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Fenomenologia – Husserl,

Heidegger e Merleau-Ponty
Curso de Especialização em Psicologia
Humanista-Existencial - UNESA

Prof. Anderson Nunes Pinto


Anderson Nunes Pinto
• andernup@gmail.com
• (21) 9838 - 14297
Doutor em Educação em Ciências e Saúde NUTES /
UFRJ
Chefe do Serviço de Psicologia do HUCFF / UFRJ
Coordenador do Curso de Especialização em
Psicologia Hospitalar
Psicólogo e psicoterapeuta fenomenológico-
existencial
Existencialismo

Essência Existência
• Permanência • Devir ou vir-a-ser
• Determinações • Autodeterminação
• Necessidades • Possibilidades
• Estrutura • Projeto
• Identidade • Ser em questão enquanto
• O fixo existe
• O fechado • O móvel
• O aberto
Fenomenologia

Ciências • Alfred Schutz


Sociais • Etnografia

• Psiquiatria: Jaspers,
Minkowisk, Laing
Medicina • Neurologia: Kurt
Goldstein

• Psicologia da Gestalt
• Dinâmica de Grupos (Kurt
Lewin)
Psicologia • Erich Fromm
• Lacan
Edmund Husserl – dados biográficos
• Nasce em 1859 em Prossnitz (República
Tcheca)
• Filho de uma família judia liberal indiferente
para com a religião e que lhe dá ótima
educação
• Porém era considerado um aluno pouco
estudioso e ambicioso, conhecido por dormir
em sala de aula
• Ainda assim, cedo manifesta seu talento e
interesse pela Matemática
• Aos 17 anos vai para a Universidade de Leipzig
e de Berlim estudar Matemática, Astronomia,
Física e Filosofia (Alemanha)
• Tem suas primeiras aulas de Filosofia com
William Wundt
• Transfere-se para a Universidade de Viena
onde tem como colega de classe Sigmund
Freud
• “Converte-se” para a Filosofia com Franz
Brentano
• Aos 28 anos converte-se ao cristianismo e
torna-se luterano
• No ano seguinte, casa-se com Malvine
Steinschneider, com quem tem três filhos
• Ingressa na Universidade de Halle onde se
torna assistente do psicólogo Carl Stumpf
• 1900-1901: Agora na Universidade de
Göttingen, publica “Investigações lógicas” e
reúne o primeiro grupo de adeptos da
Fenomenologia
• 1906: É negado a ele o título de professor
titular sob a alegação de que sua obra
“carece de importância científica”. Mergulha
em profunda crise
“Mencionarei em primeiro lugar a tarefa geral que
tenho de resolver se pretendo chamar-me filósofo:
realizar uma crítica da razão. (...) Sem haver pensado,
esboçado, averiguado e demonstrado uma visão
dessa crítica, não posso viver sinceramente. Já provei
bastante os suplícios da obscuridade, da dúvida que
vacila de lá para cá. Preciso atingir uma íntima
firmeza. Sei que se trata de algo grande, imenso; sei
que gênios fracassaram nessa empreitada (...) Não
quero comparar-me com eles, mas não posso viver
sem clareza.”

25/09/1906, agenda pessoal


• 10 anos depois, finalmente assume uma
cátedra na Universidade de Friburgo. Passa a
ter como assistente Martin Heidegger
• Mesmo aposentado e continua pesquisando
até ser demitido pelo seu ex-pupilo e então
Reitor Heidegger por ordem do Partido
Nazista
• Morreu em 1938 em Friburgo (Alemanha)
“Toda
consciência é
consciência de
algo”

