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Além da Receita

Rolfing de Orientação Processual


Monica Caspari
Adjo Zorn

A alma do homem com todas as correntes de água viva pura parece habitar as fáscias de seu corpo.
Quando você lida com a fáscia, você lida e faz negócios com as filiais do cérebro, e de acordo com a regra geral da
corporação, faz o mesmo com o cérebro em si, e porque não tratá-lo com o mesmo grau de respeito.
Andrew Taylor Still, 1899

Ouvimos freqüentemente que Rolfing é um processo, não um evento. A orientação processual


talvez seja uma das características da prática "holística". Mas há níveis de holismo. O Rolfing
formulista é holístico na medida em que considera o contexto estrutural de sintomas locais e
aborda todo o corpo; e vai um passo além ao interpretar o corpo no contexto da gravidade.
Além disso, com o desenvolvimento dos Princípios de Intervenção do Rolfing, nós temos um
paradigma para o trabalho reter seus aspectos holísticos e ao mesmo tempo ser não-formulista.
A Integração pelo Movimento Rolfing leva o trabalho um passo adiante com seu foco na
função e no "Circulo do Ser", que reconhece a necessidade de integrar os aspectos mental,
emocional e espiritual no físico. Entretanto, o holismo do Rolfing ainda é limitado na medida
em que não aborda formalmente outras dimensões do contexto (embora na prática muitos
rolfistas o façam). Por exemplo, da mesma maneira que estamos continuamente expostos ao
campo gravitacional, também estamos continuamente expostos aos campos social e cultural.
Mas nem a receita nem o Circulo do Ser os consideram explicitamente, embora afetem a
estrutural fascial.
O processo do Rolfing acontece dentro do processo maior da vida do cliente. Considerando-se
que estes processos maiores acontecem em contextos que tem dimensões que não são
consideradas explicitamente pelo Rolfing, o quanto o processo do Rolfing pode realmente ser
integrado no processo maior de vida do cliente? Este tipo de integração requer um estilo de
trabalho que abra espaço para estas outras dimensões do processo do cliente, enquanto ainda
estrategiza cada sessão ou série de sessões de acordo com os Princípios.
AS ESTRUTURAS TÊM MUITOS NÍVEIS
Imagine que você - enquanto "terapeuta" da ponte Rio-Niterói - seja responsável por garantir
sua segurança.¹
À medida que faz a leitura da ponte, você primeiro observa sua forma e configuração. Numa
análise estática, você poderia perceber a ponte enquanto uma rede de forças de tensão e
compressão. Se o projeto básico estivesse em ordem, você poderia então inspecionar
componentes físicos em particular. Estes poderiam incluir os componentes dos batentes e das
fundações, cabos, colunas de sustentação das torres, soldas, e revestimentos anti-corrosivos. Se
apenas um único componente das fundações estiver corroído, será suficiente um conserto
local. Mas se muitos membros mostram corrosão significativa ou outras condições que
reduzam sua capacidade de suportar peso, a ponte ficará propensa a entortar e desabar; assim,
a condição geral das fundações é uma propriedade estrutural, e qualquer intervenção precisa
ser estrategizada de acordo.
Para um engenheiro holístico, consertar a torção da estrutura que estivesse surgindo
aparentemente de um desgaste geral dos elementos, seria necessário algo além do simples que
re-equilibrar forças contrárias para acomodar sua capacidade reduzida de suportar peso. Seria
primeiro necessário perguntar porque as estruturas estariam se desgastando. Se a resposta fosse
"idade"- desgaste proporcional com o tempo de vida da ponte e das propriedades materiais do
aço- talvez o engenheiro pensasse em reforçar ou trocar os componentes. Se o peso da carga
real fosse acima do peso da carga do projeto (pense em práticas esportivas ou lesões por
esforço repetitivo), poder-se-ia reforçar os membros existentes ou acrescentar mais deles
(tornando a ponte mais forte)- ou reduzir a carga através da restrição do tráfego sobre a ponte
(repouso). Mas e se a condição fosse originária de uma mudança das propriedades químicas,
por exemplo, um aumento na qualidade ou na quantidade de corrosivos químicos no ar ou na
água (pense em mudanças metabólicas)?
Levando este pensamento adiante: e se a corrosão dos membros, embora existente, não seja a
causa do entortar? Talvez uma mudança nas correntezas tenha comprometido as fundações
das torres de apoio, as quais por sua vez alteraram a posição de suas colunas? E se um tremor
afetou as bases nas quais os cabos foram ancorados? Focar somente nas fundações não
resolveria o problema; resultaria apenas num "conserto cego". Para ir além de um conserto
cego você teria que considerar além das forças de tensão e de compressão dentro da própria
ponte. Isto porque qualquer coisa que mantenha ou influencie substancialmente a configuração
e o comportamento da ponte ou de suas partes deveria ser considerada como estrutural.
Da mesma maneira, integraremos melhor nosso cliente e evitaremos consertos cegos se
reconhecermos os fatores que mantém ou influenciam substancialmente a configuração das
fáscia e de outros elementos estruturais corporais. Isto significa que deveríamos olhar além do
equilíbrio das forças na rede fascial e pelo menos considerar restrições nos diferentes níveis
estruturais alem da "coisa" fascial. Todos nós sabemos disto, mas a maneira tradicional de se
apresentar o Rolfing exclui qualquer abordagem sistemática de inclusão destes outro níveis.
O objetivo deste artigo é oferecer algumas sugestões a este respeito. Primeiro descrevemos
alguns níveis de estrutura que deveriam ser considerados. Então oferecemos algumas regras
básicas que, se seguidas, deveriam aumentar as possibilidades do nosso trabalho afetar estes
outros níveis.

