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A alma do homem com todas as correntes de água viva pura parece habitar as fáscias de seu corpo.
Quando você lida com a fáscia, você lida e faz negócios com as filiais do cérebro, e de acordo com a regra geral da
corporação, faz o mesmo com o cérebro em si, e porque não tratá-lo com o mesmo grau de respeito.
Andrew Taylor Still, 1899
NÍVEIS DE ESTRUTURA
Coordenação
Na década de 60, o biólogo prêmio Nobel Konrad Lorenz descreveu uma representação
precisa do corpo físico e de suas propriedades funcionais no córtex motor. ² Desde então a
pesquisa posterior deu suporte a este ponto de vista; ³ e agora é comumente aceito que nosso
cérebro não apenas "mapeia" nosso corpo, mas que também o cérebro trabalha ativamente
para manter a forma do corpo congruente com o mapa. Na comunidade do Rolfing, a relação
íntima da estrutura fascial e do córtex motor tem sido explorada por Hubert Godard no seu
trabalho relativo a Função Tônica, e por Robert Schleip. (4) Na verdade estas funções
cerebrais são estruturais. Como Peter Schwind já comentou, "trabalhar com um corpo
anestesiado é como trabalhar com um pneu murcho"; um rolfista tornar-se-á mais eficiente se
reconhecer que a representação interna é afetada.
Sabemos durante as sessões que a representação interna mudou quando o cliente experiencia
mudanças proprioceptivas maiores. Por exemplo, os clientes freqüentemente "descobrem"
partes do corpo que antes estavam ausentes de sua consciência. Ou o cliente talvez tenha que
re-mapear uma relação, como a mulher que exclama, "desde que você trabalhou nos meus
ombros e pescoço, não consigo mais encontrar os furinhos para os meus brincos sem usar um
espelho!"
A importância estrutural da representação interna também pode lançar alguma luz no
fenômeno de que formas corporais diferem com a geografia. Por exemplo, uma garota
brasileira cujo lugar predileto seja a praia pode ter "aprendido" a anteversão com deslocamento
posterior da pélvis para adaptar-se ao padrão cultural desejável. Uma vez que a atitude
aprendida se estabeleceu tanto nas suas fáscias quanto no seu cérebro, ela se torna "estrutural".
Neste ponto, é difícil distinguir as preferências estruturais mecânicas das neurológicas. As
mãos do rolfista irão tratar as questões fasciais; mas a menos que o componente neuromotor
seja abordado e que o cliente adquira uma compreensão de como as preferências fasciais
surgiram em primeiro lugar, o mais provável é que a cliente volte ao seu padrão anterior. Neste
sentido, o "Rolfing não é uma técnica de manipulação. É um sistema de educação." (5)
Emoções
A maioria dos rolfistas aceita que o músculos e fáscias possam "conter" lembranças e emoções
do passado. Assim naturalmente, os clientes às vezes experienciam emoções quando fixações
antigas nas fáscias, articulações ou vísceras são liberadas. Freqüentemente os clientes parecem
experenciar uma combinação de alívio e tristeza ao encontrar o espaço que foi perdido há
muito tempo. Por outro lado, porque os hábitos emocionais são estruturas, medo ou evitação
das emoções pode levar a reversão às posturas habituais. Por outro lado, o reconhecimento
pelo cliente, da correlação entre as estruturas física e emocional pode tanto potencializar as
mudanças físicas quanto evitar a reversão. Mas para o cliente conquistar este reconhecimento,
é importante que o rolfista esteja alerto e aberto em relação ao nível emocional. Isto significa
reconhecer a importância deste componente estrutural "não-concreto". Ao mesmo tempo
devemos tratar as emoções apenas como um aspecto da estrutura , e não aumentar ou
subestimar sua importância no todo. Isto, por sua vez, requer que o rolfista tenha algum grau
de abertura e compreensão em relação ao seu próprio processo emocional.
Se você não atingir o sistema nervoso, você não terá sucesso. Ida P. Rolf
O equilíbrio do tônus no sistema fascial corresponde ao equilíbrio entre os ramos do sistema
nervoso autônomo. A dominação crônica do simpático gera musculatura esquelética
hipertônica, respiração superficial, circulação periférica diminuída e peristaltismo inibido, e a
dominação crônica do parassimpático gera inflamações das articulações e tendões, e um
esforço muscular aumentado para vencer a resistência do fluxo de ar aos pulmões. Conforme
foi demonstrado pelo trabalho de Jeff Maitland e John Cottingham, (6) o Rolfing melhora o
equilíbrio entre o simpático e o parassimpático (embora freqüentemente isto aconteça
acidentalmente ao invés de sistematicamente). Nós gostaríamos de obter estes resultados
baseados na nossa compreensão do SNA e na promoção dos objetivos estruturais, ao invés do
mero acaso. (7)
Biossociologia
Não estamos verdadeiramente eretos, de pé; estamos a penas a caminho de ficarmos eretos. Esta é uma
consideração metafisica. Uma das tarefas do rolfista é acelerar este processo. Ida P. Rolf
Nós humanos usamos nosso corpo, incluindo as estruturas fasciais, para transmitir uns aos
outros mensagens sociais não verbais. Nossos ancestrais macacos viveram em grupos sociais
por uma eternidade, o que sugere que a linguagem corporal é muito mais antiga do que a
linguagem verbal. Foi apenas recentemente que o comportamento dos nossos parentes mais
próximos em seus ambientes naturais tornou-se objeto da pesquisa cientifica (particularmente
por Jane Godall e Frans de Waal). (8) A linguagem corporal dos grandes símios, tanto em
termos da intenção quanto do significado, assemelha-se com alguns comportamentos
humanos, e sua linguagem corporal é prontamente compreendida pelos humanos. Desta
forma, os humanos carregam consigo não apenas o "cérebro reptiliano", mas também aquilo
que podemos chamar de "cérebro" dos grandes símios, pelo menos em relação a nossa
comunicação e comportamento social.
