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D I R E I TO I NT E R NAC I O NA L

Kleber Sales

CARTA ROGATÓRIA E
COOPERAÇÃO INTERNACIONAL 39
LETTER ROGATORY AND INTERNATIONAL COOPERATION
Gilson Langaro Dipp

RESUMO ABSTRACT
Analisa o exequatur às cartas rogatórias, em face da nova The author examines the granting of exequatur to letters
competência do Superior Tribunal de Justiça estabelecida na rogatory, in view of the Superior Court of Justice’s new
Emenda Constitucional n. 45, relacionada à de homologar1 jurisdiction, set forth in the Constitutional Amendment
sentenças estrangeiras e conceder exequatur às cartas ro- No. 45, regarding the ratification of foreign court decisions
gatórias. and the granting of exequatur to letters rogatory.
Para tanto, aborda o conteúdo da carta rogatória; a compe- To this end, he addresses the contents of a letter rogatory;
tência do Superior Tribunal de Justiça para conhecer cartas the Superior Court of Justice jurisdiction to admit stricto sensu
rogatórias stricto sensu; a legitimidade de autoridade não- letters rogatory; the non-judicial party’s legal capacity to sue by
judicante para solicitar assistência judiciária por esse meio; a means thereof; the possibility of decisions being forwarded to
possibilidade de a carta rogatória encaminhar atos decisórios the Superior Court of Justice via letter rogatory for the checking
à delibação do STJ; e a possibilidade e os limites da conces- of formalities; and also the possibility and limits of the granting
são de exequatur sem oitiva prévia da parte interessada. of exequatur without previous deposition by the interested party.
Alega que, para o exame dessas questões, é indispensável o He states that the study of these issues require the notion that
conhecimento de que nem todo pedido de assistência jurí- not every claim for legal assistance made by a foreign authority
dica procedente de autoridades estrangeiras se enquadra no may fit into the constitutional concept of “letter rogatory”, as
conceito constitucional de “carta rogatória”, uma vez que a international cooperation practice is brimming with proceedings
práxis da cooperação internacional se encontra repleta de that are designated as such, which, however, are merely
pleitos assim rotulados que, contudo, não passam de pedi- requests for juridical assistance of an administrative nature.
dos de cooperação jurídica de natureza administrativa.
KEYWORDS
PALAVRAS-CHAVE International Law; International Procedural Law; Constitutional
Direito Internacional; Direito Processual Internacional; Direi- Law; Comparative Law; letter rogatory; international
to Constitucional; Direito comparado; carta rogatória; coo- cooperation; Constitutional Amendment No. 45/2004;
peração internacional; EC n. 45/2004; Superior Tribunal de Superior Court of Justice; foreign court decision; ratification.
Justiça; sentença estrangeira; homologação.