NÍVEIS DE ESTRUTURA
Coordenação

Você quer ter uma pélvis americana?


Ida Rolf para uma mulher chinesa

Na década de 60, o biólogo prêmio Nobel Konrad Lorenz descreveu uma representação
precisa do corpo físico e de suas propriedades funcionais no córtex motor. ² Desde então a
pesquisa posterior deu suporte a este ponto de vista; ³ e agora é comumente aceito que nosso
cérebro não apenas "mapeia" nosso corpo, mas que também o cérebro trabalha ativamente
para manter a forma do corpo congruente com o mapa. Na comunidade do Rolfing, a relação
íntima da estrutura fascial e do córtex motor tem sido explorada por Hubert Godard no seu
trabalho relativo a Função Tônica, e por Robert Schleip. (4) Na verdade estas funções
cerebrais são estruturais. Como Peter Schwind já comentou, "trabalhar com um corpo
anestesiado é como trabalhar com um pneu murcho"; um rolfista tornar-se-á mais eficiente se
reconhecer que a representação interna é afetada.
Sabemos durante as sessões que a representação interna mudou quando o cliente experiencia
mudanças proprioceptivas maiores. Por exemplo, os clientes freqüentemente "descobrem"
partes do corpo que antes estavam ausentes de sua consciência. Ou o cliente talvez tenha que
re-mapear uma relação, como a mulher que exclama, "desde que você trabalhou nos meus
ombros e pescoço, não consigo mais encontrar os furinhos para os meus brincos sem usar um
espelho!"
A importância estrutural da representação interna também pode lançar alguma luz no
fenômeno de que formas corporais diferem com a geografia. Por exemplo, uma garota
brasileira cujo lugar predileto seja a praia pode ter "aprendido" a anteversão com deslocamento
posterior da pélvis para adaptar-se ao padrão cultural desejável. Uma vez que a atitude
aprendida se estabeleceu tanto nas suas fáscias quanto no seu cérebro, ela se torna "estrutural".
Neste ponto, é difícil distinguir as preferências estruturais mecânicas das neurológicas. As
mãos do rolfista irão tratar as questões fasciais; mas a menos que o componente neuromotor
seja abordado e que o cliente adquira uma compreensão de como as preferências fasciais
surgiram em primeiro lugar, o mais provável é que a cliente volte ao seu padrão anterior. Neste
sentido, o "Rolfing não é uma técnica de manipulação. É um sistema de educação." (5)

