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SMITH, R. K. W. Princípios de Tratamento de Lesões Tendíneas e Ligamentares / Revista de Educação Continuada em Medicina Veterinária e Zootecnia do CRMV-SP / Journal of

Princípios de
tratamento de
Continuing Education in Animal Science of CRMV-SP. São Paulo: Conselho Regional de Medicina Veterinária, v. 9, n. 3 (2011), p. 84–87, 2011.

lesões tendíneas
e ligamentares 1

Introdução – fundamentos dos tratamentos presença dos sinais clássicos de inflamação (calor, dor/
A lesão tendínea desencadeia uma resposta claudicação e edema) e pela hiperemia intensa, com
fibrótica que restaura a força da estrutura le- aporte de células de defesa (inicialmente neutrófilos
sada. Entretanto, do ponto de vista funcional, e em seguida macrófagos e monócitos) e liberação de
esse fibrosamento é inferior ao tendão normal enzimas proteolíticas. Na maioria dos casos, a resposta
por vários motivos. O tecido cicatricial, por inflamatória é considerada excessiva e as enzimas li-
ser mais fraco que o tendão ou o ligamento, beradas continuam destruindo as porções menos
é depositado em maiores quantidades, re- afetadas do tendão. Uma vez que o tecido cicatricial
sultando em maior rigidez estrutural. Essa que se forma após a lesão é funcionalmente inferior
funcionalidade inferior resulta em queda do ao tecido tendíneo, a instituição rápida de tratamento
desempenho e em risco substancial de recor- anti-inflamatório agressivo favorece a preservação do
rência da lesão – mais de 50% dos cavalos de tendão “normal”.
corrida que retomam a atividade plena sofrem
recorrência da lesão dentro de dois anos, ape-
sar da disponibilidade de uma ampla gama de Objetivo do tratamento – controle da inflamação
tratamentos (DYSON, 2004). Os objetivos do
tratamento são específicos para cada fase da Opções de tratamento
cicatrização – aguda (inflamatória), subaguda A fisioterapia (repouso, aplicação de frio e ban-
(fibroplástica) e crônica (remodelação). dagens compressivas) continua sendo o aspecto mais
simples e mais importante do tratamento precoce.
Fase aguda (inflamatória) Logo após a lesão, deve-se iniciar a aplicação de frio
A lesão clínica resulta em ruptura da ma- por 20 minutos. A hidroterapia a frio é mais eficiente
triz tendínea e em hemorragia, desencadeando e segura do que a aplicação de gelo e diversos dispo-
uma resposta inflamatória acentuada, que sitivos podem ser usados para promover a aplicação
dura vários dias e se volta para a eliminação concomitante de frio e pressão. A mobilização pas-
do tecido lesado. Esta fase se caracteriza pela siva controlada também pode ser útil, mesmo na fase

1 Palestra apresentada na XII Conferência Anual da Associação Brasileira de Médicos Veterinários de


Equídeos (Abraveq), realizada em 11 e 12 de junho de 2011 no Royal Palm Plaza Resort, em Campinas (SP).

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Hawkshead Lane, North Mymms, Hatfield, Herts. AL9 7TA
Professor Roger K.W. Smith 2 � rksmith@rvc.ac.uk
Departamento de Clínica Veterinária
The Royal Veterinary College

