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FERRAJOLI

• Doutrina justificacionista ou positiva, que afirma que os custos do direito penal


se justificam com objetivos, razoes ou funções moralmente ou socialmente
irrenunciáveis.
o Ao contrário" não são abolicionistas, e sim, mais propriamente,
substitutivas aquelas doutrinas criminológicas que, embora
intencionalmente libertadoras e humanitárias, na prática convergem para
o correicionalismo positivista, o qual, sob o programa da "abolição da
pena", propõe, na verdade, a substituição da forma penal de reação
punitiva com "tratamentos" pedagógicos ou terapêuticos de tipo informal,
que permanecem, contudo, sempre institucionalizados e coercitivos e não
meramente sociais.
• Doutrina abolicionista ou negativa, que não reconhece justificação alguma ao
direito penal e almeja sua eliminação, quer porque contestam ou seu fundamento
ético-político na raiz, quer porque consideram as suas vantagens inferiores aos
custos da tríplice constrição que o mesmo produz, vale dizer, a limitação da
liberdade de ação para os que observam, a sujeição a um processo por aqueles
tidos como suspeitos de não observá-lo, e a punição daqueles julgados como tais.
o Considero abolicionistas somente aquelas doutrinas axiológicas que
acusam o direito penal de ilegítimo, ou porque moralmente não admitem
nenhum tipo de objetivo como capaz de justificar as aflições que o mesmo
impõe, ou porque consideram vantajosa a abolição da forma jurídico-penal
da sanção punitiva e a sua substituição por meios pedagógicos ou
instrumentos de controle de tipo informal e imediatamente social.
• Afirma existir uma terceira via: a reformadora, que diz que a defenderá:
o Por derradeiro, são simplesmente reformadoras as doutrinas penais que
preceituam a redução da esfera de intervenção penal, ou, ainda, a abolição
da específica pena moderna que constitui a reclusão carcerária em favor
de sanções penais menos aflitivas. Pessoalmente, sustentarei neste livro a
necessidade de reduzir, e em perspectiva de abolir, as penas detentivas,
vez que excessiva e inutilmente aflitivas, e sob muitos aspectos danosas,
além daquela de limitar as proibições penais ao restrito âmbito das
exigências tutelares que definem o esquema do direito penal mínimo. Mas,
ao mesmo tempo, defenderei, contra as hipóteses propriamente
abolicionistas e contra aquelas substitutivas, a forma jurídica da pena,
enquanto técnica institucional de minimização da reação violenta à
deviança socialmente não tolerada e enquanto garantia do acusado contra
os arbítrios, os excessos, e os erros conexos a sistemas não jurídicos de
controle social. PG 200-201

Separa as críticas a uma crítica ética e metaética em capítulos diferentes.

1. DOUTRINAS ABOLICIONISTAS:
• Conjunto heterogêneo de doutrinas;
• As doutrinas abolicionistas mais radicais são, seguramente, aquelas que não
apenas não justificam as penas, como também as proibições em si e os
julgamentos penais, ou seja, que deslegitimam incondicionalmente qualquer tipo
de constrição ou coerção, penal ou social. P. 201
• Mais difundidas são as doutrinas abolicionistas que se limitam a reivindicar a
supressão da pena enquanto medida jurídica aflitiva e coercitiva, e, quiçá, a
abolição do direito penal, sem, contudo, sustentar a abolição de toda e qualquer
forma de controle social. P 201