Emoções
A maioria dos rolfistas aceita que o músculos e fáscias possam "conter" lembranças e emoções
do passado. Assim naturalmente, os clientes às vezes experienciam emoções quando fixações
antigas nas fáscias, articulações ou vísceras são liberadas. Freqüentemente os clientes parecem
experenciar uma combinação de alívio e tristeza ao encontrar o espaço que foi perdido há
muito tempo. Por outro lado, porque os hábitos emocionais são estruturas, medo ou evitação
das emoções pode levar a reversão às posturas habituais. Por outro lado, o reconhecimento
pelo cliente, da correlação entre as estruturas física e emocional pode tanto potencializar as
mudanças físicas quanto evitar a reversão. Mas para o cliente conquistar este reconhecimento,
é importante que o rolfista esteja alerto e aberto em relação ao nível emocional. Isto significa
reconhecer a importância deste componente estrutural "não-concreto". Ao mesmo tempo
devemos tratar as emoções apenas como um aspecto da estrutura , e não aumentar ou
subestimar sua importância no todo. Isto, por sua vez, requer que o rolfista tenha algum grau
de abertura e compreensão em relação ao seu próprio processo emocional.

Sistema Nervoso Autônomo

Se você não atingir o sistema nervoso, você não terá sucesso. Ida P. Rolf
O equilíbrio do tônus no sistema fascial corresponde ao equilíbrio entre os ramos do sistema
nervoso autônomo. A dominação crônica do simpático gera musculatura esquelética
hipertônica, respiração superficial, circulação periférica diminuída e peristaltismo inibido, e a
dominação crônica do parassimpático gera inflamações das articulações e tendões, e um
esforço muscular aumentado para vencer a resistência do fluxo de ar aos pulmões. Conforme
foi demonstrado pelo trabalho de Jeff Maitland e John Cottingham, (6) o Rolfing melhora o
equilíbrio entre o simpático e o parassimpático (embora freqüentemente isto aconteça
acidentalmente ao invés de sistematicamente). Nós gostaríamos de obter estes resultados
baseados na nossa compreensão do SNA e na promoção dos objetivos estruturais, ao invés do
mero acaso. (7)

Biossociologia

Não estamos verdadeiramente eretos, de pé; estamos a penas a caminho de ficarmos eretos. Esta é uma
consideração metafisica. Uma das tarefas do rolfista é acelerar este processo. Ida P. Rolf

Nós humanos usamos nosso corpo, incluindo as estruturas fasciais, para transmitir uns aos
outros mensagens sociais não verbais. Nossos ancestrais macacos viveram em grupos sociais
por uma eternidade, o que sugere que a linguagem corporal é muito mais antiga do que a
linguagem verbal. Foi apenas recentemente que o comportamento dos nossos parentes mais
próximos em seus ambientes naturais tornou-se objeto da pesquisa cientifica (particularmente
por Jane Godall e Frans de Waal). (8) A linguagem corporal dos grandes símios, tanto em
termos da intenção quanto do significado, assemelha-se com alguns comportamentos
humanos, e sua linguagem corporal é prontamente compreendida pelos humanos. Desta
forma, os humanos carregam consigo não apenas o "cérebro reptiliano", mas também aquilo
que podemos chamar de "cérebro" dos grandes símios, pelo menos em relação a nossa
comunicação e comportamento social.
A maneira como uma pessoa em particular pode usar a estrutura enquanto um meio de
comunicação não é necessariamente congruente com a postura ereta ideal. Portanto, se
ignorarmos a linguagem corporal poderemos perder ou interpretar erroneamente as questões
estruturais relacionadas a ela. Por exemplo, se um cliente não consegue olhar diretamente nos
olhos dos outros, as mudanças induzidas pelo Rolfing irão desafiar além do sistema fascial do
cliente. Deveríamos ao menos contemplar a possibilidade de que as características estruturais
ou funcionais possam ter um significado social para uma pessoa em particular, e incluir
consistentemente a linguagem corporal na nossa leitura e estratégias. Embora possamos
observar repetidas correlações entre questões estruturais particulares e seus significados em
pessoas de contextos culturais similares, não devemos esquecer que a semântica da linguagem
corporal varia entre as diferentes culturas.