Edmund Husserl
A Fenomenologia como
“neocartesianismo”
• Husserl tem como principal questão a
possibilidade da certeza
• Ele quer fazer da Filosofia uma ciência
rigorosa e um método de fundamentação de
todas as ciências
• Sei interesse pela Matemática está
relacionada a isso
• Porém ele entende que o caminho da “razão
pura” é insuficiente
A Fenomenologia como
“neocartesianismo”
• Para Husserl, há uma crise no pensamento
europeu: o declínio do Idealismo e a emergência
do Positivismo ameaçava a Filosofia de morte
• Husserl, provocado por Brentano, percebe a
insuficiência das ciências, especialmente as
ciências humanas e a Psicologia
• O que ele censura nelas é ter tomado para si os
métodos das ciências da natureza
• Também censura as ciências da natureza por se
contentarem com a descoberta de causas sem
esclarecer o seu objeto
A Fenomenologia como
“neocartesianismo”
• Crítica ao psicologismo: as leis lógicas não
podem fundamentar-se na Psicologia
• Crítica ao naturalismo: a natureza não é a única
realidade e nem a consciência é um epifenômeno
• Crítica ao historicismo: a verdade não é relativa
de acordo com as circunstâncias históricas
• Em Husserl, o psiquismo não é coisa, mas
fenômeno
• Assim sendo, ele retoma a questão de Descartes,
mas propõe outro método
A Fenomenologia como
“neocartesianismo”
• “Meditações Cartesianas” (1931): obra na qual
faz a crítica mais radical a Descartes
• Nela Husserl expõe que a dúvida metódica aplica-
se ao próprio eu: caso contrário, o filosofar torna-
se solipsista
• Para Descartes, a consciência é como uma caixa
de ressonância dentro da qual dialoga consigo
mesma
• Além disso, o mundo não passaria de uma
hipótese passível de verificação racional
A Fenomenologia como
“neocartesianismo”
• Mas enquanto Descartes coloca em suspenso o
mundo, Husserl coloca em suspenso o próprio
sujeito
• Então, ainda que tendo o mesmo ponto de
partida, Husserl distancia-se de Descartes
radicalmente
• Husserl tenta demonstrar que ao se radicalizar o
princípio cartesiano do voltar-se a si mesmo é
impossível não se voltar para o próprio mundo
• É impossível duvidar da existência do mundo:
mundo e sujeito encontram-se na consciência
como uma totalidade indissolúvel
Consciência
• Fenômeno (phenomenon): aquilo que se mostra
por si mesmo, mas não é mera aparência
• Fenômeno = aquilo que se mostra a consciência =
vivência
• Como a vivência depende da consciência
individual, o conhecimento produzido a partir do
fenômeno é construído
• O fenômeno não apresenta fatos nem dados
puros, mas constructos
• A Fenomenologia é uma descrição da estrutura
do fenômeno
Consciência
• Consciência é intencionalidade
• Intencionalidade: toda consciência é movimento
para fora de si mesma
• A consciência é intencional, ou seja, não existe
consciência sem objeto. A “consciência em si” é
um nada
• A consciência existe como um ato vivencial
(vivência). Não é um lugar, um depósito.
Portanto, não pode ser dividida
• Ego Cogito Cogitatum: “eu penso o pensado”
Consciência
• Noesis: os diversos atos ou visadas da
consciência (percepção, imaginação, emoção,
recordação, ideação, etc)
• Noema: as coisas visadas pela consciência
• Cada visada da consciência revela uma região do
ser (percepção – percebido; imaginação –
imaginado, etc.)
• Regiões do ser: dos objetos naturais, dos objetos
matemáticos, dos valores morais, etc.
• A Fenomenologia é uma ontologia regional na
medida em que trata o ser em suas diferentes
regiões
A intuição das essências
• O fenômeno não é uma película de
impressões ou uma cortina atrás da qual se
esconde o mistério da coisa em si