2. DOUTRINA JUSTIFICACIONISTA RETRIBUTIVISTA


• Divide as teorias justificacionistas em duas categorias:
o Teorias absolutas: aquelas que concebem a pena como um fim em si
própria, ou seja, como “castigo”, “reação”, “reparação ou, ainda,
“retribuição” do crime, justificada por seu, intrínseco valor axiológico,
vale dizer, não um meio, e tampouco um custo, mas, sim, um dever ser
metajurídico que possui em si seu próprio fundamento. Pode, ainda, ser
subdividida entre o parâmetro moral ou jurídico conferido à retribuição
penal. (P. 204)
▪ “Transformar o mal em mal”. Princípio com origens seculares, na
forma de “vingança de sangue”. Gira em torno de três idéias
fundamentais de caráter religioso, vale dizer, aquelas da
"vingança" (ex parte agentis), da "expiação" (ex parte patientis) e
do "reequilíbrio" entre pena e delito. Estas três idéias exercitaram
sempre um fascínio irresistível no pensamento político
reacionário38 e nunca foram totalmente abandonadas pela cultura
penalística. Em crise na época do iluminismo, viram-se relançadas
no século XIX graças a duas versões laicas, quais sejam a tese de
origem kantiana segundo a qual a pena é uma retribuição ética, que
se justifica por meio do valor moral da lei penal violada pelo
culpado e do castigo que conseqüentemente lhe é imposto,39 e
aquela de ascendência hegeliana, segundo a qual a pena é uma
retribuição jurídica, justificada pela necessidade de restaurar o
direito por meio de uma violência, em sentido contrário, que
reestabeleça o ordenamento legal violado. Traz a ideia da pena
como restauração ou remédio, ou reafirmação de uma ordem
natural violada, ou ainda daquela religiosa do contrapasso e da
purificação do delito por meio do castigo. Pena como um fim,
voltada para o passado. P. 205
▪ CRÍTICA: Conseqüentemente, tais doutrinas revelam-se idôneas
para justificar modelos não liberais de direito penal máximo, vez
que solidárias ou com concepções jurídico-substanciais do delito e
da verdade judiciária, ou com concepções ético-formalistas do
delito e dos poderes punitivo e proibitivo. Supérfluo acrescentar
que referidas doutrinas não conseguem ofertar qualquer réplica às
doutrinas abolicionistas: se o único objetivo da pena fosse a troca
do mal com o mal, ou uma espécie de "talião" ou de "vingança
espiritualizada",75 isto certamente não seria suficiente para
justificar os sofrimentos impostos pela pena, ao menos em um
ordenamento não dominado por crenças supersticiosas. P. 208
o Teorias relativas: as doutrinas utilitaristas, que consideram e justificam a
pena enquanto meio para a realização do fim utilitário da prevenção de
futuros delitos. Pode, ainda, ser subdividida entre prevenção geral e
prevenção especial. (P. 204)
▪ Pena como um meio, voltada para o futuro.
▪ Prevenção especial: correção ou eliminação.
▪ Prevenção geral: integração ou intimidação.