precoce, e tem por objetivo o controle da inflamação, a invasão por fibroblastos, levando à formação de tecido
maximização da cicatrização intrínseca e manutenção cicatricial durante várias semanas, a fim de substituir
da amplitude de movimento. o tecido lesado. O tecido cicatricial é composto por
O manejo farmacológico inclui a administração colágeno dos tipos I e III e seu arranjo é mais desorga-
de esteroides de curta duração nas primeiras 24 a 48 nizado do que o das fibrilas Tipo I do tendão normal,
horas (depois desse período, tais drogas podem com- longitudinalmente alinhadas. Isso prejudica a ação de
prometer a resposta fibroblástica) e a aplicação in- mola do tendão e predispõe à recorrência da lesão.
tralesional de glicosaminoglicanas polissulfatadas,
capazes de inibir a ação das enzimas proteolíticas in
vitro. Estudos recentes, empregando um modelo expe- Objetivo do tratamento – estímulo da fibroplasia
rimental de tendinite, demonstraram que estas últimas e otimização da organização e funcionalidade do
drogas melhoram a organização da cicatriz tendínea, tecido cicatricial
quando comparadas com solução fisiológica. A aplica-
ção local de DMSO pode ajudar a acelerar a resolução Opções de tratamento
do edema. A mobilização progressiva precoce (exercício ao
Nesta fase, o tratamento cirúrgico se baseia na rup- passo) e a monitoração ultrassonográfica regular
tura tendínea percutânea longitudinal (“splitting”), são empregadas para melhorar a qualidade do tecido
que acelera a resolução das lesões vacuolares (“core le- cicatricial que se forma durante esta fase. Sem dú-
sions”), conforme demonstrado por ultrassonografia. vida, o principal progresso na recuperação de lesões
A técnica pode ser realizada com um bisturi ou, de tendíneas decorreu do emprego da ultrassonografia
forma menos invasiva, através de punção com agulha, como ferramenta de reabilitação. A ultrassonografia
método que pode ser combinado com a medicação in- de referência, realizada pelo menos 4 a 7 dias após a
tratendínea. lesão, fornece informações prognósticas e pode ser
usada para mensurações subsequentes da área de sec-
Fase subaguda (fibroblástica) ção transversal, que representam uma forma semiob-
Logo no início da lesão e sobrepondo-se à fase in- jetiva de avaliação da cicatrização tendínea. Antes de
flamatória, verifica-se a ocorrência de angiogênese e permitir que o cavalo passe para o próximo nível do