Sentido do Self

O modo como você caminha através da sala é o modo como você caminha pela vida. Vivian Jaye

Uma pessoa mentalmente saudável tem uma definição internalizada do self. Erik H. Erikson
mostrou que este senso do self relaciona-se com a auto-estima e independência, e influencia a
habilidade de encontrar amor e trabalho na sociedade (9). Parte da auto-identidade manifesta-
se como uma sensação-sentida (felt-sense) no corpo. A discussão a respeito do que estabelece
o senso do self evoluiu de algo puramente filosófico para algo mais concreto no campo da
neurociência. Recentemente, neurocientistas como Antonio Damasio e Vilaynur
Ramachandran têm explorado extensivamente esta questão, e postulam que uma das coisas que
estabelece o "self" é a sua "corpação"1 específica; em outras palavras, o "self" sempre se
relaciona com a imaginação de seu corpo particular. (10) Se a sensação-sentida (felt-sense) do
corpo é alterada, a pessoa pode sentir-se temporariamente estranha ou não-natural. Mas como
Myron Sharaf, um dos alunos mais brilhantes de Wilhelm Reich, costumava dizer em seus
workshops, "Se dá a sensação de ser incomum, pode ser curativo". (11)
As mudanças físicas induzidas pelo Rolfing apresentam desafios à auto-identidade física do
cliente, que pode por sua vez afetar o senso do self noutros contextos. Precisamos estar
conscientes do alcance potencial do desafio e estar preparados para tentar ajudar o cliente a

1 N.T. "corpação/corpar": aprendemos com Regina Favre este neologismo que converge melhor
para o português a idéia do "embodyment/to embody" do que as palavras incorporação/incorporar.
(Monica Caspari)
aceitar e depois resolver quaisquer desconfortos, (tais como medo ou dor de crescimento) e
então integrar os insights noutras dimensões. Ao mesmo tempo, o Rolfing apresenta uma
grande oportunidade porque o senso do self pode ser rápida e fortemente desafiado no nível
físico.

Energia
Usamos aqui o termo "energia" para descrever a intensidade, ou a densidade energética, de
processos metabólicos. O nível energético geral de uma pessoa também pode ser chamado de
"vitalidade" ou "força de vida". É aquilo que tanto leva e capacita a pessoa a lutar pelo sucesso,
quanto para cultivar-se, para se movimentar, para desfrutar de alguma forma de arte, para
brincar, para amar e ter sexo gratificante, e para criar algo que vá durar além do seu tempo de
vida. A densidade energética é claramente afetada por estados mentais e emocionais. Por
exemplo, a energia envolvida é maior numa pessoa engajada, feliz, do que numa pessoa que é
alienada, triste. Mas também é fortemente influenciada pelas funções dos sistemas hormonal,
imunológico e neurológico; i.e., o grau de flexibilidade na musculatura está relacionado ao
metabolismo, o qual por sua vez depende destes outros sistemas.
Biologicamente, uma densidade energética maior é geralmente uma coisa boa; mas isso não é
necessariamente verdadeiro socialmente. A psicóloga Alice Miller fez um estudo convincente
para a proposição de que quanto mais uma criança é vital, independente e expressiva, tanto
mais seu entorno social tenta compeli-la a suprimir sua própria vitalidade. (12). Esta supressão
pode manifestar-se tanto como tensão ou retração psicológicas quanto como dissociação
psicológica. Talvez sua influência em toda a estrutura possa manifestar-se como "doenças de
retirada", tais como dores nas costas, pescoço ou ombros, artrite, asma, alergias, fibromialgia,
bruxismo, hipertensão, disfunção sexual, e muitas outras, que freqüentemente fazem nossos
clientes apresentarem queixas.
Tanto quanto o Rolfing possa endereçar os aspectos fasciais e funcionais dos padrões de
tensão ou de retirada, é pouco provável que os padrões se resolverão completamente a menos
que o cliente ajuste o equilíbrio entre as demandas do entorno social e suas necessidades
individuais. Nestes casos, mudanças estruturais duradouras são menos prováveis de
acontecerem sem as necessárias mudanças comportamentais.
GUIA PARA O ROLFING DE ORIENTAÇÃO PROCESSUAL
Como, então, os rolfistas poderão abordar outros níveis de estrutura alem do nível fascial?
Embora não sejamos experts em química neuromotora, psiquiatras ou mentores espirituais,
para integrar as estruturas físicas dos nossos clientes de forma verdadeira, podemos e devemos
reconhecer e respeitar os níveis de estrutura além do equilíbrio fascial e da função
neuromotora. O que se segue são algumas linhas de orientação básica para como proceder
dentro do campo de ação de nossas práticas enquanto rolfistas.

