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Uma das primeiras experiências do que conhecemos como Educação Especial e da qual
temos um registro fidedigno, diz respeito ao caso de uma criança que vivia na floresta no sul da
França. Victor do Aveyron foi encontrado no ano de 1800, na passagem do século XVIII para o
XIX. Aparentava ter entre 12 e 15 anos, emitia grunhidos e sons estranhos, não reagia a sons
fortes e cheirava tudo o que levava às mãos (Banks-Leite e Galvão, 2000, p. 12). Avaliado por
uma junta médica, o diagnóstico foi idiotia (atualmente, deficiência intelectual) e não haveria
meios de educá-lo. Contrariando seus colegas, o médico Jean-Marc- Gaspard Itard (1774-1838),
acreditou na possibilidade de educar a criança. Para ele, Victor teria ficado privado de contato
social por muito tempo, por isso se comportava daquela forma.
O aluno com deficiência não pode ser comparado aos outros alunos sem deficiência. O
aluno com autismo vai aprender, mas talvez não aprenda todos os conteúdos do currículo e na
maioria das vezes, ele vai precisar de suportes específicos para que a aprendizagem ocorra. É
disso que a educação especial trata: das modificações necessárias para que o aprendiz possa
acontecer.
As adaptações curriculares
Tannús- Valadão (2013) afirma que no Brasil, o PEI não é garantido por lei, como em
outros países. Mas podemos, os professores contam com o suporte legal para modificarem
(quando e se necessário), o currículo escolar de um aluno com deficiência. Os parâmetros
curriculares são referenciais para a organização do sistema educacional do país e buscam
garantir respeito à diversidade através de suas orientações (Brasil, 1988).
Alguns professores costumam pegar atividades para seus alunos com autismo nas séries
anteriores, entregam para os alunos desenhos para colorir ou outras atividades sem
planejamento. Estas ações não correspondem à adaptação ou flexibilização curricular, pois não
são planejadas. É importante esclarecer que flexibilizar o currículo é levar em conta as
capacidades do aprendiz e não desconsiderá-las. E para conhecer as capacidades do aluno é
essencial realizar uma avaliação pedagógica.
Muitos alunos com TEA vão seguir o mesmo currículo que seus colegas de classe. Outros
vão necessitar de mudanças pontuais. E outros vão requerer intervenções mais consistentes no
currículo. Além disso as adaptações podem variar sendo significativas (de grande porte) ou não
significativas (de pequeno porte). Oliveira e Machado (2007), ao comentar as orientações dos
PCNs sobre as adaptações, esclarecem que as adaptações de pequeno porte exigem “a
autorização de qualquer instância política, técnica ou administrativa, ocorrendo no cotidiano da
sala de aula” (Oliveira e Machado 2007, p.44). Já as adaptações de grande porte, são aquelas
que exigem ações de natureza diversas, burocráticas, políticas ou administrativas. Para as
autoras:
No caso específico dos alunos com TEA, o diagnóstico pedagógico deve ser realizado
levando em conta a diversidade característica do quadro, ou seja, é necessário avaliar se as
alterações curriculares deverão ser de grande porte ou de pequeno porte. Essa é a primeira
avaliação que deve ser realizada e é importante que a equipe pedagógica mantenha um contato
eficiente com a família e com os terapeutas do aluno. Ouvir os profissionais que acompanham
e a família é fundamental para iniciar o processo de modificação de currículo.
Essa primeira avaliação permite ainda esclarecer se determinado aluno necessita ou não
de mediador. O profissional de apoio à inclusão está previsto na Lei Brasileira de Inclusão (LBI)
sancionada em 2016. O perfil deste profissional deve ser muito bem avaliado pela equipe
pedagógica, pois é necessário que este tenha conhecimentos sobre autismo e compreenda seu
papel junto ao aluno. O nome “mediador” nos parece mais condizente com a função que este
profissional deve assumir. Ele deve medir as relações do aluno, tanto com os colegas (aspecto
fundamental para o aluno com autismo, que tem dificuldades em estabelecer ou manter o
contato) e em outras situações com o próprio objeto de conhecimento, facilitando o acesso da
criança ao que é ensinado. Nem toda criança com TEA necessitará de mediação. Outras
necessitarão por um período de tempo. Outras ainda, por todo o percurso escolar. De qualquer
forma, a autonomia da criança deve ser almejada sempre. Para isso, o mediador deve reduzir o
nível de suporte sempre que possível.
Nos casos de TEA, o fato do aluno ser verbal ou não-verbal, faz grande diferença. Se a
criança é não-verbal, faz-se necessário estabelecer uma comunicação. Mas é preciso lembrar
que diversos casos de autismo que têm sido descritos no mundo (Orrú, 2016) tem revelado a
complexidade do transtorno: muitos permanecem não verbais, embora estabeleçam formas de
se comunicar que apontam para uma inteligência preservada e, por vezes, requintada. É preciso
então, avaliar o que a criança sabe e o que não sabe com cuidado, sem se ater às primeiras
impressões que podem ser falsas.
