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Informativo 995-STF
Márcio André Lopes Cavalcante

ÍNDICE
DIREITO CONSTITUCIONAL
ATO JURÍDICO PERFEITO
▪ A Lei nº 9.656/98 não pode ser aplicada aos contratos firmados anteriormente à sua vigência.

CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
▪ Entidade de classe que representa apenas parte da categoria profissional (e não a sua totalidade), não pode ajuizar
ADI/ADC

ADVOCACIA PÚBLICA
▪ É constitucional o pagamento de honorários sucumbenciais aos Procuradores dos Estados, observando-se, porém,
o limite remuneratório previsto no art. 37, XI, da Constituição.

DIREITO ELEITORAL
DIREITOS POLÍTICOS
▪ Eleitor não precisa levar o título no dia da votação, sendo suficiente documento de identificação com foto.

DIREITO CIVIL
ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA
▪ A busca e apreensão da alienação fiduciária em garantia, prevista no art. 3º do DL 911/69, é compatível com a
CF/88, não violando as garantias do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.

DIREITO EMPRESARIAL
CONTRATO DE REPRESENTAÇÃO COMERCIAL
▪ Compete à Justiça Comum julgar as controvérsias envolvendo, de um lado, o representante comercial e, de outro, a
representada.

DIREITO PENAL
ESTELIONATO
▪ A mudança na ação penal do crime de estelionato, promovida pela Lei 13.964/2019, retroage para alcançar os
processos penais que já estavam em curso?

DIREITO PROCESSUAL PENAL


PRISÃO PREVENTIVA
▪ O descumprimento da regra do parágrafo único do art. 316 do CPP NÃO gera, para o preso, o direito de ser posto
imediatamente em liberdade.

Informativo 995-STF (23/10/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1


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DIREITO CONSTITUCIONAL

ATO JURÍDICO PERFEITO


A Lei nº 9.656/98 não pode ser aplicada aos contratos firmados anteriormente à sua vigência

As disposições da Lei nº 9.656/98, à luz do art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal, somente
incidem sobre os contratos celebrados a partir de sua vigência, bem como sobre os contratos
que, firmados anteriormente, foram adaptados ao seu regime, sendo as respectivas
disposições inaplicáveis aos beneficiários que, exercendo sua autonomia de vontade, optaram
por manter os planos antigos inalterados.
STF. Plenário. RE 948634, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 20/10/2020 (Repercussão
Geral – Tema 123) (Info 995).

Lei nº 9.656/98
A Lei nº 9.656/98 dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde. É conhecida como a
“Lei dos Planos de Saúde”.
Um dos grandes debates envolvendo o tema diz respeito à possibilidade, ou não, de aplicação da Lei nº
9.656/98 aos contratos firmados anteriormente à sua vigência.

O que decidiu o STF?


O STF afirmou que os contratos celebrados antes da edição da Lei nº 9.656/98 não podem ser por ela
atingidos:
A Lei nº 9.656/98, que disciplina os planos e seguros privados de assistência à saúde, é constitucional.
Este diploma, contudo, não pode ser aplicado para contratos celebrados antes de sua vigência.
Assim, são inconstitucionais os dispositivos da Lei nº 9.656/98 que determinavam a sua aplicação para
contratos celebrados antes da sua edição.
STF. Plenário. ADI 1931/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 7/2/2018 (Info 890).

Quais dispositivos foram declarados inconstitucionais?


• o art. 10, § 2º e o art. 35-E da Lei nº 9.656/98;
• o art. 2º da MP 2.177-44/2001.

Esses dispositivos previam que a Lei nº 9.656/98 deveria incidir mesmo se o contrato tivesse sido
celebrado antes da sua vigência. Vejamos a sua redação:
Art. 10 (...)
§ 2º As pessoas jurídicas que comercializam produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º
desta Lei oferecerão, obrigatoriamente, a partir de 3 de dezembro de 1999, o plano-referência de
que trata este artigo a todos os seus atuais e futuros consumidores. (Redação dada pela MP 2.177-
44/2001)

Art. 35-E. A partir de 5 de junho de 1998, fica estabelecido para os contratos celebrados
anteriormente à data de vigência desta Lei que: (Incluído pela Medida Provisória nº 2.177-
44/2001)
I - qualquer variação na contraprestação pecuniária para consumidores com mais de sessenta anos
de idade estará sujeita à autorização prévia da ANS;

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II - a alegação de doença ou lesão preexistente estará sujeita à prévia regulamentação da matéria


pela ANS;
III - é vedada a suspensão ou a rescisão unilateral do contrato individual ou familiar de produtos
de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei por parte da operadora, salvo o disposto no
inciso II do parágrafo único do art. 13 desta Lei;
IV - é vedada a interrupção de internação hospitalar em leito clínico, cirúrgico ou em centro de
terapia intensiva ou similar, salvo a critério do médico assistente.

Art. 2º Os arts. 3º, 5º, 25, 27, 35-A, 35-B, 35-D e 35-E da Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998,
entram em vigor em 5 de junho de 1998, resguardada às pessoas jurídicas de que trata o art. 1º a
data limite de 31 de dezembro de 1998 para adaptação ao que dispõem os arts. 14, 17, 30 e 31.

Por que esses dispositivos foram declarados inconstitucionais?


Porque previram a incidência das novas regras dos planos de saúde fixadas pela Lei nº 9.656/98 aos
contratos celebrados anteriormente à vigência deste diploma normativo. Isso representa afronta ao art.
5º, XXXVI, da CF/88:
Art. 5º (...)
XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;

Nas palavras do Ministro Marco Aurélio, a vida democrática pressupõe segurança jurídica e não há
segurança jurídica se uma lei nova desrespeita o ato jurídico perfeito e acabado, como é o caso de um
contrato já assinado.
Não se pode aplicar uma lei nova para relações contratuais já consolidadas, considerando que essas regras
não existiam no momento da manifestação da vontade das partes.

STF reitera a impossibilidade de aplicação retroativa da Lei


Ao julgar o Tema 123 da repercussão geral, o STF reiterou a impossibilidade de aplicação da Lei nº 9.656/98
aos contratos firmados antes de sua vigência.
A Corte fez, contudo, uma ressalva e disse: é possível que se aplique a Lei nº 9.656/98 para contratos
celebrados antes da sua vigência desde que seja feita a opção prevista no art. 35 da Lei, com a adaptação
ao seu regime. Veja o que diz o art. 35 da Lei nº 9.656/98:
Art. 35. Aplicam-se as disposições desta Lei a todos os contratos celebrados a partir de sua
vigência, assegurada aos consumidores com contratos anteriores, bem como àqueles com
contratos celebrados entre 2 de setembro de 1998 e 1º de janeiro de 1999, a possibilidade de
optar pela adaptação ao sistema previsto nesta Lei.
§ 1º Sem prejuízo do disposto no art. 35-E, a adaptação dos contratos de que trata este artigo
deverá ser formalizada em termo próprio, assinado pelos contratantes, de acordo com as normas
a serem definidas pela ANS.
§ 2º Quando a adaptação dos contratos incluir aumento de contraprestação pecuniária, a
composição da base de cálculo deverá ficar restrita aos itens correspondentes ao aumento de
cobertura, e ficará disponível para verificação pela ANS, que poderá determinar sua alteração
quando o novo valor não estiver devidamente justificado.
§ 3º A adaptação dos contratos não implica nova contagem dos períodos de carência e dos prazos
de aquisição dos benefícios previstos nos arts. 30 e 31 desta Lei, observados, quanto aos últimos,
os limites de cobertura previstos no contrato original.
§ 4º Nenhum contrato poderá ser adaptado por decisão unilateral da empresa operadora.
§ 5º A manutenção dos contratos originais pelos consumidores não-optantes tem caráter
personalíssimo, devendo ser garantida somente ao titular e a seus dependentes já inscritos,

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permitida inclusão apenas de novo cônjuge e filhos, e vedada a transferência da sua titularidade,
sob qualquer pretexto, a terceiros.
§ 6º Os produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei, contratados até 1º de janeiro
de 1999, deverão permanecer em operação, por tempo indeterminado, apenas para os
consumidores que não optarem pela adaptação às novas regras, sendo considerados extintos para
fim de comercialização.
§ 7º Às pessoas jurídicas contratantes de planos coletivos, não-optantes pela adaptação prevista
neste artigo, fica assegurada a manutenção dos contratos originais, nas coberturas assistenciais
neles pactuadas.
§ 8º A ANS definirá em norma própria os procedimentos formais que deverão ser adotados pelas
empresas para a adaptação dos contratos de que trata este artigo.