1ª regra do Rolfing de orientação processual: deixe o cliente definir os objetivos do processo.


Idealmente o cliente é o capitão, e o rolfista é apenas o navegador, (pelo menos no final do
processo do Rolfing.). Freqüentemente os clientes chegam nos nossos consultórios esperando
que os consertemos. O primeiro desafio com estes clientes talvez seja o de engajá-lo como um
associado. A autoridade e a responsabilidade devem pertencer ao cliente pelo menos até o final
da série, se não antes. Afinal de contas, apenas o próprio cliente pode curar-se e crescer. No
entanto, o rolfista pode e deve ajudar o cliente a desenvolver objetivos adequados, expectativas
razoáveis e responsabilidade por seu próprio processo.
Isto requer uma certa humildade por parte do rolfista, que não deve agarrar-se à tentação de
fazer o papel de um "guru" ou pessoa "mágica" Precisamos entender que alguns clientes
tentarão nos convencer a assumir tais papéis como um jeito para justificar sua própria
passividade ou sua relutância de tomar para si a responsabilidade por seu próprio processo.

2ª regra do Rolfing de orientação processual: o processo de mudança estrutural revela-se a si


próprio.
É claro que é uma boa idéia ter um plano. Mas deveríamos estar disponíveis e preparados para
abandonar os nossos planos por uma boa razão. Qualquer organismo vivo, incluindo um
cliente de Rolfing, tem uma idéia do que deveria ser. Um rolfista não pode impor uma
mudança, mas apenas educar o cliente para a possibilidade de uma mudança e oferecer um
convite ao crescimento. E o crescimento não pode ser exatamente planejado porque a vida, se
ela e realmente "viva", é cheia de surpresas. Comece cada sessão perguntando-se, "o que quer
ser realizado aqui e agora?" Observe quais das muitas questões, nas diversas camadas
estruturais do cliente, apresenta a restrição mais óbvia, no sentido de que a atenção à esta
camada trará o ser total do cliente a um nível de funcionamento superior. O cliente poderá
revelar a resposta em qualquer um dos muitos níveis: por uma tensão fascial, um padrão de
movimento incompleto, mudanças autonômicas, linguagem corporal, ou uma expressão verbal
clara.
Uma observação potencialmente importante é a questão da "resistência". Em conexão com a
psicanálise, o conceito da "resistência" foi originalmente desenvolvido por Sigmund Freud;
mas Wilhelm Reich percebeu a importância de "trabalhar com a resistência". (13). Como
provoca mudanças que desafiam a auto percepção do cliente, o Rolfing também pode produzir
resistência. No contexto do Rolfing, a resistência pode se manifestar como uma contração
muscular voluntária e contrária à intenção do trabalho; cancelamentos de ultimo minuto;
desvalorização do rolfista; sintomas de dor com a mensagem que é o rolfista que os está
tornando piores, ou que o cliente está com medo do que poderia acontecer em seguida;
inclinação para o sofrer; fuga nas drogas ou atividade frenética; incapacidade de se lembrar do
que foi feito na sessão anterior ou não cumprir a "tarefa de casa"; ou medo de tornar-se mais
forte, mais livre, mais feliz, ou de ter mais sucesso, ou ainda de tornar-se mais erótico. A
resistência não é necessariamente um obstáculo; é um marco em direção ao progresso se ajudar
o rolfista a perceber o próximo passo no processo de crescimento. E mais ainda, se o cliente se
torna consciente de sua resistência, isto poderá ajudá-lo a conservar o trabalho feito.

3ª regra do Rolfing de orientação processual: equilibre suporte e desafio.


