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DOENÇA INFLAMATÓRIA INTESTINAL

Doença inflamatória intestinal (DII) é um distúrbio intestinal crônico mediado por


mecanismos imunes. Retocolite ulcerativa (RCU) e doença de Crohn (DC) são os dois tipos
principais de DII.

→ EPIDEMIOLOGIA
■ Epidemiologia da doença inflamatória intestinal (DII)

Retocolite ulcerativa Doença de Crohn

Incidência (América do
0-19,2/100.000 0-20,2/100.000
Norte) por habitantes-ano

Segunda a quarta décadas e Segunda a quarta décadas e sétima


Idade de início
sétima a nona décadas a nona décadas

Etnia Judeu > branco não judeu > negro > hispânico > asiático

Relação mulheres/homens 0,51-1,58 0,34-1,65

Pode evitar a doença Pode causar a doença (razão de


Tabagismo
(razão de chance de 0,58) chance de 1,76)

Anticoncepcionais orais Nenhum aumento do risco Razão de risco de 2,82

Efeito protetor (redução do


Apendicectomia Nenhuma proteção
risco em 13-26%)

Gêmeos monozigóticos Concordância de 6-18% Concordância de 38-58%

Gêmeos dizigóticos Concordância de 0-2% Concordância de 4%

Uso de antibióticos no
Aumenta o risco de desenvolver DII na infância em 2,9 vezes
primeiro ano de vida

O pico de incidência de RCU e DC está entre a segunda e a quarta décadas de vida,


com 78% dos estudos de DC e 51% dos estudos de RCU relatando incidência mais alta na faixa
etária de 20 a 29 anos. Uma segunda elevação modesta da incidência ocorre entre a sétima e a
nona décadas de vida. A razão entre os sexos feminino e masculino varia de 0,51 a 1,58 nos
estudos sobre RCU e 0,34 a 1,65 nos estudos sobre DC, sugerindo que o diagnóstico de DII não
seja específico para sexos. A DII pediátrica (pacientes com idade < 18 anos) representa cerca
de 20 a 25% de todos os pacientes com essa doença e cerca de 5% de todos os casos de DII têm
idade < 10 anos. A DII de início muito precoce (DIIMP) foi definida pelo acometimento de
crianças com < 6 anos de vida, ao passo que a DII do lactente acomete pacientes com idade < 2
anos. A DIIMP e a DIIL acometem principalmente o cólon, são resistentes aos fármacos
convencionais e frequentemente têm história familiar clara de DII, ao menos em um parente de
primeiro grau com a doença. Vinte por cento dos pacientes têm imunodeficiência subjacente. Em
alguns casos, a DIIL ou a DIIMP podem ser causadas por algumas mutações genéticas raras
envolvendo um único gene.
A maior incidência de DII ocorre entre brancos e judeus, mas a incidência de DII em
hispânicos e asiáticos está aumentando, conforme descrito anteriormente. As áreas urbanas
apresentam maior prevalência de DII que as áreas rurais, e as classes socioeconômicas mais altas
apresentam prevalência mais elevada que as classes socioeconômicas mais baixas.
Gastrenterites infecciosas por patógenos (p. ex., Salmonella, Shigella,
espécies Campylobacter, Clostridium difficile) aumentam o risco de DII em 2 a 3 vezes. As dietas
ricas em proteínas animais, açúcares, doces, óleos, peixe e frutos do mar e gorduras, em particular
os ácidos graxos ω-6, assim como as dietas pobres em ácidos graxos ω-3, foram implicadas no
aumento do risco de DII. Também existem relatos indicando que a vitamina D tenha um efeito
protetor no risco de desenvolver DC.
DII é uma doença familiar em 5 a 10% dos pacientes. Em alguns desses pacientes, pode
haver início precoce da doença durante a primeira década de vida e, na DC, observa-se
concordância dos locais anatômicos e tipos clínicos dentro das famílias. Nos demais pacientes, a
DII é diagnosticada sem história familiar (i.e., doença esporádica). Quando um paciente apresenta
DII, o risco vitalício de um parente de primeiro grau ser afetado é de cerca de 10%. Quando os
dois genitores apresentam DII, cada filho tem probabilidade de 36% de ser afetado.
→ ETIOPATOGENIA

Em condições fisiológicas, normalmente existe homeostase entre a microbiota


comensal, as células epiteliais que recobrem o interior dos intestinos (células epiteliais intestinais
[CEIs]) e as células imunes dentro dos tecidos. Uma hipótese consensual é de que todos esses
três compartimentos principais do hospedeiro – que funcionam como um “supraorganismo”
integrado (microbiota, CEIs e células imunes) – sejam afetados por fatores ambientais (p. ex.,
tabagismo, antibióticos, patógenos entéricos) e genéticos específicos que, nos indivíduos
suscetíveis, rompem cumulativa e interativamente a homeostase durante a vida do indivíduo;
desse modo, o resultado é um estado crônico de inflamação descontrolada, isto é, DII. Embora a
ativação crônica do sistema imune da mucosa possa representar uma resposta apropriada a um
agente infeccioso, a busca por esse agente não foi frutífera até agora nos casos de DII. Assim, a
DII é atualmente considerada uma resposta imune inapropriada à microbiota comensal endógena
(autóctone) do intestino, com ou sem algum componente de autoimunidade. Ainda mais
importante, o intestino normal não inflamado contém um grande número de células imunes em
estado único de ativação, no qual o intestino é impedido de elaborar respostas imunológicas
completas à microbiota comensal e antígenos da dieta por meio de vias reguladoras muito
potentes, que atuam dentro do sistema imune (p. ex., células reguladoras T que expressam o fator
de transcrição FoxP3 e suprimem a inflamação). Durante a evolução das infecções ou outros
estímulos ambientais do hospedeiro normal, há ativação completa dos tecidos linfoides do
intestino, mas ela é rapidamente controlada pelo arrefecimento da reação imune e pela reparação
dos tecidos. Na DII, esses processos podem não estar normalmente regulados.
- Contribuição genética: A genética subjacente à DII é conhecida por sua ocorrência no
contexto de várias síndromes genéticas e no desenvolvimento de DII grave e refratária
precocemente em casos de anomalias de genes isolados que afetam o sistema imune. Isso inclui
mutações dos genes que codificam, por exemplo, a interleucina 10 (IL-10), o receptor de IL-10
(IL-10R), a proteína 4 associada aos linfócitos T citotóxicos (CTLA4), a proteína do fator 2
citosólico dos neutrófilos (NCF2), o inibidor ligado ao X da proteína de apoptose (XIAP), a
proteína âncora beige-like sensível aos polissacarídeos (LRBA) ou a proteína do domínio 7A
de repetição do tetratricopeptídeo (TTC7), entre muitos outros genes envolvidos nas interações
entre hospedeiro e flora comensal. Semelhanças genéticas são responsáveis pela superposição da
imunopatogênese entre DC e RCU e, como consequência, pelas observações epidemiológicas de
ambas as doenças nas mesmas famílias e semelhanças nas respostas aos tratamentos. Além disso,
muitos dos fatores de risco genéticos identificados também estão associados ao risco de
desenvolver outras doenças imunologicamente mediadas, sugerindo que vias imunogenéticas
relacionadas estejam envolvidas na patogênese de vários distúrbios diferentes, explicando a
reatividade comum a tipos semelhantes de agentes biológicos (p. ex., tratamento antifator de
necrose tumoral [TNF]) e, possivelmente, a ocorrência simultânea desses distúrbios. As doenças
e os fatores de risco genéticos que são compartilhados com a DII incluem artrite reumatoide
(TNFAIP3), psoríase (IL23R, IL12B), espondilite anquilosante (IL23R), diabetes melito tipo 1
(IL10, PTPN2), asma (ORMDL3) e lúpus eritematoso sistêmico (TNFAIP3, IL10), entre outras.
Os fatores genéticos definidos até o momento, que comprovadamente medeiam o risco
de DII, ressaltaram a importância de vários mecanismos comuns de doença. Isso inclui os
seguintes: genes associados com processos biológicos celulares fundamentais, como o retículo
endoplasmático (RE) e o estresse metabólico (p. ex., XBP1, ORMDL3, OCTN), que servem como
reguladores da atividade secretora das células envolvidas nas respostas à microbiota comensal (p.
ex., células de Paneth e caliciformes) e da maneira como as células intestinais respondem aos
produtos metabólicos bacterianos; genes associados à imunidade inata e à autofagia (p.
ex., NOD2, ATG16L1, IRGM, JAK2, STAT3, C13orf31), que funcionam em células imunes inatas
(tanto parenquimatosas quanto hematopoiéticas) para responder e efetivamente eliminar
bactérias, micobactérias e vírus; genes associados à regulação da imunidade adaptativa (p.
ex., IL23R, IL12B, IL10, PTPN2), que regulam o equilíbrio entre citocinas inflamatórias e anti-
inflamatórias (reguladoras); e, por fim, genes envolvidos no desenvolvimento e na resolução
da inflamação (p. ex., MST1, CCR6, TNFAIP3, PTGER4) e no consequente recrutamento de
leucócitos e produção de mediadores inflamatórios. Alguns desses loci estão associados a
subtipos específicos de doença, como a associação entre polimorfismos do gene NOD2 e DC
fibroestenosante ou do gene ATG16L1 e doença fistulizante, em particular no íleo. Todavia, a
utilidade clínica desses fatores de risco genéticos para o diagnóstico ou a determinação do
prognóstico e das respostas terapêuticas ainda não foi definida.
- Microbiota comensal: A microbiota comensal endógena dos intestinos desempenha
um papel central na patogênese da DII. Os seres humanos nascem estéreis e adquirem sua
microbiota comensal inicialmente da mãe durante a passagem pelo canal do parto e, mais tarde,
de fontes ambientais. Uma configuração estável de até 1.000 espécies de bactérias que alcançam
uma biomassa de cerca de 1012 unidades formadoras de colônias por grama de fezes é alcançada
aos 3 anos de idade e provavelmente persiste até a idade adulta, cada indivíduo possuindo uma
combinação exclusiva de espécies. Além disso, os intestinos contêm outras formas de vida
microbiana, incluindo arqueias, vírus e protistas. Assim, a microbiota é considerada um
componente fundamental e sustentador do organismo. O estabelecimento e a manutenção da
composição e da função da microbiota intestinal estão sob controle do hospedeiro (p. ex.,
respostas imunes e epiteliais), do ambiente (p. ex., dieta e antibióticos) e, provavelmente, de
fatores genéticos (p. ex., NOD2). Por sua vez, a microbiota, mediante seus componentes
estruturais e sua atividade metabólica, tem influências importantes sobre a função epitelial e
imune do hospedeiro, as quais, por meio de efeitos epigenéticos, podem ter consequências
duradouras. Durante o início da vida, quando a microbiota comensal está sendo estabelecida, esses
efeitos microbianos sobre o hospedeiro podem ser particularmente importantes na determinação
do risco posterior de DII. Componentes específicos da microbiota podem promover ou proteger
contra a doença. A microbiota comensal dos pacientes com RCU e DC é demonstradamente
diferente daquela de pessoas não acometidas, um estado de disbiose, que sugere: (1) a presença
de microrganismos que desencadeiam a doença (p. ex., proteobactérias, como as Escherichia
coli enteroinvasivas e aderentes) e para os quais a resposta imune é direcionada; e/ou (2) a
ausência de microrganismos que reduzem a inflamação (p. ex., Firmicutes, como
o Faecalibacterium prausnitzii). Muitas das alterações da microbiota comensal ocorrem como
consequência da inflamação. Além disso, os agentes que alteram a microbiota intestinal (p. ex.,
metronidazol, ciprofloxacino e dietas elementares) podem melhorar a DC. A DC também
responde ao desvio fecal, demonstrando a capacidade do conteúdo luminal de exacerbar a doença.
- Inflamação na DII: Normalmente, o sistema imune da mucosa não desencadeia uma
reação imune inflamatória ao conteúdo intraluminal em razão da tolerância oral (ou tolerância
da mucosa). A administração de antígenos solúveis por via oral, em vez de subcutânea ou
intramuscular, resulta no controle antígeno-específico da reação e da capacidade do hospedeiro
de tolerar o antígeno. Vários mecanismos estão envolvidos na indução da tolerância oral e incluem
deleção ou anergia das células T reativas aos antígenos ou indução de células T CD4+ que
suprimem a inflamação intestinal (p. ex., células T reguladoras que expressam o fator de
transcrição FoxP3) e secretam citocinas anti-inflamatórias, como a IL-10, a IL-35 e o fator de
crescimento transformador β (TGF-β). A tolerância oral pode ser responsável pela falta de
reatividade imune aos antígenos dietéticos e à microbiota comensal do lúmen intestinal. Na DII,
essa supressão da inflamação é alterada, resultando em inflamação descontrolada. Os mecanismos
dessa imunossupressão regulada não estão totalmente elucidados.
Desse modo, tanto na RCU quanto na DC, a inflamação provavelmente se origina da
predisposição genética do hospedeiro no contexto de fatores ambientais ainda desconhecidos.
Depois de ser iniciada na DII pela sensibilidade imune anormal das células parenquimatosas (p.
ex., CEIs) e hematopoiéticas (p. ex., células dendríticas) às bactérias, a resposta inflamatória
imune é perpetuada pela ativação dos linfócitos T quando está associada às vias reguladoras
anormais. Uma cascata sequencial de mediadores inflamatórios amplia a resposta, e isso torna
cada etapa um alvo terapêutico em potencial. As citocinas inflamatórias liberadas pelas células
imunes inatas (p. ex., IL-1, IL-6 e TNF) têm efeitos diversos nos tecidos. Elas promovem a
fibrogênese, produção de colágeno, ativação das metaloproteinases teciduais e produção de outros
mediadores inflamatórios; ativam também a cascata da coagulação nos vasos sanguíneos locais
(p. ex., produção aumentada do fator de von Willebrand). Essas citocinas são normalmente
produzidas em resposta à infecção, porém costumam ser eliminadas ou inibidas no momento
apropriado para limitar a lesão tecidual. Na DII, sua atividade não é regulada, resultando em um
desequilíbrio entre os mediadores pró-inflamatórios e anti-inflamatórios. Algumas citocinas
ativam outras células inflamatórias (macrófagos e células B) e outras atuam indiretamente,
recrutando outros linfócitos, leucócitos inflamatórios e células mononucleares da corrente
sanguínea para o intestino, por meio de interações entre receptores de direcionamento (homing)
dos leucócitos (p. ex., integrina α4β7) e adressinas do endotélio vascular (p. ex., MadCAM1).
Existem três tipos principais de linfócitos T auxiliares CD4+ (TH) que promovem a inflamação,
e todos eles podem estar associados à colite em modelos animais e, possivelmente, também nos
seres humanos: células TH1 (secretam γ-interferona [IFN]), células TH2 (secretam IL-4, IL-5,
IL-13) e células TH17 (secretam IL-17, IL-21). Contudo, as células TH17 também podem
desempenhar funções protetoras. Células semelhantes às do sistema imune inato, que não têm
receptores de células T, também estão presentes no intestino, polarizam-se para os mesmos
destinos funcionais e podem participar da patogênese da DII. As células TH1 induzem inflamação
granulomatosa transmural que lembra a DC; as células TH2 e as células T natural
killer relacionadas que secretam IL-13 induzem inflamação mucosa superficial que lembra RCU
em modelos animais; e as células TH17 podem ser responsáveis pelo recrutamento dos
neutrófilos. No entanto, a neutralização das citocinas produzidas por essas células (p. ex., γ-IFN
ou IL-17) ainda não demonstrou eficácia em estudos terapêuticos. Cada um desses subgrupos de
células T exerce uma regulação cruzada entre elas. A via da citocina TH1 é iniciada pela IL-12,
uma citocina essencial à patogênese dos modelos experimentais de inflamação mucosa. IL-4 e
IL-23, junto com IL-6 e TGF-β, induzem as células TH2 e TH17, respectivamente, ao passo que
a IL-23 inibe a função supressora das células T reguladoras. Os macrófagos ativados secretam
TNF e IL-6.
Essas características da resposta imune na DII explicam os efeitos terapêuticos
benéficos dos anticorpos que bloqueiam as citocinas pró-inflamatórias ou a sinalização por
meio de seus receptores (p. ex., anti-TNF, anti-IL-12, anti-IL-23, anti-IL-6, ou inibidores da
Janus-cinase [JAK]), ou moléculas associadas ao recrutamento dos leucócitos (p. ex., anti-α4β7).
Elas também realçam a utilidade potencial das citocinas que inibem a inflamação e promovem a
atividade das células T reguladoras ou melhoram a função de barreira intestinal (p. ex., IL-10)
como tratamento para DII. Certos tratamentos, como os compostos de ácido 5-aminossalicílico
(5-ASA) e corticoides, são potentes inibidores desses mediadores inflamatórios, por meio da
inibição de fatores de transcrição (p. ex., NF-κB) que regulam a sua expressão.