As relações jurídicas livremente pactuadas, com o uso da autonomia da vontade, devem dar valor à
segurança jurídica, conferindo-se estabilidade aos direitos subjetivos e, mais ainda, conhecimento
inequívoco das regras às quais todos estão vinculados, bem como a tão importante previsibilidade das
consequências de suas respectivas condutas.
Nesses termos, dentro do debate sobre a possibilidade de retroatividade da Lei nº 9.656/98 a negócios
jurídicos anteriores à sua vigência, devem ser aplicáveis as previsões constitucionais que preservam o ato
jurídico perfeito, a segurança jurídica e, por sua relevância, a autonomia da vontade e a liberdade de
contratar.
Além disso, o entendimento que tem sido consolidado no STF ao longo dos anos é contrário à possibilidade
da retroatividade da lei nova, assegurando a máxima efetividade da norma constitucional carreada pelo
art. 5º, XXXVI, da CF/88, ressalvada a aplicação da chamada retroatividade mínima, em situações
excepcionais, a permitir que sejam temperadas para o futuro algumas relações jurídicas constituídas no
passado.
Desse modo, os contratos de planos de saúde firmados antes do advento da Lei nº 9.656/98 podem ser
considerados atos jurídicos perfeitos, e, como regra geral, estão blindados às mudanças supervenientes
das regras vinculantes.
Ademais, nos termos do art. 35 da Lei nº 9.656/98, assegurou-se, aos beneficiários dos contratos
celebrados anteriormente ao início de sua vigência, a possibilidade de opção pelas novas regras, tendo o
§ 4º do mencionado dispositivo proibido que a migração fosse feita unilateralmente pela operadora.

Em suma:
As disposições da Lei nº 9.656/1998, à luz do art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal, somente incidem
sobre os contratos celebrados a partir de sua vigência, bem como sobre os contratos que, firmados
anteriormente, foram adaptados ao seu regime, sendo as respectivas disposições inaplicáveis aos
beneficiários que, exercendo sua autonomia de vontade, optaram por manter os planos antigos
inalterados.
STF. Plenário. RE 948634, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 20/10/2020 (Repercussão Geral –
Tema 123) (Info 995).

Vale ressaltar, no entanto, que o STJ faz a seguinte ponderação:


Embora as regras da Lei nº 9.656/98 não retroajam para atingir contratos celebrados antes de
sua vigência, a eventual abusividade das cláusulas pode ser aferida à luz do Código de Defesa do
Consumidor. Isto porque o contrato de seguro de saúde é obrigação de trato sucessivo, que se renova ao
longo do tempo e, portanto, se submete às normas supervenientes, especialmente às de ordem pública,
a exemplo do CDC, o que não significa ofensa ao ato jurídico perfeito.
STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 970.611/SP, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 15/05/2018.

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CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
Entidade de classe que representa apenas parte da categoria profissional
(e não a sua totalidade), não pode ajuizar ADI/ADC

Importante!!!
A entidade que não representa a totalidade de sua categoria profissional não possui
legitimidade ativa para ajuizamento de ações de controle concentrado de constitucionalidade.
Por esse motivo, a Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital - FENAFISCO não tem
legitimidade para a propositura de ADI na medida em que constitui entidade representativa
de apenas parte de categoria profissional, já que não abrange os auditores fiscais federais e
municipais.
STF. Plenário. ADI 6465 AgR/DF, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 19/10/2020 (Info 995).

ADI e ADC propostas por confederação sindical e entidade de classe de âmbito nacional
A Constituição Federal estabelece, em seu art. 103, o rol de legitimados para a propositura de ações de
controle concentrado de constitucionalidade. Veja o que diz o inciso IX:
Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de
constitucionalidade:
(...)
IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

Requisitos
Para que as confederações sindicais e as entidades de classe possam propor ADI e ADC, o STF exige o
cumprimento dos seguintes requisitos:
a) a caracterização como entidade de classe ou sindical, decorrente da representação de categoria
empresarial ou profissional;
b) a abrangência ampla desse vínculo de representação, exigindo-se que a entidade represente toda a
respectiva categoria, e não apenas fração dela;
c) o caráter nacional da representatividade, aferida pela demonstração da presença da entidade em
pelo menos 9 (nove) estados brasileiros; e
d) a pertinência temática entre as finalidades institucionais da entidade e o objeto da impugnação.
STF. Plenário. ADI 6465 AgR/DF, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 19/10/2020 (Info 995).

A jurisprudência do STF exige, para a caracterização da legitimidade ativa das entidades de classe e
confederações sindicais nas ações de controle concentrado de constitucionalidade, que a entidade
represente toda a respectiva categoria, e não apenas fração dela.
Por esse motivo, a Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital - FENAFISCO não tem legitimidade para
a propositura de ADI na medida em que constitui entidade representativa de apenas parte de categoria
profissional, já que não abrange os auditores fiscais federais e municipais.

 (Procurador de Contas TCE/PA 2019 CEBRASPE) Tem legitimidade para o ajuizamento de ação direta de
inconstitucionalidade entidade de classe que represente fração de categoria funcional, desde que atue
em âmbito nacional. (errado)

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ADVOCACIA PÚBLICA
É constitucional o pagamento de honorários sucumbenciais aos Procuradores dos Estados,
observando-se, porém, o limite remuneratório previsto no art. 37, XI, da Constituição

Importante!!!
É constitucional o pagamento de honorários sucumbenciais aos advogados públicos,
observando-se, porém, o limite remuneratório previsto no art. 37, XI, da Constituição.
STF. Plenário. ADI 6159 e ADI 6162, Rel. Min. Roberto Barroso, julgados em 25/08/2020.

É constitucional a percepção de honorários de sucumbência por procuradores de estados-


membros, observado o teto previsto no art. 37, XI, da Constituição Federal no somatório total
às demais verbas remuneratórias recebidas mensalmente.
STF. Plenário. ADI 6135/GO, ADI 6160/AP, ADI 6161/AC, ADI 6169/MS, ADI 6177/PR e ADI
6182/RO, Rel. Min. Rosa Weber, julgados em 19/10/2020 (Info 995).

PGE
Os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal são os responsáveis pela representação judicial e pela
consultoria jurídica das respectivas unidades federadas, nos termos do art. 132 da CF/88:
Art. 132. Os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, organizados em carreira, na qual o
ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos
Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria
jurídica das respectivas unidades federadas.

Honorários advocatícios de sucumbência pertencem aos Procuradores


As leis estaduais que organizam as Procuradorias dos Estados preveem que os honorários advocatícios de
sucumbência das causas em que forem parte o Estado-membro, suas autarquias e fundações pertencem
aos Procuradores.
Em outras palavras, quando o Estado-membro, suas autarquias e fundações vencerem causas judiciais e a
parte contrária for condenada a pagar honorários advocatícios de sucumbência, tais valores serão
revertidos para os membros da PGE.

Tais leis são constitucionais? É possível que os honorários de sucumbência sejam pagos aos Procuradores
dos Estados?
SIM. A natureza constitucional dos serviços prestados pelos advogados públicos possibilita o recebimento
da verba de honorários sucumbenciais, nos termos da lei, desde que submetido ao mencionado teto
remuneratório.

Em outras palavras, o que o STF afirmou foi o seguinte:


- é constitucional o pagamento de honorários de sucumbência aos advogados públicos;
- no entanto, é necessário respeitar o teto remuneratório, ou seja, a somatória do subsídio com os
honorários recebidos mensalmente não pode ultrapassar o subsídio dos Ministros do STF, conforme o que
dispõe o art. 37, XI, da Constituição Federal.

Ex: vamos supor, hipoteticamente, que o teto remuneratório está em R$ 40 mil. Imaginemos que o
subsídio do Procurador do Estado seja R$ 34 mil. No mês de outubro, a divisão dos honorários devidos aos
advogados públicos federais rendeu R$ 10 mil para cada membro. Esse Procurador, que já recebe

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mensalmente R$ 34 mil, só terá direito a R$ 6 mil de honorários porque, se recebesse acima disso,
ultrapassaria o teto.