• O fenômeno manifesta a sua essência através
de diversas visadas
• A intuição da essência do fenômeno se dá
independente de suas manifestações
particulares
A intuição das essências
• A intuição é o meio pelo qual se pode chegar
às essências dos fenômenos
• A intuição é pré-racional: acontece antes das
operações racionais
• O intuído pode ser submetido à razão, mas
somente depois de ser dado à consciência
pela intuição
Redução fenomenológica
• Redução fenomenológica: o modo de acesso
aos fenômenos é “ir às coisas mesmas”
• Visa descrever com rigor e explicitar a
essência do fenômeno: o significado
• Só é possível chegar ao fenômeno como ele se
apresenta e não através de sistemas de
verdade e suas premissas ou hipóteses
tomadas como ponto de partida
Redução fenomenológica
• Também chamada Epoché: “colocar entre
parênteses” em grego
• É a operação pela qual a existência efetiva do
mundo exterior é “posta entre parênteses”
• A redução suspende a “tese do mundo”:
aceitação ingênua de que as coisas são como
parecem ser
• Não deve ser confundido com negação ou
restrição do mundo
• Atitude natural: a atitude cotidiana de “tese do
mundo”
Redução fenomenológica
• Diante de um fenômeno, o sujeito deve estar
atento a todos os seus próprios pressupostos
(ideias, crenças, valores, intenções prévias)
• Deve, então, abandonar temporariamente os
seus pressupostos e apreender o fato da
forma mais pura possível
• A partir daí, descrever as características do
fato observado em todas as suas variações
Redução fenomenológica
• Ao serem identificadas as variações do
fenômeno, parte-se para buscar a sua
essência empírica: o invariável na aparência
• Finalmente, busca-se a essência pura do
fenômeno: o invariável no significado
• Ao se atingir este ponto, dá-se ao sujeito a
certeza sobre o fenômeno: sua evidência
apodítica
Redução fenomenológica
• Há dois níveis ou momentos da redução
• Redução eidética: É o primeiro momento.
Consiste em buscar o significado ideal e não
empírico do mundo
• Redução transcendental: Visa a essência da
própria consciência como constituidora das
essências ideais.
• As coisas caracterizam-se pelo seu
inacabamento, pela possibilidade de novas
visadas
• As ideias ou conceitos caracterizam-se por seu
aspecto universal, total e acabado
Redução fenomenológica
• Variação imaginária ou eidética: atividade
que procura captar na multiplicidade infinita
dos esboços e perspectivas a unidade de
sentido
• A redução absoluta é impossível
Eu Transcendental
• O Eu Transcendental não é uma substância,
mas o resultado final de todas as reduções
• É o fundamento e origem de toda significação
• É a consciência que inicialmente é
inconsciente de si, embora sempre consciente
de algo
• O Eu Transcendental depende da inter-relação
com outros “eus” a fim de validar o que
parece desvelar a essência do fenômeno
Eu Transcendental
• Ele combate o solipsimo cartesiano não
apenas rompendo com o dualismo
ontológico, mas também instaurando como
critério último de certeza a intersubjetividade
• O produto da explicitação de um fenômeno é
confrontado com outros produtos possíveis:
somente então é possível defini-lo na forma
de um conceito abstrato universal
Cubo mágico
Cubo mágico
Cubo mágico
Nona sinfonia de Beethoven
Nona sinfonia de Beethoven
Nona sinfonia de Beethoven
Nona sinfonia de Beethoven
Árvore
O que é árvore para o negociante?
E para a pessoa cansada?
E para o biólogo?
O isqueiro tradicional
O isqueiro popular
Ainda é um isqueiro?
Ainda é um isqueiro?
Isqueiro é um objeto material de
natureza físico-química feito pelo
homem para acender cigarros.