→ PATOLOGIA
• Retocolite Ulcerativa
A RCU é uma doença da mucosa que geralmente acomete o reto e se estende
proximalmente até atingir parte do cólon ou a sua totalidade. Cerca de 40 a 50% dos pacientes
apresentam doença limitada ao reto e ao retossigmoide, 30 a 40% têm doença que se estende além
do sigmoide (mas sem comprometer todo o cólon) e 20% têm colite total. A disseminação
proximal ocorre em continuidade, sem qualquer área de mucosa preservada. Quando todo o cólon
é acometido, a inflamação estende-se por 2 a 3 cm para dentro do íleo terminal em 10 a 20% dos
pacientes. As alterações endoscópicas da ileíte de contracorrente são superficiais e discretas e
têm pouco significado clínico. Embora as variações na atividade macroscópica possam sugerir
áreas preservadas, as biópsias da mucosa de aspecto normal em geral são anormais. Por
conseguinte, é importante obter múltiplas biópsias da mucosa aparentemente não acometida, tanto
proximal quanto distal, durante a endoscopia. Uma ressalva é o fato de que o tratamento clínico
eficaz pode modificar o aspecto da mucosa, de modo que áreas preservadas ou até mesmo todo o
cólon podem ter aspecto microscópico normal.
Com inflamação leve, a mucosa fica eritematosa e tem superfície delicadamente
granulosa, que se assemelha a uma lixa. Com doença mais grave, a mucosa é hemorrágica,
edematosa e ulcerada. Na doença de longa evolução, pólipos inflamatórios (pseudopólipos)
podem estar presentes como resultado de regeneração epitelial. Em remissão, a mucosa pode
evidenciar um aspecto normal – porém, nos pacientes com muitos anos de doença, tem um aspecto
atrófico e indistinto e todo o cólon fica estreitado e encurtado. Os pacientes com doença
fulminante podem desenvolver colite tóxica ou megacólon, quando a parede intestinal se torna
mais fina e a mucosa se apresenta extremamente ulcerada, o que pode resultar em perfuração.
Os achados histológicos se correlacionam muito bem com o aspecto endoscópico e a
evolução clínica da RCU. O processo fica limitado à mucosa e à submucosa superficial, sem
acometimento das camadas mais profundas, exceto na doença fulminante. Na RCU, duas
características histológicas principais sugerem cronicidade e ajudam a diferenciá-la da colite
infecciosa ou autolimitada aguda. Primeiro, a arquitetura das criptas do cólon é distorcida; as
criptas podem ser bífidas e seu número reduzido, na maioria das vezes com uma lacuna entre as
bases das criptas e a muscular da mucosa. Segundo, alguns pacientes têm plasmócitos basais e
múltiplos agregados linfoides basais. Pode haver congestão vascular da mucosa com edema e
hemorragia focais, bem como infiltrado de células inflamatórias de neutrófilos, linfócitos,
plasmócitos e macrófagos. Os neutrófilos invadem o epitélio, em geral nas criptas, dando origem
a uma criptite e, por fim, evoluindo para abscessos das criptas. As alterações ileais dos pacientes
com ileíte de contracorrente incluem atrofia das vilosidades e regeneração das criptas com
inflamação aumentada, aumento da inflamação por neutrófilos e mononucleares na lâmina própria
e criptite focal e abscessos das criptas.

• Doença de Crohn
A DC pode afetar qualquer parte do trato gastrintestinal (GI), desde a boca até o ânus.
Cerca de 30 a 40% dos pacientes têm apenas doença do intestino delgado, 40 a 55% sofrem de
doença com acometimento dos intestinos delgado e grosso e 15 a 25% apresentam apenas colite.
Nos 75% dos pacientes com doença do intestino delgado, o íleo terminal é acometido em 90%
dos casos. Ao contrário da RCU, que acomete quase sempre o reto, esse segmento frequentemente
é poupado na DC. A DC é segmentar, com áreas preservadas intercaladas por intestino doente.
Fístulas perirretais, fissuras, abscessos e estenose anal estão presentes em um terço dos pacientes
com DC, sobretudo quando há acometimento do cólon. Embora raramente, a DC pode acometer
também o fígado e o pâncreas.

Diferentemente da RCU, a DC é um processo transmural. Ao exame endoscópico,


ulcerações aftosas ou pequenas e superficiais caracterizam a doença leve; na doença mais ativa,
ulcerações estreladas se fundem longitudinal e transversalmente, a fim de demarcar ilhas de
mucosa, com bastante frequência histologicamente normais. Esse aspecto de “pedras
arredondadas” é característico da DC tanto ao exame endoscópico quanto no clister opaco. Como
acontece na RCU, podem formar-se pseudopólipos na DC.
A DC ativa caracteriza-se por inflamação focal e formação de trajetos fistulosos que
desaparecem devido à fibrose e ao estreitamento do intestino. A parede intestinal sofre
espessamento e torna-se estreitada e fibrótica, resultando em obstruções intestinais crônicas e
recorrentes. As projeções do mesentério espessado circundam o intestino (“gordura rastejante”),
e a inflamação serosa e mesentérica facilita o surgimento de aderências e a formação de fístulas.
As lesões mais precoces são ulcerações aftoides e abscessos das criptas focais com
agregados indefinidos de macrófagos, que formam granulomas não caseosos em todas as camadas
da parede intestinal. Os granulomas podem ser visualizados nos linfonodos, no mesentério, no
fígado e no pâncreas. Os granulomas são típicos da DC. Eles são menos encontrados nas biópsias
da mucosa do que nos espécimes obtidos por ressecção cirúrgica. Outras características
histológicas da DC incluem agregados linfoides submucosos ou subserosos, em particular longe
das áreas de ulceração; áreas preservadas macroscópicas e microscópicas; e inflamação
transmural acompanhada de fissuras que penetram profundamente na parede intestinal e, às vezes,
formam trajetos fistulosos ou abscessos locais.

→ MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
• Retocolite Ulcerativa
Os principais sintomas de RCU são diarreia, sangramento retal, tenesmo, eliminação
de muco e dor abdominal em cólica. A intensidade dos sintomas se correlaciona com a extensão
da doença. A RCU pode manifestar-se agudamente, mas, em geral, os sintomas já estiveram
presentes por semanas a meses. Ocasionalmente, a diarreia e o sangramento são tão intermitentes
e leves que o paciente não procura assistência médica.
Os pacientes com proctite geralmente costumam eliminar sangue vivo ou secreção
mucossanguinolenta, tanto misturada com fezes quanto formando estrias sobre a superfície de
fezes normais ou duras. Relatam também tenesmo ou urgência com sensação de evacuação
incompleta, porém apenas raras vezes referem dor abdominal. Com a proctite ou
proctossigmoidite, o trânsito proximal torna-se mais lento, o que pode ser responsável pela
constipação observada comumente nos pacientes com doença distal.
Quando a doença se estende para além do reto, o sangue costuma estar misturado com as
fezes, ou pode ser observada diarreia macroscopicamente sanguinolenta. A motilidade colônica é
alterada pela inflamação com trânsito rápido pelo intestino inflamado. Quando a doença é grave,
os pacientes eliminam fezes líquidas que contêm sangue, pus e material fecal. Com frequência, a
diarreia é noturna e/ou pós-prandial. Apesar de a dor intensa não ser um sintoma proeminente,
alguns pacientes com doença ativa podem experimentar desconforto vago no baixo ventre ou
ligeira cólica abdominal central. Cólica e dor abdominal intensas podem ocorrer nas crises mais
graves da doença. Outros sintomas na doença moderada a grave incluem anorexia, náuseas,
vômitos, febre e redução ponderal.
Os sinais físicos de proctite são canal anal hipersensível e presença de sangue ao exame
retal. Na doença mais extensiva, os pacientes têm hipersensibilidade à palpação direta do cólon.
Os pacientes com colite tóxica relatam dor intensa e sangramento, ao passo que os casos de
megacólon apresentam timpanismo hepático. Ambos podem ter sinais de peritonite caso tenha
ocorrido perfuração.

■ Retocolite ulcerativa: índice de atividade inflamatória; gravidade do surto


agudo Truelove e Witts

Leve Moderada Grave

Evacuações < 4/dia 4-6/dia > 6/dia

Sangue nas fezes Pouco Moderado Intenso

Febre Ausente Média < 37,5°C Média > 37,5°C

Pulso médio >


Taquicardia Ausente Pulso médio < 90
90

Hemoglobina normal > Hemoglobina


Anemia Leve
75% normal ≤ 75%

Velocidade de > 30 mm, 1ª


< 30 mm
hemossedimentação hora

Eritema acentuado,
granularidade grosseira,
Eritema, padrão Sangramento
marcações vasculares
Aspecto endoscópico vascular reduzido, espontâneo,
ausentes, sangramento ao
granularidade fina ulcerações
contato, ausência de
ulcerações

A doença ativa pode estar associada a uma elevação nos reagentes da fase aguda
(proteína C-reativa [PCR], contagem de plaquetas, velocidade de hemossedimentação [VHS]),
assim como a uma redução da hemoglobina. A lactoferrina fecal – uma glicoproteína presente
nos neutrófilos ativados – é um marcador altamente sensível e específico para detectar inflamação
intestinal. A calprotectina fecal está presente nos neutrófilos e monócitos, e seus níveis
correlacionam-se diretamente com inflamação histológica, preveem recidivas e detectam
inflamação da bolsa ileal pós-anastomótica. A lactoferrina e a calprotectina fecais estão se
tornando parte integral do controle da DII e são frequentemente usadas para descartar inflamação
ativa versus sintomas de intestino irritável ou proliferação bacteriana excessiva. Nos pacientes
gravemente enfermos, o nível sérico de albumina diminui muito rapidamente. Pode haver
leucocitose, porém esse não é um indicador específico de atividade da doença. Proctite ou
proctossigmoidite apenas raramente causa elevação da PCR. O diagnóstico baseia-se na história
(anamnese) do paciente; nos sintomas clínicos; no exame de fezes negativo para bactérias,
toxina de C. difficile, bem como ovos e parasitas; no aspecto sigmoidoscópico; e na histologia das
amostras de biópsia retal ou colônica.
A sigmoidoscopia é utilizada para determinar a atividade da doença, sendo, em geral,
realizada antes do tratamento. Quando o paciente não tem exacerbação aguda, a colonoscopia é
usada para determinar a extensão e a atividade da doença. A doença leve ao exame endoscópico
caracteriza-se por eritema, diminuição do padrão vascular e friabilidade discreta; a doença
moderada caracteriza-se por eritema acentuado, ausência de padrão vascular, friabilidade e
erosões; e a doença grave, por sangramento espontâneo e ulcerações. As características
histológicas se modificam mais lentamente que as clínicas, porém também podem ser usadas para
classificar a atividade da doença.
Apenas 15% dos pacientes com RCU se apresentam inicialmente com enfermidade
catastrófica. A hemorragia maciça ocorre nas crises mais graves da doença em 1% dos pacientes,
e o tratamento da doença costuma interromper o sangramento. No entanto, se determinado
paciente necessita de 6 a 8 unidades de sangue em um período de 24 a 48 horas, a colectomia está
indicada. O megacólon tóxico é definido como cólon transverso ou direito com diâmetro > 6 cm,
com desaparecimento das haustrações nos pacientes com episódios graves de RCU. Isso ocorre
em cerca de 5% das crises e pode ser induzido por anormalidades eletrolíticas e narcóticos. Cerca
de 50% das dilatações agudas desaparecem apenas com tratamento clínico, porém a colectomia
urgente é necessária nos casos que não melhoram. A perfuração é a mais perigosa das
complicações locais, e os sinais físicos de peritonite podem não ser óbvios, sobremaneira se o
paciente estiver recebendo corticoides. Apesar de a perfuração ser rara, a taxa de mortalidade para
as perfurações que complicam um megacólon tóxico é de aproximadamente 15%. Além disso, os
pacientes podem desenvolver colite tóxica e ulcerações tão extensas que o intestino pode perfurar
sem que tenha ocorrido primeiro qualquer dilatação.
Os critérios para o diagnóstico de colite tóxica incluem evidência radiográfica de colite
aguda e 3 das 4 características a seguir: febre >38.6°C (101.5°F), frequência cardíaca >120 bpm,
contagem leucocitária >10,500/microlitro ou anemia. Também é necessária uma das seguintes
condições: depleção de volume, alterações no estado mental, anormalidades eletrolíticas ou
hipotensão.
Os estreitamentos ocorrem em 5 a 10% dos pacientes e representam sempre uma
preocupação na RCU devido à possibilidade de neoplasia subjacente. Os estreitamentos benignos
podem formar-se a partir da inflamação e fibrose da RCU, porém os estreitamentos que não
podem ser ultrapassados pelo endoscópio devem ser considerados malignos até prova em
contrário. Um estreitamento que impede a introdução do colonoscópio constitui indicação para
cirurgia. Ocasionalmente, os pacientes com RCU desenvolvem fissuras anais, abscessos perianais
ou hemorroidas, porém a ocorrência de lesões perianais extensas deve sugerir DC.
• Doença de Crohn
Embora a DC se manifeste geralmente como inflamação intestinal aguda ou crônica, o
processo inflamatório evolui para um dos dois padrões da doença: um padrão fibroestenótico
obstrutivo ou um padrão penetrante-fistuloso, cada qual com tratamentos e prognósticos
diferentes. O local da doença influencia as manifestações clínicas.

A. ILEOCOLITE:
Considerando-se que o local mais comum de inflamação é o íleo terminal, a manifestação
habitual da ileocolite é uma história crônica de episódios recorrentes de dor no quadrante inferior
direito e diarreia. Às vezes, a manifestação inicial simula apendicite aguda com dor acentuada no
quadrante inferior direito, massa palpável, febre e leucocitose. Em geral, a dor manifesta-se como
cólica; ela precede e é aliviada pela defecação. Costuma ser observada uma febrícula. Os altos
picos de febre sugerem a formação de um abscesso intra-abdominal. A perda de peso é comum –
10 a 20% do peso corporal – e manifesta-se como consequência de diarreia, anorexia e medo de
comer.
Pode ser palpada massa inflamatória no quadrante inferior direito do abdome. Essa
massa é formada de intestino inflamado, induração do mesentério e linfonodos abdominais
aumentados. A extensão da massa pode causar a obstrução do ureter direito ou inflamação vesical,
que se manifestam por disúria e febre. O “sinal do cordão” nos exames radiográficos contrastados
é atribuído ao estreitamento grave da alça intestinal, que torna o lúmen semelhante a um cordão
de algodão esfarrapado. Esse sinal é causado pelo preenchimento incompleto do lúmen em
consequência do edema, irritabilidade e espasmos associados à inflamação e às úlceras. O sinal
pode ser demonstrado nas fases não estenótica e estenótica da doença.
A obstrução intestinal pode assumir várias formas. Nos estágios mais precoces da doença,
o edema e o espasmo da parede intestinal produzem manifestações obstrutivas intermitentes, bem
como agravamento dos sintomas de dor pós-prandial. Ao longo de vários anos, a inflamação
persistente progride gradualmente para estreitamento fibroestenótico e estenose circunscrita.
A diarreia diminui e é substituída por obstrução intestinal crônica. Os episódios agudos de
obstrução também ocorrem, sendo desencadeados por inflamação e espasmo intestinais ou,
ocasionalmente, pela impactação de alimento não digerido ou fármacos. Esses episódios
costumam melhorar com líquidos intravenosos e descompressão gástrica.
B. JEJUNOILEÍTE:
A doença inflamatória extensiva está associada à perda da superfície digestiva e absortiva,
resultando em má absorção e esteatorreia. As deficiências nutricionais também podem resultar
de ingestão precária, bem como de perdas entéricas de proteínas e outros nutrientes. A má
absorção intestinal pode causar anemia, hipoalbuminemia, hipocalcemia, hipomagnesemia,
coagulopatia e hiperoxalúria com nefrolitíase nos pacientes com cólon preservado. Muitos
pacientes necessitam de ferro oral e, com frequência, intravenoso. As fraturas vertebrais são
causadas por uma combinação de deficiência de vitamina D, hipocalcemia e uso prolongado de
corticoides. A pelagra secundária à deficiência de niacina pode ocorrer nos pacientes com doença
extensiva do intestino delgado, e a má absorção de vitamina B12 pode resultar em anemia
megaloblástica e sintomas neurológicos. Outros nutrientes importantes que devem ser dosados e
repostos se estiverem em baixos níveis são folato e vitaminas A, E e K. Com frequência, os níveis
de minerais como zinco, selênio, cobre e magnésio estão baixos nos pacientes com inflamação ou
ressecções extensivas do intestino delgado, de modo que eles também necessitam de reposição.
A maioria dos pacientes deve tomar polivitamínicos e suplementos de cálcio e vitamina D
diariamente.
A diarreia é característica da doença ativa; suas causas incluem:
(1) proliferação bacteriana excessiva na estase por obstrução ou fistulização;
(2) má absorção dos ácidos biliares em razão da doença no íleo terminal ou depois de sua
ressecção; e
(3) inflamação intestinal com menor absorção de água e maior secreção de eletrólitos.
C. COLITE E DOENÇA PERIANAL:
Os pacientes com colite apresentam febre baixa, mal-estar, diarreia, dor abdominal em
cólica e, às vezes, hematoquezia. O sangramento macroscópico não é tão comum quanto na
RCU e ocorre em cerca de metade dos pacientes com doença limitada exclusivamente ao cólon.
Apenas 1 a 2% têm sangramento profuso. A dor é causada pela passagem do material fecal pelos
segmentos estreitados e inflamados do intestino grosso. Complacência retal diminuída é outra
causa da diarreia dos pacientes com colite de Crohn. O megacólon tóxico é raro, mas pode ser
observado nos casos de inflamação acentuada e doença de curta duração.
O estreitamento pode ocorrer no cólon de 4 a 16% dos pacientes e causa sintomas de
obstrução intestinal. Quando o endoscopista não consegue atravessar um estreitamento causado
pela colite de Crohn, a ressecção cirúrgica deve ser considerada, principalmente se o paciente
apresentar sintomas de obstrução crônica. A doença colônica pode fistulizar para dentro do
estômago ou do duodeno, acarretando vômitos fecaloides, ou para o intestino delgado proximal
ou médio, causando má absorção em decorrência da presença de “curtos-circuitos” e da
proliferação bacteriana excessiva. Entre as mulheres com colite de Crohn, 10% têm fístula
retovaginal.
A doença perianal afeta cerca de um terço dos pacientes com colite de Crohn e
manifesta-se por incontinência, grandes dilatações hemorroidárias, estreitamentos anais, fístulas
anorretais e abscessos perirretais. Nem todos os pacientes com fístula perianal têm evidência
endoscópica de inflamação do cólon.
D. DOENÇA GASTRODUODENAL
Os sinais e sintomas de doença do trato GI superior consistem em náuseas, vômitos e dor
epigástrica. Os pacientes geralmente têm gastrite com teste negativo para Helicobacter pylori.
A segunda porção do duodeno é mais acometida que o bulbo. As fístulas que acometem o
estômago ou o duodeno têm origem no intestino delgado ou grosso e não significam
necessariamente a presença de acometimentos do trato GI superior.