Cinco razões de decidir


O entendimento do STF acima exposto está fundamentado em cinco razões de decidir:

1) os honorários de sucumbência constituem vantagem de natureza remuneratória, por serviços


prestados com eficiência no desempenho da função pública
O pagamento de honorários de sucumbência aos advogados públicos está relacionado ao princípio da
eficiência (art. 37, caput, da CF/88), considerando que esse servidor irá receber de acordo com a natureza
e a qualidade dos serviços efetivamente prestados por ele.
Trata-se daquilo que se chama de “remuneração por performance”, modelo este, inclusive, reconhecido
como uma boa prática pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE.
Quanto mais exitosa a atuação dos advogados públicos, mais se beneficia a Fazenda Pública e, por
consequência, toda a coletividade.

2) os titulares dos honorários sucumbenciais são os profissionais da advocacia, seja pública ou privada
Nesse sentido, vale a pena relembrar o art. 23 da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da OAB) e o art. 85, § 19 do
CPC/2015:
Art. 23. Os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao
advogado, tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer
que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu favor.

Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.


(...)
§ 19. Os advogados públicos perceberão honorários de sucumbência, nos termos da lei.

3) o art. 135 da CF/88, ao estabelecer que a remuneração dos procuradores estaduais se dá mediante
subsídio, é compatível com o regramento constitucional referente à advocacia pública
Os advogados públicos são remunerados por subsídio. Isso decorre do art. 39, § 4º e do art. 135 da CF/88:
Art. 39 (...)
§ 4º O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários
Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única,
vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação
ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI.

Art. 135. Os servidores integrantes das carreiras disciplinadas nas Seções II e III deste Capítulo
serão remunerados na forma do art. 39, § 4º.

A percepção de honorários de sucumbência pelos advogados públicos não representa ofensa à


determinação constitucional de remuneração exclusiva mediante subsídio (arts. 39, § 4º, e 135 da CF/88).
Ao contrário do que uma leitura isolada do art. 39, § 4º, da Constituição Federal pudesse sugerir, o
conceito de “parcela única” previsto nesse dispositivo constitucional proíbe apenas o acréscimo
injustificável de espécies remuneratórias ordinárias, devidas em decorrência do trabalho normal do
servidor submetido a regime de subsídio.
O art. 39, § 4º não impede a percepção de outras verbas pecuniárias que tenham fundamento diverso, a
exemplo das verbas honorárias sucumbenciais. Isso porque os honorários estão fundados em outra causa,
ou seja, no fato objetivo do resultado da demanda.

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Assim, o art. 39, § 4º, da Constituição Federal não constitui vedação absoluta de pagamento de outras
verbas além do subsídio (STF. Plenário. ADI 4941/AL, rel. orig. Min. Teori Zavascki, red. p/ o ac. Min. Luiz
Fux, julgado 14/8/2019).

4) a CF não institui incompatibilidade relevante que justifique vedação ao recebimento de honorários


por advogados públicos, à exceção da magistratura e do Ministério Público
Nas hipóteses em que a Constituição Federal pretendeu vedar o recebimento de honorários em razão de
alguma incompatibilidade relevante, proibiu-o expressamente, como no caso dos membros da
Magistratura (art. 95, parágrafo único, II, da CF/88) e do Ministério Público (art. 128, § 5º, II, “a”, da CF/88).
No caso da advocacia pública, não há essa proibição.

5) a percepção cumulativa de honorários sucumbenciais com outras parcelas remuneratórias impõe a


observância do teto remuneratório estabelecido constitucionalmente no art. 37, XI
Os honorários advocatícios sucumbenciais devidos aos advogados públicos, devidamente previstos em lei,
ostentam caráter remuneratório e de contraprestação de serviços realizados no curso do processo. Assim,
esses honorários devem ser considerados como parcela remuneratória devida em razão do serviço
prestado. Isso significa que esses honorários recebem tratamento equivalente aos vencimentos e
subsídios, sendo, inclusive, reconhecido o seu caráter alimentar.
Desse modo, os advogados públicos podem receber honorários sucumbenciais, mas, como eles recebem
os valores em função do exercício do cargo, esse recebimento precisa se sujeitar ao regime jurídico de
direito público.
Por essa razão, mesmo sendo compatível com o regime de subsídio, a possibilidade de advogados públicos
perceberem verbas honorárias sucumbenciais não afasta a incidência do teto remuneratório estabelecido
pelo art. 37, XI, da Constituição Federal.

Em suma:
É constitucional a percepção de honorários de sucumbência por procuradores de estados-membros,
observado o teto previsto no art. 37, XI, da Constituição Federal no somatório total às demais verbas
remuneratórias recebidas mensalmente.
STF. Plenário. ADI 6135/GO, ADI 6160/AP, ADI 6161/AC, ADI 6169/MS, ADI 6177/PR e ADI 6182/RO, Rel.
Min. Rosa Weber, julgados em 19/10/2020 (Info 995).

O mesmo entendimento acima explicado vale para os advogados públicos federais: STF. Plenário. ADI 6053,
Rel. Marco Aurélio, Rel. p/ Acórdão: Alexandre de Moraes, julgado em 22/06/2020 (Info 985 – clipping).

Desconheço ações propostas contra leis municipais que tratem sobre honorários advocatícios devidos a
Procuradores dos Municípios. No entanto, penso que se aplica a mesma conclusão acima exposta, ou seja,
também deverão respeitar o teto remuneratório.

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DIREITO ELEITORAL

DIREITOS POLÍTICOS
Eleitor não precisa levar o título no dia da votação,
sendo suficiente documento de identificação com foto

A ausência do título de eleitor no momento da votação não constitui, por si só, óbice ao
exercício do sufrágio.
STF. Plenário. ADI 4467/DF, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 19/10/2020 (Info 995).

Art. 91-A da Lei das Eleições e ADI


O art. 91-A da Lei nº 9.504/97, incluído pela Lei nº 12.034/2009, exige que o eleitor, no dia da votação,
para que possa exercer seu direito ao voto, apresente dois documentos: o título de eleitor e mais um
documento oficial de identificação com foto. Ex: título de eleitor e cédula de identidade; título de eleitor
e carteira de habilitação.
Em 2010, o Partido dos Trabalhadores (PT) ajuizou ADI contra esse dispositivo afirmando que a exigência
concomitante do título eleitoral e de documento oficial com foto para identificação do eleitor no dia da
votação é medida desnecessária e desproporcional, que restringe o próprio direito de voto.

Decisão cautelar
Ainda em 2010, o STF deferiu medida cautelar para dar ao art. 91-A interpretação conforme à Constituição
Federal, no sentido de que apenas a ausência de documento oficial de identidade com fotografia impede
o exercício do direito de voto.
Em outras palavras, o STF afirmou que o eleitor não precisaria apresentar título de eleitor e documento
de identificação com foto. Não precisa dos dois. Basta o documento de identificação com foto.
STF. Plenário. ADI 4467 MC, Rel. Ellen Gracie, julgado em 30/09/2010.

Julgamento definitivo
Em 2020, o STF, apreciou definitivamente o tema, confirmou a medida cautelar e julgou procedente o
pedido formulado. Ficou decidido que:
A ausência do título de eleitor no momento da votação não constitui, por si só, óbice ao exercício do
sufrágio.
STF. Plenário. ADI 4467/DF, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 19/10/2020 (Info 995).

Conforme vimos acima, o art. 91-A da Lei nº 9.504/97, com a redação dada pela Lei nº 12.034/2009, com
o objetivo de combater a fraude eleitoral, determinou, para o exercício do sufrágio, a apresentação
concomitante do título eleitoral e de documento oficial com foto.
Ocorre que essa exigência não é proporcional. Analisando a questão sob o prisma do princípio da
proporcionalidade, conclui-se que a exigência do documento oficial com foto para identificação do eleitor
já é medida suficiente e adequada para garantir a autenticidade do voto, sendo desnecessária a exigência
do título.
Essa dupla exigência idealizada pela Lei nº 12.034/2009 para frear as investidas fraudulentas criou óbice
desnecessário ao exercício do voto pelo eleitor. Isso porque, com a imposição da limitação, alguns
eleitores, regularmente alistados, seriam alijados de participar do processo eleitoral caso não estivessem
portando o título eleitoral no dia da votação, com eventuais reflexos na soberania popular e no próprio
processo democrático.