Quando Alfred Adler, um dos estudantes mais famosos de Freud, foi indagado a respeito de
como educar crianças, respondeu, "há uma coisa definitiva: o melhor que pode acontecer a
uma criança é o surgimento de um obstáculo que ela quase não consiga transpor." (14) Esta
afirmação é comumente interpretada no nível psicológico, mas poderíamos nos perguntar se a
metáfora estrutural/funcional de Adler deveria ser levada em considerada literalmente.
O insight de Adler certamente aplica-se ao Rolfing. Por outro lado, Rolfing com muito
estímulo, desafio e até mesmo dor, mas pouco suporte, poderá gratificar aqueles clientes que
desejam sentir qualquer coisa que seja. Chamamos este estilo de "Rolfing sado-masoquista".
Por outro lado, Rolfing com montes de apoio e poucos desafios poderá gratificar os clientes
infantilizados ou "detonados". Chamamos este estilo de "Rolfing nana-nenê". Embora ambos
os estilos possam produzir clientes satisfeitos, ambos podem render apenas resultados
estruturais limitados.
A história do Rolfing tem mostrado uma tendência de distanciamento do primeiro estilo em
direção ao segundo, que talvez corresponda a mudanças na sociedade como um todo, ou que
talvez esteja surgindo do nosso desejo de fugir da reputação do Rolfing ser bruto e doloroso.
No entanto, o nosso trabalho deveria incluir o elemento do desafio. Ele não apenas enriquece
o processo, mas também conserva um atributo fundamental ao próprio estilo da Ida Rolf. Ela
e Moshe Feldenkreis foram muito exigentes com seus clientes.

Não preciso de um amigo que acene com a cabeça quando estou acenando. Minha imagem no espelho faz isto
muito melhor. Goethe

4ª regra do Rolfing de orientação processual: além de integrar os resultados do trabalho na


gravidade, integre-os nos contextos funcional e social.
Se a fáscia fosse o único componente estrutural, o trabalho na mesa seria suficiente. Mas
porque não é, torna-se crucial tirar o cliente da mesa e levá-lo para o mundo. Precisamos
ajudar o cliente a integrar o trabalho de mesa não apenas no campo gravitacional, mas algumas
vezes também no âmbito do social e do relacional. É claro, deveríamos ensinar o cliente a
manter a liberação das restrições na gravidade; sentir os espaços interno e externo e o
aprofundamento da respiração recentemente adquiridos; e a reconhecer as sensações de soltar-
se através do assoalho pélvico para os pés ao mesmo tempo que se permite o lift para o alto.
Aqui, o sentar, o ficar de pé e o andar podem tornar-se muito mais do que apenas ferramentas
de avaliação. Empregados como parte da sessão, tornam-se tão importantes quanto o trabalho
de mesa.
Ao mesmo tempo, podemos reconhecer e dar suporte às expressões de incômodo,
sentimentos ou medos que as mudanças físicas e proprioceptivas possam induzir, por exemplo
como o medo de perder o controle ou de firmar-se, de sentir-se feio por ter barriga, de
sensações sexuais incomuns pelo relaxamento do assoalho pélvico, de vulnerabilidade por
conta de um peito mais aberto, e incontáveis outros.
Aqui é de grande ajuda alocar tempo no começo e no final de cada sessão, e no final da série,
para a integração verbal. Nós somos criaturas de linguagem, e a verbalização nos ajuda a
concretizar e a tomar posse de nossas experiências. Ela também pode ajudar o cliente a
integrar a sua experiência física com outras camadas de seu ser, e a assumir a responsabilidade
por seu processo. Finalmente, a integração verbal pode ser usada para fazer o fechamento de
uma série de sessões de Rolfing. Tudo isto requer habilidade e experiência consideráveis do
rolfista, mas uma escuta atenta e um simples “espelhar” já são um bom começo.

O ROLFING DE ORIENTAÇÃO PROCESSUAL AINDA É ROLFING?


