Trata-se de e-mail não solicitado promocionais que impossibilitam o exercício do direito
enviado para um grande número de pessoas que em de arrependimento. Nestes casos, se por um lado
sua forma mais usual, consiste numa mensagem com entende-se abusiva a retenção integral do valor das
fins publicitários. Atualmente, é mais popular o uso do passagens, admite-se a retenção de determinados
e-mail publicitário que ao contrário do spam, conta percentuais. Isto porque o consumidor devidamente
com a anuência do usuário, o denominado “e-mail informado das cláusulas contratuais quando da
marketing”. (BATISTA, 2010; FAUSTINO, 2019) contratação não poderá se valer do direito de
Os cookies de rastreamento são pequenos arrependimento, ainda que dentro do prazo de sete
arquivos que contém registros de dados de dias, em observância ao princípio do pacta sunt
navegação dos usuários. Estes arquivos são servanda. Conforme ilustra o excerto do julgado a
encaminhados do site para o navegador aonde ficam seguir:
armazenados. Permitem administrar os espaços (...) Na compra de passagem aérea, cabe ao
publicitários e exibir anúncios de acordo com o perfil consumidor escolher o perfil de tarifa que pretende
específico de cada usuário. (BBC, 2017) contratar, anuindo com as suas cláusulas. A previsão
A notificação Push é uma mensagem enviada expressa de taxa de retenção na hipótese de
para um aplicativo disponível em um smartphone, pedido de reembolso vincula o contratante em
tablet ou navegador e que normalmente aparece na respeito ao pacta sunt servanda. 3. O transporte
forma de pop-up. Para aplicativos publicitários, são aéreo está regido por normas específicas do setor,
uma forma de falar diretamente com o usuário. Elas editadas pela Agência Nacional de Aviação Civil -
não são pegas nos filtros de spam, ou esquecidas em ANAC. 4. O arrependimento pessoal quanto ao perfil
uma caixa de entrada e por isso suas taxas de cliques de tarifa contratado não é suficiente para alterar o
podem ser duas vezes maiores do que o e-mail. Além contrato e substituí-lo por um perfil mais favorável ao
disso, elas também relembram o usuário de usar o consumidor, sem ônus, por inexistir abusividade da
aplicativo, estando o aplicativo aberto, ou não. cláusula penal constante no ajuste anuído livremente
(CODIFICAR, 2017) pelo próprio passageiro. (Acórdão n.1124869,
Tais ferramentas atuam em favor do 07298188820178070001, Relator: DIAULAS COSTA
fornecedor e incutem no consumidor a urgência de RIBEIRO 8ª Turma Cível, Data de Julgamento:
consumir lembrando-o constantemente - inclusive 19/09/2018, Publicado no DJE: 24/09/2018. Pág.:
durante seu período de trabalho - do produto Sem Página Cadastrada, grifo nosso)
consultado. A eficácia das técnicas de venda Este tipo de cláusula não é
mencionadas (típicas de vendas online) é tamanha considerada abusiva em virtude da contrapartida em
que inclusive vem sendo adotadas em tratativas benefício do consumidor. Se de um lado ele abdica do
iniciadas dentro do estabelecimento comercial. De tal seu direito de arrependimento, e, portanto, do
modo que é frequente a busca pelos dados do ressarcimento integral da tarifa, por outro ganha um
consumidor com vistas a dar continuidade às benefício financeiro traduzido na tarifa reduzida.
investidas iniciadas presencialmente a partir do envio Entretanto, essa dinâmica é perigosa, pois dá ensejo
de SMS, mensagens via whatsapp e e-mails - todos a práticas comerciais duvidosas como é o caso da
na tentativa de persuadir o cliente. colocação de preços fictícios no mercado que dão a
Ainda, como técnica de venda, as falsa impressão de economia ao consumidor às
companhias aéreas sobem os preços das passagens custas do seu direito de arrependimento. Afinal
em períodos curtos pressionando o consumidor a compra-se buscando o melhor preço e não a
tomar uma decisão o quanto antes. Além dos artifícios possibilidade de se arrepender.
apontados a “facilidade de processamento da Ainda no esteio do aspecto da gratuidade do
aquisição aumenta a possibilidade de que ela seja direito de arrependimento, relativizada por certas
feita por impulso e sem qualquer reflexão” cláusulas contratuais conforme o último julgado
(ANDRADE, 2004, p. 109). colacionado, Gomide (2014, p 183) assume que a
Em sentido contrário, o déficit de reflexão é restituição integral dos valores pagos pelo consumidor
rejeitado pois tem-se que o consumidor está mais torna a aplicação do direito de arrependimento injusta
seguro e sofrendo menos pressão quando compra no caso da compra de passagens pela internet.