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Biometria
Vale ressaltar que a preocupação do legislador com o documento exigido no dia da votação perdeu muita
força com o advento da biometria.
A biometria, implementada após a Lei nº 12.034/2009, garantiu uma maior segurança e efetividade para
a identificação do eleitor.
Aplica-se ao caso a chamada “proibição do retrocesso”, uma vez que a sociedade já conquistou o direito
à autenticidade do voto, mediante a identificação do eleitor pela biometria, bem assim, de forma
secundária, por documento com fotografia, a afastar qualquer entendimento segundo o qual a ausência
do título eleitoral, no momento da votação, impede o exercício do voto.
A despeito disso, a discussão não foi de todo esvaziada.
Há situações em que os eleitores serão identificados pelo modo tradicional, mediante apresentação de
documento com foto. Podemos citar três situações:
a) eleitores ainda não cadastrados biometricamente;
b) inviabilização na utilização da biometria no dia da votação, por indisponibilidade momentânea ou
ocasional do sistema ou impossibilidade de leitura das informações datiloscópicas do eleitor (impressão
digital); ou
c) para o eleitorado geral, em situações excepcionais, como a que ocorreu nas eleições municipais de 2020,
ante o cenário deflagrado pela pandemia da Covid-19.

O que previu a Resolução do Pleito 2020?


Eleições 2020: Resolução TSE nº 23.611/2019
Art. 94. Para comprovar a identidade do eleitor perante a mesa receptora de votos, serão aceitos
os seguintes documentos oficiais com foto, inclusive os digitais:
I - e-Título;
II - carteira de identidade, identidade social, passaporte ou outro documento de valor legal
equivalente, inclusive carteira de categoria profissional reconhecida por lei;
III - certificado de reservista;
IV - carteira de trabalho;
V - carteira nacional de habilitação.
§ 1º Os documentos relacionados no caput poderão ser aceitos ainda que expirada a data de
validade, desde que seja possível comprovar a identidade do eleitor.
§ 2º Não será admitida certidão de nascimento ou de casamento como prova de identidade do
eleitor no momento da votação.

DIREITO CIVIL
ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA
A busca e apreensão da alienação fiduciária em garantia, prevista no art. 3º do DL 911/69, é
compatível com a CF/88, não violando as garantias do devido processo legal,
do contraditório e da ampla defesa

Importante!!!
O art. 3º do Decreto-Lei nº 911/69 foi recepcionado pela Constituição Federal, sendo
igualmente válidas as sucessivas alterações efetuadas no dispositivo.
STF. Plenário. RE 382928, Rel. Min. Marco Aurélio, Relator p/ Acórdão Min. Alexandre de Moraes,
julgado em 22/09/2020 (Info 995 – clipping).

Informativo 995-STF (23/10/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 10


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Alienação fiduciária
“A alienação fiduciária em garantia é um contrato instrumental em que uma das partes, em confiança,
aliena a outra a propriedade de um determinado bem, ficando esta parte (uma instituição financeira, em
regra) obrigada a devolver àquela o bem que lhe foi alienado quando verificada a ocorrência de
determinado fato.” (RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito Empresarial Esquematizado. São Paulo:
Método, 2012, p. 565).

Regramento
O Código Civil de 2002 trata de forma genérica sobre a propriedade fiduciária em seus arts. 1.361 a 1.368-
B. Existem, no entanto, leis específicas que também regem o tema:
• alienação fiduciária envolvendo bens imóveis: Lei nº 9.514/97;
• alienação fiduciária de bens móveis no âmbito do mercado financeiro e de capitais: Lei nº 4.728/65 e
Decreto-Lei nº 911/69. É o caso, por exemplo, de um automóvel comprado por meio de financiamento
bancário com garantia de alienação fiduciária.

Nas hipóteses em que houver legislação específica, as regras do CC aplicam-se apenas de forma subsidiária:
Art. 1.368-A. As demais espécies de propriedade fiduciária ou de titularidade fiduciária submetem-
se à disciplina específica das respectivas leis especiais, somente se aplicando as disposições deste
Código naquilo que não for incompatível com a legislação especial.

Resumindo:
Alienação fiduciária de Alienação fiduciária de
bens MÓVEIS fungíveis e bens MÓVEIS infungíveis
Alienação fiduciária de
infungíveis quando o credor quando o credor fiduciário for
bens IMÓVEIS
fiduciário for instituição pessoa natural ou jurídica (sem
financeira ser banco)
Lei nº 4.728/65 Código Civil de 2002
Lei nº 9.514/97
Decreto-Lei nº 911/69 (arts. 1.361 a 1.368-B)

ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BENS MÓVEIS NO DL 911/69


Imagine a seguinte situação hipotética:
Antônio quer comprar um carro de R$ 30.000,00, mas somente possui R$ 10.000,00. Antônio procura o
Banco “X”, que celebra com ele contrato de financiamento com garantia de alienação fiduciária.
Assim, o Banco “X” empresta R$ 20.000,00 a Antônio, que compra o veículo. Como garantia do pagamento
do empréstimo, a propriedade resolúvel do carro ficará com o Banco “X” e a posse direta com Antônio.
Em outras palavras, Antônio ficará andando com o carro, mas, no documento, a propriedade do automóvel
é do Banco “X” (constará “alienado fiduciariamente ao Banco X”). Diz-se que o banco tem a propriedade
resolúvel porque, uma vez pago o empréstimo, a propriedade do carro pelo banco “resolve-se” (acaba) e
o automóvel passa a pertencer a Antônio.

O que acontece em caso de inadimplemento do mutuário (em nosso exemplo, Antônio)?


Havendo mora por parte do mutuário, o procedimento será o seguinte (regulado pelo DL 911/69):

Notificação do devedor
O credor deverá fazer a notificação extrajudicial do devedor de que este se encontra em débito,
comprovando, assim, a mora. Essa notificação é indispensável para que o credor possa ajuizar ação de
busca e apreensão. Confira:

Informativo 995-STF (23/10/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 11


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Súmula 72-STJ: A comprovação da mora é imprescindível à busca e apreensão do bem alienado


fiduciariamente.

Súmula 245-STJ: A notificação destinada a comprovar a mora nas dívidas garantidas por alienação
fiduciária dispensa a indicação do valor do débito.

Como é feita a notificação do devedor? Essa notificação precisa ser realizada por intermédio do Cartório
de Títulos e Documentos?
NÃO. Essa notificação é feita por meio de carta registrada com aviso de recebimento. Logo, não precisa
ser realizada por intermédio do Cartório de RTD.

O aviso de recebimento da carta (AR) precisa ser assinado pelo próprio devedor?
NÃO. Não se exige que a assinatura constante do aviso de recebimento seja a do próprio destinatário (§
2º do art. 2º do DL 911/69).
Para a constituição em mora por meio de notificação extrajudicial, é suficiente que seja entregue no
endereço do devedor, ainda que não pessoalmente.

Ajuizamento de ação contra o devedor


Após comprovar a mora, o mutuante (Banco “X”) terá duas opções:
1) poderá ingressar com uma ação de busca e apreensão requerendo que lhe seja entregue o bem (art. 3º
do DL 911/69). Essa busca e apreensão prevista no DL 911/69 é uma ação especial autônoma e
independente de qualquer procedimento posterior; ou
2) ajuizar uma ação de execução (arts. 4º e 5º do DL 911/69).

Vale ressaltar que as ações de busca e apreensão e de execução não podem ser ajuizadas
concomitantemente (STJ REsp 576.081/SP). Caberá, portanto, ao credor fiduciário optar pelo ajuizamento
de apenas uma delas.
Na esmagadora maioria dos casos, o mutuante prefere ingressar com a ação de busca e apreensão porque
é muito mais vantajosa e eficiente do que propor uma execução.
Vamos assim imaginar que o Banco “X” ingressou com uma ação de busca e apreensão contra Antônio.
Vejamos abaixo o que acontece:

Concessão da liminar
O juiz concederá a busca e apreensão de forma liminar (sem ouvir o devedor), desde que comprovada a
mora ou o inadimplemento do devedor. É o que prevê o art. 3º do DL 911/69, com redação dada pela Lei
nº 13.043/2014:
Art. 3º O proprietário fiduciário ou credor poderá, desde que comprovada a mora, na forma
estabelecida pelo § 2º do art. 2º, ou o inadimplemento, requerer contra o devedor ou terceiro a
busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente, a qual será concedida liminarmente,
podendo ser apreciada em plantão judiciário. (Redação dada pela Lei nº 13.043/2014)

Alegação de violação à CF/88


Surgiu uma tese de que o rito do Decreto-lei nº 911/1969, por ser muito célere e permitir a concessão da
busca e apreensão liminarmente (sem oitiva do devedor), violaria as garantias do devido processo legal,
do contraditório e da ampla defesa previstas na Constituição de 1988.
Em outras palavras, esse DL não teria sido recepcionado pela CF/88.

