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Direito Constitucional

e Administrativo
Material Teórico
Lições Preliminares Sobre à Constituição

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Dr. Tercius Zychan de Moraes

Revisão Textual:
Prof.ª Dr.ª Selma Aparecida Cesarin
Lições Preliminares
Sobre à Constituição

• A Organização do Estado;
• A Constituição;
• Os Elementos Fundamentais de uma Constituição;
• A Aplicabilidade das Normas Constitucionais.

OBJETIVOS DE APRENDIZADO
• Entender a formação do Estado, por intermédio de um processo histórico, político
e econômico;
• Reconhecer a importância, em um Estado Democrático de Direito, da existência de uma
Constituição, a mais elevada norma jurídica, que fundamenta todo o sistema jurídico de
um Estado;
• Ver de que forma são aplicadas as normas constitucionais e, para tanto, conheceremos
um critério doutrinário, muito bem elaborado.
Orientações de estudo
Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem
aproveitado e haja maior aplicabilidade na sua
formação acadêmica e atuação profissional, siga
algumas recomendações básicas:
Conserve seu
material e local de
estudos sempre
organizados.
Aproveite as
Procure manter indicações
contato com seus de Material
colegas e tutores Complementar.
para trocar ideias!
Determine um Isso amplia a
horário fixo aprendizagem.
para estudar.

Mantenha o foco!
Evite se distrair com
as redes sociais.

Seja original!
Nunca plagie
trabalhos.

Não se esqueça
de se alimentar
Assim: e de se manter
Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte hidratado.
da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e
horário fixos como seu “momento do estudo”;

Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma


alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo;

No material de cada Unidade, há leituras indicadas e, entre elas, artigos científicos, livros, vídeos
e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você tam-
bém encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua
interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados;

Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discus-
são, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o
contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e de
aprendizagem.
UNIDADE Lições Preliminares Sobre à Constituição

A Organização do Estado
Diversos autores, nas diversas Ciências Sociais, dão sua interpretação e justifica-
tivas para determinar a origem ou formação do Estado.
Por exemplo, os denominados “contratualistas” determinam a formação do Esta-
do pela celebração de um Pacto Social, denominado de Contrato Social.
Com relação a esse contrato, pode-se dizer que a Sociedade celebra um pacto
imaginário, com o fulcro de produzir segurança para a vida, a liberdade e a proprie-
dade, renunciando à sua liberdade plena.
São percussores desses conceitos da formação do Estado, com o advento de um
“Contrato Social”: Thomas Hobbes1, John Locke2 e Jean-Jacques Rousseau3.
Vale a pena mencionar as palavras de Cláudio De Cicco e Álvaro Azevedo
Gonzaga, com relação à Teoria Contratualista:
Alguns doutrinadores entendem que essa teoria da origem contratualista
não deva ser considerada, uma vez que o Contrato se origina ou pela for-
ça, como defende Hobbes em sua obra O Leviatã, ou pela propriedade,
conforme Rousseau dispõe em seu Discurso da origem da desigualdade
entre os homens. A nosso ver, o Estado tem como motivo, e não como
origem, a força ou a propriedade, uma vez que é o Contrato Social que
não só legitima, mas origina o Estado (DE CICCO; GONZAGA, 2015,
cap. 7 – e-book)

Mas, para tratarmos do tema da relação do Estado, por intermédio de sua Cons-
tituição, e do Direito Administrativo, devemos buscar fundamento sobre a con-
cepção desse ente mediante um conceito contemporâneo, retirado da doutrina da
“Teoria Geral do Estado”.
Iremos aproveitar, novamente, as ideias dos autores Cláudio De Cicco e Álvaro
Azevedo Gonzaga, os quais conceituam o Estado como:
O Estado é uma sociedade de pessoas chamada população, em deter-
minado território, sob a autoridade de determinado governo, a fim de al-
cançar determinado objetivo, o bem comum (CICCO; GONZAGA, 2015,
cap. 4 – e-book)

