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Urgência de Obstetrícia e Ginecologia - Bloco

de Partos
Departamento de Obstetrícia, Ginecologia e Medicina da Reprodução
Centro Hospitalar Lisboa Norte – Hospital de Santa Maria
(protocolo elaborado por Diogo Ayres de Campos, Mª Isabel Vital, Filipa Lança, Mª Graça Oliveira – Junho 2017)

CUIDADOS DE ROTINA DURANTE O TRABALHO DE PARTO

INTRODUÇÃO
Os cuidados abaixo referidos destinam-se a situações clínicas que impliquem um baixo risco para o trabalho de parto
e nas quais este está a evoluir normalmente, podendo ser modificados pela equipa médica sempre que estas
condições se alterem. Para efeitos deste protocolo, define-se fase latente do 1º período como o intervalo que decorre
entre o diagnóstico do trabalho de parto e os 3 cm de dilatação e apagamento cervical inferior a 70%. Nestas situações
não se preconiza o internamento hospitalar por rotina, exceto quando este for considerado a melhor forma de gerir a
situação clínica por motivos de dor, ansiedade, vigilância materno-fetal etc. Define-se fase ativa do 1º período como
o intervalo que decorre entre os 4 cm de dilatação cervical com apagamento superior ou igual a 70% e a dilatação
completa. Define-se fase latente do 2º período como o intervalo entre o momento em que é detetada uma dilatação
cervical completa até ao momento em que se iniciam os esforços expulsivos. Define-se fase ativa do 2º período como
o intervalo entre o início dos esforços expulsivos e o nascimento total do feto. Quando na equipa médica existirem
elementos que necessitem de prática na assistência ao parto eutócico, haverá uma articulação entre os profissionais
de saúde para assegurar uma distribuição equitativa dos partos (começando sempre pelo elemento mais novo), para
que os primeiros possam realizar os exames vaginais durante o trabalho de parto, a assistência à fase ativa do 2º
período e os cuidados à puérpera no pós-parto imediato.
CUIDADOS NA ALTURA DO INTERNAMENTO (a efetuar pela Enfermeira da Urgência de Obstetrícia e
Ginecologia)
● Avaliação da temperatura auricular
● Avaliação da tensão arterial (TA) no braço direito com grávida sentada - medidor automático
● Avaliação da proteinúria se TA sistólica ≥ 140 ou TA diastólica ≥ 90 mm Hg (exceto se houver rotura de
membranas)
● Entrega à parturiente do guia de acolhimento ao Bloco de Partos

CUIDADOS DE ROTINA NA FASE LATENTE DO 1º PERÍODO (a efetuar pela Enfermeira da sala)