A maneira como uma pessoa em particular pode usar a estrutura enquanto um meio de
comunicação não é necessariamente congruente com a postura ereta ideal. Portanto, se
ignorarmos a linguagem corporal poderemos perder ou interpretar erroneamente as questões
estruturais relacionadas a ela. Por exemplo, se um cliente não consegue olhar diretamente nos
olhos dos outros, as mudanças induzidas pelo Rolfing irão desafiar além do sistema fascial do
cliente. Deveríamos ao menos contemplar a possibilidade de que as características estruturais
ou funcionais possam ter um significado social para uma pessoa em particular, e incluir
consistentemente a linguagem corporal na nossa leitura e estratégias. Embora possamos
observar repetidas correlações entre questões estruturais particulares e seus significados em
pessoas de contextos culturais similares, não devemos esquecer que a semântica da linguagem
corporal varia entre as diferentes culturas.
Sentido do Self
O modo como você caminha através da sala é o modo como você caminha pela vida. Vivian Jaye
Uma pessoa mentalmente saudável tem uma definição internalizada do self. Erik H. Erikson
mostrou que este senso do self relaciona-se com a auto-estima e independência, e influencia a
habilidade de encontrar amor e trabalho na sociedade (9). Parte da auto-identidade manifesta-
se como uma sensação-sentida (felt-sense) no corpo. A discussão a respeito do que estabelece
o senso do self evoluiu de algo puramente filosófico para algo mais concreto no campo da
neurociência. Recentemente, neurocientistas como Antonio Damasio e Vilaynur
Ramachandran têm explorado extensivamente esta questão, e postulam que uma das coisas que
estabelece o "self" é a sua "corpação"1 específica; em outras palavras, o "self" sempre se
relaciona com a imaginação de seu corpo particular. (10) Se a sensação-sentida (felt-sense) do
corpo é alterada, a pessoa pode sentir-se temporariamente estranha ou não-natural. Mas como
Myron Sharaf, um dos alunos mais brilhantes de Wilhelm Reich, costumava dizer em seus
workshops, "Se dá a sensação de ser incomum, pode ser curativo". (11)
As mudanças físicas induzidas pelo Rolfing apresentam desafios à auto-identidade física do
cliente, que pode por sua vez afetar o senso do self noutros contextos. Precisamos estar
conscientes do alcance potencial do desafio e estar preparados para tentar ajudar o cliente a
1 N.T. "corpação/corpar": aprendemos com Regina Favre este neologismo que converge melhor
para o português a idéia do "embodyment/to embody" do que as palavras incorporação/incorporar.
(Monica Caspari)
aceitar e depois resolver quaisquer desconfortos, (tais como medo ou dor de crescimento) e
então integrar os insights noutras dimensões. Ao mesmo tempo, o Rolfing apresenta uma
grande oportunidade porque o senso do self pode ser rápida e fortemente desafiado no nível
físico.
Energia
Usamos aqui o termo "energia" para descrever a intensidade, ou a densidade energética, de
processos metabólicos. O nível energético geral de uma pessoa também pode ser chamado de
"vitalidade" ou "força de vida". É aquilo que tanto leva e capacita a pessoa a lutar pelo sucesso,
quanto para cultivar-se, para se movimentar, para desfrutar de alguma forma de arte, para
brincar, para amar e ter sexo gratificante, e para criar algo que vá durar além do seu tempo de
vida. A densidade energética é claramente afetada por estados mentais e emocionais. Por
exemplo, a energia envolvida é maior numa pessoa engajada, feliz, do que numa pessoa que é
alienada, triste. Mas também é fortemente influenciada pelas funções dos sistemas hormonal,
imunológico e neurológico; i.e., o grau de flexibilidade na musculatura está relacionado ao
metabolismo, o qual por sua vez depende destes outros sistemas.