Desse conceito, podemos abstrair que o Estado é formado por quatro elementos,
assim distribuídos:
• Dois elementos materiais – População e território;
• Um elemento formal – GOVERNO.
1
Thomas Hobbes, escritor, autor e cientista social inglês. Sua principal obra é o livro Leviatã, no ano de 1651. Nela,
ele trata da formação do Estado e da Sociedade.
2
John Locke, escritor e filósofo inglês, cuja principal obra é Dois Tratados sobre o Governo, de 1681, na qual trata
da formação do Estado.
3
Jean-Jacques Rousseau, importante filósofo e político suíço e, em sua obra Do Contrato Social, de 1762, trata da
necessidade de que todos os homens produzam um novo Contrato Social, no qual a liberdade do homem deve ser
alicerçada pelas experiências políticas de antigas civilizações, garantindo os direitos de todos os cidadãos.

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Mas, como bem dispõe o conceito, o Estado, atualmente, está voltado a uma
determinada finalidade, que é o “bem comum”.

A população são todos que vivem no território do Estado, os beneficiários do


bem comum e pode ser encontrada, de maneira expressa, no caput do Artigo 5º
da Constituição:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer nature-
za, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade [...]

Isto é, os brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil fazem jus às atividades do


Estado, mantendo uma ligação jurídica e de caráter político com ele.

Com relação ao território, podemos dizer que se trata do ambiente geográfico do


Estado, onde ele exerce seu poder e mantém uma relação jurídica com a população.

O território é também o ambiente em que o Estado exerce sua soberania. Cabe


mencionar a forma de reconhecer o território e, para tanto, utilizaremos à visão do
nobre cientista jurídico Hans Kelsen:
Território é o espaço para o qual, segundo o Direito internacional geral,
apenas uma determinada ordem jurídica está autorizada a prescrever atos
coercitivos, é o espaço dentro do qual apenas os atos coercitivos estipu-
lados por essa ordem podem ser executados. (KELSEN, 2000, p. 304)

Com relação à soberania, ela pode ser vista sob dois aspectos, sendo um de
âmbito interno, ou seja, o local onde o Estado faz valer suas decisões.

Vejamos um exemplo: as normas jurídicas referentes ao Direito Penal restringem


comportamentos indesejados, como quando alguém comete um homicídio. Esse
alguém pratica uma conduta proibitiva descrita no atual Código Penal Brasileiro,
em seu Artigo 121.

O autor do homicídio praticou uma conduta contrária aos interesses do Estado,


ou seja, de suas decisões.

Para fazer valer a sua soberania, o Estado inicia o devido processo legal para, se
for o caso, aplicar uma pena privativa de liberdade, fazendo valer a sua decisão de
que ninguém pode matar outrem.

Quanto ao aspecto externo, a soberania, significa que as decisões de determinado


Estado devem ser respeitadas pelos demais Estados e organizações internacionais.

Assim, outros Estados ou organizações internacionais podem não concordar


com o posicionamento de certo Estado. Nessa hipótese, podem recorrer às normas
de Direito Internacional, bem como à aplicação de medidas de caráter diplomático.

Não se pode confundir Estado com governo.

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UNIDADE Lições Preliminares Sobre à Constituição

Em um Estado Democrático de Direito, com a outorga da vontade popular,


um corpo diretivo exerce determinadas funções do Estado. Tal corpo diretivo, de
caráter político, é denominado governo, o qual exerce as atividades atinentes aos
Poderes Executivo e Legislativo

É importante destacar que em um Estado Democrático de Direito, como o brasi-


leiro, o exercício do Poder do Estado é descrito na Constituição, mais precisamen-
te, no parágrafo único do Artigo 1º:
Artigo 1º [...]

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

Desse modo, o cidadão é o maior exponencial no exercício das atividades públi-


cas, seja escolhendo os representantes junto aos Poderes Executivo e Legislativo,
seja por intermédio de ações diretas, como: o referendo, o plebiscito e a possibilida-
de de o cidadão apresentar um Projeto de Lei de iniciativa popular.