Revista CEJ, Brasília, Ano XI, n. 38, p. 39-43, jul./set. 2007


O presente trabalho pretende analisar o exequatur às car- apenas os elementos formais e a violação à ordem pública, con-
tas rogatórias, em face da nova competência do Superior Tribu- ceito no qual se inserem a soberania e os bons costumes.
nal de Justiça, abordando os seguintes aspectos: I) conteúdo da Note-se que a carta rogatória stricto sensu embute na sua
carta rogatória. Competência do STJ para conhecer cartas roga- origem uma decisão judicial estrangeira, mesmo que de natu-
tórias stricto sensu; II) legitimidade de autoridade não-judicante reza meramente processual, geralmente destinada ao impulso
para solicitar assistência judiciária por meio de carta rogatória; processual. Roga-se ao Estado requerido, por esse instrumento,
III) possibilidade de a carta rogatória encaminhar atos decisórios que se dê eficácia a determinações como citações e intimações,
à delibação do STJ; e IV) possibilidade e limites da concessão de produção de provas, perícias, cautelares etc. Sem o exequatur
exequatur sem oitiva prévia da parte interessada. pelo Superior Tribunal de Justiça, essas decisões processuais
não poderiam ter eficácia no Brasil. Portanto, não apenas o pro-
(...) haverá, no universo de medidas que cedimento da ação de homologação de sentenças estrangeiras,
podem ser rogadas por Estados estrangeiros mas, também, a carta rogatória stricto sensu encaminha à Jus-
tiça brasileira decisões judiciais que precisam da concessão de
ao Estado brasileiro, as que exigem e as
exequatur para serem aqui eficazes.
que dispensam o prévio juízo de delibação A carta rogatória em sentido estrito não é o único meio de
como condição de seu atendimento. cooperação entre Estados. Muitas vezes, em lugar de pedir para
que o Estado rogado dê execução a uma decisão judicial do
O correto balizamento das questões em análise exige a Estado rogante, ainda que de natureza processual, a autoridade
compreensão de que nem todo pedido de assistência jurídica, estrangeira pode optar por solicitar a assistência jurídica direta
encaminhado por autoridades estrangeiras a autoridades bra- do Estado requerido, procedimento também conhecido como
sileiras, enquadra-se no conceito de “carta rogatória” a que se “auxílio jurídico direto”.
refere a Constituição Federal, no art. 105, I, a, ainda que tal Pelo pedido de auxílio jurídico direto, o Estado estrangeiro
assistência tenha sido encaminhada sob esse rótulo. Em outras não se apresenta na condição de juiz, mas de administrador.
palavras, haverá, no universo de medidas que podem ser roga- Não encaminha uma decisão judicial a ser aqui executada, e
das por Estados estrangeiros ao Estado brasileiro, as que exigem sim solicita assistência para que, no território nacional, sejam
e as que dispensam o prévio juízo de delibação como condição tomadas as providências necessárias à satisfação do pedido.
de seu atendimento. Se as providências solicitadas no pedido de auxílio estran-
40 Imagine-se a hipótese de investigação ou processo judicial geiro exigirem, conforme a lei brasileira, decisão judicial, deve a
em jurisdição estrangeira carecer, para seu deslinde, de infor- autoridade competente promover, na Justiça brasileira, as ações
mações disponíveis ao público no Brasil. Por exemplo, infor- judiciais necessárias.
mações constantes de processo judicial em curso no Brasil, não O Estado estrangeiro, ao se submeter à alternativa do pe-
protegido por segredo de justiça. O pedido de fotocópia desses dido de auxílio jurídico direto, concorda que a autoridade judi-
autos, ainda que encaminhado pela autoridade estrangeira sob ciária brasileira, quando a providência requerida exigir pronun-
o rótulo “carta rogatória”, não se enquadraria na hipótese do ciamento jurisdicional, analise o mérito das razões do pedido. O
procedimento judicial que a Constituição, pela Emenda Cons- mesmo não ocorre no julgamento da carta rogatória pelo STJ,
titucional n. 45, reservou à competência do Superior Tribunal cujo sistema exequatur impede a revisão do mérito das razões
de Justiça. Tratar-se-ia, por óbvio, de mera cooperação admi- da autoridade estrangeira, salvo para verificar violação à ordem
nistrativa. Não obstante o rótulo de “carta rogatória” na origem, pública e à soberania nacional. Na carta rogatória, dá-se eficácia
não teria a substância do procedimento judicial constitucional a uma decisão judicial estrangeira, ainda que de natureza pro-
de mesmo nome. cessual ou de mero expediente. No pedido de auxílio, busca-se
A práxis da cooperação internacional está repleta de pedi- produzir uma decisão judicial doméstica e, como tal, não-sujeita
dos rotulados como “carta rogatória”, que, em substância, não ao juízo de delibação.
passam de pedidos de cooperação jurídica de natureza adminis- A decisão de cooperar com um Estado estrangeiro, pres-
trativa. Na eventualidade de o Ministério das Relações Exteriores tando-lhe o necessário auxílio, insere-se no contexto das rela-
ou o Ministério da Justiça repassarem, indevidamente, pedidos ções internacionais que devem ser mantidas pelo Presidente da
de cooperação administrativa ao STJ, para fins de delibação, es- República. Portanto, os pedidos de auxílio, assim como as cartas
tes não deveriam ser reconhecidos. Em juízo de admissibilidade, rogatórias, ambos meios de cooperação jurídica internacional,
é preciso ir além do rótulo e identificar, na substância, o pedido são encaminhados por via diplomática ou por meio de autori-
de cooperação, os traços característicos da carta rogatória a que dade central prevista em tratado.
se refere a Constituição. A carta rogatória com sede constitucio- Se um pedido de auxílio jurídico direto é encaminhado por
nal e que, portanto, deve ser analisada em juízo de delibação, é equívoco ao STJ, como se fosse uma carta rogatória em sentido
a chamada “carta rogatória em sentido estrito”. estrito, não cabe conhecimento. Neste sentido, o art. 7°, pará-
Na carta rogatória stricto sensu, cabe à autoridade judiciá- grafo único, da Resolução n. 9 da Presidência do STJ, de 4 de
ria brasileira, na atual ordem constitucional o Superior Tribunal maio de 2005, é explícito (Grifo nosso):
de Justiça, exercer o juízo de delibação da decisão/solicitação Art. 7º As cartas rogatórias podem ter por objeto atos de-
estrangeira. Não há, nesse juízo de delibação, análise de mérito cisórios ou não decisórios.
das razões que levaram a autoridade estrangeira a decidir pela Parágrafo único. Os pedidos de cooperação jurídica in-
realização da diligência solicitada. Analisam-se, como se sabe, ternacional que tiverem por objeto atos que não ensejem juízo