● Cateterização de veia do antebraço com agulha de 18 ou 20 G, sem administração de soros em grávidas
saudáveis, com gravidez sem intercorrências, com início de trabalho de parto espontâneo e sem cesariana
anterior. Nas restantes, administração de soro polieletrolítico com 5% glicose 1000 ml EV ao ritmo de
2ml//kg/hora
● Avaliação da temperatura auricular, pulso radial e tensão arterial de 4/4 horas
● Avaliação da intensidade e tolerância à dor em todas as interações com a grávida e sempre que esta chame a
Enfermeira da sala. Ajuda à grávida com os métodos não-farmacológicos de alívio da dor. Chamar o
Anestesiologista sempre que a parturiente pretender métodos farmacológicos de alívio da dor, ou quando é
necessário otimizar a analgesia em curso
● Exame vaginal de 4/4 horas se nada ocorrer que justifique um exame vaginal imediato (vontade de fazer esforços
expulsivos, desaceleração prolongada, necessidade de monitorização interna, etc). Nas grávidas com trabalho de
parto induzido ou acelerado e naquelas com cesariana anterior, quando há contrações rítmicas o exame vaginal
será de 2/2 horas
● A não evolução da dilatação ou apagamento num intervalo de 4 horas deverá ser comunicada ao Obstetra
responsável pelo Bloco de Partos
● Monitorização cardiotocográfica externa contínua, preferencialmente com telemetria. Havendo perda de sinal
elevada e recorrente e não havendo contraindicações (herpes genital activo, seropositividade VIH, hepatite B,C, e
D, suspeita de alterações da coagulação fetal, incerteza sobre a apresentação, ou quando a rotura artificial de
membrana é desaconselhada por a apresentação não estar insinuada), realizar monitorização interna da
frequência cardíaca fetal. Registo no partograma da interpretação do CTG a cada hora. Chamar Obstetra
responsável pelo Bloco de Partos se cardiotocograma suspeito ou patológico, de acordo com a classificação da
Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO) de 2015
● Registo no partograma de todos os dados recolhidos
● Encorajamento da mobilização da grávida (levantar-se, caminhar, sentar-se na bola) desde que a apresentação
esteja insinuada no canal do parto (mesmo após a rotura de membranas).
● Oferecer líquidos claros (água, chá com ou sem açúcar) ou gelatina, conforme a parturiente desejar
● Não se preconiza a amniotomia artificial por rotina nas mulheres com início de trabalho de parto espontâneo
Nas parturientes submetidas a analgesia epidural alteram-se os seguintes cuidados:
● Administração de soro polielectrolítico com 5% glicose 1000 ml EV ao ritmo de 2ml//kg/hora
● Avaliação do pulso radial e tensão arterial com medidor automático 10 min após cada administração do
bólus e nas situações de “patient controlled epidural analgesia”, programada para os 10 min que se
seguem ao bólus horário que a grávida pode realizar
● Avaliação da temperatura axilar/auricular de 2/2 horas
● Mantém-se o encorajamento da mobilização, mas o primeiro levante após cada bólus deve ser
acompanhado pela Enfermeira da sala
CUIDADOS DE ROTINA NA FASE ATIVA DO 1º PERÍODO (a efetuar pela Enfermeira da sala)
Mantêm-se os cuidados referidos no ponto anterior, alterando-se:
● Exame vaginal de 2/2 horas, se nada ocorrer que justifique exame imediato. A não evolução da dilatação num
intervalo de 2 horas deverá ser comunicada ao Obstetra responsável pelo Bloco de Partos
● Encorajamento da mobilização até aos 6 cm e depois conforme vontade da parturiente

CUIDADOS DE ROTINA NA FASE LATENTE DO 2º PERÍODO (a efetuar pela Enfermeira da sala)


Mantêm-se os cuidados referidos no ponto anterior, alterando-se:
● Exame vaginal de 1/1 hora se nada ocorrer que justifique exame imediato. A não evolução da descida da
apresentação num período de 1 hora deverá ser comunicada ao Obstetra responsável pelo Bloco de Partos. A
ausência de vontade de fazer esforços expulsivos após 2 horas numa multípara e 3 horas numa nulípara deverá
ser comunicada ao Obstetra responsável pelo Bloco de Partos
CUIDADOS DE ROTINA NA FASE ATIVA DO 2º PERÍODO (a efetuar pelo Responsável pelo parto)
Mantêm-se os cuidados referidos no ponto anterior, alterando-se:
● A parturiente poderá adotar a posição que preferir até a apresentação aflorar à vulva.
● Exame vaginal a cada 15 minutos se nada ocorrer que justifique um exame imediato. A não evolução da descida
da apresentação num período de 30 minutos ou esforços expulsivos que ultrapassem 60 minutos de duração
deverão ser comunicados ao Obstetra responsável pelo Bloco de Partos.
Quando a apresentação aflora à vulva
● Presença na sala de pelo menos dois profissionais de saúde: Responsável pelo parto e Responsável pelos cuidados
ao recém-nascido (RN)
● Colocação da grávida em posição semi-sentada ou em quatro apoios (conforme preferência da grávida), de forma a
avaliar sinais de laceração perineal
● Desinfeção vulvar e perineal com iodopovidona, exceto se houver antecedentes de alergia
● Colocação de proteções esterilizados à volta dos membros inferiores e por baixo do períneo
● Preparação do Responsável pelo parto com máscara com viseira, touca, bata e luvas esterilizadas
● Preparação do Responsável pelos cuidados ao RN com luvas esterilizadas
● Episiotomia mediolateral apenas se estiver a ocorrer laceração (após obtenção de consentimento verbal da grávida
que idealmente será prévio ao período expulsivo)
● Registo da hora de nascimento completo do feto pelo responsável dos cuidados ao RN
● Após o nascimento, perfusão ocitócica com 10 UI em 500 ml de soro fisiológico ao ritmo de 500 ml/hora se a
puérpera tiver soros em curso ou veia patente. Caso contrário, administração de ocitocina 10 UI IM (a efetuar pelo
Responsável pelos cuidados ao RN)
● Se a puérpera estiver semi-sentada, colocação do RN no abdómen em contacto com a pele (exceto se a grávida
tiver solicitado outra forma ou quando o comprimento do cordão não o permite)
● Aspiração da orofaringe apenas quando existe mecónio espesso ou quando existem muitas secreções e o
recém-nascido não chora francamente ao final do 1º minuto de vida. Nestas situações chamar o Neonatologista (a
efetuar pelo Responsável pelos cuidados ao RN)
● Colheita de sangue do cordão umbilical para gasimetria, segundo protocolo específico (não necessita de laqueação
do cordão, mas a colheita deve ser realizada logo que possível)
● Laqueação do cordão umbilical apenas após terem passado 2 minutos do nascimento (se a grávida solicitar
poderá ser após deixar de pulsar). Clamp umbilical a cerca de 3 cm do abdómen fetal, pinça de Kelly a cerca de 4
cm do abdómen fetal. Secção do cordão entre os dois (poderá ser realizada pela parturiente ou pelo
acompanhante se a primeira manifestar vontade)
Quando o RN nasce hipotónico e não respira espontaneamente alteram-se os seguintes cuidados:
● Chamada imediata do Neonatologista
● Laqueação tripla precoce do cordão umbilical
● Secção imediata do cordão umbilical
● Passagem do RN à mesa de reanimação
● Manobras de reanimação segundo protocolo específico
● Colheita de sangue umbilical para gasimetria no segmento laqueado entre as duas pinças de Kelly