Por fim, o conceito que apreciamos de Estado nos mostra que ele tem uma fina-
lidade, que se conjuga com a figura do atual Estado Democrático de Direito, sendo
ela determinada pela busca da concretização e da proteção ao bem comum.

Mas o conceito de “bem comum” se torna não muito objetivo, e carece de uma
interpretação para sua compreensão.

Um conceito mencionado por Dalmo de Abreu Dallari é do Papa João XXIII:


Assim, pois, pode-se concluir que o fim do Estado é o bem comum, en-
tendido este como o conceituou o Papa João XXII, ou seja, o conjunto
de todas as condições de vida social que consistam e favoreçam o desen-
volvimento integral da personalidade humana. (DALLARI, 2013, p. 112)

Embora o conceito amplie um pouco mais o conhecimento do que vem ser o


“bem comum”, ainda não é o suficiente para termos um direcionamento mais ob-
jetivo do que ele seja.

A busca de uma resposta pode ser evidenciada no conceito em apreço, ao men-


cionar que o bem comum é o, “[...] conjunto de todas as condições de vida social
que consistam e favoreçam o desenvolvimento integral da personalidade humana”
(DALLARI, 2013, p. 112).

Procurando agregar informações que nos permitam delimitar o que vem a ser o
“bem comum”, vejamos a configuração do Estado nos dias atuais, oriunda de uma
série de transformações que esse ente passou nos últimos séculos.

Atualmente, a figura moderna de Estado, denomina-se “Estado Democrático


de Direito”.

Diante das várias características que compõem o Estado Democrático de Direito,


temos a concretização, a garantia e a ampliação de direitos fundamentais.

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Aproveitemos, aqui, a definição de direitos fundamentais de Vidal Serrano Junior
e Luiz David Alberto Araújo:
Os direitos fundamentais podem ser conceituados como a categoria ju-
rídica instituída com a finalidade de proteger a dignidade humana em
todas as dimensões. Por isso, tal qual o ser humano, tem natureza polifa-
cética, buscando resguardar o homem na sua liberdade (direitos individu-
ais), nas suas necessidades (direitos sociais, econômicos e culturais) e na
sua preservação (direitos relacionados à fraternidade e à solidariedade).
(ARAÚJO; NUNES JÚNIOR, 2005. P. 109-10)

Diante desse conceito, podemos dizer que o “bem-comum”, na figura de um


Estado Democrático de Direito, é representado por medidas de respeito e proteção
do ser humano, e por outras medidas concretas, concernentes à satisfação de suas
necessidades sociais, econômicas e culturais, e, por fim, no sentido de manter uma
relação com a coletividade, a qual pode transcender fronteiras e períodos de tempo,
referentes a medidas de solidariedade e fraternidade.

Antes de darmos sequência ao estudo dos direitos fundamentais, é importante


deixar registrado que tais direitos guardam íntima relação com um dos objetivos do
Estado Brasileiro, retratado em nossa Constituição, que é a garantia e a proteção
da “dignidade da pessoa humana”, sendo está uma condição inerente a qualquer
ser humano, como forma de lhe garantir e proteger seu “bem-estar”.

Os direitos fundamentais possuem uma classificação reconhecida, tanto pela


doutrina quanto pela jurisprudência, o que nos permite ampliar muito mais o co-
nhecimento e a distinção com relação a esses direitos.

A classificação que iremos adotar revela que os direitos fundamentais podem ser
distinguidos em “gerações”.