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de delibação pelo Superior Tribunal de dico brasileiro, a quebra de sigilo bancário mou entendimento de que são insuscetí-
Justiça, ainda que denominados como e o seqüestro de bens situados no territó- veis de cumprimento, no Brasil, cartas ro-
carta rogatória, serão encaminhados rio nacional somente podem ser obtidos gatórias que caracterizem ofensa à ordem
ou devolvidos ao Ministério da Justiça por meio de ordem judicial, ainda que pública ou à soberania nacional ou que
para as providências necessárias ao proveniente de juiz ou tribunal estrangei- tenham caráter executório, ressalvadas as
cumprimento por auxílio direto2. Em re- ro. Não se exige que a decisão seja nacio- expedidas com fundamento em acordos
cente julgado no STJ, foi discutido se os nal, mas sim judicial, conforme deixou ou convenções internacionais (Cf. CR
membros do Ministério Público italiano, claro o Ministro Sepúlveda Pertence, do 8622 (Agr), Min. Marco Aurélio, DJ de
pela singular razão de pertencerem à Supremo Tribunal Federal, ao julgar a 01/02/2002 e CR 9511, Min. Carlos
mesma carreira de magistratura naquele Carta Rogatória n. 7.154, em Velloso, DJ de 01/02/2001).
país, estariam autorizados a praticar atos 17/11/1995: Em decisão proferida ainda este
que, em tese, estariam reservados ao (...) quebra de sigilo bancário bem ano, o Ministro Nelson Jobim, ao julgar
Poder Judiciário. As funções que um como o bloqueio de contas, dependem, pedido de liminar no habeas corpus n.
membro da magistratura italiana exerce, no Brasil, de sentença que os decrete. 87.8517, lembrou que, naquele caso, na
em determinado momento, como mem- Deste modo, chega-se à conclusão de base do pedido de carta rogatória está o
bro do Ministério Público, não se confun- que as medidas em comento não pode- Tratado de Cooperação Internacional fir-
dem com as que pode exercer, em outro rão ser desde logo executadas, sem que mado entre o Brasil e a Itália, que prevê a
momento, como juiz. Pertencem a uma antes se proceda à homologação, na ju- possibilidade de cooperação entre os pa-
mesma carreira, mas exercem funções risdição brasileira, da sentença estran- íses signatários, mesmo quando o pedido
distintas. Um acusa, outro julga. Não se geira que as tenham determinado4. envolve cumprimento de diligências de
questiona a legitimidade de o Ministério O Ministério Público italiano pode re- caráter executório ou o envio de informa-
Público italiano, ou outro, de sistema si- querer cooperação internacional por carta ções sigilosas.
milar, solicitar auxílio jurídico ao Estado rogatória para as medidas de quebra de O pedido de carta rogatória foi
brasileiro. Na verdade, uma vez que o sigilo bancário e seqüestro de bens. formulado com base no Tratado de Co-
pedido tramitou por via diplomática ou É certo que o Supremo Tribunal Fe- operação Internacional firmado entre
por meio de autoridade central prevista deral, em algumas decisões no exercício o Brasil e Itália. Conforme exposto na
em tratado, o pedido se converte em pe- de juízo de delibação, hoje de compe- decisão ora atacada, o art. 2° do tra-
dido de cooperação do Estado italiano, tência deste Superior Tribunal de Justiça, tado prevê a possibilidade de coopera- 41
dirigido ao Estado brasileiro e como tal entendeu que a carta rogatória não pode ção entre os países signatários, mesmo
deve ser analisado. Note-se que o ter efeito executório e, conseqüente- quando o pedido envolve cumprimento
Supremo Tribunal Federal, por decisão mente, não pode se prestar à quebra de de diligências de caráter executório ou
monocrática do Ministro Maurício Corrêa, sigilo bancário e ao seqüestro de bens. o envio de informações sigilosas. Isso
admitiu a Carta Rogatória n. 10.9253, re- Na própria Carta Rogatória n. 7.154, an- porque o direito à privacidade e à inti-
querida na origem pelo Ministério Público teriormente citada, essa é a conclusão a midade, embora protegidos constitucio-
italiano, no caso, a Procuradoria da que chega o então Presidente do STF, nalmente, não são absolutos. Podem
República junto ao Tribunal de Turim. Ministro Sepúlveda Pertence. sofrer limitações. No caso concreto, não
Porém, é preciso observar se a autoridade
do Estado rogante é competente para A decisão de cooperar com um Estado estrangeiro,
determinar a medida cuja eficácia preten- prestando-lhe o necessário auxílio, insere-se no contexto
de seja estendida ao território nacional.
Trata-se, neste caso, do critério da com-
das relações internacionais que devem ser mantidas pelo
petência na origem. É possível que deter- Presidente da República.
minada medida que, no Brasil, somente
seria processada por autoridade do Poder Em 1953, na Carta Rogatória n. 337, verifico flagrante ilegalidade na decisão
Judiciário seja, na origem, atribuição de relatada pelo Ministro José Linhares, o que concedeu o exequatur, pois está
outra autoridade, como um membro do STF já decidia no seguinte sentido: Carta devidamente fundamentada e respeitou
Ministério Público. Considerando as me- rogatória executória. Inadmissibilidade. os limites estabelecidos na legislação
didas de quebra de sigilo bancário e se- Seqüestro, importando em execução aplicável .
qüestro de bens, o Ministério Público ita- forçada5. Desde então, principalmente Assim, em tese, estaria em conso-
liano poderia requerê-la. Ou seja, admi- em decisões monocráticas, o STF, reite- nância com a jurisprudência do Supremo
te-se que na Itália um membro do órgão radamente, entendeu que as cartas roga- Tribunal Federal a concessão de exequa-
acusador poderia requerer dados bancá- tórias não podem ter efeito executório. tur em carta rogatória executória prove-
rios e o seqüestro de bens. Mas também Tem o STF ressalvado a possibilidade de niente da Itália, haja vista a existência de
é preciso levar em consideração, além da rogatória executória quando prevista em acordo de assistência jurídica mútua com
competência na origem, outras disposi- acordos internacionais. Neste sentido, o aquele país. Haveria ainda, para embasar
ções do ordenamento jurídico brasileiro, Ministro Maurício Corrêa, ao julgar a Car- o exequatur, a Convenção das Nações
especialmente as garantias constitucio- ta Rogatória n. 11.0056: Unidas contra o Crime Organizado Trans-
nais. De acordo com o ordenamento jurí- Convém ressaltar que esta Corte fir- nacional, promulgada no Brasil pelo De-