Informativo 995-STF (23/10/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 12


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Essa tese foi acolhida pelo STF?


NÃO.
O art. 3º do Decreto-Lei nº 911/69 foi recepcionado pela Constituição Federal, sendo igualmente válidas
as sucessivas alterações efetuadas no dispositivo.
STF. Plenário. RE 382928, Rel. Min. Marco Aurélio, Relator p/ Acórdão Min. Alexandre de Moraes, julgado
em 22/09/2020 (Info 995 – clipping).

Confira as palavras do Min. Gilmar Mendes:


“O procedimento especial previsto para a proposição de ação de busca e apreensão, conversível
em ação de depósito, com prazo diminuto e rápida resposta judicial para as operações de
alienação fiduciária, apresenta-se como procedimento diferenciado destinado a viabilizar esse
tipo de financiamento creditício.
Tal procedimento, ainda que restrinja o prazo para defesa e limite a ordem temática pertinente
ao exercício desse direito, não apresenta qualquer violação ao direito de acesso à jurisdição, nem
aos princípios do devido processo legal e seus corolários de defesa, uma vez que não impede que
o devedor busque, pelos meios ordinários de litígio, o questionamento acerca de eventual
abusividade de cláusulas contratuais.
Esse sistema de controle limitado para admitir a busca e apreensão do bem alienado
fiduciariamente e que enseja a mera verificação jurisdicional de questões específicas elencadas na
própria legislação de
regência não viabiliza qualquer possibilidade de juízo ou revisão sobre o contrato subjacente,
restringindo a atividade processual do juiz ao plano da mera delibação, circunscrita à análise dos
pressupostos e das
condições inerentes ao pedido formulado pelo agente fiduciário.
A Constituição brasileira não proíbe a coexistência de procedimentos especiais que possibilitem
ao credor a execução de seu crédito de forma mais rápida e eficaz. Entende-se, ao contrário, que
o texto constitucional a admite, ao conferir competência à União para legislar privativamente
sobre direito processual e política de crédito (CF, art. 22, I e VII), uma vez que esse tipo de proposta
deve mesmo ser tratada como política pública do governo federal para prestigiar mecanismos
ágeis ao mercado financeiro, de modo a abrir caminho para a oferta de melhores meios de
financiamento à atividade econômica exercida no país.
Reconhecer a não recepção da norma em questão aumentaria a burocracia e os custos dos
contratos de financiamento bancário, com aumento das taxas de juros para acobertar riscos com
a operação, apresentando-se como entrave ao desenvolvimento econômico e tecnológico do país,
bem como restrição ao exercício da livre iniciativa, sobretudo nas áreas mais carentes de recursos
e maquinários.
Isso porque, como se sabe, para garantir a disponibilização de crédito no mercado financeiro a
juros mais baixos, deve-se diminuir os custos do contrato e aumentar as garantias bancárias. Para
viabilizar esse fluxo financeiro, a legislação ordinária prevê procedimentos mais céleres e eficazes
para satisfazer eventual dívida contraída com o agente financeiro sobre o bem dado em garantia.”

Votos vencidos
Ficaram vencidos os Ministros Marco Aurélio (Relator), Edson Fachin, Ricardo Lewandowski e Rosa Weber.

Informativo 995-STF (23/10/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 13


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DIREITO EMPRESARIAL

CONTRATO DE REPRESENTAÇÃO COMERCIAL


Compete à Justiça Comum julgar as controvérsias envolvendo,
de um lado, o representante comercial e, de outro, a representada

Preenchidos os requisitos dispostos na Lei nº 4.886/65, compete à Justiça Comum o


julgamento de processos envolvendo relação jurídica entre representante e representada
comerciais, uma vez que não há relação de trabalho entre as partes.
STF. Plenário. RE 606003, Rel. Min. Marco Aurélio, Relator p/ Acórdão Min. Roberto Barroso, julgado
em 28/09/2020 (Repercussão Geral – Tema 550) (Info 995 – clipping).

Representação comercial autônoma


A representação comercial autônoma é uma espécie de contrato segundo o qual:
- uma determinada pessoa (física ou jurídica)
- chamada de “representante”
- compromete-se a ir em busca de interessados que queiram adquirir
- os produtos ou serviços prestados por uma empresa, designada “representada”.

É considerado um negócio jurídico com natureza de “colaboração empresarial por aproximação” de forma
que o representante auxilia na circulação e distribuição dos produtos e serviços do representado nos
mercados consumidores.

Veja a definição dada pelo art. 1º da Lei nº 4.886/65:


Art. 1º Exerce a representação comercial autônoma a pessoa jurídica ou a pessoa física, sem
relação de emprego, que desempenha, em caráter não eventual por conta de uma ou mais
pessoas, a mediação para a realização de negócios mercantis, agenciando propostas ou pedidos,
para, transmiti-los aos representados, praticando ou não atos relacionados com a execução dos
negócios.

Exemplo
A empresa “XX” é representante comercial da indústria “ZZ”. Isso significa que “XX” irá em busca de
clientes para adquirir os produtos da indústria “ZZ”, anotando os pedidos e os transmitindo para o
representado a fim de que ele providencie a venda.
Como contraprestação, o representante recebe uma comissão consistente em um percentual sobre as
vendas intermediadas.

Regulamentação
Essa espécie de contrato está regulada pela Lei nº 4.886/65, chamada de “Lei de Representação
Comercial”.
Trata-se, portanto, de contrato típico, em que os direitos e obrigações das partes estão dispostos em lei.

De quem é a competência para julgar os litígios envolvendo, de um lado, o representante comercial e,


de outro, a representada? Ex: se o representante comercial ajuíza ação pedindo o pagamento das
comissões atrasadas, essa demanda será julgada pela Justiça do Trabalho ou pela Justiça Comum?
Justiça Comum (estadual).

Informativo 995-STF (23/10/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 14


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Preenchidos os requisitos dispostos na Lei nº 4.886/65, compete à Justiça Comum o julgamento de


processos envolvendo relação jurídica entre representante e representada comerciais, uma vez que não
há relação de trabalho entre as partes.
STF. Plenário. RE 606003, Rel. Min. Marco Aurélio, Relator p/ Acórdão Min. Roberto Barroso, julgado em
28/09/2020 (Repercussão Geral – Tema 550) (Info 995 – clipping).

As atividades de representação comercial autônoma configuram contrato típico de natureza comercial,


disciplinado pela Lei nº 4.886/65, a qual prevê:
a) o exercício da representação por pessoa jurídica ou pessoa física, sem relação de emprego, que
desempenha, em caráter não eventual por conta de uma ou mais pessoas, a mediação para a realização
de negócios mercantis; e
b) a competência da Justiça comum para o julgamento das controvérsias que surgirem entre
representante e representado. Veja a redação do art. 39 da Lei:
Art. 39. Para julgamento das controvérsias que surgirem entre representante e representado é
competente a Justiça Comum e o foro do domicílio do representante (...)

Na atividade de representação comercial autônoma, inexiste entre as partes vínculo de emprego ou


relação de trabalho, mas relação comercial regida por legislação especial (Lei nº 4.886/65). Por
conseguinte, a situação não foi afetada pelas alterações introduzidas pela EC nº 45/2004, que versa sobre
hipótese distinta ao tratar da relação de trabalho no art. 114 da Constituição.
A proteção constitucional ao trabalho não impõe que toda e qualquer relação entre o contratante de um
serviço e o seu prestador seja protegida por meio da relação de trabalho (art. 7º da CF/88).

DIREITO PENAL

ESTELIONATO
A mudança na ação penal do crime de estelionato, promovida pela Lei 13.964/2019,
retroage para alcançar os processos penais que já estavam em curso?