Utilizaremos uma classificação em três gerações, que são:


• Direitos fundamentais de 1ª geração: são aqueles chamados de direitos indi-
viduais, ou direitos civis, afetos à vida, à liberdade, à intimidade e à igualdade
das pessoas. Tais direitos, requerem respeito do Estado para com o indivíduo;
• Direitos fundamentais de 2ª geração: trata-se de medidas positivas e concre-
tas a serem adotadas pelo Estado para com a coletividade. Os direitos sociais,
como são denominados os direitos fundamentais de segunda geração, trata-se
de normas programáticas, reconhecidas pela Constituição, geralmente pela
expressão “[...] dever do Estado e direito de todos [...]”, como, por exemplo:
Direito social à segurança:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabi-


lidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da
incolumidade das pessoas e do patrimônio [...] (grifo nosso).

I – polícia federal;

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UNIDADE Lições Preliminares Sobre à Constituição

Direito à saúde:

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido me-


diante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de
doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e
serviços para sua promoção, proteção e recuperação (grifo nosso).

Direito à educação:

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família,


será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando
ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho (grifo nosso).

Os direitos sociais estão enumerados no Artigo 6º da Constituição Federal:


Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o traba-
lho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a
proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na
forma desta Constituição.

• Direitos fundamentais de 3ª geração: denominados direitos inerentes à soli-


dariedade e à fraternidade, podem ter seu alcance fora do território do Estado,
e até se prolatar no tempo.

O melhor exemplo desses direitos pode ser abstraído do caput do Artigo 225 da
Constituição Brasileira:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibra-
do, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações (grifo nosso).

I – polícia federal;

Desse modo, podemos constatar que o direito ao meio ambiente, essencial à sa-
dia qualidade de vida, deve ser protegido, não somente para as presentes gerações,
mas devemos ser solidários e fraternos com as gerações que virão. Daí a caracterís-
tica de que os direitos de 3º geração, transcendem ao tempo.

Para existência de todos esses elementos materiais e formais que delimitam a


existência do Estado, bem como para garantir a concretização e a ampliação dos
direitos fundamentais, é necessário que todos eles estejam reunidos em um único
estatuto orgânico, denominado “Constituição”.

A expressão “Constituição” advém de constituir, construir, formar juridicamente


o Estado, conferindo a ele prerrogativas e obrigações, ou seja, cria uma pessoa
jurídica de Direito Público, tanto sob o aspecto interno, mas também sob o aspecto
de uma pessoa jurídica de Direito Público Internacional.

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A Constituição
Cabe, antes de iniciarmos um estudo mais detalhado do que vem a ser uma
Constituição, destacarmos um conceito que contempla, de maneira ampla, o que
vem a ser esse estatuto jurídico essencial ao Estado nos tempos atuais.

Tal conceito é extraído da manifestação do Ministro do Supremo Tribunal Fede-


ral, Celso de Mello, ao relatar ADI 595/ES:
[...] cabe ter presente que a construção do significado de Constituição per-
mite, na elaboração desse conceito, que sejam considerados não apenas
os preceitos de índole positiva, expressamente proclamados em docu-
mento formal (que consubstancia o texto escrito da Constituição), mas,
sobretudo, que sejam havidos, igualmente, por relevantes, em face de sua
transcendência mesma, os valores de caráter suprapositivo, os princípios
cujas raízes mergulham no direito natural e o próprio espírito que informa
e dá sentido à Lei Fundamental do Estado (STF, ADI 595/ES, Rel. Min.
Celso de Mello, 28/02/2002).

Para o jurista Celso Ribeiro Bastos, a Constituição deve ser vista como “Consti-
tuição é a especial maneira de ser do Estado” (BASTOS, 2001, p. 38).

Das palavras de Celso Bastos, podemos entender que a cada nova Constituição
que nasce, nasce um novo Estado, não sob seu aspecto territorial, mas sob uma
nova égide jurídica e política.

Por exemplo, a primeira Constituição Republicana Brasileira foi a de 1891. Nela,


a designação do Estado Brasileiro era: “República dos Estados Unidos do Brasil”
e, por exemplo, o exercício dos direitos políticos, ou seja, do sufrágio, era do tipo
capacitório, no qual o direito de votar e ser votado cabia ao homem, alfabetizado,
maior de 21 anos, lembrando-se de que, naquela época, a Educação não era um
direito de todos e um dever do Estado, sendo assim, somente quem tinha certa
condição econômica frequentava Escolas e o número de analfabetos era enorme.