O Rolfing pode tornar-se extinto de duas maneiras: pela adesão à ortodoxia estreita ou pela
absorção exagerada de técnicas afins com conseqüente perda de limites. Podemos chegar ao
equilíbrio entre estas duas possibilidades extremas através da generalização das idéias de Ida
Rolf ao mesmo tempo que permanecemos enraizados no trabalho tradicional. Embora Ida
Rolf tenha admitido que “o reconhecimento compreensivo da estrutura humana inclui não
apenas a pessoa física mas no fim também sua personalidade psicológica – comportamento,
atitudes, (e) capacidades” (15), muitos rolfistas entendem a “estrutura” somente como a rede
fascial. Esta visão limita tanto a compreensão quanto a eficiência. Nós acreditamos que o
conceito de estrutura torna-se mais poderoso através da consideração de outros fatores além
da fáscia, ao mesmo tempo que se mantém o foco no corpo físico que se move na gravidade (e
aliás, também na inércia, que será objeto de um futuro artigo.).
Se por exemplo dizemos que as pernas estão congruentes com a coluna, estamos falando na
linguagem do Rolfing clássico. Se acrescentamos que a estrutura fascial é congruente com o
padrão de caminhada do cliente, nós incorporamos a linguagem da integração pelo movimento
Rolf. Mas com o Rolfing de orientação processual, podemos ir além, e discutir como sendo
elementos da estrutura aqueles fatores que contribuem para a formação ou manutenção dos
padrões fasciais, tais como configurações posturais e funcionais aprendidas, auto-definição,
linguagem corporal, hábitos emocionais, e exigências do entorno social. Podemos então dizer
que o comportamento do cliente também é congruente com sua estrutura fascial. Embora
muitos rolfistas já teçam estas considerações, esta abordagem deveria ser sistemáticamente
investigada.
Monica Caspari e Adjo Zorn são rolfistas estruturais e de movimento.

NOTAS
1. A discussão que segue é derivada da moderna Teoria dos Sistemas, que endereça-se às
condições de estabilidade nos sistemas complexos. Como na medicina tradicional chinesa,
conceitos de “causa e efeito” têm aplicabilidade limitada aqui. Na Teoria dos Sistemas,
“estrutura” significa aquilo que é quase-estável num sistema de “caos ordenado”, tal como
o corpo humano. “Não existe tal coisa como causa e efeito. Existem padrões de co-
existência” Ida P. Rolf, conforme citada em Rolf Lines, Nov/Dez 1988, p.7.
2. Lorenz, Konrad, Über tierisches und menschliches Verhalten, Piper 1964.
3. Por exemplo, num número recente do The Journal of the British Medical Society,
neurologistas reportaram pesquisa feita com praticantes experientes de meditação. A porção
do cérebro que continha a representação interna ficava inativa durante a meditação, o que
poderia explicar as experiências relatadas pelos sujeitos de “deixar o espaço e o tempo”.
Para referências, contate zorn@rolfing.de.
4. Veja Talking to Fascia – Changing the Brain, Rolf Institute, Boulder, Co., 1994.
5. Ida P. Rolf, conforme citada em Rolf Lines, Spring 1992, p.62.
6. Cottingham, John, et al.: “Effects of Soft Tissue Mobilization – Rolfing Pelvic Lift on
Parasympathetic Tone”, Am. J. Physiology, vol. 68(3), 352-356, 1988.
7. Para algumas idéias básicas de como equilibrar o sistema nervoso auntônomo, veja o
artigo “Rolfing, Estresse e o SNA”, publicado em português nos números de abril e junho
de 2001 do Rolfing Brasil, e em alemão no site wwwB.de/stress.htm
8. Veja seu trabalho concernente ao comportamento dos chimpanzés, gorilas e bonobos,
i.e., Jane Goodall, Chimpanzee Family Book, North-South Books, 1997; Dian Fossey,
Gorillas in the Mist, Houghton Mifflin, Wilmington, MA, 1988; Frans de Waal,
Chimpanzee Politics, Power and Sex Among Apes, John Hopkins University Press, 1998.
9. Erikson, Erik H., Identity and Life Cycles, International University Press, Madison, CT,
1967.
10. Veja, V.Ramachandram e S. Blakeslee, Phantoms in the Brain: Probing the Mysteries
of the Human Mind, 1998..
11. De memória por Adjo Zorn, que participou de vários workshops ensinados por Myron
Sharaf.
12. Miller, Alice, The Drama of the Gifted Child, Harper Collins, New York, NY, 1996.
13. Reich, Wilhelm, Characteranalyse, S. Fischer, Frankfurt, Germany, 1928/1976.
14. Adler, Alfred, Vom Umgang mit Sorgenkindern, S. Fischer, Frankfurt, Germany,
1930/1979.
15. Rolf, Ida P., Rolfing: Reestablishing the NaturalAlignment and Structural Integration of
the Human Body for Vitality and Well-being, Healing Arts Press, Rochester, VT, 1989.

***

ROLFING BRASIL N. 11, São Paulo, SP, julho de 2003, pp. 9-14
AUTORES: Caspari, Monica
Zorn, Adjo

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