Importante!!!
A mudança na ação penal do crime de estelionato, promovida pela Lei nº 13.964/2019,
retroage para alcançar os processos penais que já estavam em curso? Mesmo que já houvesse
denúncia oferecida, será necessário intimar a vítima para que ela manifeste interesse na
continuidade do processo?
NÃO. É a posição amplamente majoritária na jurisprudência.
Não retroage a norma prevista no § 5º do art. 171 do CP, incluída pela Lei 13.964/2019
(“Pacote Anticrime”), que passou a exigir a representação da vítima como condição de
procedibilidade para a instauração de ação penal, nas hipóteses em que o Ministério Público
tiver oferecido a denúncia antes da entrada em vigor do novo diploma legal.
A retroatividade da representação prevista no § 5º do art. 171 do CP deve se restringir à fase policial.
A exigência de representação no crime de estelionato, trazida pelo Pacote Anticrime, não afeta
os processos que já estavam em curso quando entrou em vigor a Lei nº 13.964/2019.
Assim, se já havia denúncia oferecida quando entrou em vigor a nova Lei, não será necessária
representação do ofendido.

Informativo 995-STF (23/10/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 15


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STJ. 5ª Turma. HC 573.093-SC, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 09/06/2020 (Info 674).
STF. 1ª Turma. HC 187341/SP, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 13/10/2020 (Info 995).
STF. 2ª Turma. ARE 1230095 AgR, Rel. Gilmar Mendes, julgado em 24/08/2020.

Registre-se a posição minoritária da 6ª Turma do STJ, que deve ser superada em breve:
A retroatividade da representação prevista § 5º do art. 171 alcança todos os processos em curso.
A exigência de representação no crime de estelionato, trazida pelo Pacote Anticrime, afeta não apenas
os inquéritos, mas também os processos em curso, desde que ainda não tenham transitado em
julgado.
Assim, mesmo que já houvesse denúncia oferecida quando a Lei entrou em vigor, o juiz deverá intimar
a vítima para manifestar interesse na continuidade da persecução penal, no prazo de 30 dias, sob
pena de decadência.
STJ. 6ª Turma. HC 583.837/SC, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 04/08/2020 (Info 677).

Estelionato
O crime de estelionato está tipificado no art. 171 do CP:
Art. 171. Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou
mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:
Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, de quinhentos mil réis a dez contos de réis.

Qual é a ação penal no caso do crime de estelionato?


O tema foi recentemente alterado pela Lei nº 13.964/2019, que ficou conhecida como “Pacote Anticrime”.
Compare:

QUAL É A AÇÃO PENAL NO CASO DO CRIME DE ESTELIONATO?


Antes Depois da Lei nº 13.964/2019
Regra geral: Regra geral: ação pública CONDICIONADA à representação.
Ação penal pública
Exceções:
INCONDICIONADA
Será de ação penal incondicionada quando a vítima for:
a) a Administração Pública, direta ou indireta;
Exceções:
b) criança ou adolescente;
art. 182 do CP
c) pessoa com deficiência mental; ou
d) maior de 70 (setenta) anos de idade ou incapaz.

Veja o § 5º inserido no art. 171 do CP pela Lei nº 13.964/2019:


Art. 171. (...)
§ 5º Somente se procede mediante representação, salvo se a vítima for:
I - a Administração Pública, direta ou indireta;
II - criança ou adolescente;
III - pessoa com deficiência mental; ou
IV - maior de 70 (setenta) anos de idade ou incapaz.

Essa mudança é mais favorável ou prejudicial aos autores do crime de estelionato?


Mais favorável, considerando que agora existe, como regra, uma nova condição para que o Ministério
Público possa ajuizar a ação penal contra o autor do estelionato: a representação da vítima.

Informativo 995-STF (23/10/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 16


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A norma que altera a espécie de ação penal de um crime é norma de direito material ou processual? (ex:
a lei determina que o crime “X” deixará de ser de ação penal pública condicionada e passará a ser de
ação pública incondicionada)
As normas que tratam sobre a “ação penal” possuem natureza híbrida, ou seja, são normas de direito
processual penal que, no entanto, também apresentam efeitos materiais (influenciam no direito penal).
A lei que dispõe sobre o tipo de ação penal aplicável a cada crime possui influência direta no jus puniendi (direito
de punir do Estado), pois interfere nas causas de extinção da punibilidade, como a decadência e a renúncia ao
direito de queixa. Logo, a lei que disciplina a espécie de ação penal possui também efeito material.

As normas processuais são retroativas?


NÃO. As leis processuais possuem aplicação imediata (tempus regit actum - art. 2º do CPP), não
retroagindo para alcançar fatos anteriores à sua vigência e regulando os atos processuais a serem
realizados após entrar em vigor.

As normas penais são retroativas?


NÃO, salvo para beneficiar o réu (art. 5º, XL, da CF e art. 2º, parágrafo único, do CP).
Assim, temos o seguinte:
• Se a lei penal posterior é favorável ao réu: retroage.
• Se a lei penal posterior é contrária ao réu: não retroage.

E as normas híbridas?
As leis híbridas, como possuem reflexos penais, recebem o mesmo tratamento que as normas penais no
que tange à sua aplicação no tempo.
Logo, as normas híbridas não retroagem, salvo se para beneficiar o réu.
Desse modo, a norma que altera a espécie de ação penal de um crime não retroage, salvo se for para
beneficiar o réu.
Ex: antes da Lei nº 9.099/95, o crime de lesão corporal leve era de ação penal pública incondicionada;
depois da Lei, esse delito passou a ser de ação penal pública condicionada. Isso é mais benéfico para o réu
que responde ao processo? Sim, porque na ação penal pública condicionada existe a possibilidade de
renúncia e de decadência, que não são permitidas na ação pública incondicionada. Logo, a lei foi retroativa
nesse ponto.
Ex2: o crime de injúria racial era de ação penal privada e, por força da Lei nº 12.033/2009, passou a ser de
ação penal pública condicionada à representação. Essa Lei é mais benéfica para o réu? Não, porque limita
as causas de extinção da punibilidade. Logo, para as pessoas que cometeram o delito antes da Lei nº
12.033/2009, a ação continua sendo privada, não retroagindo a lei.

Isso significa que essa alteração irá retroagir para alcançar fatos anteriores à sua vigência?
SIM. O § 5º do art. 171 do CP apresenta caráter híbrido (norma mista) e, além disso, é mais favorável ao
autor do fato. Logo, tem caráter retroativo.
A dúvida, no entanto, reside na extensão dessa retroatividade:

A mudança na ação penal do crime de estelionato, promovida pela Lei nº 13.964/2019, retroage para
alcançar os processos penais que já estavam em curso? Mesmo que já houvesse denúncia oferecida, será
necessário intimar a vítima para que ela manifeste interesse na continuidade do processo?
NÃO. É a posição amplamente majoritária na jurisprudência.
Não retroage a norma prevista no § 5º do art. 171 do CP, incluída pela Lei 13.964/2019 (“Pacote
Anticrime”), que passou a exigir a representação da vítima como condição de procedibilidade para a
instauração de ação penal, nas hipóteses em que o Ministério Público tiver oferecido a denúncia antes da
entrada em vigor do novo diploma legal.

Informativo 995-STF (23/10/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 17


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A retroatividade da representação prevista no § 5º do art. 171 do CP deve se restringir à fase policial.


A exigência de representação no crime de estelionato, trazida pelo Pacote Anticrime, não afeta os
processos que já estavam em curso quando entrou em vigor a Lei nº 13.964/2019.
Assim, se já havia denúncia oferecida quando entrou em vigor a nova Lei, não será necessária
representação do ofendido.
STJ. 5ª Turma. HC 573.093-SC, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 09/06/2020 (Info 674).
STF. 1ª Turma. HC 187341/SP, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 13/10/2020 (Info 995).
STF. 2ª Turma. ARE 1230095 AgR, Rel. Gilmar Mendes, julgado em 24/08/2020.

Registre-se a posição minoritária da 6ª Turma do STJ, que deve ser superada em breve:
A retroatividade da representação prevista § 5º do art. 171 alcança todos os processos em curso.
A exigência de representação no crime de estelionato, trazida pelo Pacote Anticrime, afeta não apenas os
inquéritos, mas também os processos em curso, desde que ainda não tenham transitado em julgado.
Assim, mesmo que já houvesse denúncia oferecida quando a Lei entrou em vigor, o juiz deverá intimar a
vítima para manifestar interesse na continuidade da persecução penal, no prazo de 30 dias, sob pena de
decadência.
STJ. 6ª Turma. HC 583.837/SC, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 04/08/2020 (Info 677).