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Propõe que em substituição ao direito de prevenção de superendividamento do consumidor,
arrependimento o consumidor seja amparado pelo conforme explanado a seguir.
direito de resilição mediante pagamento de multa. Ou O superendividamento trata-se de um cenário
seja, propõe um modelo em que o consumidor possa em que o devedor se encontra em insolvência, isto é,
desistir da contratação, mas sem reembolso integral. impossibilitado de pagar suas dívidas (LIMA, 2006, p.
Alude ainda aos prejuízos enfrentados pelas 208). Esse fenômeno pode ser dividido em
companhias aéreas no caso de cancelamentos superendividamento ativo e passivo. Passivo quando
efetuados poucas horas antes do embarque ocorre em função de fatores alheios a vontade do
inviabilizando a recolocação dos bilhetes a venda. devedor como o caso de divórcio, doença e
Embora válido, especialmente no tocante a desemprego. Ativo quando o próprio devedor se
cancelamentos em cima da hora, o argumento coloca em situação de insolvência pelo consumo
levantado não merece prosperar integralmente. Isto inconsequente. Neste último caso, o consumo
porque tende a desonerar o empresário do risco da irrefletido, impulsivo e sem planejamento pode ser
atividade econômica imputando-o ao consumidor, o evitado ou reduzido pelo direito de arrependimento.
que não pode ser admitido em vista da vulnerabilidade Neste sentido, figura o direito de arrependimento
deste. Miragem (2013, p. 367) assevera que ao optar como uma das medidas preventivas frente ao
pela venda pela internet o fornecedor usufrui das superendividamento dos consumidores na União
vantagens a ela inerentes, mas também deve europeia com vistas a proteção do consentimento do
responder pelo ônus dela decorrente. consumidor sob a denominação “consentimento
Santolim (2012, p. 78) repele o refletido” (LIMA, 2006, p. 221).
arrependimento nas compras de passagens aéreas O incentivo ao consumo por meio das
em virtude do impacto econômico negativo sobre a propagandas que vendem produtos e serviços como
coletividade de consumidores ao afirmar que “a sinônimo de felicidade e sucesso associado à
amplitude desnecessária do ‘direito de disponibilização irresponsável de crédito pelas
arrependimento’ importará em custo de transação instituições financeiras são elementos que contribuem
adicional, que, fatalmente, será suportado por todos sobremaneira para o agravamento do
os consumidores, mesmo aqueles que não o superendividamento na sociedade. Em contrapartida,
exercerem.” nada mais justo que ao consumidor seja concedido
Apresentados os argumentos que repudiam a um recurso que viabilize atenuar o impacto dessas
aplicação do direito de arrependimento a esta espécie circunstancias. Assim, justifica-se a aplicação do
contratual bem como os contra-argumentos direito de arrependimento à compra de passagens
respectivos, por fim serão contempladas as aéreas – produto integrante do “pacote da felicidade”
considerações da corrente favorável à aplicação do – como meio de defesa do consumidor possibilitando
direito de arrependimento. a este a compra refletida e evitando o risco de
A corrente defensora da aplicação do direito superendividamento. Não se trata da vitimização do
de arrependimento ao caso em análise é majoritária consumidor tão pouco do afastamento de sua
nos tribunais brasileiros. Entretanto, não são responsabilidade. Trata-se da defesa do consumidor
propostas grandes reflexões acerca do tema, isto em cenário que acentua sua vulnerabilidade.
porque os julgados atem-se, no mais das vezes, a Reduzir o âmbito de aplicação do direito de
uma análise puramente fática. Isto é, verificam se no arrependimento quando em verdade este deveria ser
caso concreto foram atendidos os critérios de compra ampliado – inclusive para compras feitas dentro do
fora do estabelecimento e de manifestação de estabelecimento comercial – representa flagrante
desistência dentro do prazo legal. Se por um lado retrocesso social. Mitigar a aplicação de uma norma
pode ser vista como uma corrente legalista atenta a cuja interpretação contemporânea viabiliza a
interpretação literal do texto da lei, por outro, pode ser prevenção do superendividamento vai de encontro ao
entendida como uma corrente garantista que não objetivo básico do direito do consumidor
priva o consumidor de um direito evitando a especialmente num cenário em que o
interpretação da norma em seu prejuízo. superendividamento ainda não tem amparo legal.