As anormalidades laboratoriais incluem VHS e PCR elevadas. Com doença mais grave,
as anormalidades consistem em hipoalbuminemia, anemia e leucocitose. Os níveis fecais de
calprotectina e lactoferrina são usados para diferenciar entre DII e síndrome do intestino irritável
(SII), avaliar se a DC está em atividade e detectar recidiva pós-operatória da DC.
As características endoscópicas da DC incluem preservação retal, ulcerações aftosas e
lesões intercaladas com áreas normais. A colonoscopia possibilita o exame e a biópsia de lesões
expansivas ou estenoses e a biópsia do íleo terminal. A endoscopia alta é útil para diagnosticar
comprometimento gastroduodenal em pacientes com sintomas do trato superior. Os
estreitamentos ileais ou colônicos podem ser dilatados com balões introduzidos através do
colonoscópio. Estenoses com comprimentos ≤ 4 cm e as que se localizam em áreas anastomóticas
respondem mais favoravelmente à dilatação endoscópica. A taxa de perfuração é de até 10%. A
maioria dos endoscopistas dilata apenas as estenoses fibróticas, mas não as que estão associadas
à inflamação ativa. A endoscopia com cápsula sem fio (WCE, de wireless capsule endoscopy)
torna possível a visualização direta de toda a mucosa do intestino delgado. A precisão diagnóstica
na identificação das lesões sugestivas de DC ativa é mais alta com a WCE do que com a
enterografia por tomografia computadorizada (ETC) ou com a enterografia por ressonância
magnética (ERM) ou seriografia do intestino delgado.
Na DC, as anormalidades radiográficas iniciais do intestino delgado incluem pregas
espessadas e ulcerações aftosas. O aspecto de “pedras arredondadas”, induzido por ulcerações
longitudinais e transversais, envolve mais frequentemente o intestino delgado. Com doença mais
avançada, podem ser detectados estenoses, fístulas, massas inflamatórias e abscessos. As
anormalidades macroscópicas mais precoces da DC colônica são úlceras aftosas. Essas úlceras
pequenas frequentemente são múltiplas e separadas por mucosa interposta normal. Com a
progressão da doença, as úlceras aftosas tornam-se mais extensivas, mais profundas e, às vezes,
interligam-se umas às outras, formando úlceras estreladas longitudinais, serpiginosas e lineares.
Apesar de ter sido demonstrado que a ETC, a ERM e as radiografias seriadas de intestino
delgado (RSIDs) são igualmente confiáveis para a identificação de inflamação ativa do intestino
delgado, a ETC e a ERM mostraram-se superiores à RSID na detecção de complicações
extraluminais, incluindo fístulas, tratos sinusais e abscessos. Entretanto, acredita-se que a RM
ofereça melhor definição de tecidos moles e tenha a vantagem de evitar as alterações causadas
pela exposição à radiação.
Como a DC é um processo transmural, formam-se aderências serosas que proporcionam
vias diretas para a formação de fístulas e reduzem a incidência de perfuração livre. A perfuração
ocorre em 1 a 2% dos pacientes, em geral no íleo, porém ocasionalmente no jejuno ou então como
complicação do megacólon tóxico. A peritonite da perfuração livre, sobretudo colônica, pode ser
fatal. Os abscessos intra-abdominais e pélvicos ocorrem em 10 a 30% dos pacientes com DC em
alguma época durante a evolução de sua enfermidade. O tratamento padronizado consiste em
drenagem percutânea do abscesso orientada por TC. Mesmo com a drenagem adequada, a maioria
dos pacientes necessita de ressecção do segmento intestinal afetado. A drenagem percutânea
apresenta taxa de insucesso especialmente alta nos abscessos da parede abdominal. Outras
complicações incluem obstrução intestinal em 40%, hemorragia maciça, má absorção e doença
perianal grave.
De forma a assegurar o sucesso do diagnóstico da DII e diferenciar entre DC e RCU, a
eficácia desses testes sorológicos depende da prevalência dessas doenças em determinada
população. Títulos altos dos anticorpos anti-Saccharomyces cerevisiae (ASCA) foram
associados à DC, ao passo que títulos elevados de anticorpos anticitoplasma de neutrófilo
perinuclear (p-ANCAs) são detectados mais comumente nos pacientes com RCU. Entretanto,
quando foram avaliadas em uma metanálise de 60 estudos, a sensibilidade e a especificidade do
padrão AASC+/p-ANCA– para diagnosticar DC foram de 55 e 93%, respectivamente.

→ DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
A RCU e a DC têm manifestações clínicas semelhantes a muitas outras doenças. Como
não existe um exame diagnóstico definitivo, utiliza-se uma combinação de manifestações clínicas
e laboratoriais. Uma vez estabelecido o diagnóstico de DII, a diferenciação entre RCU e DC é
inicialmente impossível em até 15% dos casos. Esses casos são denominados colite
indeterminada. Felizmente, na maioria das vezes, a verdadeira natureza da colite subjacente
torna-se, mais tarde, evidente na evolução da doença do paciente. Em cerca de 5% (variação de
1-20%) das amostras de ressecção do cólon, é difícil classificar a doença como RCU ou DC, visto
que ambas apresentam anormalidades histológicas semelhantes.