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creto n. 5.015, de 12 de março de 20048, e que também prevê (...) O Protocolo de Las Leñas não afetou a exigência
a cooperação em medidas executórias. de que qualquer sentença estrangeira – à qual é de equipa-
É preciso haver, no pedido de cooperação formulado rar-se a decisão interlocutória concessiva de medida caute-
pelo Ministério Público italiano, decisão que possa ser deliba- lar – para tornar-se exeqüível no Brasil, há de ser previa-
da pelo STJ para posterior execução no território nacional. mente submetida à homologação do Supremo Tribunal
Não compete ao Superior Tribunal de Justiça, no exercí- Federal, o que obsta à admissão de seu reconhecimento in-
cio da competência atribuída pela Constituição Federal para cidente, no foro brasileiro, pelo juízo a que se requeira a
conceder exequatur a cartas rogatórias e homologar senten- execução; inovou, entretanto, ao prescrever que a homolo-
ças estrangeiras, produzir uma decisão de quebra de sigilo gação (dito reconhecimento) de sentença provinda dos
bancário ou de seqüestro de bens, mas, tão-somente, dar Estados partes se faça mediante rogatória, o que importa
eficácia a uma decisão estrangeira. O papel do STJ, como admitir a iniciativa da autoridade judiciária competente do
juízo de delibação, não é o de analisar fatos, provas e pro- foro de origem e que o exequatur se defira independente-
duzir decisões originárias, mas permitir ou não que decisões mente da citação do requerido, sem prejuízo da posterior
estrangeiras tenham eficácia no território nacional. manifestação do requerido, por meio de agravo à decisão
concessiva ou de embargos ao seu cumprimento10.
De acordo com o ordenamento jurídico Conforme Antenor Madruga, não há, do ponto de vista
do controle de delibação, diferença ontológica entre o pro-
brasileiro, a quebra de sigilo bancário e o
cedimento da carta rogatória e o da homologação de sen-
seqüestro de bens situados no território tenças estrangeiras: Ambos instauram juízos de delibação
nacional somente podem ser obtidos por meio ou, como prefere a doutrina, provocam instância de ‘exe-
quatur’, onde se exercerá o controle judicial das decisões
de ordem judicial, ainda que proveniente de
estrangeiras (...) A diferença é apenas procedimental, ten-
juiz ou tribunal estrangeiro. do a homologação a natureza de ação judicial, posto que
deve ser provocada pela parte interessada. (...) Tanto a
Entretanto, ressalvo, que a carta rogatória stricto sensu decisão encaminhada pela autoridade judiciária estran-
possui natureza também de procedimento homologatório geira, via rogatória, no interesse da cooperação interna-
de atos decisórios estrangeiros e poderia, se fosse o caso, cional, como a apresentada diretamente pela parte priva-
42 carrear atos decisórios. Não serviria a rogatória à homologa- da interessada, receberão da instância de exequatur o
ção de “sentenças” estrangeiras, mas sim de decisões que, mesmo controle de delibação 11.
embora judiciais, não têm o caráter de sentença definitiva. É necessário haver, no pedido de cooperação, recebido
Esta hipótese está prevista no caput do art. 7° da Resolução como carta rogatória, ato decisório que, na origem, determi-
n. 9/2005 da Presidência do STJ, que dispõe: ne a quebra de sigilo bancário ou o seqüestro de bens para
Art. 7° As cartas rogatórias podem ter por objeto atos de- haver o juízo de delibação. Logo, embora admita que a carta
cisórios ou não decisórios. O processo de “homologação de rogatória possa encaminhar atos decisórios à delibação do
sentenças estrangeiras” tem sido tradicionalmente reservado, STJ, no que concerne ao pedido de quebra de sigilo bancário
no Brasil, às sentenças terminativas. Segundo Agustinho Fer- e seqüestro de bens, essencial a existência de decisão judicial
nandes Dias da Silva, a “sentença”, aí significa o julgado, ou, que decrete essas providências.
melhor, a decisão proferida por um órgão jurisdicional, pondo O Ministro Nelson Jobim, ao analisar o pedido de li-
termo a um conflito ou determinando uma situação9. Contu- minar no habeas corpus n. 87.851, impetrado junto ao Su-
do, isso não significa que decisões judiciais estrangeiras que premo Tribunal Federal, afastou, nos seguintes termos, a
não tenham esse caráter terminativo não possam ter eficácia alegação de que houve cerceamento de defesa por falta de
no território brasileiro, desde que previamente delibadas pelo intimação dos interessados para apresentar impugnação à
Superior Tribunal de Justiça, como manda a Constituição. As carta rogatória:
cartas rogatórias stricto sensu são, ao lado da carta de ordem e O Presidente do STJ poderá deixar de intimar os inte-
da carta precatória, instrumentos de comunicação entre autori- ressados quando tal comunicação puder frustrar o cumpri-
dades judiciárias, reservadas, contudo, à comunicação interju- mento das diligências solicitadas. É o que está previsto no
risdicional. Neste sentido, podem perfeitamente encaminhar a parágrafo único do art. 8° da Resolução n. 09/05-STJ: “Art.
comunicação de autoridade judiciária de outro país que roga à 8° (...). Parágrafo único. A medida solicitada por carta ro-
autoridade judiciária brasileira a execução de sua decisão. gatória poderá ser realizada sem ouvir a parte interessada
O Supremo Tribunal Federal, ao analisar o Protocolo de quando sua intimação prévia puder resultar na ineficácia
Las Leñas, que regulamenta cooperação jurídica no âmbito da cooperação internacional”.
do Mercosul, reconheceu que a carta rogatória também pode De fato, o art. 8° da Resolução n. 9/05-STJ é claro ao
ser instrumento para a homologação de sentenças estrangei- permitir a tutela de urgência dos pedidos de cooperação in-
ras. Neste caso, o STF incluiu as decisões interlocutórias no ternacional. Do contrário, medidas essenciais de prevenção
conceito de sentença, como se vê do trecho da ementa do e combate ao crime transnacional, como escutas telefônicas
acórdão proferido no Agravo Regimental na Carta Rogatória e seqüestro de bens, poderiam resultar ineficazes com a inti-
n. 7.613, julgado em 3/4/1997, tendo como Relator o Minis- mação prévia dos interessados.
tro Sepúlveda Pertence: Ao julgar a Carta Rogatória n. 7.613, o pleno do Supremo