A essência pura!
Fenomenologia
Atitude natural Atitude fenomenológica

• O mundo é natural, • O mundo é percebido,


simplesmente dado vivência
• Senso comum, ciência, • Manter-se no
religião, ideologias, etc estranhamento,
desnaturalizar
Fenomenologia
Teorias Epochè

• Representações de coisas • As coisas mesmas


• Generalização possível a • Suspensão de juízos de
partir de casos individuais qualquer natureza
• Pretende estabelecer leis • Tematizar e compreender a
universais essência dos fenômenos
• Linguagem própria para • Permitir que os fenômenos
demonstrar se mostrem na sua própria
linguagem
Heidegger – dados biográficos
• Nasce em 1889 em Messkirch (Alemanha)
• Proveniente de uma família de pequenos
fazendeiros e artesãos
• Seu pai era sacristão e sua mãe, filha de um
fazendeiro
• Logo interessa-se por religião e torna-se
noviço jesuíta
• Aos 20 anos ganha uma bolsa para estudar
Teologia na Universidade de Friburgo
• Aos 22 anos desiste de estudar Teologia e vai
estudar Filosofia
• Descobre “Investigações Lógicas” de Husserl e
este se torna o seu livro de cabeceira durante
dois anos
• Aos 26 anos inicia carreira docente
• Torna-se assistente de Husserl, que logo o tem
como seu sucessor intelectual
• É convocado para uma unidade meteorológica. É
impactado com os horrores da guerra e sua fé
em Deus esmorece
• De volta à universidade, graças ao prestígio de
Husserl, torna-se professor adjunto aos 33 anos
• 1927: Lança a sua obra fundamental “Ser e
Tempo” que nunca será concluída e que é
dedicada a Husserl
• No ano seguinte, assume a cátedra do seu
mestre
• 1933: Assim que os nazistas chegam ao poder
na Alemanha, Heidegger filia-se ao Partido
Nazista e é nomeado Reitor da Universidade de
Friburgo. Proibiu a propaganda antissemita
• Heidegger era nacionalista e acreditava que a
Alemanha devia buscar um caminho próprio,
independente dos EUA e da União Soviética
• No fim da II Guerra, é proibido de lecionar
pelos aliados. Retorna a atividade apenas 11
anos depois
• A partir daí percorre o mundo como
conferencista e tem a sua obra amplamente
reconhecida
• 1959-1969: Sob a coordenação do psiquiatra
Medard Boss, realiza seminários para médicos
e psicoterapeutas em Zollikon
• Morre em 1976 em Friburgo (Alemanha)
A questão do ser
• Heidegger considera que a questão do ser tinha sido
esquecida na história da Filosofia
• Ele se propõe a retomá-la, porém não do modo como
até então ela havia sido abordada
• Usa a Fenomenologia como método e, assim, deixa de
lado pressupostos metafísicos
• Porém, ele recusa a ideia de um eu transcendental:
sua Fenomenologia será Hermenêutica
• Assim sendo, ele entende que deve partir do único
ente que levanta a questão do ser: o homem
• Passa, então, a descrever fenomenologicamente a
existência humana: a analítica do Dasein
Dasein
• Da-sein = ser-aí
• É o próprio ser do ente humano, do existente
• É a possibilidade concreta e total da existência
individual
• A essência do ser que ele é reside na sua
existência
• Está colocado entre a inautenticidade e a
autenticidade
• Existenciais: estruturas ontológicas do Dasein,
condições de possibilidade da existência humana
Ser-no-mundo
• É o fenômeno primordial do Dasein, tal como ele
se apresenta em um dos seus modos possíveis
• É a condição de sempre ser lançado e existir
dentro de um mundo
• Não se trata de estar fisicamente no mundo
natural, mas de constituir e ser constituído na
relação com aquilo que lhe vem ao encontro
• Cada um possui um mundo próprio, que é
também um mundo compartilhado
Ser-no-mundo
• O Dasein sempre se encontra em sua
facticidade, ou seja, marcado pela
contingência
• Pode ser considerado nos três aspectos: o
mundo, o ser do existente e o ser-em
• Ser do existente: o Dasein submetido à
cotidianidade
• Ser-em: a condição de ser inserido em alguma
situação concreta
Mundo
• Mundo: é todo conjunto exterior ao eu
• Sua ligação ao eu é constitutiva do próprio eu
• O mundo do Dasein é o conjunto dos objetos
que correspondem às suas necessidades
• Seu sentido e inteligibilidade são conferidos
pelo Dasein
• É aquilo a partir do qual o Dasein se mostra o
que é
Transcendência / existencialidade
• O homem não existe no sentido de ser um ente
simplesmente dado
• O Dasein só pode existir se ultrapassando, indo
além de si mesmo
• Isto significa sair da existência bruta e situar-se
no mundo