■ Manifestações clínicas, endoscópicas e radiográficas diferentes

Retocolite Doença de
ulcerativa Crohn

Clínicas

Sangue macroscópico nas fezes Sim Ocasionalmente

Muco Sim Ocasionalmente

Sintomas sistêmicos Ocasionalmente Frequentemente

Dor Ocasionalmente Frequentemente

Massa abdominal Raramente Sim

Doença perineal significativa Não Frequentemente

Fístulas Não Sim

Obstrução do intestino delgado Não Frequentemente

Obstrução colônica Raramente Frequentemente


■ Manifestações clínicas, endoscópicas e radiográficas diferentes

Retocolite Doença de
ulcerativa Crohn

Resposta aos antibióticos Não Sim

Recidiva depois da cirurgia Não Sim

Endoscópicas

O reto é poupado Raramente Frequentemente

Doença contínua Sim Ocasionalmente

“Pedras arredondadas” Não Sim

Granuloma na biópsia Não Ocasionalmente

Radiográficas

Intestino delgado significativamente


Não Sim
anormal

Íleo terminal anormal Não Sim

Colite segmentar Não Sim

Colite assimétrica Não Sim

Estenoses Ocasionalmente Frequentemente

• Doenças infecciosas
Infecções do intestino delgado e do cólon podem simular DC e RCU. Essas infecções
podem ser bacterianas, fúngicas, virais ou causadas por protozoários. A colite induzida
por Campylobacter pode reproduzir o aspecto endoscópico da RCU grave e acarretar uma
recidiva da doença preexistente. A Salmonella pode causar diarreia líquida ou sanguinolenta,
náuseas e vômitos. A shiguelose causa diarreia líquida, dor abdominal e febre, seguidas de
tenesmo retal com eliminação de sangue e muco pelo reto. Em geral, essas três infecções são
autolimitadas, mas 1% dos pacientes infectados com Salmonella tornam-se portadores
assintomáticos. A infecção por Yersinia enterocolitica ocorre principalmente no íleo terminal e
acarreta ulceração mucosa, invasão de neutrófilos e espessamento da parede ileal. Outras
infecções bacterianas que podem simular DII incluem C. difficile, que se apresenta com diarreia,
tenesmo, náuseas e vômitos; e E. coli, da qual três subclasses podem causar colite. Os subtipos
são E. coli êntero-hemorrágica, enteroinvasiva e enteroaderente, e todos podem causar diarreia
sanguinolenta e dor abdominal. O diagnóstico de colite bacteriana é estabelecido enviando-se
amostras de fezes para cultura bacteriana e análise da toxina do C. difficile. Gonorreia, clamídia
e sífilis também podem causar proctite.
O acometimento GI por infecção micobacteriana ocorre principalmente no paciente
imunossuprimido, mas pode ocorrer em pacientes com imunidade normal. O acometimento do
íleo distal e ceco predomina, e os pacientes apresentam sintomas de obstrução do intestino
delgado e massa abdominal dolorosa. O diagnóstico é confirmado por colonoscopia com biópsia
e cultura. A infecção pelo complexo Mycobacterium avium-intracellulare ocorre nos estágios
mais avançados da infecção pelo HIV, assim como em outros estados de imunossupressão; em
geral, essa doença manifesta-se como infecção sistêmica, com diarreia, dor abdominal, perda de
peso, febre e má absorção. O diagnóstico é estabelecido por um esfregaço corado pela técnica
álcool-ácido-resistente e cultura das biópsias de mucosas.
A maioria dos pacientes com colite viral é imunocomprometida, porém colite por
citomegalovírus (CMV) e herpes simples podem ocorrer em indivíduos imunocompetentes. A
infecção por CMV ocorre mais comumente no esôfago, cólon e reto, mas pode acometer também
o intestino delgado. Os sintomas incluem dor abdominal, diarreia sanguinolenta, febre e perda de
peso. Com a doença grave, podem ocorrer necrose e perfuração. O diagnóstico é feito pela
identificação de inclusões intranucleares características nas células mucosas pela biópsia. A
infecção por herpes simples do trato GI se limita à orofaringe, bem como às áreas anorretais e
perianais. Os sinais e sintomas incluem dor anorretal, tenesmo, constipação, linfadenopatia
inguinal, dificuldade miccional e parestesias sacrais. O diagnóstico é confirmado pela biópsia
retal com identificação de inclusões celulares características e por cultura viral. O próprio HIV
pode causar diarreia, náuseas, vômitos e anorexia. As biópsias do intestino delgado mostram
atrofia parcial das vilosidades; também pode haver proliferação bacteriana excessiva no intestino
delgado e má absorção de gorduras.
Os parasitas protozoários incluem Isospora belli, que pode causar infecção autolimitada
em hospedeiros sadios, mas acarreta diarreia aquosa crônica e profusa, bem como perda de peso
nos pacientes com Aids. Entamoeba histolytica ou espécies relacionadas infectam cerca de 10%
da população mundial; os sintomas incluem dor abdominal, tenesmo, evacuações moles e
frequentes com fezes que contêm sangue e muco, bem como hipersensibilidade abdominal. A
colonoscopia revela úlceras puntiformes focais com mucosa de permeio normal; o diagnóstico é
confirmado pela biópsia ou pelos anticorpos amebianos séricos. A colite amebiana fulminante é
rara, porém tem uma taxa de mortalidade > 50%.
Outras infecções parasitárias que podem simular DII incluem ancilostomídeos (Necator
americanus), nematódeos (Trichuris trichiura) e Strongyloides stercoralis. Nos pacientes
profundamente imunossuprimidos, Candida ou Aspergillus pode ser identificado na submucosa.
A histoplasmose disseminada pode envolver a área ileocecal.
• Doenças não infecciosas
A diverticulite pode ser confundida com DC clínica e radiograficamente. Ambas as
doenças causam febre, dor abdominal, massa abdominal hipersensível, leucocitose, VHS elevada,
obstrução parcial e fístulas. Tanto a doença perianal quanto a ileíte em uma seriografia do
intestino delgado falam a favor do diagnóstico de DC. Anormalidades endoscópicas significativas
da mucosa são mais prováveis na DC do que na diverticulite. A recidiva endoscópica ou clínica
depois da ressecção segmentar fala a favor de DC. A colite associada à doença diverticular é
semelhante à DC, as anormalidades da mucosa estão limitadas ao sigmoide e ao cólon
descendente.
A colite isquêmica é geralmente confundida com DII. O processo isquêmico pode ser
crônico e difuso, como acontece na RCU, ou segmentar, como na DC. A inflamação do cólon
decorrente da isquemia pode regredir rapidamente ou persistir e resultar em fibrose transmural,
bem como formação de estreitamento. A doença intestinal isquêmica deve ser considerada no
idoso depois de reparo de aneurisma aórtico abdominal, ou quando o paciente apresenta um estado
de hipercoagulabilidade ou distúrbio cardíaco ou vascular periférico grave. Os pacientes
normalmente se apresentam com dor de início súbito no quadrante inferior esquerdo, urgência
para defecar e eliminação de sangue vermelho-vivo pelo reto. O exame endoscópico
frequentemente demonstra reto de aspecto normal e transição nítida para área de inflamação no
cólon descendente e flexura esplênica do cólon.
Os efeitos da radioterapia no trato GI podem ser difíceis de distinguir da DII. Os sintomas
agudos podem ocorrer 1 a 2 semanas depois do início da radioterapia (colite actínica). Quando o
reto e o sigmoide são irradiados, os pacientes desenvolvem diarreia mucossanguinolenta e
tenesmo, como acontece na RCU distal. Com o acometimento do intestino delgado, diarreia é
comum. Os sintomas tardios consistem em má absorção e perda de peso. Pode ocorrer formação
de estenose com obstrução e proliferação bacteriana excessiva. As fístulas podem penetrar na
bexiga, vagina ou parede abdominal. A sigmoidoscopia flexível revela granularidade mucosa,
friabilidade, numerosas telangiectasias e, ocasionalmente, ulcerações bem demarcadas. A biópsia
pode confirmar o diagnóstico.
Vários tipos de colite estão associados aos anti-inflamatórios não esteroides (AINEs),
como a colite de novo, a reativação da DII e a proctite causada pelo uso de supositórios. A maioria
dos pacientes com colite relacionada com AINEs tem diarreia e dor abdominal, e as complicações
incluem estenose, sangramento, obstrução, perfuração e fistulização. A interrupção do uso desses
fármacos é fundamental, e, nos casos de DII reativada, estão indicados tratamentos padronizados.
Duas colites atípicas – colite colagenosa e colite linfocítica – têm aspectos endoscópicos
completamente normais. A colite colagenosa tem dois componentes histopatológicos principais:
aumento da deposição de colágeno na camada subepitelial e colite com quantidades aumentadas
de linfócitos intraepiteliais. A relação entre os sexos feminino e masculino é de 9:1, e a maioria
dos pacientes apresenta-se na sexta ou sétima década de vida. O principal sintoma é diarreia
líquida crônica. Os tratamentos incluem sulfassalazina ou mesalazina e difenoxilato/atropina,
bismuto e budesonida, ou prednisona ou azatioprina/6-mercaptopurina para doença refratária. Os
fatores de risco incluem tabagismo; uso de AINEs, inibidores da bomba de prótons ou
betabloqueadores; e história de doença autoimune.
A colite linfocítica tem características semelhantes às da colite colagenosa, como a idade
por ocasião do início e a apresentação clínica, porém com uma incidência quase igual em homens
e mulheres e sem deposição subepitelial de colágeno do corte patológico. Entretanto, a quantidade
de linfócitos intraepiteliais está aumentada. A frequência de doença celíaca aumenta na colite
linfocítica e oscila de 9 a 27%. A doença celíaca deve ser excluída em todos os pacientes com
colite linfocítica, particularmente quando a diarreia não melhora com tratamento convencional.
O tratamento é semelhante ao da colite colagenosa, com exceção de uma dieta sem glúten para os
que têm doença celíaca.

■ Doenças que simulam a DII

Etiologias infecciosas

Bacterianas Micobacterianas
Virais
Salmonella Tuberculose
Infecção por
Shigella Mycobacterium
citomegalovírus
Toxigênica avium
Herpes simples
Escherichia coli Parasitárias
HIV
Campylobacter Amebíase
Fúngicas
Yersinia Isospora
Histoplasmose
Clostridium difficile Trichuris trichiura
Candida
Gonorreia Ancilostomose
Aspergillus
Chlamydia trachomatis Strongyloides

Etiologias não infecciosas

Inflamatórias Fármacos e produtos


Apendicite químicos
Neoplasias
Diverticulite Anti-inflamatórios não
Linfoma
Colite pós-derivação intestinal esteroides
Doença metastática
Colite colagenosa/linfocítica Fosfosoda
Carcinoma
Colite isquêmica Cólon catártico
Carcinoma do íleo
Colite/enterite pós-irradiação Ouro
Carcinoide
Síndrome da úlcera retal solitária Contraceptivos orais
Polipose familiar
Gastrenterite eosinofílica Cocaína
Colite neutropênica Ipilimumabe
Síndrome de Behçet Micofenolato de mofetila
Doença do enxerto contra o
hospedeiro

→MANIFESTAÇÕES EXTRAINTESTINAIS
Até um terço dos pacientes com DII apresenta pelo menos uma manifestação
extraintestinal da doença.
• Dermatológicas:
O eritema nodoso (EN) ocorre em até 15% dos pacientes com DC e 10% dos pacientes
com RCU. As crises se correlacionam habitualmente com a atividade intestinal; as lesões cutâneas
surgem após o início dos sintomas intestinais, e os pacientes sofrem, com frequência, de artrite
periférica ativa concomitante. As lesões do EN são nódulos quentes, vermelhos e hipersensíveis
que medem 1 a 5 cm de diâmetro, sendo encontrados na superfície anterior das pernas, nos
tornozelos, nas panturrilhas, nas coxas e nos braços. O tratamento tem como objetivo controlar a
doença intestinal subjacente.
O pioderma gangrenoso (PG) é observado em 1 a 12% dos pacientes com RCU e menos
frequentemente na colite de Crohn. Embora geralmente seja detectado depois do diagnóstico da
DII, o PG pode ocorrer anos antes do início dos sintomas, ter evolução independente da doença
intestinal, responder pouco à colectomia e até se manifestar anos depois da proctocolectomia. Em
geral, o PG está associado à doença grave. As lesões geralmente são encontradas na superfície
dorsal dos pés e das pernas, porém podem ocorrer nos braços, no tórax, no estoma e mesmo na
face. O PG começa geralmente como uma pústula e, a seguir, espalha-se concentricamente, com
acometimento rápido da pele normal. A seguir, as lesões ulceram e formam bordas violáceas
circundadas por margem de eritema. Na parte central, elas contêm tecido necrótico com sangue e
exsudato. As lesões podem ser únicas ou múltiplas e chegam a medir 30 cm de diâmetro. Em
alguns casos, as lesões são muito difíceis de tratar e frequentemente é preciso usar antibióticos e
corticoides IV, dapsona, azatioprina, talidomida, ciclosporina (CSA) IV, infliximabe ou
adalimumabe.
As lesões da mucosa oral observadas com frequência na DC e apenas raramente na RCU
incluem estomatite aftosa e lesões com aspecto de “pedras arredondadas” na mucosa bucal.
• Reumatológicas:
A artrite periférica desenvolve-se em 15 a 20% dos pacientes com DII, é mais comum
na DC e piora com as exacerbações da atividade intestinal. A artrite é assimétrica, poliarticular e
migratória, além de afetar frequentemente as grandes articulações dos membros superiores e
inferiores. O tratamento visa reduzir a inflamação intestinal. Na RCU grave, a colectomia muitas
vezes cura a artrite.
A espondilite anquilosante (EA) ocorre em cerca de 10% dos pacientes com DII e é
mais comum na DC do que na RCU. Cerca de dois terços dos pacientes com DII e EA expressam
o antígeno HLA-B27. A atividade da EA não está relacionada com a atividade intestinal e não
melhora com os corticoides ou a colectomia. Essa espondilite afeta mais comumente a coluna
vertebral e a pelve, produzindo sintomas de lombalgia difusa, dor nas nádegas e rigidez matinal.
A evolução é contínua e progressiva, resultando em lesões esqueléticas e deformidades
irreversíveis. O tratamento com anti-TNF reduz a inflamação da coluna vertebral e melhora o
estado funcional e a qualidade de vida.
A sacroileíte é simétrica, ocorre igualmente na RCU e na DC, comumente é
assintomática, não se correlaciona com a atividade intestinal e nem sempre progride para EA.
• Oculares:
A incidência de complicações oculares nos pacientes com DII é de 1 a 10%. As mais
comuns são conjuntivite, uveíte anterior/irite e episclerite. A uveíte está associada tanto à RCU
quanto à colite de Crohn, pode ser encontrada durante os períodos de remissão e pode acometer
pacientes depois da ressecção intestinal. Os sinais e sintomas são dor ocular, fotofobia, turvação
visual e cefaleia. A intervenção imediata, às vezes com corticoides sistêmicos, é necessária para
evitar a formação de tecido cicatricial e deterioração visual. Episclerite é um distúrbio benigno
que se manifesta com queixas de ardência ocular leve. Isso corre em 3 a 4% dos pacientes com
DII, mais comumente na colite de Crohn, e é tratada com corticoides tópicos.
• Hepatobiliares:
Nos pacientes com DC e RCU, a esteatose hepática pode ser diagnosticada em cerca de
metade das biópsias hepáticas anormais; os pacientes geralmente têm hepatomegalia. Em geral, a
esteatose hepática resulta de uma combinação de enfermidade debilitante crônica, desnutrição e
tratamento com corticoides. A colelitíase ocorre em 10 a 35% dos pacientes portadores de DC
com ileíte ou ressecção ileal. A formação de cálculos biliares é causada pela má absorção de
ácidos biliares, resultando em depleção do reservatório de sais biliares e secreção de bile
litogênica.
Colangite esclerosante primária (CEP) é um distúrbio caracterizado por inflamação dos
ductos intra-hepáticos e extra-hepáticos e fibrose, levando frequentemente ao desenvolvimento
de cirrose biliar e à insuficiência hepática; cerca de 5% dos pacientes com RCU apresentam CEP,
porém 50 a 75% dos pacientes com CEP têm DII. A CEP ocorre com menos frequência nos
pacientes com DC. Embora possa ser detectada depois do diagnóstico da DII, a CEP pode ser
diagnosticada antes ou até alguns anos depois da proctocolectomia. De acordo com essas
observações, a base imunogenética da CEP parece sobrepor-se à da RCU (embora seja diferente
com base na GWAS), ainda que a DII e a CEP comumente tenham teste positivo para p-ANCA.
A maioria dos pacientes não apresenta sintomas por ocasião do diagnóstico; quando presentes,
consistem em fadiga, icterícia, dor abdominal, febre, anorexia e mal-estar. O exame diagnóstico
tradicional considerado padrão de referência é colangiopancreatografia retrógrada endoscópica
(CPRE), mas a colangiopancreatografia por ressonância magnética (CPRM) é sensível, específica
e mais segura. A CPRM é uma opção razoável como exame complementar inicial das crianças e
dos adultos e pode mostrar irregularidades, estenoses multifocais e dilatações em todos os níveis
da árvore biliar. Nos pacientes com CEP, a CPRE e a CPRM demonstram múltiplas estenoses dos
ductos biliares alternando-se com segmentos relativamente normais.
Os pólipos da vesícula biliar dos pacientes com CEP mostram incidência alta de
transformação maligna, e a colecistectomia é recomendável, mesmo que a lesão polipoide tenha
< 1 cm de diâmetro. A monitoração da vesícula biliar por ultrassonografia deve ser realizada
anualmente. A colocação de stent endoscópico pode ser paliativa para a colestase secundária à
obstrução dos ductos biliares. Os pacientes com doença sintomática desenvolvem cirrose e
insuficiência hepática no decorrer de 5 a 10 anos e, por fim, necessitam de transplante hepático.
Os pacientes com CEP apresentam risco vitalício de 10 a 15% de desenvolver colangiocarcinoma
e, desse modo, não podem ser transplantados. Os pacientes com DII e CEP estão mais sujeitos a
desenvolver câncer colorretal e devem ser avaliados anualmente por colonoscopia e biópsia.
• Distúrbios ósseos metabólicos
Cerca de 14 a 42% dos pacientes com DII têm massa óssea reduzida. O risco aumenta
durante o tratamento com corticoides, CSA, metotrexato (MTX) e nutrição parenteral total (NPT).
Má absorção e inflamação mediada por IL-1, IL-6, TNF e outros mediadores inflamatórios
também contribuem para a densidade óssea mais baixa.
A osteonecrose caracteriza-se por destruição dos osteócitos e adipócitos e, por fim,
colapso ósseo. A dor é agravada por movimentos e inflamação das articulações. Essa complicação
afeta os quadris mais que os joelhos e ombros, e, em uma série, 4,3% dos pacientes desenvolveram
osteonecrose 6 meses depois de iniciar o tratamento com corticoides. O diagnóstico é estabelecido
por cintilografia óssea ou RM, e o tratamento consiste em controle da dor, descompressão da
medula espinal, osteotomia e artroplastia.