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Tribunal Federal entendeu ser possível risdição estrangeira. Rio de Janeiro: Villani,
1971. p. 93.
que o exequatur se defira independen-
10 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo
temente da citação do requerido, sem Regimental na Carta Rogatória n. 7.613 –
prejuízo da posterior manifestação do República Argentina. Relator: Ministro
requerido, por meio de agravo à deci- Sepúlveda Pertence. Julgado em 3 abr. 1997.
Diário da Justiça, Brasília, DF, 9 maio 1997.
são concessiva ou de embargos ao seu Seção I. p. 18154.
cumprimento. Ademais, no processo 11 MADRUGA FILHO, Antenor Pereira. O Brasil e a
penal brasileiro, a realização de quebras jurisprudência do STF na Idade Média da
Cooperação Jurídica Internacional. In:
de sigilos legais e seqüestros pode MACHADO, Maíra Rocha; REFINETTI, Domin-
ocorrer sem a prévia manifestação da gos Fernando (Org). Lavagem de dinheiro e
parte interessada, não possibilitando recuperação de ativos: Brasil, Nigéria, Reino
Unido e Suíça. São Paulo: Quartier Latin, 2006.
alegações de cerceamento de defesa. p. 94-96.
Deve-se, contudo, ter a preocupa-
ção de determinar apenas as medidas
Artigo recebido em 20/9/08.
necessárias à garantia da eficácia do
pedido de cooperação.
A jurisprudência do Superior
Tribunal de Justiça, que começa a se
delinear, encaminha-se na direção aci-
ma explicitada.