• Corresponde a constituição de um ser-no-mundo
• Contudo, jamais pode sair dos limites do mundo
em que se encontra inserido
Liberdade
• A liberdade é ontológica, ou seja, é própria do
ser do homem. Assim sendo, ela é
incondicional.
• A liberdade existencial consiste na sua
indeterminação fundamental. O ser do
homem não é predeterminado.
• Tal liberdade é vivida sempre em situação, ou
seja, dentro de possibilidades finitas,
limitadas pelas condições históricas e naturais.
Liberdade
• Trata-se da liberdade de poder ser, de abrir-se ou
fechar-se àquilo que lhe vem ao encontro, de
posicionar-se e projetar-se no mundo.
• A liberdade é exercida por meio de escolhas, mas
não necessariamente escolhas refletidas. Seja
como for, sempre implica em responsabilidade
pelo que se é.
• É possível viver como se não fosse livre e fazer
escolhas contra a liberdade. Mas “escolher não
escolher” já é uma escolha.
Espacialidade
• Espaço físico: tridimensional absoluto,
constante e em repouso
• A espacialidade refere-se a modos possíveis
de espacializar-se no mundo
• Tem simultaneamente o caráter de
aproximação e de estruturação
• Permite uma elasticidade e uma mobilidade
que aproxima e estrutura os objetos
Temporalidade
• Tempo: fluxo contínuo e imutável
• A temporalidade refere-se aos modos
possíveis de temporalizar-se no mundo
• Êxtases da temporalidade: o Dasein se
temporaliza sob a forma de futuro, passado e
presente
• A forma total dos três êxtases é um horizonte
diante do qual aparece colocado o Dasein
Corporalidade
• Não há existência sem corpo, mas corpo e
organismo não são sinônimos
• Corporalidade é o corpo próprio vivido e
significado como tal
• Portanto, a corporalidade determina o modo
como a existência relaciona-se com o
organismo
Cuidado
• Refere-se à condição de abertura às solicitações do seu
mundo
• A existência pode ser mais ou menos aberta às suas
próprias possibilidades
• Ocupação: o modo do cuidado prático, dos entes não
humanos
• Pré-ocupação: o modo do cuidado do humano
• Substituição dominadora: o cuidado através do
domínio do outro
• Antecipação libertadora: o cuidado que se funda na
liberdade do paciente
Ser-com
• Ser-com implica em ser-com-o-outro
• É a condição de sempre existir com o outro:
existir é coexistir
• Não se trata simplesmente de estar com o outro
em uma situação social, mas de poder ser de um
determinado modo na relação com o outro
• Solicitude: modo peculiar de ser-com que
consiste na atenção ao próximo como tal, livre da
indiferença da cotidianidade
Sintonia
• O mesmo que afinação ou disposição afetiva
• A existência sempre se sintoniza de modo afetivo
com aquilo que lhe vem ao encontro no mundo
• Não se trata de simplesmente ter emoções e
sentimentos, mas sim de poder se sentir de um
modo ou de outro
• Não se pode separar cognição e afeto na
experiência humana: a afinação é também um
modo de saber sobre o mundo
Compreensão / Interpretação
• Trata-se da condição de ser uma abertura de
sentido ao que lhe vem ao encontro no
mundo
• Compreensão é o horizonte, o fundo sobre o
qual tudo pode ganhar sentido
• Interpretação é tematizar o que uma coisa
pode ser, dar significado a ela
• Não existe mundo sem interpretação
Linguagem / Discursividade
• É a condição pela qual a existência dá sentido
a tudo que lhe vem ao encontro no mundo
• É a “morada do ser”: o que permite que o ser
manifeste o seu significado
• Não se trata simplesmente de elaboração
intelectual, nem de articulação verbal, mas de
poder comunicar a compreensão do mundo
de um modo ou de outro
• É o que possibilita o diálogo e a escuta
Ser-para-a-morte
• Morte biológica: cessação das funções vitais
do organismo
• A morte biológica é o fim de todas as
possibilidades existenciais
• Ser-para-a-morte: direção inevitável e
constituinte da existência
• A existência é sempre um “ainda não”
• No fim, a existência torna-se uma essência
Ser-para-a-morte
 Mas o fim da existência não se reduz a morte
biológica
 Trata-se do fim do que alguém é para além do
seu organismo
 É possível “morrer antes da morte”
 Teme-se a morte existencial antes da morte
biológica
Angústia
• Trata-se da condição existencial própria diante
do nada, da pura possibilidade de ser
• Refere-se ao apelo de realização das
possibilidades existenciais mais próprias
• Não se trata de mero sentimento: sentindo-se
ou não angustiado ela está sempre presente
enquanto se vive