DIREITO PROCESSUAL PENAL

PRISÃO PREVENTIVA
O descumprimento da regra do parágrafo único do art. 316 do CPP
NÃO gera, para o preso, o direito de ser posto imediatamente em liberdade

Importante!!!
A inobservância do prazo nonagesimal do art. 316 do Código de Processo Penal não implica
automática revogação da prisão preventiva, devendo o juízo competente ser instado a
reavaliar a legalidade e a atualidade de seus fundamentos.
STF. Plenário. SL 1395 MC Ref/SP, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 14 e 15/10/2020 (Info 995).

Revisão periódica da necessidade da prisão preventiva


A prisão preventiva é decretada sem prazo determinado. Contudo, a Lei nº 13.964/2019 (Pacote
Anticrime) alterou o CPP para impor a obrigação de que o juízo que ordenou a custódia, a cada 90 dias,
proferira uma nova decisão analisando se ainda está presente a necessidade da medida.
Trata-se do novo parágrafo único do art. 316 do CPP:

CÓDIGO DE PROCESSO PENAL


Antes da Lei 13.964/2019 ATUALMENTE
Art. 316. O juiz poderá revogar a prisão Art. 316. O juiz poderá, de ofício ou a pedido das
preventiva se, no correr do processo, verificar a partes, revogar a prisão preventiva se, no correr
falta de motivo para que subsista, bem como de da investigação ou do processo, verificar a falta
novo decretá-la, se sobrevierem razões que a de motivo para que ela subsista, bem como
justifiquem. novamente decretá-la, se sobrevierem razões
que a justifiquem.

Informativo 995-STF (23/10/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 18


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Não havia parágrafo único do art. 316. Parágrafo único. Decretada a prisão preventiva,
deverá o órgão emissor da decisão revisar a
necessidade de sua manutenção a cada 90
(noventa) dias, mediante decisão
fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a
prisão ilegal.

Imagine agora a seguinte situação hipotética:


O juiz decretou a prisão preventiva do réu. Passaram-se os 90 dias e o magistrado não proferiu nova
decisão analisando a necessidade, ou não, de manutenção da custódia cautelar. Diante disso, a defesa
impetrou habeas corpus afirmando que a prisão se tornou ilegal, conforme prevê expressamente a parte
final do dispositivo. Isso significa que o réu deverá, obrigatoriamente, ser colocado em liberdade?

O descumprimento da regra do parágrafo único do art. 316 do CPP gera, para o preso, o direito de ser
posto imediatamente em liberdade?
NÃO. A inobservância do prazo de 90 dias do parágrafo único do art. 316 do CPP não implica automática
revogação da prisão preventiva.
O art. 316, parágrafo único, do CPP insere-se em um sistema, que deve ser interpretado harmonicamente,
sob pena de se produzirem incongruências deletérias à processualística e à efetividade da ordem penal.
O parágrafo único precisa ser interpretado em conjunto com o caput. Logo, para que o indivíduo seja
colocado em liberdade, o juiz precisa fundamentar a decisão na insubsistência dos motivos que
determinaram a decretação da prisão preventiva, e não no mero decurso de prazos processuais.

O simples fato de ter passado o prazo não significa que a prisão se tornou ilegal
O Supremo Tribunal Federal não concorda com interpretações que associam, automaticamente, o excesso
de prazo ao constrangimento ilegal da liberdade. Isso porque:
a) deve-se analisar a razoabilidade concreta da duração do processo, aferida à luz da complexidade de
cada caso, considerados os recursos interpostos, a pluralidade de réus, crimes, testemunhas a serem
ouvidas, provas periciais a serem produzidas etc.;
b) a Constituição Federal impõe o dever de motivação das decisões judiciais (art. 93, IX), que devem
sempre se reportar às circunstâncias específicas dos casos concretos submetidos a julgamento, e não
apenas aos textos abstratos das leis.

À luz desta compreensão jurisprudencial, o disposto no art. 316, parágrafo único, do CPP não conduz à
revogação automática da prisão preventiva.

O que o dispositivo exige é uma fundamentação periódica


Ao estabelecer que “Decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da decisão revisar a
necessidade de sua manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob
pena de tornar a prisão ilegal”, o dispositivo não determina a revogação da prisão preventiva, mas apenas
a necessidade de fundamentá-la periodicamente.

Não se trata de prazo prisional, mas sim prazo para prolação da decisão judicial
O parágrafo único do art. 316 não fala em prorrogação da prisão preventiva, não determina a renovação
do título cautelar. Apenas dispõe sobre a necessidade de revisão dos fundamentos da sua manutenção.
Logo, não se trata de prazo prisional, mas sim de prazo fixado para a prolação de decisão judicial.
Desse modo, a ilegalidade decorrente da falta de revisão a cada 90 dias não produz o efeito automático
da soltura, porque a liberdade, à luz do caput do dispositivo, somente é possível mediante decisão

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fundamentada do órgão julgador, no sentido da ausência dos motivos autorizadores da cautela, e não do
mero transcorrer do tempo.

Em suma
A inobservância do prazo nonagesimal previsto no parágrafo único do art. 316 do Código de Processo
Penal não implica automática revogação da prisão preventiva, devendo o juízo competente ser instado
a reavaliar a legalidade e a atualidade de seus fundamentos.
STF. Plenário. SL 1395 MC Ref/SP, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 14 e 15/10/2020 (Info 995).

EXERCÍCIOS
Julgue os itens a seguir:
1) As disposições da Lei nº 9.656/98 (Lei dos Planos de Saúde), à luz do art. 5º, XXXVI, da Constituição
Federal, somente incidem sobre os contratos celebrados a partir de sua vigência, bem como sobre os
contratos que, firmados anteriormente, foram adaptados ao seu regime, sendo as respectivas
disposições inaplicáveis aos beneficiários que, exercendo sua autonomia de vontade, optaram por
manter os planos antigos inalterados. ( )
2) A entidade que não representa a totalidade de sua categoria profissional não possui legitimidade ativa
para ajuizamento de ações de controle concentrado de constitucionalidade. ( )
3) (Procurador de Contas TCE/PA 2019 CEBRASPE) Tem legitimidade para o ajuizamento de ação direta de
inconstitucionalidade entidade de classe que represente fração de categoria funcional, desde que atue
em âmbito nacional. ( )
4) É constitucional a percepção de honorários de sucumbência por procuradores de estados-membros,
observado o teto previsto no art. 37, XI, da Constituição Federal no somatório total às demais verbas
remuneratórias recebidas mensalmente. ( )
5) A ausência do título de eleitor no momento da votação constitui óbice legítimo ao exercício do sufrágio.
( )
6) O art. 3º do Decreto-Lei nº 911/69, que trata sobre a busca e apreensão da alienação fiduciária, não foi
recepcionado pela Constituição Federal. ( )
7) Preenchidos os requisitos dispostos na Lei nº 4.886/65, compete à Justiça Comum o julgamento de
processos envolvendo relação jurídica entre representante e representada comerciais, uma vez que não
há relação de trabalho entre as partes. ( )
8) O juiz poderá, sempre a pedido das partes, revogar a prisão preventiva se, no correr da investigação ou
do processo, verificar a falta de motivo para que ela subsista, bem como novamente decretá-la, se
sobrevierem razões que a justifiquem. ( )
9) A inobservância do prazo nonagesimal do art. 316 do Código de Processo Penal não implica automática
revogação da prisão preventiva, devendo o juízo competente ser instado a reavaliar a legalidade e a
atualidade de seus fundamentos. ( )
10) Decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua
manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a
prisão ilegal. ( )

Gabarito
1. C 2. C 3. E 4. C 5. E 6. E 7. C 8. E 9. C 10. C

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OUTRAS INFORMAÇÕES

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DJE DE 12 A 16 DE OUTUBRO DE 2020