NOTAS E REFERÊNCIAS
1 BRASIL. Constituição (1988). Emenda
Constitucional n. 45, 8 dez. 2004. Altera e dis-
positivos da Constituição Federal. Diário Oficial
(da) União da República Federativa do Brasil.
Brasília, DF: Senado Federal, 2004.
2 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resolução
n. 9, de 4 de maio de 2005. Dispõe, em caráter 43
transitório, sobre competência acrescida ao
Superior Tribunal de Justiça pela Emenda
Constitucional n. 45/2004. Diário da Justiça,
Brasília, DF, 10 maio 2005. Seção I. p. 163.
Disponível em: <http://www.stj.gov.br/SCON/le-
gislacao/doc.jsp?livre=9&norma=%27RES%27&
&b=LEGI&p=true&t=PRODASEN&l=20&i=1>.
Acesso em: 13 fev. 2008.
3 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Carta
Rogatória n. 10.925 - República Italiana.
Relator: Ministro Maurício Corrêa. Julgado em
5 maio 2004. Diário da Justiça, Brasília, DF, 17
maio, 2004, Seção I, p. 7.
4 _____________. Carta Rogatória n. 7.154 –
Suíça. Relator: Ministro Sepúlveda Pertence.
Julgado em 17 nov. 1995, Brasília, DF.
5 _____________. Carta Rogatória n. 337. Mi-
nistro José Linhares. Julgado em 10 maio 1953.
Diário da Justiça, Brasília, DF, 13 ago. 1953.
Seção I.
6 _____________. Carta Rogatória n. 11.005
– República Portuguesa. Relator: Ministro Mau-
rício Corrêa. Julgado em 28 nov. 2003. Diário da
Justiça, Brasília, DF, 12 dez. 2003, Seção I, p. 5.
7 _____________. Habeas Corpus n. 87.851.
Relator: Ministro Carlos Britto. Decisão proferi-
da Ministro Nelson Jobim em 31 jan. 2006. Diá-
rio da Justiça, Brasília, DF, 7 fev. 2006. Seção I,
p. 2.
8 BRASIL. Decreto n. 5.015, de 12 de março de
2004. Promulga a Convenção das Nações
Unidas contra o Crime Organizado
Transnacional. Diário Oficial (da) República
Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília,
DF: Senado Federal. 13 mar. 2004.
Gilson Langaro Dipp é Ministro do
9 SILVA, Agustinho Fernandes Dias da. Direito Superior Tribunal de Justiça, Coordenador-
processual internacional: efeitos internacionais Geral da Justiça Federal e Diretor do
da jurisdição brasileira e reconhecimento da ju-
Centro de Estudos Judiciários.

Revista CEJ, Brasília, Ano XI, n. 38, p. 39-43, jul./set. 2007

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