Você está na página 1de 41

INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DE SANTA CATARINA

CÂMPUS URUPEMA
CURSO SUPERIOR DE ENGENHARIA DE ALIMENTOS
DISCIPLINA BIOQUÍMICA DE ALIMENTOS

Transformações Bioquímicas em
Produtos de Origem Animal
Profa. Giliani Veloso Sartori
Objetivos
• Conhecer a composição da carne
• Compreender o mecanismo de contração muscular
• Compreender as alterações metabólicas da conversão do músculo
em carne
A carne é o resultado das diversas transformações químicas sofridas
pelo músculo após o abate dos animais.

As modificações físicas e químicas que ocorrem no músculo nas


primeiras 24h após o abate determinam as características e
propriedades da carne  manejo pré-abate, abate e resfriamento
Composição da carcaça

Carcaça é o produto do abate de animais sacrificados com vistas ao aproveitamento


da carne como alimento  músculos, ossos e gordura
Não é carcaça: couro, vísceras, cabeça,
patas, gorduras cavitarias e rabo.

Composição depende da raça, da


composição genética, da idade, da
alimentação, do manejo e das
condições ambientais.

Carne:
46-65% - ovelhas
49-68% - bovinos
36-64% - suínos
Composição do músculo

4 tipos básicos de tecido: epitelial, nervoso, conjuntivo e muscular

Diferenças na qualidade e maciez na carne

1) Tecido epitelial:

Normalmente removido no abate;


Interno ou externo
Funções:
- Proteção
- Excreção
- Transporte
- Absorção
- Percepção sensorial
2) Nervoso:

- Sistema nervoso central e periférico

SNC:
- Cérebro + medula espinhal
- Células = neurônios e células de sustentação

SNP:
- Fibras nervosas
Transmissão de impulsos nervosos e estímulos
sensoriais
3) Tecido conjuntivo:

Mantém ligadas várias partes do corpo do animal


Envolve os músculos, os feixes de fibras e as fibras musculares individualmente

- Tecido conjuntivo adiposo


- Tecido conjuntivo linfático
- Tecido conjuntivo propriamente
dito: fibras extracelulares (colágeno
+ elastina) + Substância
fundamental (glicoproteínas
solúveis, tropocolágeno,
tropoelastina). As fibras formam o
tecido conjuntivo denso e tecido
conjuntivo frouxo

Fonte: Piemonte et al.


https://www.herrero.com.br/files/revista/file8f16f340eb113ec5168602fd45bb66e9.pdf
3) Tecido conjuntivo:

Colágeno: proteína estrutural do tecido conjuntivo, é a mais abundante do tecido


animal, chegando à proporção de 20 a 25% da proteína total dos mamíferos 
maciez da carne
- maior concentração em tendões e nos ligamentos
- musculatura das extremidades contém mais colágeno que dorso
- alto em glicina, prolina e hidroxiprolina
- as fibras de colágenos são praticamente inextensíveis, incolores quando
estão individualmente e brancas nos tendões
- as moléculas de colágenos fazem ligações cruzadas entre si, relacionadas com
a insolubilidade e resistência à tensão = quanto mais velho o animal, mais difícil de
romper e menos solúvel são as fibras
- o aquecimento prolongado em água fervente converte o colágeno em
proteínas solúveis denominadas gelatinas
3) Tecido conjuntivo:

Fibras elásticas:

- Constituídas de elastina
- Cor amarelada
- Presentes nos ligamentos, paredes das artérias, envolvimento de muitos órgãos
e músculos
- São elásticas, distendem-se e voltam ao normal
- Composta de glicina e prolina
- Insolúvel e resistente às enzimas digestivas.