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 382.928


RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO
REDATOR DO ACÓRDÃO: MIN. ALEXANDRE DE MORAES
Decisão: O Tribunal, por maioria, deu provimento ao recurso extraordinário para afastar a extinção de ofício do processo,
determinou o retorno dos autos ao Tribunal de origem para o prosseguimento do julgamento do agravo de instrumento e
fixou a seguinte tese de julgamento: “O art. 3º do Decreto-Lei nº 911/69 foi recepcionado pela Constituição Federal,
sendo igualmente válidas as sucessivas alterações efetuadas no dispositivo”, nos termos do voto do Ministro
Alexandre de Moraes, Redator para o acórdão, vencidos os Ministros Marco Aurélio (Relator), Edson Fachin, Ricardo
Lewandowski e Rosa Weber. Não participou deste julgamento, por motivo de licença médica, o Ministro Celso de Mello.
Plenário, Sessão Virtual de 11.9.2020 a 21.9.2020.
EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E DIREITO CIVIL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. BUSCA E
APREENSÃO DOS BENS. ART. 3º DO DECRETO-LEI 911/69. CONSTITUCIONALIDADE. Recurso Extraordinário
a que se dá provimento para afastar a extinção de ofício do processo e determinar o retorno dos autos ao Tribunal de
origem para o prosseguimento do julgamento do agravo de instrumento. Fixada a seguinte tese de julgamento: "O art. 3º
do Decreto-Lei nº 911/69 foi recepcionado pela Constituição Federal, sendo igualmente válidas as sucessivas alterações
efetuadas no dispositivo”.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO 606.003
RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO
REDATOR DO ACÓRDÃO: MIN. ROBERTO BARROSO
Decisão: O Tribunal, por maioria, apreciando o tema 550 da repercussão geral, deu provimento ao recurso
extraordinário, para assentar a competência da Justiça Comum, em razão de sua competência material para processar e
julgar a causa, devendo o feito ser a ela remetido, nos termos do voto do Ministro Roberto Barroso, Redator para o
acórdão, vencidos os Ministros Marco Aurélio (Relator), Edson Fachin e Rosa Weber. Foi fixada a seguinte tese:
“Preenchidos os requisitos dispostos na Lei 4.886/65, compete à Justiça Comum o julgamento de processos
envolvendo relação jurídica entre representante e representada comerciais, uma vez que não há relação de
trabalho entre as partes". Não participou deste julgamento, por motivo de licença médica, o Ministro Celso de Mello.
Plenário, Sessão Virtual de 18.9.2020 a 25.9.2020.
EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E DO TRABALHO. REPERCUSSÃO GERAL. CONTRATO DE
REPRESENTAÇÃO COMERCIAL AUTÔNOMA, REGIDO PELA LEI nº 4.886/65. NÃO CONFIGURAÇÃO DE
RELAÇÃO DE TRABALHO PREVISTA NO ART. 114, CF. 1. Recurso Extraordinário interposto contra decisão
proferida pelo Tribunal Superior do Trabalho, em que se alega afronta ao art. 114, incisos I e IX, da Constituição Federal,
com redação dada pela EC 45/2004. Na origem, cuida-se de ação de cobrança de comissões sobre vendas decorrentes de
contrato de representação comercial autônoma, ajuizada pelo representante, pessoa física, em face do representado. 2. As
atividades de representação comercial autônoma configuram contrato típico de natureza comercial, disciplinado pela Lei
nº 4.886/65, a qual prevê (i) o exercício da representação por pessoa jurídica ou pessoa física, sem relação de emprego,
que desempenha, em caráter não eventual por conta de uma ou mais pessoas, a mediação para a realização de negócios
mercantis e (ii) a competência da Justiça comum para o julgamento das controvérsias que surgirem entre representante e
representado. 3. Na atividade de representação comercial autônoma, inexiste entre as partes vínculo de emprego ou relação
de trabalho, mas relação comercial regida por legislação especial (Lei n° 4.886/65). Por conseguinte, a situação não foi
afetada pelas alterações introduzidas pela EC n° 45/2004, que versa sobre hipótese distinta ao tratar da relação de trabalho
no art. 114 da Constituição. 4. A proteção constitucional ao trabalho não impõe que toda e qualquer relação entre o
contratante de um serviço e o seu prestador seja protegida por meio da relação de trabalho (CF/1988, art. 7º). Precedentes.
5. Ademais, os autos tratam de pedido de pagamento de comissões atrasadas. O pedido e a causa de pedir não têm natureza
trabalhista, a reforçar a competência do Juízo Comum para o julgamento da demanda. 6. Recurso extraordinário a que se
dá provimento, para assentar a competência da Justiça comum, com a fixação da seguinte tese: “Preenchidos os requisitos
dispostos na Lei 4.886/65, compete à Justiça Comum o julgamento de processos envolvendo relação jurídica entre
representante e representada comerciais, uma vez que não há relação de trabalho entre as partes”.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO 639.138
RELATOR: MIN. GILMAR MENDES

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REDATOR DO ACÓRDÃO: MIN. EDSON FACHIN


Decisão: Após o voto do Ministro Gilmar Mendes (Relator), que dava provimento ao recurso extraordinário para reformar
o acórdão recorrido, julgar improcedente o pedido formulado na inicial e estabelecer a seguinte tese (tema 452 da
repercussão geral): "Não viola o princípio da isonomia a cláusula de plano de previdência privada complementar que
estabelece valor inferior do benefício inicial da complementação de aposentadoria para mulheres, em virtude de seu tempo
de contribuição"; e dos votos dos Ministros Edson Fachin e Cármen Lúcia, que negavam provimento ao recurso, pediu
vista dos autos o Ministro Alexandre de Moraes. Falaram: pela recorrente, a Dra. Estefânia Ferreira de Souza Viveiros;
e, pelo amicus curiae Superintendência Nacional de Previdência Complementar – PREVIC, o Dr. Alexandre Cesar
Paredes de Carvalho. Plenário, Sessão Virtual de 24.4.2020 a 30.4.2020.
Decisão: O Tribunal, por maioria, apreciando o tema 452 da repercussão geral, negou provimento ao recurso
extraordinário, nos termos do voto do Ministro Edson Fachin, Redator para o acórdão, vencidos os Ministros Gilmar
Mendes (Relator) e Marco Aurélio. Foi fixada a seguinte tese: "É inconstitucional, por violação ao princípio da
isonomia (art. 5º, I, da Constituição da República), cláusula de contrato de previdência complementar que, ao
prever regras distintas entre homens e mulheres para cálculo e concessão de complementação de aposentadoria,
estabelece valor inferior do benefício para as mulheres, tendo em conta o seu menor tempo de contribuição". Não
participou deste julgamento o Ministro Celso de Mello. Plenário, Sessão Virtual de 7.8.2020 a 17.8.2020.
DIREITO CONSTITUCIONAL E PREVIDENCIÁRIO. PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR. CÁLCULO DO
VALOR DO BENEFÍCIO DE COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA DEVIDA POR ENTIDADE DE
PREVIDÊNCIA FECHADA. CONTRATO QUE PREVÊ A APLICAÇÃO DE PERCENTUAIS DISTINTOS PARA
HOMENS E MULHERES. QUEBRA DO PRINCÍPIO DA ISONOMIA. 1. A isonomia formal, assegurada pelo art. 5º,
I, CRFB, exige tratamento equitativo entre homens e mulheres. Não impede, todavia, que sejam enunciados requisitos de
idade e tempo de contribuição mais benéficos às mulheres, diante da necessidade de medidas de incentivo e de
compensação não aplicáveis aos homens. 2. Incidência da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, com prevalência
das regras de igualdade material aos contratos de previdência complementar travados com entidade fechada. 3. Revela-
se inconstitucional, por violação ao princípio da isonomia (art. 5º, I, da Constituição da República), cláusula de contrato
de previdência complementar que, ao prever regras distintas entre homens e mulheres para cálculo e concessão de
complementação de aposentadoria, estabelece valor inferior do benefício para as mulheres, tendo em conta o seu menor
tempo de contribuição. 5. Recurso extraordinário conhecido e desprovido.

OUTRAS INFORMAÇÕES
12 A 16 DE OUTUBRO DE 2020

Resolução STF nº 706, de 15.10.2020 - Dispõe sobre o aprimoramento da segurança e transparência na distribuição de
processos no Supremo Tribunal Federal.

Supremo Tribunal Federal – STF


Secretaria de Altos Estudos, Pesquisas e Gestão da Informação
Coordenadoria de Difusão da Informação

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