• Portanto, não é possível extingui-la, embora
seja possível superá-la
Culpabilidade
• Também denominada estar em débito
• É a condição existencial de não poder realizar
todas as possibilidades mais próprias
• Como no caso da angústia, é mais do que
sentir-se culpado, mas ser culpado
• Igualmente, não se pode extingui-la, mas
apenas superá-la
Existência inautêntica / imprópria
• Das man: o “a gente”, “todo mundo”, “se”
• É a forma da existência em que o Dasein se torna
um neutro impessoal, diluído no ser-com
• Condição em que o Dasein perde suas
características distintivas em meio a
cotidianidade, tornando-se uma coisa entre
coisas
• É a alienação do Dasein em relação as suas
possibilidades mais próprias: o decaimento
existencial
Existência inautêntica / imprópria
• Modo de ser caracterizado pelo tagarelar
cotidiano, pela atitude de curiosidade e pela
atitude de ambiguidade
• Tagarelar cotidiano: a linguagem perde a sua
ligação com o ser , onde “o que se tem dito” é a
regra
• Curiosidade: a agitação no sentido de procurar a
novidade sem interesse pelo seu significado
• Ambiguidade: a capacidade de discorrer sobre
um assunto é confundido com o que realmente
se sabe sobre ele
Existência autêntica / própria
• Forma de existência em que o Dasein, movido
pela sua angústia, se vê constrangido a escolher a
si mesmo
• Está sempre colocada diante da possibilidade da
morte
• Caracteriza-se pela decisão de ser de acordo com
a sua verdade ontológica
• Caracteriza-se pelo assumir a existência tal como
ela é: finita e aberta
• Caracteriza-se pelo poder-ser: realizar novas
possibilidades em seu ser-no-mundo
A questão da técnica
• A técnica moderna baseia-se no modo de pensar
típico do nosso horizonte histórico: o calculante
• Desvela a realidade como algo a ser manipulado
e controlado sob o critério da utilidade
• O modo de pensar técnico calculante busca fazer
conexões causais entre as coisas tendo em vista
resultados práticos
• É mais rigoroso nas ciências, mas se encontra
também no senso comum
• Avança como se fosse o único modo legítimo de
pensar
• É uma característica da existência inautêntica
moderna
A questão da técnica
• A alternativa é o modo de pensar meditante
• Neste modo de pensar o que se busca é o
sentido das próprias coisas
• No pensamento meditante faz-se necessário
que o homem não se fixe em apenas um só
aspecto das coisas nem se aprisione a uma
representação ou a apenas um ponto de vista
• Para tanto é necessário renunciar a pretensão
de tudo controlar e suportar a estranheza
A questão da técnica
• Este modo de pensar, no entanto, não implica
numa postura de negação de qualquer
possibilidade de utilização da técnica
• É, ao invés disso, uma forma de livre relação com
ela, na qual podemos dizer “sim” ou “não”,
utilizando dos recursos técnicos, sem permitir
que eles determinem a nossa essência
• Ou seja, dialogar sem se tornar servo da técnica
• Esta atitude frente à técnica é o que Heidegger
chama de serenidade
A questão da técnica
• O pensamento meditante e a serenidade são
fundamentados em um “não querer”, uma
entrega
• Não significa uma desistência, mas uma
permissão para que as coisas venham à luz
por si mesmas, não tendo que estar
enquadradas em um horizonte
predeterminado de cálculo e mensuração
A clareira do ser
• Heidegger segue procurando a resposta para a
questão do ser, mas abandona o modo inicial
• Nas suas últimas obras não é a existência
humana a porta de entrada para o ser, mas é
o ser que torna possível a abertura para a
compreensão da existência humana
• Sua ênfase passa a ser a linguagem: a clareira
do ser, casa onde o homem pode habitar
A clareira do ser
• Aletheia: a manifestação da coisa por si
mesma, o desvelamento do ser, o aparecer do
que estava dissimulado, a verdade existencial
• O ser pode aparecer e ocultar-se, mas é
presença permanente
• Não é o conjunto dos entes, nem um ente
especial, mas é o “habitar” de todos os entes
O que é o homem?
• Não é possível saber a priori quem é um
existente, mas é possível saber quais são as
condições de possibilidade do seu existir para
ele ser o que quer que seja (existenciais)
• Que é capaz de se auto-determinar
(liberdade)
• Que tem um mundo próprio (ser-no-mundo)
O que é o homem?
• Que está aberto a certas solicitações do
mundo (cuidado)
• Que se relaciona com os outros de
determinado modo (ser-com)