Uma nova abordagem ao currículo que tem demonstrado ser uma importante
contribuição é o Desenho Universal de Aprendizagem (DUA). Nesta abordagem, ao invés de
sublinhar as limitações dos alunos, o professor deve ser capaz de analisar as limitações na gestão
do currículo. Os princípios do DUA podem ser resumidos em: proporcional múltiplos meios de
envolvimento (estimular o interesse); proporcionar múltiplos meios de representação
(apresentar a informação e o conteúdo em múltiplos formatos) e, por fim, proporcionar
múltiplos meios de ação e expressão (permitir formas alternativas de expressão e demonstração
das aprendizagens). (Madureira, 2015)
O PDI pode ser entendido como um registro que na sua completude funciona como um
documento de: a) apresentação do aluno – histórico familiar, diagnóstico e escolar; b) de
instrumento avaliativo – quando se registra as habilidades escolares adquiridas, em aquisição,
ou não adquiridas pelo aluno; c) de plano de ação – onde se registra objetivos e as ações
necessárias para alcançá-los. No PDI deve-se destacar as competências a serem desenvolvidas;
os comportamentos que precisam ser eliminados, substituídos e formados; os resultados que se
espera alcançar; a integração família e equipe; bem como as estratégias gerias propostas. Nesse
documento, se estabelece que é necessária uma avaliação prévia do aprendizado do aluno
levando-se em consideração o contexto e o ambiente.
O PDI cumpre sua função quando instaura um olhar individualizado ao aluno público
alvo da educação especial com o objetivo de garantir-lhe o direito ao aprendizado dentro da
escola. Além disso, esse documento acompanha a vida escolar do aluno, constituindo-se como
um importante subsídio para conclusão do ensino médio e encaminhamento para o trabalho,
ou para níveis mais elevados da escolarização. Por ser um instrumento norteador, que orienta
o trabalho do professor e acompanha o desempenho do aluno, funciona também como um
relatório para o próximo professor, com o objetivo de se construir uma intervenção continuada
e não um somatório de intervenções desconectadas.
É possível fazer uma análise da situação de inclusão escolar dentro da sala de aula
quando elegemos como critério o aprendizado e a autonomia e, como referencial, o repertório
acadêmico dos pares. Seguindo a combinação desses, temos quatro tipos de situação de
inclusão, o primeiro seria aquele em que os alunos fazem a maior parte das atividades iguaais a
da turma, ou seja, seguem o currículo pragmático escolar, e realizam essas atividades com
compreensão alta e ajuda baixa. Esses são alunos que apresentam um repertório acadêmico e
ou social muito próximo ao repertório dos pares. O segundo tipo são aqueles alunos que
realizam as mesmas atividades que os colegas, porém, o fazem com baixa compreensão e com
muita ajuda. O terceiro tipo é composto por aqueles alunos que não realizam nenhuma, ou
quase nenhuma, atividade igual à dos colegas, porém, com o diferencial de que as atividades
realizadas pela criança foram desenvolvidas especificamente para ela, considerando o seu nível
de desenvolvimento atual e respeitando o seu estilo cognitivo. Trata-se de uma situação de
inclusão em que a criança não faz o mesmo que os colegas, mas está exposta e uma situação de
ensino planejada. Nesse tipo, é comum observamos alunos que apresentam uma amplitude
relevante que separa o seu repertório de habilidades acadêmicas e ou sociais do repertório de
seus colegas. Já o quarto tipo trata-se de uma situação de inclusão na qual o aluno, devido a
grande amplitude que separa o seu repertório acadêmico e social do repertório de seus colegas,
realiza a maior parte das atividades diferente da turma. Entretanto, trata-se de atividades sem
planejamento, ou seja, não consideram o desenvolvimento atual do aluno e seu estilo cognitivo.
Seria, portanto, uma situação de inclusão na qual o aluno não está tendo acesso a uma situação
de ensino planejada. Aqui, fica evidente a relevância do papel da escola, que pode agir como
agente modificador dessa situação.
Programas:
Conclusão
A educação da criança com transtorno do espectro do autismo é um
desafio possível. A forma como ela aprende o mundo difere da forma como a
maior parte das pessoas aprende. Nesse sentido, a tão almejada “educação para
todos” precisa se organizar de forma a reconhecer as especificidades dos
sujeitos, as características singulares de “cada um”.
A proposta aqui apresentada de avaliar a situação de inclusão do aluno
nos parece fundamental. Dessa forma, os apoios necessários para a
aprendizagem ocorra não são escolhidos a partir do diagnóstico do aluno – se
grave, moderado ou leve -, mas a partir do que se está exigindo dele na sala de
aula. Desloca-se o foco do aluno, para a situação em que está inserido.
Ao avaliar a situação de inclusão, o professor poderá propor metas que
sejam possíveis de serem alcançadas, trabalhar as potencialidades do sujeito e
organizar o currículo que realmente inclua o aluno.
O princípio de equidade é o norteador dessa proposta. A equidade
adapta a regra para um determinado caso específico, a fim de deixá-la mais
justa. Portanto, incluir na escola significa propiciar ao aluno as condições de
aprendizagem, ou como definimos neste artigo, propiciar uma situação de
inclusão condizente com suas características individuais.
Referências:
BANSK-LEITE, L E GALVÃO, I (2000). Uma introdução à história de Victor do
Aveyron e suas repercussões, in A educação de um selvagem – as experiências
pedagógicas de Jean Itard. São Paulo: Cortez, pp. 11-24.
________. (2015) Lei no. 13.146. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa
com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Disponível em:
http:///www.planaltp.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/Lei/L13146.htm.
Acesso em:22/02/2017.
ii
A proposta aqui foi apresentada e construída a partir da prática de acompanhamento de crianças com
TEA em escolas de rede pública e privada de Belo Horizonte. Uma pesquisa está sendo desenvolvida no
programa de pós-graduação em educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG), com o objetivo de comprovar os tipos de inclusão aqui descritos.
Parte integrante do livro O aluno com autismo na escola da coleção Toda Criança Pode Aprender. Autores:
Adriana Araújo Pereira Borges e Maria Luísa Magalhães Nogueira. Editora Mercado das Letras, 2018.