CUIDADOS À MÃE NO PÓS-PARTO IMEDIATO (a efetuar pelo Responsável pelo parto)


● Colheita de sangue do cordão umbilical de acordo com protocolos de incompatibilidade Rh
● Colheita de sangue do cordão umbilical para células estaminais, de acordo com o desejo da grávida
● Avaliação frequente da hemorragia vaginal. Chamar Obstetra responsável do Bloco de Partos e Anestesiologista se
hemorragia vaginal for profusa ou persistente, ou se a relação entre o pulso radial e a tensão arterial sistólica >
0,8
● Avaliar se ocorreu o descolamento placentário por mobilização transabdominal do útero e observação da retração
do cordão. Chamar o Obstetra responsável pelo Bloco de Partos se 30 minutos após o nascimento não ocorreu
descolamento placentário.
● Extração placentária por tração controlada do cordão umbilical conjugada com massagem uterina externa ou
esforços expulsivos maternos
● Avaliação da formação do globo de segurança. Chamar o Obstetra responsável pelo Bloco de Partos se o globo de
segurança não estiver formado ou se o útero descontrair duas ou mais vezes.
● Avaliação da integridade vulvar e perineal, com avaliação sistemática da integridade do esfíncter anal. Chamada
do Obstetra responsável pelo Bloco de Partos se houver suspeita de laceração de 3º ou 4º grau
● Sutura de lacerações em que ocorre hemorragia ativa e/ou existe distorção anatómica relevante
● Desinfeção vulvar e perineal com iodopovidona, exceto se houver antecedentes de alergia
Se houver lugar a episiorrafia ou correção de lacerações perineais (a realizar pelo Responsável pelo parto, as
correções das lacerações de 3º e 4º grau são realizadas por um médico Obstetra)
● Colocação da puérpera em posição de litotomia com os membros inferiores apoiados em perneiras
● Colocação de nova proteção esterilizada por baixo do períneo
● O Responsável pelo parto deverá substituir as luvas esterilizadas
● Episiorrafia/correção de laceração perineal segundo protocolos específicos
● Desinfeção vulvar e perineal com iodopovidona, exceto se houver antecedentes de alergia

CUIDADOS AO RN NO PÓS-PARTO IMEDIATO (a realizar pelo Responsável pelos cuidados ao RN)