2 Professor de Ortopedia Equina

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programa de exercício controlado, o tendão deve estar suspensório. Embora seu uso em lesões tendíneas te-
estável ou apresentar redução da área de secção trans- nha sido sugerido, dados experimentais recentes reve-
versal (aumento da área de secção transversal < 10% lam a indução de lesão significativa nessas estruturas,
em qualquer nível) em relação ao exame prévio, além o que desaconselha o emprego da técnica para trata-
de apresentar melhora do padrão de ecogenicidade e mento de tendinites, pelo menos da tendinite do ten-
disposição das fibras. Há grande variação individual dão flexor digital superficial.
de velocidade de evolução da lesão. Muitos cavalos Uma abordagem alternativa que pode ser empre-
ficam indóceis quando trabalham apenas ao passo e gada para restaurar a funcionalidade de tendões jovens
devem ser colocados no andador. normais é provocar a sua regeneração, em vez de sua
A injeção intratendínea de beta-fumarato de ami- cicatrização com tecido fibroso. A medicina regenera-
noproprionitrila (BAPTEN TM) entre 30 e 90 dias tiva emprega um ou mais de três componentes distin-
após a lesão foi empregada para tentar melhorar a tos – arcabouço, fator anabólico (fator de crescimento,
qualidade do tecido cicatricial. Essa droga inibe a en- por exemplo) e fonte celular. Além disso, acredita-se
zima lisil-oxidase, responsável pelas ligações cruza- que a existência de um ambiente mecânico adequado,
das das moléculas de colágeno, e, quando associada proporcionado pela instituição de um programa de
ao exercício controlado, promove a melhora do ali- exercício controlado após o tratamento, seja essencial
nhamento longitudinal das fibras colágenas. Após o para otimizar a regeneração. Cada um desses compo-
término do seu efeito, a ligação cruzada ocorre, au- nentes constitui uma forma de terapia para tratamento
mentando a força da cicatriz. Embora os ensaios ini- de lesões tendíneas e ligamentares em equinos, a ser
ciais, realizados nos EUA e na Grã-Bretanha, tenham abordada em palestra separada.
indicado bons resultados em casos severos, estudos
experimentais mais recentes não mostraram melhora Fase crônica (remodelação)
significativa da cicatrização tendínea. Além disso, a Inicialmente, o tecido cicatricial depositado é rela-
droga reduz a síntese de colágeno nas células tendí- tivamente fraco e o aumento rápido do nível de exercí-
neas in vitro e não está mais disponível no mercado cio pode levar à recorrência da lesão no mesmo local.
enquanto fármaco de uso licenciado. Ao longo dos meses, esse tecido cicatricial imaturo
Outras drogas, como o hialuronato de sódio, foram se remodela e o colágeno Tipo III é gradativamente
usadas em aplicações intratendíneas e peritendíneas, transformado em colágeno Tipo I, o que se reflete em
com resultados conflitantes, embora efeitos benéficos aumento da força e da rigidez. Entretanto, o tendão
relacionados à redução da formação de aderências em nunca recupera suas propriedades mecânicas origi-
lesões tendíneas localizadas no interior de bainhas si- nais, permanecendo sempre susceptível a novas lesões.
noviais tenham sido demonstrados experimentalmente.
Rupturas nas margens de tendões e ligamentos
contidos em cavidades sinoviais (bainhas tendíneas Objetivo do tratamento – otimização da funciona-
ou articulações) costumam ser responsáveis por epi- lidade do tecido cicatricial para prevenir a recor-
sódios recorrentes de tenossinovite ou sinovite. Na rência da lesão
ausência de patologias intratendíneas significativas
(tendinopatias verdadeiras), muitas dessas rupturas Opções de tratamento
passam despercebidas na ultrassonografia. Uma vez A combinação de um programa progressivo de
que o ambiente sinovial limita o processo cicatricial, exercício controlado com a avaliação ultrassono-
acredita-se que a debridação dessas lesões por tenos- gráfica regular para a detecção precoce de sinais de
copia possa melhorar a sua cicatrização, embora a fase recorrência é o tratamento ideal da tendinite crônica.
reparativa subsequente continue sendo lenta e muitas Como regra geral, recomenda-se apenas exercício no
vezes incompleta. A ruptura da manica flexoria tem andador nos primeiros 3 meses, após a regressão da
prognóstico melhor devido à possibilidade de remo- inflamação. Em seguida, o trote é introduzido, prosse-
ção completa da estrutura, sendo o pior prognóstico guindo-se para o galope lento após 6 meses.
reservado às rupturas que envolvem o tendão flexor A desmotomia do ligamento acessório do TFDS
digital profundo. pode ser realizada para transferir a elasticidade de
A terapia por ondas de choque extracorpórea é músculo flexor digital superficial para o tendão em
empregada principalmente no tratamento da desmite recuperação, reduzindo a tensão máxima sobre o
crônica (mais de 3 meses de evolução) do ligamento mesmo. A desmotomia bilateral foi advocada em

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equinos para prevenir a recorrência da tendinite do de novas lesões e pode ser obtida submetendo-se o ca-
TFDS em qualquer dos membros afetados, após o pe- valo a um nível mais baixo de exercícios, embora a
ríodo de recuperação. Além da abordagem tradicional exigência de se retornar o animal ao nível prévio de
aberta, a cirurgia pode ser feita por tenoscopia atra- desempenho seja comum. A nova bota (Equstride),
vés da bainha carpiana e costuma ser realizada junto ainda não disponível no mercado, parece ser capaz de
com a ruptura tendínea percutânea longitudinal, na evitar a hiperextensão da articulação metacarpofalan-
fase precoce da tendinite. Entretanto, o efeito benéfico geana, prevenindo assim a recorrência.
sugerido inicialmente não se confirmou em outros es-
tudos e dados epidemiológicos recentes indicam que
cavalos tratados com essa técnica são mais predispos- Referências
tos à desmite do ligamento suspensório.
A prevenção da hiperextensão da articulação meta- 1. Avella, C.; Smith, R. K. W. Diseases of tendons and ligaments. In: AUER, Stick

carpofalangeana é uma outra forma de reduzir o risco (Org.). Equine Surgery. 3rd edition. Chapter 86, 2006. p. 1086-1111.

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