Fibras reticulares:

- Suporte ao epitélio, vasos sanguíneos, estruturas neurais e fibra muscular


3) Tecido conjuntivo:

Tecido conjuntivo adiposo:

- Adipócitos – células de armazenamento de gordura


- Reserva de energia, modelação do corpo, preenchimento de espaços entre
tecidos, isolamento térmico
4) Tecido muscular:
Perimísio, epimísio e endomísio  tecido conjuntivo
Zona H e
linha M

Invaginações do
sarcolema
Mecanismo de contração muscular
Mecanismo de contração muscular
https://www.youtube.com/watch?v=0Dw3v1r_HKg
Músculo Liso:

- Presente nas paredes do trato digestivo e das vias respiratórias, nos ductos
urinários e genitais, nas paredes das artérias, veias e grandes vasos
linfáticos e na pele.
- Corresponde a uma pequena parte das carnes
- Apenas um núcleo, retículo sarcoplasmático menos desenvolvido em
relação à musculatura esquelética.
- Miofilamentos menos ordenados do que no músculo esquelético
- Actina e miosina existem na mesma proporção que no músculo
esquelético, mas não formam estrias
Composição química da carne

Principal constituinte da carne  músculo esquelético

 Água  75%; transporte de substâncias


 Proteínas  16 a 22%; sarcoplasmáticas, miofibrilares e
estromáticas; substâncias nitrogenadas não proteicas
 Gordura  1,5 a 13%; triglicerídeos e fosfolipídios
 Carboidratos  glicogênio
 Constituintes inorgânicos  cálcio, magnésio, sódio,
potássio, ferro, fósforo, enxofre, cloro
Proteínas da carne:

- Sarcoplasmáticas:
30 a 35% do total de proteínas
Incluem Mioglobina (responsável pela respiração celular e
coloração da carne) e Enzimas do metabolismo muscular

- Miofibrilares:
52 a 56% do total de proteínas
contração muscular

- Estromáticas:
10 a 15% do total de proteínas
são insolúveis em meio aquoso
Colágeno (40 a 60%) e Elastina (10 a 20%)
Mudanças Bioquímicas no Músculo pós-abate

Conversão do músculo em carne Pré-rigor, rigor mortis e pós-rigor

1) Pré-rigor:
- Tecido muscular é macio, flexível e
caracterizado bioquimicamente pela
queda dos níveis de ATP e de creatina-
fosfato e glicólise ativa
- Em animais previamente descansados e
bem alimentados, as reservas de
glicogênio são maiores  pH menor Redução pH
pós-morte
2) Rigor mortis:
- Estabelecimento de rigidez e inflexibilidade do músculo
- Causado pela queda da acidez
- Formação do complexo actomiosina
- Inicia 1 a 12h após abate
- Peixes período menor de instauração do rigor mortis

3) Pós Rigor mortis:


- Carne torna-se gradualmente tenra e macia
- Sensorialmente aceitável
- Mamíferos – 2 a 3 semanas a 2ºC após rigor mortis
Abate  cessa circulação sanguínea  queda do suprimento de oxigênio  queda no
potencial de oxiredução  músculo não sintetiza mais ATP + atividade não contrátil da
ATPase da miosina (libera Pi) degradando glicogênio

Mecanismo anaeróbio

Glicogênio  ácido lático  pH cai de 7,2-7,4 a 5,3-5,5

O tempo para desenvolvimento da primeira fase do rigor mortis é determinado pelo


nível de ATP no pós-morte.

A taxa de glicólise é afetada pela temperatura pelo tipo de fibra muscular, secreções
hormonais e estímulos nervosos no músculo antes e após o abate.
Redução do pH (a 5,5) dentro das primeiras 24h (principalmente nas primeiras 8h)
 desejável

- Cor mais vermelha


- Retarda o crescimento de bactérias deteriorantes
- Nível máximo de glicogênio no músculo na hora do abate ocorre quando o animal
está descansado e alimentado

Cor vermelho brilhante


pH normal mas queda muito
rápida no pós-morte (dentro de
1h atinge 5,5)
Animais estressados e em jejum pH cai antes da dissipação de
antes do abate calor, causando desnaturação
das proteínas (redução da
Músculo com pouco glicogênio solubilidade, perda da
Redução de pH ligeiramente capacidade de retenção de
após o abate e estabiliza em água, descoloração)
6,0-6,5 no pós-morte
PI da maioria das carnes = 5,5  perda de retenção de água
Qualidade da carne  maciez, suculência e sabor
Fatores pré-abate: interferem na textura, cor e capacidade de retenção de água