Com a Constituição de 1988, surge um novo Estado, cuja denominação é


“República Federativa do Brasil”. Comparando os direitos políticos dessa atual
Constituição, o sufrágio é denominado “universal”, no qual podem participar da
“vida política do Estado, o maior número de brasileiros, sejam, natos e naturaliza-
dos, homens e mulheres, inclusive é permitido o voto do “analfabeto”.

Um grande conceito de Constituição, que muito bem sintetiza está “Lei Maior”,
é o de José Afonso da Silva, que diz:
[...] sua lei fundamental (...) a organização dos seus elementos essenciais:
um sistema de normas jurídicas, escritas ou costumeiras, que regula a
forma do Estado, a forma de seu governo, o modo de aquisição e o
exercício do poder, o estabelecimento de seus órgãos, os limites de sua
ação, os direitos fundamentais do homem e as suas respectivas garantias.
Em síntese, a constituição é o conjunto de normas que organiza os ele-
mentos constitutivos do Estado. (SILVA, 2013, p. 37-8)

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UNIDADE Lições Preliminares Sobre à Constituição

Os Elementos Fundamentais
de uma Constituição
Acompanhando a própria evolução das relações sociais, as Constituições foram
se aprimorando, a ponto de não serem somente responsáveis em estruturar e orga-
nizar o Estado, ou seja, com um conteúdo puramente material.

As Constituições foram acrescendo direitos fundamentais, principalmente, das


três gerações já vistas. Sem dúvida, os direitos fundamentais destacam-se como
sendo a principal razão de ser de um Estado.

Uma Constituição é formada por vários elementos. O doutrinador José Afonso


da Silva, como vimos, anuncia vários elementos que compõe está “Lei das Leis”.

Cabe, dessa forma, fazer uma análise mais apurada desses elementos.

São eles:

Elementos Elementos
Orgânicos Socioideológicos

Elementos de
Elementos Elementos de uma Consituição Estabilização
Limitativos Constitucional

Elementos
Formais de
Aplicabilidade

Figura 1

Nada melhor para analisar esses elementos do que utilizarmos como parâmetro
a nossa atual Constituição Federal de 1988.

Elementos Orgânicos
Tais elementos são os que organizam a estrutura do Poder do Estado e a própria
forma desse Estado.

O Artigo 2º de nossa Constituição elenca quais são as funções do Estado,


ao positivar:
Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o
Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

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Podemos considerar que o emprego da palavra “Poder”, nesse Artigo, tem a ver
com as funções a serem desempenhadas pelo Estado, ou seja, uma função executiva,
incumbida de administrar a coisa pública, uma função de legislar criando normas que
permitam um convívio social harmônico e, por fim, uma função jurisdicional, a qual
garanta a aplicabilidade das normas legislativas, preservando a paz social.

Além disso, a própria Constituição delimita quais serão os órgãos responsáveis


em exercer cada uma das funções estatais.

Com relação ao Poder Executivo, encontramos, no Artigo 76, quem o exerce:


Art. 76. O poder Executivo é exercido pelo Presidente da República,
auxiliado pelos Menistros de Estado.

No que concerne ao Poder Legislativo, sua estrutura de órgão responsável pela


função de legislar está descrita no Artigo 44:
Art. 44. O Poder Legislativo é exercido pelo Congresso Nacional, que se
compõe da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.

Por fim, a função jurisdicional do Estado, será exercida no país, por vários ór-
gãos, como delimita o Artigo 92 da Constituição:
Art. 92. São órgãos do Poder Judiciário:

I – o Supremo Tribunal Federal;

I-A – o Conselho Nacional de Justiça;

II – o Superior Tribunal de Justiça;

II-A – o Tribunal Superior do Trabalho;

III – os Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais;

IV – os Tribunais e Juízes do Trabalho;

V – os Tribunais e Juízes Eleitorais;

VI – os Tribunais e Juízes Militares;

VII – os Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios.