Pelo exposto, questiona-se: os requisitos “Não se pode buscar o fim social da lei –
listados acima bastam para a incidência da norma? abranger hipóteses de compra e vendas
Importa analisar o telos legal com vistas a contemporâneas - em prejuízo do consumidor, o que
fundamentar a aplicabilidade da norma, tal qual viola a própria concepção da Lei 8.078/1990 como
fundamenta-se a sua inaplicabilidade? norma protecionista e com fundamento
É de suma importância a análise do objetivo constitucional.” (TARTUCE; MONTEIRO, 2015, p.
da norma para sua aplicação, especialmente em 330)
virtude da mutabilidade de sua interpretação de Por todo o exposto, se refutar o direito de
acordo tempo e lugar de incidência. Se o objetivo arrependimento às passagens compradas pela
geral das normas albergadas pelo direito do internet por sua incompatibilidade com o déficit
consumidor é a proteção do consumidor, distinguem- informacional é aceitável, rejeitá-lo pelo déficit de
se as normas por seu objetivo específico. Para a reflexão sob o pretexto de que não se viaja sem
norma em análise – o direito de arrependimento - o planejamento é ignorar o contexto contemporâneo de
objetivo específico pode ser compreendido como vendas. Este contexto permeado de técnicas de
viabilizar o consumo racional. Na atualidade, este vendas agressivas, pelo incentivo ao consumo e pela
objetivo apresenta ainda mais robustez em virtude de facilidade de acesso ao crédito fragiliza a capacidade
sua estreita conexão com os mecanismos de de reflexão do consumidor de modo que a supressão

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ou redução da garantia consumerista não se mostra a força do preceito constitucional de proteção do
razoável. consumidor constata-se a importância da
preservação e ampliação do instituto do direito de
Considerações finais arrependimento.
A análise das leis de comércio eletrônico e Quanto aos argumentos que contestam a
dos contratos de transporte revelou a compatibilidade aplicabilidade do direito de arrependimento, embora
destes institutos com as normas do direito válidos até certo ponto, não são o suficiente para
consumerista, bem como a compatibilidade com o afastá-lo. Primeiro porque refutam com propriedade
direito de arrependimento. apenas um dos fundamentos para a incidência da
Por sua vez, o estudo do direito de norma: o déficit informacional, mas não déficit de
arrependimento possibilitou a compreensão de sua reflexão. Além disso, os prejuízos enfrentados pelas
origem histórica, seu conceito, dinâmica e sobretudo companhias aéreas devido ao exercício do direito do
fundamento e finalidade. Demonstrou-se que a norma consumidor fazem parte do risco da atividade
consumerista tem a finalidade de possibilitar o econômica, não podendo prevalecer sobre o interesse
consentimento refletido ao consumidor. do consumidor que é sabidamente vulnerável. Por fim,
Demonstrou-se que o campo de incidência do embora seja justa sua relativização em algumas
direito de arrependimento abrange situações em que hipóteses, em observância ao princípio da boa-fé –
prevalece o déficit de reflexão ou o déficit como é o caso do cancelamento da passagem poucas
informacional. Caracterizando-se o déficit de reflexão horas antes do voo -, tal medida é de exceção. Em
quando o consumidor não consegue analisar a real geral, deve prevalecer o direito de arrependimento.
necessidade e possibilidade econômica de consumo Isto porque na compra de passagens aéreas, embora
em virtude do contexto de venda. E o déficit não caiba o argumento de déficit informacional, o
informacional quando há discrepância sobre a potencial do déficit de reflexão é significativo devido à
percepção do produto/serviço no momento da compra diversidade e força dos mecanismos de persuasão
e no momento do recebimento. empregados pelo fornecedor.
A partir da análise doutrinária e Por fim, constatou-se que a importância do
jurisprudencial do tema observou-se que, ainda que instituto do direito de arrependimento foi reforçada
majoritário o entendimento da incidência do direito de pelo potencial de sua atuação como mecanismo de
arrependimento no caso de compras de passagens prevenção ao superendividamento - identificado como
aéreas pela internet, não há unanimidade no judiciário dos maiores desafios contemporâneos na seara do
brasileiro. De modo que o consumidor está sujeito à direito do consumidor. Neste sentido, a elasticidade e
insegurança jurídica. mutabilidade da interpretação das normas são
Observou-se que caminhando em sentido mecanismos preciosos dos quais os julgadores
oposto ao Judiciário, o legislador e Administração devem se valer na defesa do consumidor em novos
Pública tendem a reprimir a garantia consumerista. O contextos ainda não albergados pela legislação como
legislador ao dar azo à redução da garantia pela é o caso do superendividamento.
inserção do art. 49-A no CDC pelo qual incumbe a Ademais não se pode buscar o fim social da
agência reguladora de definir os termos do lei em prejuízo do consumidor especialmente dado o
arrependimento para passagens aéreas. E a caráter protecionista de que é dotado o CDC em
Administração Pública ao expedir resolução que, não observância ao preceito constitucional fundamental
obstante sua ineficácia em observância a prevalência de proteção do consumidor.
do CDC na hierarquia normativa, reduz e condiciona Com todo o exposto, é notória a necessidade
o prazo de reflexão. da aplicabilidade do direito de arrependimento à
Pela contraposição dos argumentos compra de passagens aéreas pela internet.
apresentados e debatidos nesta pesquisa associada

Referências

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