→ TRATAMENTO
1. Compostos à base de 5-ASA
Esses fármacos são eficazes para induzir e manter remissão da RCU. Eles podem ter
utilidade limitada na indução da remissão da DC, porém não têm papel bem definido na sua
manutenção. Preparações mais recentes de aminossalicilato sem sulfa fornecem maiores
quantidades do ingrediente farmacologicamente ativo da sulfassalazina (5-ASA, mesalazina) no
local da doença intestinal ativa, ao mesmo tempo que limitam a toxicidade sistêmica. O receptor
ativado do proliferador dos peroxissomos tipo γ (PPARγ) pode mediar a ação terapêutica da 5-
ASA ao diminuir a localização nuclear do NF-κB. As formulações de aminossalicilatos livres de
sulfa incluem transportadores alternativos ligados ao azo, dímeros de 5-ASA e preparações de
liberação tardia e liberação controlada. Todas têm a mesma eficácia da sulfassalazina quando são
utilizadas concentrações equimolares.
A estrutura molecular da sulfassalazina proporciona um sistema de liberação conveniente
ao cólon, pois permite que a molécula intacta passe pelo intestino delgado depois de sua absorção
apenas parcial e que seja desintegrada no cólon pelas azo-redutases bacterianas que clivam a
ligação azo que une os componentes sulfa e 5-ASA. A sulfassalazina é um tratamento eficaz para
RCU leve a moderada e é ocasionalmente usada na colite de Crohn, mas a incidência alta de
seus efeitos colaterais limita seu uso. Apesar de a sulfassalazina ser mais eficaz em doses mais
altas (6 ou 8 g/dia), até 30% dos pacientes têm reações alérgicas ou efeitos colaterais intoleráveis,
como cefaleia, anorexia, náuseas e vômitos, que podem ser atribuídos ao componente
sulfapiridina. As reações de hipersensibilidade, que independem dos níveis de sulfapiridina,
consistem em erupção cutânea, febre, hepatite, agranulocitose, pneumonite de
hipersensibilidade, pancreatite, agravamento da colite e anormalidades reversíveis dos
espermatozoides. A sulfassalazina pode prejudicar também a absorção de folato, razão pela qual
os pacientes devem receber suplementos de ácido fólico.
Delzicol e Asacol HD (dose alta) também são preparações de mesalazina com
revestimento entérico, cuja molécula de 5-ASA é liberada em pH > 7. A sua desintegração ocorre
com a dissolução completa do comprimido em muitas áreas diferentes do trato gastrintestinal,
desde o intestino delgado até a flexura esquerda (ângulo esplênico); essas preparações têm
permanência mais longa no estômago quando ingeridas com uma refeição. O Asacol foi
recentemente retirado do mercado e substituído pelo Delzicol, que não contém dibutilftalato
(DBP), um ingrediente inativo da cobertura entérica do Asacol. O DBP foi associado a efeitos
adversos no sistema reprodutor masculino de animais com doses muito elevadas.
Pentasa é outra formulação de mesalazina, a qual utiliza um revestimento de etilcelulose
para tornar possível a absorção da água para dentro de microesferas que contêm a mesalazina. A
água dissolve o 5-ASA, que, a seguir, difunde-se para fora da gota e penetra no lúmen. A
desintegração da cápsula ocorre no estômago. Em seguida, as microesferas dispersam por todo o
trato GI, desde o intestino delgado até o cólon distal, tanto em jejum quanto no estado pós-
prandial.
Cerca de 50 a 75% dos pacientes com RCU leve a moderada melhoram quando são
tratados com doses de 5-ASA equivalentes a 2 g/dia de mesalazina; a resposta à dose continua até
pelo menos 4,8 g/dia.

TABELA 319-7 ■ Preparações orais à base de 5-ASA

Preparação Formulação Liberação Dose diária

Ligação azo
TABELA 319-7 ■ Preparações orais à base de 5-ASA

Preparação Formulação Liberação Dose diária

3-6 g (aguda)
Sulfassalazina (500
Sulfapiridina/5-ASA Cólon 2-4 g
mg)
(manutenção)

Balsalazida (750
Aminobenzoilalanina/5-ASA Cólon 6,75-9 g
mg)

Liberação retardada

2,4-4,8 g (aguda)
Mesalazina (400, Íleo distal-
Eudragit S (pH 7) 1,6-4,8 g
800 mg) cólon
(manutenção)

Mesalazina (1,2 g) Mesalazina MMX (SPD476) Íleo-cólon 2,4-4,8 g

Liberação controlada

2-4 g (aguda)
Mesalazina (250, Estômago-
Microgrânulos de etilcelulose 1,5-4 g
500, 1.000 mg) cólon
(manutenção)

Liberação retardada e prolongada

Mesalazina (0,375 Mecanismo de liberação 1,5 g


Íleo-cólon
g) prolongada Intellicor (manutenção)