Quanto à forma de Estado, a Constituição de 1988 adota o modelo “Federal”,


descrito em seu Artigo 18:
Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa
do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Muni-
cípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.

Elementos Limitativos
Uma das características dos atuais “Estados Democráticos de Direito refere-se à
positivação de direitos fundamentais, que direcionam e limitam a ação do Estado
para com o indivíduo ou a coletividade.

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UNIDADE Lições Preliminares Sobre à Constituição

Por exemplo, podemos mencionar os direitos fundamentais de primeira ge-


ração e, dentre eles, o direito à liberdade, positivado no caput do Artigo 5º da
Norma Constitucional:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer nature-
za, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade [...] (grifo nosso).

A fim de preservar tal direito, a Constituição prevê, contra eventual arbítrio por
parte do Estado, o uso do denominado “remédio constitucional”, conhecido por
habeas corpus:
Art. 5º (...)

LXVIII – conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se


achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de loco-
moção, por ilegalidade ou abuso de poder;

Quem comete a ilegalidade ou abuso de poder é o Estado, por intermédio de um


agente público que o representa.

Elementos Socioideologicos
Esses elementos abordam princípios e preceitos constitucionais, que devem ser
interpretados, tendo por escopo orientar o Estado na sua relação, seja com o indi-
víduo, seja com a coletividade.

Podemos dizer que, no Artigo 1º da Constituição Federal, encontramos


esses elementos:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel
dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado
Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I – a soberania;

II – a cidadania;

III – a dignidade da pessoa humana;

IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V – o pluralismo político.

Elementos de Estabilização Constitucional


Tais elementos têm por escopo a proteção do Estado, diante de situações que fu-
jam a uma estabilidade, por isso, são denominados momentos ou estados de exceção.

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Em nossa Constituição encontramos a possibilidade de aplicação dessas situa-
ções excepcionais, como, por exemplo, na previsão da União intervir nos Estados-
-membros ou no Distrito Federal, além de outras situações mais extremas, como,
por exemplo, o Estado de Defesa (Artigo 136) e Estado de Sítio (Artigo 137).

O reconhecimento dessa situação de instabilidade fica evidente, quando da im-


possibilidade de alterar o texto constitucional, na vigência desses momentos inde-
sejados para o país:
Art. 60 [...]

§ 1º A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção


federal, de estado de defesa ou de estado de sítio.

Elementos Formais de Aplicabilidade


Nesses elementos, encontramos preceitos que fornecem mecanismos interpre-
tativos, os quais auxiliam a aplicação de outros dispositivos, bem como de outras
normas do Sistema Jurídico brasileiro.

Um grande exemplo pode ser extraído do parágrafo 1º do Artigo 5º da Consti-


tuição Federal de 1988, relativo à aplicabilidade dos direitos fundamentais:
Art. 5º (...)

§ 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm


aplicação imediata.

Nesse caso, não há carência de uma norma legislativa para se efetivar um direito
fundamental. Ele obriga o Estado como um todo a aplicá-los desde a promulgação
da Constituição de 1988.

A Aplicabilidade das Normas Constitucionais


Como visto, a Constituição dá ao Estado determinadas características, sob seu
aspecto jurídico, ou seja, encabeça seu Sistema Jurídico, não podendo existir neste
qualquer outra norma que não esteja de acordo com os mandos constitucionais.

Daí a existência do denominado “controle de constitucionalidade”, que será visto


em detalhes em outra aula.

A doutrina estabelece uma forma de estudo da aplicabilidade das normas consti-


tucionais, adotando uma classificação diante de certas peculiaridades.

Aqui, abordaremos a forma de classificar às normas constitucionais segundo um


critério estabelecido por José Afonso da Silva (SILVA, 2003, p. 89-91).