• Que está sintonizado afetivamente de
determinado modo (sintonia ou afinação)
• Alguém que está imerso na linguagem e dá
sentido a tudo que é (linguagem)
O que é o homem?
• Que estrutura sua existência diante do nada
(angústia)
• Que está em débito com suas possibilidades
existenciais (culpa)
• Que está no espaço de um certo modo
(espacialidade)
• Que está no tempo de um certo modo
(temporalidade)
O que é o homem?
• Que se corporifica no mundo de um certo
modo (corporalidade)
• Que existe constrangido pela sua finitude (ser-
para-a-morte)
Merleau-Ponty – dados biográficos
• Nasce em Rochefort-sur-mer (França) em 1908
• Estuda na Escola Normal Superior onde se tornou
amigo de Sartre e Simone de Beauvoir
• Leciona no ensino médio
• Dedica-se a estudar e ensinar Psicologia
• 1938: Escreve “A Estrutura do Comportamento”
• É oficial na II Guerra
• Na volta defende a sua tese: “A Fenomenologia
da Percepção”
• Torna-se professor da Universidade de Lyon
• Divide com Sartre a direção da revista
vanguardista “Os Tempos Modernos”
• É um ativista em defesa da liberdade
• Identifica-se com o movimento
existencialista
• Vai para a Universidade de Sorbonne
• Ocupa a cátedra da Filosofia do Collège de
France
• A amizade com Sartre e Simone entra em
crise por causa das posições deles sobre o
marxismo
• A morte de Paul Nizan, um amigo comum,
os reaproxima
• Morreu em Paris com apenas 53 anos, em
1961, vítima de embolia
• Simone dizia que ele era um “homem em
busca da verdade”
A Fenomenologia em Merleau-Ponty
• Merleau-Ponty dedica-se a recuperar o vivido e o
sensível na Filosofia e na Ciência
• Para cumprir esta tarefa, Merleau-Ponty parte da
Fenomenologia de Husserl
• Minimiza o papel constituinte da consciência e
outorga à relação corpo-mundo o poder doador
de significados
• Abandona a noção de eu transcendental de
Husserl
• Sua preocupação é menos epistemológica e mais
ontológica em comparação a Husserl
“A montanha de Sainte-Victoire”,
Cèzanne
A crítica ao
“pensamento de sobrevôo”
• “Pensamento de sobrevôo”: típico da
Filosofia e da Ciência, caracteriza-se pelo
distanciamento sujeito-objeto e pela
apropriação abstrata do mundo
• O “pensamento de sobrevôo” transforma o
mundo em representação do mundo e a
consciência em um fenômeno impessoal
A crítica ao
“pensamento de sobrevôo”
• Merleau-Ponty critica dois componentes
constitutivos do “pensamento de sobrevôo”: o
subjetivismo filosófico e o objetivismo científico
• Subjetivismo filosófico: as coisas exteriores vão
se convertendo em realidades cada vez menos
reais – sombras da realidade
• Objetivismo científico: a consciência vai sendo
reduzida a uma realidade cada vez menos real até
se tornar um epifenômeno de acontecimentos
físico-químicos
A crítica ao
“pensamento de sobrevôo”
• A separação sujeito-objeto resulta em
conflitos: ou tudo é consciência (idealismo) ou
tudo é objeto (realismo)
• Para superar esta dicotomia, Merleau-Ponty
contrapõe o retorno do pensamento ao
“subsolo pré-reflexivo”
• A Filosofia e a Ciência devem voltar as origens
da própria reflexão
A percepção
• A vida representativa da consciência não é a
primeira e nem é a única definidora do que seja a
consciência e o mundo
• “Estrutura do comportamento” (1938): critica o
objetivismo behaviorista e o realismo gestaltista e
indaga qual é a relação entre a consciência
representativa e a consciência perceptiva
• Para ele, a percepção é anterior à representação
A percepção
• “Fenomenologia da Percepção” (1945):
desenvolve nesta obra a noção de percepção
como atividade constitutiva do ser do homem
• É pela percepção que o homem se instala no
mundo, recebendo e doando significação
• É na percepção que ocorre a significação
subjetiva do mundo no encontro com o
próprio mundo
A percepção
• A percepção não é a interpretação de
sensações, nem o registro de impressões
• Ao contrário do que diz o empirismo, não
existe sensação pura e isolada de uma
totalidade
• Mas também, ao contrário do que diz a
Psicologia da Forma, a percepção não é
determinada por leis objetivas
Percepção e corpo
• “Signos” (1960): O corpo possui a reflexividade
da consciência, é o visível que se vê, um tocado
que se toca, um sentido que se sente
• Mas também possui o que a consciência não
possui: a visibilidade
• A experiência do corpo consigo mesmo se repete
na relação com as coisas e com os outros
• Ao tomar a experiência corporal como originária,