● Avaliação do índice de Apgar ao 1º, 5º e 10º minuto
● Colocação do RN em decúbito ventral no tórax materno, envolto em lençóis aquecidos para manter a normotermia
● Usar água morna se for necessário remover sangue ou mecónio da face e cabeça. Não remover o vernix caseoso do
corpo exceto quando a mãe é seropositiva para VIH, hepatite B e C (nessas situações o RN deverá ser lavado com
água morna)
● Deixar o RN junto à mãe em contacto pele a pele (se houver segurança de que esta esteja capaz de o segurar) e
encorajar a amamentação o mais cedo possível (excepto se contraindicado). O RN poderá ficar assim durante toda
a primeira hora de vida.
● Ao final da primeira hora de vida, ou antes se este não permanecer junto à mãe:
● Avaliação do peso
● Administração de vitamina K 1 mg IM numa das coxas do RN
● Identificação com pulseira eletrónica e/ou com pulseira onde é escrito o nome da parturiente

VIGILÂNCIA DA PUÉRPERA E RN NAS PRIMEIRAS 2 HORAS (a efetuar pela Enfermeira da sala)


● Na primeira hora, avaliação do pulso radial (PR) e tensão arterial (TA) a cada 10 min, com medidor automático.
Chamar Obstetra responsável pelo Bloco de Partos e Anestesiologista se a relação entre o PR e a TA sistólica > 0,8
● Na primeira hora, avaliação do globo de segurança e da hemorragia genital a cada 10 min ou se a puérpera referir
perdas ou sintomas sugestivos de desequilíbrio hemodinâmico. Chamar Obstetra responsável pelo Bloco de
Partos se globo de segurança não estiver formado, se descontrair duas ou mais vezes ou se houver hemorragia
profusa/persistente
● Restrição da alimentação até às 2 horas pós-parto
● Na primeira hora, observação do RN a cada 10 minutos. Chamar Neonatologista se existir gemido ou outros sinais
de dificuldade respiratória.
● Preenchimento dos registos hospitalares e do boletim de grávida relativos ao parto e ao RN

CUIDADOS ANTES DA TRANSFERÊNCIA DE SECTOR (a efetuar pela enfermeira da sala)


● Remoção do cateter de perfusão endovenosa às 2 horas após o parto se não estiverem prescritos medicamentos
por via endovenosa
● Remoção do cateter epidural às 2 horas após o parto se não houver indicação em contrário pelo Anestesiologista
● Exame vaginal para avaliar perda, confirmar inexistência de compressas. Avaliação do globo de segurança
● Alimentação sólida às 2 horas após o parto, se grávida assim pretender
● Após terminar a alimentação, contactar o Sector do Puerpério e transferir puérpera e RN(s)

Bibliografia:
1. National Institute of Clinical Excellence. Intrapartum care for healthy women and babies. December 2014.
https://www.nice.org.uk/guidance/cg190/resources/intrapartum-care-for-healthy-women-and-babies-pdf-35109866447557
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3. Roberts J, Mendez-Bauer C. A perspective of maternal position during labor. J Perinat Med. 1980;8(6):255-64.
4. Gupta JK, Hofmeyr GJ, Shehmar M. Position in the second stage of labour for women without epidural anaesthesia. Cochrane Database Syst
Rev. 2012 May 16;(5):CD002006.
5. Jiang H, Qian X, Carroli G, Garner P. Selective versus routine use of episiotomy for vaginal birth. Cochrane Database Syst Rev. 2017 Feb
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8. Sleutel M, Golden SS. Fasting in labor: relic or requirement. J Obstet Gynecol Neonatal Nurs 1999;28:507
9. Practice Guidelines for Obstetrical Anesthesia: A Report by the American Society of Anesthesiologists Task Force on Obstetrical Anesthesia.
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10. Farre K. Resuscitation of the newborn. Curr Obstet Gynaecol 2006;16(3):134-40.
11. Ayres-de-Campos D, Spong CY, Chandraharan E, for the FIGO Intrapartum Fetal Monitoring Expert Consensus Panel. FIGO consensus guidelines on
intrapartum fetal monitoring: Cardiotocography. Int J Gynecol Obstet 2015;131:13-24.

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