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UNIDADE Lições Preliminares Sobre à Constituição

Normas Constitucionais de Eficácia Plena


Trata-se de normas cuja aplicabilidade se encerra com o próprio enunciado do
texto constitucional. Não se faz necessária a existência de um elemento normativo
infraconstitucional para assegurar sua aplicação.

Um bom exemplo pode ser retirado do Artigo 13 da Constituição:


Art. 13. A língua portuguesa é o idioma oficial da República Federativa
do Brasil.

§ 1º São símbolos da República Federativa do Brasil a bandeira, o hino,


as armas e o selo nacionais.

§ 2º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão ter símbo-


los próprios.

Isto é, não existe a menor possibilidade de não se reconhecer a Língua Portu-


guesa como o idioma oficial de nosso país, bem como nossos símbolos nacionais.

Outro preceito constitucional de aplicabilidade imediata, que pode servir como


exemplo, é o Artigo 2º de nossa Constituição Federal:
Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o
Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

Normas Constitucionais de Eficácia Contida


Também denominada núcleo restringível, esta espécie de norma constitucional
permite sua aplicação imediata, mas poderá o Estado, por intermédio de norma
infraconstitucional, reduzir a sua aplicabilidade.

Um bom exemplo pode ser retirado do Artigo 5º, XIII, da Constituição:


Art. 5º (...)

XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendi-


das as qualificações profissionais que a lei estabelecer;

Desse modo, no Brasil, é livre o exercício de qualquer atividade laboral lícita.


Entretanto, poderá o Estado restringir esse direito mediante o emprego de nor-
ma infraconstitucional.

Um exemplo é o exercício da profissão de advogado, que é regulada pelo Es-


tatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, Lei nº 8906, de 4 de julho de 1994, o
qual, dentre outros, estabelece que, para o exercício de atividade profissional como
advogado, devem ser preenchidos os seguintes requisitos:
Art. 8º Para inscrição como advogado é necessário:

I – capacidade civil;

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II – diploma ou certidão de graduação em direito, obtido em instituição de
ensino oficialmente autorizada e credenciada;

III – título de eleitor e quitação do serviço militar, se brasileiro;

IV – aprovação em Exame de Ordem;

V – não exercer atividade incompatível com a advocacia;

VI – idoneidade moral;

VII – prestar compromisso perante o conselho.

Normas Constitucionais de Eficácia Limitada


Trata-se de preceitos constitucionais que somente poderão ser aplicados median-
te a existência de uma norma infraconstitucional.

Por exemplo:
Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo
ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fis-
calização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através
de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.

O Artigo trata do exercício de uma atividade tida pelo Estado como um direito
fundamental, o direito à saúde, que tem caráter coletivo no que concerne às ações
de saúde.

O texto constitucional delimita a necessidade de Lei para regrar ações de regu-


lamentação, fiscalização e controle.

Dessa forma, sem a existência de Norma Legislativa (Lei) não será possível a
adoção das medidas de controle dos serviços de saúde.

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UNIDADE Lições Preliminares Sobre à Constituição

Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

 Leitura
A importância da Constituição de 1988 para a efetivação de direitos
http://bit.ly/2kfswBW
Os direitos fundamentais: suas dimensões e sua incidência na Constituição
http://bit.ly/2kfsKZO
Constituição Federal de 1988
http://bit.ly/2kehxIX
Os Estados membros e a Federação: suas respectivas autonomia e soberania
http://bit.ly/2JDpeCv

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Referências
ARAÚJO, L. A. D; NUNES JÚNIOR, V. S. Curso de Direito Constitucional.
9.ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

BASTOS, C. R. Curso de Direito Constitucional. 2.ed. São Paulo: Saraiva. 2001.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 out. 1988.


Senado Federal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>.

________. Lei 10520, de 17 de julho de 2002. Institui a modalidade de licitação


denominada pregão. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
Leis/2002/L10520.htm>.

________. Lei 12462, de 4 de agosto de 2011. Institui o Regime Diferenciado


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