Os enemas tópicos Rowasa são compostos de mesalazina eficazes para tratar RCU distal
leve a moderada. O tratamento combinado com mesalazina na forma oral e enema é mais eficaz
que qualquer tratamento isoladamente para a RCU distal ou extensiva.
Os supositórios Canasa compostos de mesalazina são eficazes para tratar proctite.
2. Glicocorticoides
A maioria dos pacientes com RCU moderada a grave melhora com glicocorticoides
orais ou parenterais. Em geral, a prednisona é iniciada com doses de 40 a 60 mg/dia para RCU
ativa que não responda ao tratamento com 5-ASA. Os glicocorticoides parenterais podem ser
administrados, como a hidrocortisona (300 mg/dia) ou a metilprednisolona (40-60 mg/dia). A
budesonida – um glicocorticoide novo usado para tratar RCU – é completamente liberada no
cólon e tem pouco ou nenhum dos efeitos colaterais dos glicocorticoides. A dose é de 9 mg/dia
por 8 semanas e não há necessidade de redução gradativa da dose. A aplicação tópica de
glicocorticoides também se revelou eficaz para a colite distal e pode funcionar como um adjuvante
nos indivíduos com acometimento retal além de doença mais proximal.
Os glicocorticoides também são eficazes no tratamento da DC moderada a grave e
induzem uma taxa de remissão de 60 a 70%, em comparação com 30% de resposta a um placebo.
Os efeitos sistêmicos das formulações padronizadas de corticoides deram origem ao
desenvolvimento de formulações mais potentes, que sofrem menor absorção e exibem maior
metabolismo durante a primeira passagem. A budesonida de liberação ileal controlada foi
praticamente igual à prednisona para tratar DC ileocólica, mas com menos efeitos colaterais que
os corticoides. Esse fármaco é usado por 2 a 3 meses na dose de 9 mg/dia, que, a seguir, deve ser
reduzida progressivamente. Os glicocorticoides não desempenham qualquer papel no tratamento
de manutenção da RCU ou da DC. Depois da remissão clínica, sua posologia deve ser reduzida
progressivamente em conformidade com a atividade clínica, normalmente a uma taxa nunca
superior a 5 mg/semana. Essa posologia, em geral, pode ser reduzida para 20 mg/dia em 4 a 5
semanas, porém costuma ser necessário um período de vários meses para sua retirada completa.
Os efeitos colaterais são diversos, incluindo retenção hídrica, estrias abdominais, redistribuição
da gordura, hiperglicemia, catarata subcapsular, osteonecrose, osteoporose, miopatia, distúrbios
emocionais e sintomas de privação. A maioria desses efeitos colaterais, com exceção da
osteonecrose, está relacionada com a dose e a duração do tratamento.
3. Antibióticos
Os antibióticos não desempenham qualquer papel no tratamento da RCU ativa ou
quiescente. Entretanto, a inflamação da bolsa ileal pós-anastomótica – que ocorre em cerca de 30
a 50% dos pacientes com RCU tratados por colectomia e ABIA – geralmente melhora com o
tratamento à base de metronidazol e/ou ciprofloxacino.
O metronidazol é eficaz para tratar DC inflamatória ativa, fistulizante e perianal e pode
evitar recidiva depois da ressecção ileal. A dose mais eficaz é de 15 a 20 mg/kg/dia, divididos
em 3 doses; em geral, esse tratamento é mantido por vários meses. Os efeitos colaterais comuns
incluem náuseas, gosto metálico e reação semelhante ao dissulfiram. Uma neuropatia periférica
pode ocorrer com a administração prolongada (vários meses) e, em ocasiões raras, é permanente
apesar da interrupção do tratamento. O ciprofloxacino (500 mg, 2 vezes/dia) também é eficaz
para tratar DC inflamatória, perianal e fistulizante, mas foi associado a tendinite e ruptura de
tendão. Os antibióticos ciprofloxacino e metronidazol podem ser usados apenas por um curto
período em razão de seus efeitos colaterais.
4. Azatioprina e 6-mercaptopurina (imunomodulador)
Azatioprina e 6-mercaptopurina (6-MP) são análogos da purina usados simultaneamente
com agentes biológicos ou, menos comumente, como imunossupressores administrados
isoladamente. A azatioprina é rapidamente absorvida e convertida em 6-MP, que é, então,
metabolizada ao produto ativo – ácido tioinosínico, um inibidor da síntese de ribonucleotídeos de
purinas e da proliferação celular. A eficácia pode ser observada dentro de apenas 3 a 4 semanas,
mas pode levar até 4 a 6 meses. A adesão ao tratamento pode ser monitorada pela determinação
dos níveis de 6-tioguanina e 6-metilmercaptopurina, os produtos finais do metabolismo da 6-MP.
As doses usadas variam na faixa de 2 a 3 mg/kg/dia de azatioprina e 1 a 1,5 mg/kg/dia de 6-MP.
A azatioprina e a 6-MP geralmente são bem toleradas, porém ocorre pancreatite em 3 a
4% dos pacientes, que se manifesta ao longo das primeiras semanas de tratamento e é totalmente
reversível quando o fármaco é suspenso. Outros efeitos colaterais incluem náuseas, febre, erupção
cutânea e hepatite. A supressão da medula óssea (particularmente leucopenia) está relacionada
com a dose e, às vezes, constitui um fenômeno mais tardio, que torna necessária a monitoração
periódica com hemograma completo. Além disso, 1 em cada 300 indivíduos não tem tiopurina-
metiltransferase, que é a enzima responsável pelo metabolismo desses fármacos para a inativação
dos produtos (6-metilmercaptopurina); outros 11% da população são heterozigotos com atividade
enzimática intermediária. Em ambos os casos, há maior risco de toxicidade devido ao maior
acúmulo dos metabólitos da tioguanina. Os níveis de 6-tioguanina e 6-mercaptopurina podem ser
acompanhados com a finalidade de determinar a posologia correta dos medicamentos e reduzir a
toxicidade, porém a posologia baseada no peso constitui uma alternativa igualmente aceitável. Os
hemogramas completos e as provas da função hepática devem ser monitorados com frequência,
seja qual for a estratégia posológica.
5. Metotrexato (imunomodulador)
O MTX inibe a di-hidrofolato-redutase e bloqueia a síntese de DNA. Outras propriedades
anti-inflamatórias podem estar relacionadas com a síntese reduzida de IL-1. Na maioria dos casos,
esse fármaco é usado simultaneamente com agentes biológicos para reduzir a produção de
anticorpos e melhorar a resposta ao tratamento. As doses intramusculares (IM) ou subcutâneas
(SC) variam de 15 a 25 mg/semana. Os efeitos tóxicos potenciais incluem leucopenia e fibrose
hepática, tornando necessária uma avaliação periódica dos hemogramas completos e das enzimas
hepáticas. O papel da biópsia hepática nos pacientes tratados com MTX por períodos prolongados
é duvidoso, porém limita-se provavelmente àqueles com aumento das enzimas hepáticas.
Pneumonite de hipersensibilidade é uma complicação rara do tratamento, mas é grave.
6. Ciclosporina (imunomodulador)
A CSA é um peptídeo lipofílico com efeitos inibitórios nos sistemas imunes celular e
humoral. A CSA bloqueia a produção de IL-2 pelos linfócitos T auxiliares. O fármaco liga-se à
ciclofilina, e esse complexo inibe a calcineurina – uma enzima fosfatase citoplasmática que
participa da ativação das células T. A CSA também inibe indiretamente a função das células B
por bloqueio dos linfócitos T auxiliares. O início de sua ação é mais rápido que o da 6-MP e da
azatioprina.
A CSA é mais eficaz quando é administrada na posologia de 2 a 4 mg/kg/dia, IV, para
RCU grave refratária aos corticoides IV, com 82% dos pacientes respondendo a esse fármaco.
A CSA pode ser uma alternativa à colectomia. O sucesso de longo prazo da CSA oral não é tão
fantástico, mas, quando os pacientes começam a tomar 6-MP ou azatioprina por ocasião da alta
hospitalar, a remissão pode ser mantida.
A CSA pode acarretar efeitos tóxicos significativos. A função renal deve ser monitorada
com frequência. Hipertensão, hiperplasia gengival, hipertricose, parestesias, tremores, cefaleias e
anormalidades eletrolíticas são efeitos colaterais comuns. A elevação da creatinina requer redução
da dose ou interrupção do tratamento. Crises convulsivas também podem complicar o tratamento,
sobretudo quando o paciente tem hipomagnesemia ou os níveis séricos de colesterol são < 3,1
mmol/L (< 120 mg/dL). As infecções oportunistas, mais notavelmente a pneumonia
por Pneumocystis carinii, podem ocorrer com o tratamento imunossupressor combinado, razão
pela qual deve ser usada profilaxia. Em um estudo de grande porte, ocorreram reações adversas
importantes em 15% dos pacientes, incluindo nefrotoxicidade (que não respondeu ao ajuste da
dose), infecções graves, convulsões, anafilaxia e morte de dois pacientes. Essa alta incidência
sugere que possa ser necessária monitoração rigorosa por médicos experientes em unidades de
cuidados terciários. Por ter eficácia parecida com o infliximabe, mas este ser mais seguro, o
biológico é atualmente mais usado que a CSA.
7. Tacrolimo (imunomodulador)
O tacrolimo é um antibiótico macrolídeo com propriedades imunomoduladoras
semelhantes às da CSA. Ele é 100 vezes mais potente que a CSA e não depende da bile nem da
integridade da mucosa para sua absorção. Devido a essas propriedades farmacológicas, o
tacrolimo apresenta boa absorção oral, apesar do comprometimento do intestino delgado proximal
pela doença de Crohn. Estudos demonstraram sua eficácia nas crianças com DII refratária e nos
adultos com comprometimento extensivo do intestino delgado. O tacrolimo também é eficaz nos
adultos com RCU e DC dependentes de corticoides ou refratárias ao tratamento, bem como
na DC com fistulização refratária.
8. Anti-TNF (agentes biológicos)
Hoje em dia, o tratamento com agentes biológicos é geralmente administrado como
primeira opção terapêutica para pacientes com DC e RCU moderada a grave.
a. Infliximabe
O primeiro tratamento biológico aprovado para os casos moderados a graves de DC em
atividade e RCU foi o infliximabe, que é um anticorpo quimérico da classe IgG1 dirigido contra
o TNF-α. Entre os pacientes com DC ativa refratária aos corticoides, à 6-MP ou à 5-ASA, 65%
melhoram com infliximabe IV (5 mg/kg); um terço tem remissão completa. A reinfusão deve ser
feita a cada 8 semanas.
O infliximabe também é eficaz nos pacientes com DC que apresentam fístulas
perianais e enterocutâneas refratárias.
O ensaio clínico SONIC (Study of Biologic and Immunomodulator-Naive Patients with
Crohn’s Disease) comparou infliximabe mais azatioprina, infliximabe isoladamente e azatioprina
também isoladamente em pacientes portadores de DC moderada a grave que antes não tinham
usado imunomoduladores e agentes biológicos. Em 1 ano, o grupo do infliximabe mais
azatioprina apresentou índice de remissão livre de corticoides de 46%, em comparação com 35%
(infliximabe isoladamente) e 24% (azatioprina isoladamente). Houve também cicatrização
completa da mucosa na semana 26 com a abordagem combinada, em comparação com o
infliximabe ou a azatioprina isoladamente (44% vs. 30% vs. 17%). Os eventos adversos foram
iguais entre os grupos.
As doses para RCU e DC são idênticas: doses de indução em 0, 2 e 6 semanas e, depois
disso, a cada 8 semanas. Há um estudo semelhante ao SONIC em pacientes com RCU moderada
a grave. Depois de 16 semanas de tratamento, os pacientes com RCU tratados com azatioprina
mais infliximabe apresentaram índice de remissão livre de corticoides de 40%, em comparação
com os índices de 24 e 22% alcançados pelo grupo tratado apenas com azatioprina ou infliximabe,
respectivamente. Isso também é uma evidência adicional a favor do tratamento mais agressivo
(ou hierarquizado) para os pacientes com DC e RCU moderada a grave.
b. Adalimumabe
O adalimumabe é um anticorpo IgG1 monoclonal humano recombinante, contendo
apenas sequências peptídicas humanas, injetado por via subcutânea. O adalimumabe liga-se ao
TNF e neutraliza sua função, bloqueando a interação entre o TNF e seu receptor de superfície
celular. Por conseguinte, esse fármaco parece ter um mecanismo de ação semelhante ao do
infliximabe, porém com menos imunogenicidade. Na prática clínica, o índice de remissão
alcançado pelos pacientes com DC e RC tratados com adalimumabe aumenta com a dose mais
alta de 40 mg/semana, em vez de a cada 2 semanas.
c. Certolizumabe pegol
O certolizumabe pegol é uma forma peguilhada da porção Fab de um anticorpo anti-TNF
administrado por via SC 1 vez/mês. O certolizumabe pegol por via SC foi eficaz para induzir a
resposta clínica em pacientes com DC inflamatória ativa.
d. Golimumabe
O golimumabe é outro anticorpo IgG1 totalmente humano contra o TNF-α e está
atualmente aprovado para o tratamento de RCU com atividade moderada a grave. Assim como o
adalimumabe e o certolizumabe, o golimumabe é injetado pela via SC.
e. Efeitos colaterais
DESENVOLVIMENTO DE ANTICORPOS O desenvolvimento de anticorpos contra
o infliximabe está associado a um risco aumentado de reações à infusão e resposta diminuída ao
tratamento. A prática atual não inclui a administração de infusões episódicas ou quando
necessárias, em vez de infusões periódicas (a cada 8 semanas), visto que os pacientes têm mais
tendência a desenvolver anticorpos. Em geral, os anticorpos contra infliximabe estão presentes
quando a qualidade ou a duração da resposta à infusão de infliximabe diminui. Existem no
comércio testes para anticorpos contra infliximabe e adalimumabe, assim como para detecção dos
níveis basais necessários ao ajuste da dose ideal. Quando um paciente apresenta níveis altos de
anticorpos e nível basal baixo de infliximabe, é melhor substituí-lo por outro fármaco anti-TNF.
A maioria das reações agudas à infusão e à doença do soro pode ser controlada com corticoides
e anti-histamínicos. Algumas reações podem ser graves e impõem a necessidade de alterar o
tratamento, principalmente quando o paciente tem anticorpos anti-infliximabe. Hoje em dia, a
prática corrente é acrescentar um imunomodulador (p. ex., azatioprina, 6-mercaptopurina ou
MTX) ao tratamento anti-TNF, de forma impedir a formação de anticorpos.
Linfoma não Hodgkin (LNH) Entre os pacientes com DC, o risco basal de LNH é de
2:10.000, ou seja, ligeiramente maior que o da população em geral. A azatioprina e/ou a 6-MP
aumentam o risco para cerca de 4:10.000. O risco maior de LNH associado ao uso das
tiopurinas aplica-se aos pacientes com mais de 65 anos em tratamento ativo (taxa de incidência
anual de 5,41/1.000 pacientes), com risco moderado para os indivíduos da faixa etária entre 50 e
65 anos (taxa de incidência de 2,58, em comparação com a taxa correspondente de 0,37 para a
faixa etária < 50 anos). É difícil saber se os fármacos anti-TNF estão associados ao linfoma, uma
vez que a maioria dos pacientes também usa tiopurinas. Depois dos ajustes para outros
tratamentos simultâneos, um estudo dinamarquês recente com precisão adequada incluindo um
coorte de pacientes com DII expostos aos fármacos anti-TNF não demonstrou risco em excesso.
Infecções Todos os fármacos anti-TNF estão associados a um risco aumentado de
infecções, particularmente reativação da tuberculose latente e infecções fúngicas oportunistas,
incluindo histoplasmose disseminada e coccidioidomicose. Recomenda-se que os pacientes
realizem um teste com derivado proteico purificado (PPD, de purified protein derivative) ou
um teste QuantiFERON-TB e radiografias de tórax antes de iniciarem o tratamento com anti-
TNF. Pacientes com > 65 anos têm índices mais altos de infecções e morte quando usam
infliximabe ou adalimumabe em comparação com a faixa etária < 65 anos.
9. Anti-integrina (agentes biológicos)
As integrinas são expressas na superfície celular dos leucócitos e servem como
mediadores da adesão leucocitária ao endotélio vascular. A integrina α4 e sua subunidade β1 ou
β7 interagem com ligantes do endotélio, chamados de moléculas de adesão. A interação entre
α4β7 e a molécula de adesão celular da adressina 1 da mucosa (MAdCAM-1) é importante para
a migração dos linfócitos até a mucosa intestinal.
a. Natalizumabe
O natalizumabe é um anticorpo IgG4 humanizado recombinante contra a integrina α4 que
demonstrou eficácia na indução e na manutenção de pacientes com DC. Esse fármaco foi
aprovado em fevereiro de 2008 para o tratamento de pacientes portadores de DC refratários ou
intolerantes ao tratamento com anti-TNF.
O natalizumabe não é mais utilizado amplamente para tratar DC, em vista do risco de
causar leucoencefalopatia multifocal progressiva (LEMP).
b. Vedolizumabe
O vedolizumabe – outro inibidor do trânsito leucocitário – é um anticorpo monoclonal
dirigido especificamente contra a integrina α4β7 e pode causar imunossupressão seletiva
intestinal. O vedolizumabe está indicado para tratar pacientes com DC e RCU que não tenham
mostrado resposta adequada ou perda do efeito, ou que se mostraram intolerantes a um
bloqueador do TNF ou imunomodulador; ou que tiveram resposta insatisfatória ou não
toleraram ou mostraram dependência aos corticoides. Esse fármaco também é uma opção para os
pacientes com títulos positivos de anticorpo anti-JC, visto que, ao contrário do natalizumabe, ele
inibe a adesão de um subgrupo bem definido de linfócitos T intestinais à MAdCAM-1, mas não
à molécula 1 de adesão vascular. O vedulizumabe reduz a inflamação GI sem inibir as respostas
imunes sistêmicas ou alterar o trânsito de células T ao sistema nervoso central. Esse fármaco é
administrado por via IV, a cada 8 semanas, depois de 3 doses de indução administradas nas
semanas 0, 2 e 6.
10. Anti-interleucina (agentes biológicos)
O ustequinumabe, um anticorpo monoclonal IgG1 completamente humano, bloqueia a
atividade biológica da IL-12 e da IL-23 por meio de sua subunidade comum p40, inibindo a
interação dessas citocinas com seus receptores das células T, células natural killer e células de
apresentação de antígenos. Esse fármaco foi aprovado recentemente pela FDA para tratar
pacientes com DC que não responderam ou não toleraram um imunomodulador ou corticoide,
mas nunca deixaram de responder ao tratamento com um fármaco anti-TNF, ou que não
melhoraram ou não toleraram o tratamento com um ou mais fármacos anti-TNF. Com base em
um estudo clínico importante, o resultado da dose de indução mais alta (6 mg/kg, IV) e da dose
subsequente de 90 mg, a cada 8 semanas, foi um índice de remissão de 41,7%, em comparação
com 27,4% com placebo, dentro de 22 semanas de tratamento dos pacientes com DC que não
melhoraram com fármaco anti-TNF.
11. Tofacitinibe (pequenas moléculas)
O tofacitinibe é um inibidor oral das JAKs 1, 3 e, em menor grau, 2. A expectativa é que
ele bloqueie a sinalização que envolve citocinas que contêm cadeias gama, incluindo IL-2, IL-4,
IL-7, IL-9, IL-15 e IL-21. Essas citocinas são fundamentais para a ativação, função e proliferação
de linfócitos. Em estudos clínicos, esse fármaco foi eficaz para tratar RCU moderada a grave.
12. Biossimilares
A FDA define um fármaco biossimilar como “um produto biológico altamente
semelhante ao produto de referência, apesar das diferenças pouco significativas nos componentes
clinicamente inativos”. Em termos de segurança, pureza e potência do produto, não existem
diferenças clinicamente significativas entre o produto biológico e o produto de referência. O
biossimilar do infliximabe CT-P13 foi aprovado e está disponível para uso em quase 70 países, e,
hoje em dia, estão em processo de fabricação muitos outros biossimilares do infliximabe e do
adalimumabe. Os biossimilares podem ser aprovados sem estudos controlados randomizados. A
FDA analisa questões de qualidade como sistema de expressão, processo de fabricação, avaliação
das propriedades físico-químicas, atividades funcionais, ligação aos receptores e propriedades
imunoquímicas, análises de impurezas, estabilidade em diversas condições de estresse e efeitos
da formulação e envio do produto. Como os biossimilares provavelmente custam um terço do
produto de referência, é provável que sejam amplamente utilizados nos Estados Unidos em breve.
13. Tratamentos nutricionais
Os antígenos dietéticos podem estimular a resposta imune da mucosa. Os pacientes com
DC ativa respondem ao repouso intestinal, juntamente com NPT. O repouso intestinal e a
NPT são tão eficazes quanto os corticoides para induzir remissão da DC ativa, porém não são tão
eficazes quanto o tratamento de manutenção. A nutrição enteral na forma de preparações
elementares ou à base de peptídeos também é tão eficaz quanto os corticoides ou a NPT, mas
essas dietas não são palatáveis. As dietas enterais podem fornecer ao intestino delgado nutrientes
vitais para o crescimento das células e não apresentam as complicações da NPT. Ao contrário do
que ocorre na DC, a intervenção dietética não reduz a inflamação na RCU.