- Estresse, Manejo do animal, Espécie, Hereditariedade, Idade, Sexo, Localização do


músculo
- Animais mais velhos = mais mioglobina (carne mais escura) e redução da
maciez (maior quantidade de cadeias cruzadas entre as cadeias de
colágeno). Paradoxo: animais abatidos com 12-18 meses com carne mais
macia do que 6 meses de idade

- Músculo com mais colágeno = mais duro


- Músculo com mais movimento ou liberdade de contrair durante
a instauração do rigor mortis
- animais machos não castrados tendem a apresentar problemas de
qualidade (odor, maior teor de colágeno, cor mais escura, maior tendência
ao estresse e carne DFD
Fatores pós-abate:

 Maturação: processo de alterações naturais que ocorrem na carne no pós-morte durante


o armazenamento. O resultado é o desenvolvimento da maciez da carne, sabor e aroma
característicos.
- Temperatura: em torno de -2ºC = redução do crescimento microbiano e aumento da
vida útil
- Ação de enzimas proteolíticas naturais endógenas (calpaínas e seu inibidor
calpastatina).
- Carne maturada a seco
- Maturação rápida
- Maturação em embalagem a vácuo
Maturação a seco (dry aged):

- carne mantida a 1,1-3,3ºC / 6 a 10


semanas em câmara com umidade
controlada
- Ocorre desidratação, que intensifica o
sabor, e ruptura das fibras para aumento
da maciez

Maturação rápida:

- carne mantida a 21ºC / ± 2 dias


em câmara com umidade controlada e luz UV
Maturação em embalagem a vácuo:

- carne fresca é embalada a vácuo e mantida a -1 a 2ºC / ± 14 dias (14 a 21 dias


no Brasil)
https://www.fagorprofessional.com/pt/equipamentos-cozinha/preparacao-distribuicao/cavas-maturacao-carne
Temperatura da carcaça pós-abate
• Logo após o abate é necessário um rápido abaixamento da temperatura da
carcaça para conservar a carne, evitar a proliferação de microrganismos
deterioradores ou mesmo patogênicos.

• Redução muito rápida da temperatura na fase de pré-rigor mortis pode causar


endurecimento da carne.

Rigor da descongelação (thaw rigor) Encurtamento pelo frio (cold shortening)


Encurtamento grave durante o descongelamento Antes do rigor o músculo fica entre 0-16ºC
devido à liberação repentina do Ca no Quando o músculo atinge menos de 10ºC em menos de
sarcoplasma. Acompanhada de perda expressiva 10h. Carne extremamente dura após cocção.
de sucos cárneos Não ocorre com desossa e moagem da carne logo após
abate (antes do rigor mortis) pelo fornecimento de O2
Não amacia com a maturação
Rigor do aquecimento (thaw rigor)

Exposição do músculo a temperaturas elevadas (até 50ºC) logo após o abate


Ocorre por rápida depleção das reservas de ATP

** Temperatura ótima para manutenção do músculo durante a instalação do rigor


mortis
Técnicas para minimizar os problemas de textura em carnes

Processamento acelerado: desossa, corte e moagem imediatamente após o abate e


evisceração do animal. (desossa a quente – hot boning)
- Reduz o requerimento de energia de energia e o espaço nas câmaras frias,
melhorando a refrigeração das carnes

Estimulação elétrica: acelera a instalação do rigor mortis após abate, antes da desossa
e do resfriamento. Depleção rápida de ATP, aceleração da glicólise anaeróbia, ativação
de enzimas proteolíticas (acidificação a temperaturas elevadas) e ruptura das fibras
em decorrência das violentas contrações musculares.

Ex.: em bovinos tempo de instalação do rigor mortis cai de 15 a 20h para 4 a 5 h após
abate.
Técnicas para minimizar os problemas de textura em carnes
Suspensão da carcaça em posição especial:

- Suspensão pélvica (tenderstrech)


- Permite estiramento maior dos músculos
mais valiosos (com exceção do filé
mignon)
- Carne mais macia principalmente, nos
cortes traseiros
Cor da carne
Fe2+ Fe2+

Fe3+

Você também pode gostar