Biologicamente, uma densidade energética maior é geralmente uma coisa boa; mas isso não é
necessariamente verdadeiro socialmente. A psicóloga Alice Miller fez um estudo convincente
para a proposição de que quanto mais uma criança é vital, independente e expressiva, tanto
mais seu entorno social tenta compeli-la a suprimir sua própria vitalidade. (12). Esta supressão
pode manifestar-se tanto como tensão ou retração psicológicas quanto como dissociação
psicológica. Talvez sua influência em toda a estrutura possa manifestar-se como "doenças de
retirada", tais como dores nas costas, pescoço ou ombros, artrite, asma, alergias, fibromialgia,
bruxismo, hipertensão, disfunção sexual, e muitas outras, que freqüentemente fazem nossos
clientes apresentarem queixas.
Tanto quanto o Rolfing possa endereçar os aspectos fasciais e funcionais dos padrões de
tensão ou de retirada, é pouco provável que os padrões se resolverão completamente a menos
que o cliente ajuste o equilíbrio entre as demandas do entorno social e suas necessidades
individuais. Nestes casos, mudanças estruturais duradouras são menos prováveis de
acontecerem sem as necessárias mudanças comportamentais.
GUIA PARA O ROLFING DE ORIENTAÇÃO PROCESSUAL
Como, então, os rolfistas poderão abordar outros níveis de estrutura alem do nível fascial?
Embora não sejamos experts em química neuromotora, psiquiatras ou mentores espirituais,
para integrar as estruturas físicas dos nossos clientes de forma verdadeira, podemos e devemos
reconhecer e respeitar os níveis de estrutura além do equilíbrio fascial e da função
neuromotora. O que se segue são algumas linhas de orientação básica para como proceder
dentro do campo de ação de nossas práticas enquanto rolfistas.
Não preciso de um amigo que acene com a cabeça quando estou acenando. Minha imagem no espelho faz isto
muito melhor. Goethe
NOTAS
1. A discussão que segue é derivada da moderna Teoria dos Sistemas, que endereça-se às
condições de estabilidade nos sistemas complexos. Como na medicina tradicional chinesa,
conceitos de “causa e efeito” têm aplicabilidade limitada aqui. Na Teoria dos Sistemas,
“estrutura” significa aquilo que é quase-estável num sistema de “caos ordenado”, tal como
o corpo humano. “Não existe tal coisa como causa e efeito. Existem padrões de co-
existência” Ida P. Rolf, conforme citada em Rolf Lines, Nov/Dez 1988, p.7.
2. Lorenz, Konrad, Über tierisches und menschliches Verhalten, Piper 1964.
3. Por exemplo, num número recente do The Journal of the British Medical Society,
neurologistas reportaram pesquisa feita com praticantes experientes de meditação. A porção
do cérebro que continha a representação interna ficava inativa durante a meditação, o que
poderia explicar as experiências relatadas pelos sujeitos de “deixar o espaço e o tempo”.
Para referências, contate zorn@rolfing.de.
4. Veja Talking to Fascia – Changing the Brain, Rolf Institute, Boulder, Co., 1994.
5. Ida P. Rolf, conforme citada em Rolf Lines, Spring 1992, p.62.
6. Cottingham, John, et al.: “Effects of Soft Tissue Mobilization – Rolfing Pelvic Lift on
Parasympathetic Tone”, Am. J. Physiology, vol. 68(3), 352-356, 1988.
7. Para algumas idéias básicas de como equilibrar o sistema nervoso auntônomo, veja o
artigo “Rolfing, Estresse e o SNA”, publicado em português nos números de abril e junho
de 2001 do Rolfing Brasil, e em alemão no site wwwB.de/stress.htm
8. Veja seu trabalho concernente ao comportamento dos chimpanzés, gorilas e bonobos,
i.e., Jane Goodall, Chimpanzee Family Book, North-South Books, 1997; Dian Fossey,
Gorillas in the Mist, Houghton Mifflin, Wilmington, MA, 1988; Frans de Waal,
Chimpanzee Politics, Power and Sex Among Apes, John Hopkins University Press, 1998.
9. Erikson, Erik H., Identity and Life Cycles, International University Press, Madison, CT,
1967.
10. Veja, V.Ramachandram e S. Blakeslee, Phantoms in the Brain: Probing the Mysteries
of the Human Mind, 1998..
11. De memória por Adjo Zorn, que participou de vários workshops ensinados por Myron
Sharaf.
12. Miller, Alice, The Drama of the Gifted Child, Harper Collins, New York, NY, 1996.
13. Reich, Wilhelm, Characteranalyse, S. Fischer, Frankfurt, Germany, 1928/1976.
14. Adler, Alfred, Vom Umgang mit Sorgenkindern, S. Fischer, Frankfurt, Germany,
1930/1979.
15. Rolf, Ida P., Rolfing: Reestablishing the NaturalAlignment and Structural Integration of
the Human Body for Vitality and Well-being, Healing Arts Press, Rochester, VT, 1989.
***
ROLFING BRASIL N. 11, São Paulo, SP, julho de 2003, pp. 9-14
AUTORES: Caspari, Monica
Zorn, Adjo