14. Tratamento cirúrgico


Indicações para cirurgia

Retocolite ulcerativa Doença de Crohn

Intestino delgado
Estenose e obstrução
Doença refratária
Falta de resposta ao tratamento clínico
Doença fulminante
Hemorragia volumosa
Megacólon tóxico
Fístula refratária
Perfuração do cólon
Abscesso
Hemorragia volumosa do
Cólon e reto
cólon
Doença de manejo difícil
Doença extracolônica
Doença fulminante
Obstrução colônica
Doença perianal que não responde ao tratamento
Profilaxia do câncer
clínico
colorretal
Fístula refratária
Displasia ou câncer
Obstrução colônica
colorretal
Profilaxia do câncer
Displasia ou câncer colorretal

Retocolite ulcerativa. Quase metade dos pacientes com RCU crônica extensiva é
submetida a um procedimento cirúrgico no transcorrer dos 10 primeiros anos de sua enfermidade..
A morbidade é de aproximadamente 20% com as proctocolectomias eletivas, 30% com as
operações de urgência e 40% com as intervenções de emergência. Os riscos consistem em
hemorragia primária, contaminação e sepse, bem como lesão neural. A operação preferida é uma
ABIA (anastomose de bolsa ileal-anal).
Como a RCU é uma doença da mucosa, a mucosa retal pode ser dissecada e removida até
a linha denteada do ânus ou cerca de 2 cm acima desse limite. O íleo é confeccionado em uma
bolsa que funciona como um neorreto. A seguir, essa bolsa ileal é suturada circunferencialmente
ao ânus pela técnica terminoterminal. Se for realizada com os devidos cuidados, essa cirurgia
preserva o esfincter anal e mantém a continência. A morbidade operatória global é de 10%, sendo
a principal complicação obstrução intestinal. A falência da bolsa, que torna necessária a conversão
em uma ileostomia, ocorre em 5 a 10% dos pacientes. Parte da mucosa retal inflamada costuma
ser deixada no local, e, assim, a vigilância endoscópica torna-se indispensável. A displasia
primária da mucosa ileal da bolsa ocorre apenas raramente.
Os pacientes com ABIA, em geral, apresentam 6 a 10 evacuações diárias. Com base nos
índices validados de qualidade de vida, os pacientes referem melhor desempenho nos esportes e
nas atividades sexuais que os pacientes com ileostomia. A complicação mais frequentes da ABIA
é a inflamação da bolsa ileal, que ocorre em cerca de 30 a 50% dos pacientes com RCU. Essa
síndrome consiste em aumento da frequência das evacuações, fezes líquidas, cólicas, urgência,
escape noturno de fezes, artralgia, mal-estar e febre. As biópsias da bolsa podem distinguir entre
inflamação verdadeira da bolsa ileal e DC subjacente. Embora a inflamação da bolsa ileal
geralmente melhore com antibióticos, 3 a 5% dos pacientes continuam sintomáticos e precisam
usar corticoides, imunomoduladores ou agentes biológicos, ou mesmo remover a bolsa em
definitivo. Uma preparação probiótica altamente concentrada com quatro cepas de Lactobacillus,
três cepas de Bifidobacterium e uma cepa de Streptococcus salivarius pode evitar recidiva da
inflamação da bolsa ileal quando é ingerida diariamente.
Doença de Crohn. A maioria dos pacientes com DC precisa de pelo menos um
procedimento cirúrgico no transcorrer de sua vida. A necessidade de realizar uma cirurgia está
relacionada com a duração da doença e o local de acometimento. Os pacientes com doença do
intestino delgado têm 80% de chance de precisar de cirurgia. Os casos de colite isolada têm
probabilidade de 50%. A intervenção cirúrgica é uma opção viável apenas quando o tratamento
clínico é ineficaz ou quando as complicações impõem um procedimento cirúrgico.
• Doença do intestino delgado:
Como a DC é uma enfermidade crônica recorrente sem cura cirúrgica óbvia, deve ser
ressecada a menor quantidade possível de intestino. As atuais alternativas cirúrgicas para o
tratamento da DC obstrutiva incluem ressecção do segmento afetado e correção cirúrgica das
estenoses. Ressecção cirúrgica do segmento afetado é o procedimento mais realizado e, na
maioria dos casos, pode ser realizada anastomose primária para restaurar a continuidade. Se já foi
ressecada uma grande parte do intestino delgado e as estenoses são curtas com áreas interpostas
de mucosa normal, os reparos das estenoses devem ser realizados para evitar que o comprimento
do intestino fique funcionalmente insuficiente. A área estreitada do intestino é submetida à incisão
longitudinal e suturada transversalmente, ampliando, assim, a área estreitada. As complicações
da reparação de estenoses incluem íleo paralítico prolongado, hemorragia, fístulas, abscesso,
vazamento e recidiva da estenose.
Os fatores de risco para recidiva precoce da doença incluem tabagismo, doença penetrante
(fístulas internas, abscessos e outras evidências de penetração através da parede intestinal),
recidiva precoce depois de uma cirurgia pregressa, múltiplas cirurgias ou idade jovem por ocasião
da primeira cirurgia. Deve-se considerar o tratamento pós-operatório agressivo com 6-
MP/azatioprina, infliximabe ou adalimumabe para esse grupo de pacientes. Recomenda-se
também avaliar a possibilidade de recidiva endoscópica da DC por colonoscopia, se possível,
dentro de 6 meses depois da intervenção cirúrgica.
• Doença colorretal:
Uma porcentagem maior dos pacientes com colite de Crohn necessita de cirurgia por
refratariedade, doença fulminante e doença anorretal. Existem várias alternativas disponíveis,
desde uma ileostomia em alça temporária até a ressecção dos segmentos do cólon afetados, ou
mesmo de todo o cólon e o reto. Para os pacientes com acometimento segmentar, pode-se realizar
uma ressecção segmentar do cólon com anastomose primária. Em 20 a 25% dos pacientes com
colite extensiva, o reto pode estar suficientemente preservado para considerar a preservação retal.
A maioria dos cirurgiões acredita que uma ABIA esteja contraindicada na DC devido à alta
incidência de falência da bolsa ileal. Uma colostomia com desvio do trânsito pode ajudar na
cicatrização da doença perianal grave ou das fístulas retovaginais, porém a doença quase sempre
recidiva depois da reanastomose. Esses pacientes frequentemente necessitam de proctocolectomia
total e ileostomia.

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