Merleau-Ponty redescobre a unidade
fundamental do mundo como mundo sensível
Percepção e corpo
• Corpo e mundo são um campo de presença onde
emergem todas as relações da vida perceptiva e
do mundo sensível
• Paradoxo da existência: o mundo está todo
dentro e o eu está todo fora
• A experiência do “membro fantasma”: não se
trata de uma mudança física apenas, mas de uma
mudança existencial
• A experiência sexual: não se trata de respostas
orgânicas, mas de envolvimento existencial
O corpo próprio
• O mesmo que “corpo vivido” ou “carne”
• Designa o corpo que “eu sou”, não o corpo que
“eu tenho”
• O homem é, antes de tudo, encarnado: não é
uma coisa entre coisas, mas também não é uma
interioridade fechada em si mesma
• O corpo próprio é o centro da reflexão, a
consciência encarnada
• É o entrelaçamento entre o homem e o mundo
O corpo próprio
• O corpo próprio é um ser total jamais
totalizado ou acabado: é uma “totalidade
totalizante”
• É comparável a uma obra de arte, sempre
aberta a novas compreensões e estilos
• O corpo próprio é distinto de corpo
compreendido como mero organismo
• É sempre em situação, nunca isolável das
coisas e dos outros
“O corpo próprio
está no mundo
como o coração
está no
organismo: ele
mantém
constantemente
em vida o
espetáculo visível,
o anima e o nutre
interiormente,
formando com ele
um sistema.”
O mundo pré-reflexivo
• Sua ontologia fundamenta-se na premissa da
existência de um mundo pré-reflexivo, “selvagem
e bruto”, de onde emergem as categorias
reflexivas
• O mundo pré-reflexivo é a experiência originária
da existência individual
• O mundo pré-reflexivo é dado, já aberto por um
acontecer, por um sentir, por um mover corporal:
ele é o “invisível no visível”
• Cogito Tácito: origem e ancoradouro de todos os
pontos de vistas, cenário da percepção
O mundo pré-reflexivo
• Logos do mundo estético: unidade indivisa do
corpo e das coisas, que desconhece a ruptura
reflexiva entre sujeito e objeto
• Ele é um campo de significações sensíveis
constituintes do corpo e do mundo
• É ele que torna possível a intersubjetividade
como intercorporeidade e, através da
manifestação corporal da linguagem, permite
o surgimento do logos do mundo cultural
O inconsciente
• Merleau-Ponty descreve o inconsciente a
partir do conceito de figura e fundo
• Fundo: conteúdo latente
• Figura: conteúdo manifesto
• Ele compreende o inconsciente na dialética
entre o visível e o invisível
• O inconsciente não é o inverso do consciente
“O sentido é invisível, mas o
invisível não é o contraditório
do invisível:o visível possui,
ele próprio, uma membrura
de invisível, e o invisível é a
contrapartida secreta do
visível, não aparece senão
nele (...) o visível está prenhe
do invisível”
O inconsciente
• No sentido dado por Merleau-Ponty, a percepção
também é inconsciente
• Não há “representações insconscientes”: o
inconsciente é o próprio sentir, a abertura ao que
é necessário pensar para reconhecer
• O inconsciente é o tecido, a atmosfera que
compõe o entrelaçamento corpo-mundo
• O inconsciente não é estrutura de linguagem,
pois a fala é que faz existir o pensamento
• O inconsciente é o silêncio primordial
A linguagem
• Logos do mundo cultural: resultado da prática
inter-humana mediada pelo trabalho e pelas
relações sociais
• A linguagem não é uma tradução imperfeita
do pensamento, sempre deficitária com
relação à realidade
• A linguagem é criação de sentido – encarna
significações, estabelece a mediação entre o
eu e o outro e sedimenta a cultura
A linguagem
• O mundo pré-reflexivo é acessível à análise
existencial: ou seja, é possível passar da
linguagem muda para a linguagem falada
• A vida corporal e o pensamento estão numa
relação de expressão recíproca
• O corpo é expressão da consciência, assim
como a palavra é a expressão do pensamento
• O corpo é um “nó de significações viventes”
A fala autêntica
• É a fala primária, originária, saída do plano
pré-reflexivo
• É a que formula o percebido pela primeira vez
de modo espontâneo e criativo
• Os pensamentos que já foram comunicados
constituem a fala secundária
• A fala autêntica está ligada à percepção: é da
ordem do sensibilidade e não do pensamento
A fala autêntica
• A fala autêntica é a fala buscada na clínica
psicológica
• É a quebra do silêncio primordial
Obrigado! Até a próxima!

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