AMARAL, Augusto Jobim do; GLOECKNER, Ricardo Jacobsen. O


neorretribucionismo em matéria penal. Revista de Novos Estudos Jurídicos. Ano 13,
n. 24, jan-abr, p. 155-178, 2019.
• O artigo explora as bases do neorretribucionismo e as suas relações com as teorias
denominadas relativas ou utilitárias da pena. Como hipótese de trabalho, partiu-
se do pressuposto de que a grande maioria das teorias chamadas de
neorretribucionistas ampara-se largamente em elementos preventivos, tratando de
integrá-los por meio de posturas ecléticas. Como método exploratório e a fim de
testar a hipótese, tratou-se de examinar em particular as obras de dois autores,
Andrew von Hirsh, com a sua teoria do “justo merecimento”, e a releitura da pena
como retribuição em José de Faria Costa. PG 155
• Todavia, como referido, abria-se um flanco para, a partir do decreto de falência
do discurso clássico prevencionista produzido no seio do Estado de Bem-Estar,
florescesse uma perspectiva de resgate do idealismo filosófico, temperado por um
pessimismo imobilizante. A descrença na capacidade da pena em produzir
qualquer utilidade social tornou-se, por assim dizer, um significante
reorganizador. Todas as correntes que apostavam neste cenário de incapacidade
da pena de atingir determinadas finalidades foram sobrepostas desde aquilo que
se poderia denominar – na falta de uma melhor sintonia fina e de melhor ajuste
relativamente aos problemas estruturantes que alinham tais horizontes discursivos
– como neorretribucionismo. PG 157
• Além do aparecimento do neorretribucionismo concernente à justificativa
oferecida para a pena, contemporaneamente não são raras as tentativas de
conciliação entre concepções relativas (melhor dizendo, prevencionistas, de
caráter geral e especial) com as “absolutas”, ou seja, com aquelas denominadas
retributivas. Assim, teorias como a “prevenção-integração”, “prevenção geral
positiva” são construtos sem sombra de dúvidas artificiais, advindos do intento de
se atribuir efeitos preventivos à retribuição.9 Portanto, em nível de hipótese da
qual se parte este estudo, serão enfrentadas duas questões de valência
fundamental: o denominado neorretribucionismo trata de integrar efeitos
preventivos na pena, seja de forma clara ou velada. Como no espaço restrito deste
artigo não há espaço para se analisar uma a uma as diversas concepções da pena
que se poderiam remeter à hipótese examinada, tratar-se-á de dois autores que
podem servir como ponto de análise para a discussão em torno do fenômeno: o
primeiro deles, Andrew von Hirsch; o segundo, José de Faria Costa. PG 158
• A teoria do justo merecimento surge no contexto da criação do “three strikes and
you’re out”, partindo, portanto, a tese, da proporcionalidade como exigência da
justiça, com as penas proporcionalmente severas à gravidade das infrações
cometidas. PG 159-160
• Para tanto, as justificativas do castigo devem se basear na censura ou na
reprovabilidade da conduta, ou seja, no dano causado pelo infrator13. Segundo
Hirsch, seria mais fácil vincular a proporcionalidade à reprovabilidade da
conduta; já que o castigo indica censura, seria lógico que o seu quantum tenha
relação com a prática da conduta criminosa14. P. 160
• Segundo Hirsch, deve haver uma “explicação dualista do castigo”16. Segundo ele,
o direito penal atende a duas funções: a) ameaça com sanções desagradáveis,
visando que as pessoas deixem de praticar tais condutas; b) reprova tais condutas
por meio da pena. Assim, o direito penal, além de oferecer razões “prudenciais”
para a desistência da ação, ofereceria “razões morais”. Tem-se, portanto, segundo
a teoria do merecimento de Hirsch, a combinação entre reprovação e prevenção.
P. 160
• A função preventiva, para Hirsch, consiste em oferecer razões prudenciais que
complementariam as razões normativas encontradas na reprovação penal. As
normas penais, de forma implícita, advertem o agente de que a sua conduta não é
aceitável, enviando ao agente razões morais para desistir da conduta. P. 160
• A função da pena, portanto, de forma preventiva, é desincentivar a conduta e
oferecer uma razão prudencial para desistir da ação17. PG 160-161
• O que Hirsch afasta de pronto é uma concepção da pena que atenderia a funções
exclusivamente preventivas, isto é, desprovidas de quaisquer elementos baseados
na reprovabilidade da conduta. [...] Assim, mesmo que perspective uma
composição entre prevenção e reprovação, afirmará o autor que esta última
contará com a primazia, o que lhe permite afirmar que a prevenção somente pode
adquirir contornos específicos inserida dentro do âmbito da reprovabilidade19.
PG 161
• Hirsch afirma que só deveria haver a prisão para crimes mais graves, como
homicídio e os piores casos de crimes de colarinho branco, com penas não
superiores a 3 anos, ou, em casos extremoso, 5 anos. PG 162-163
• Concebe Faria Costa, a rigor, o viver comunitário desde alguma estrutura fundada
numa norma de proibição, num Interdito – de valor matricial inclusive para dar
sentido à relação de “cuidado-de-perigo”, segundo o professor lusitano. PG 166
• Não obstante a diferenciação entre o fundamento da pena, vértice no qual há a
inflexão sobre os porquês que a justificam, e a sua finalidade, horizonte dos juízos
do para quê, o ponto de arranque que interessa examinar dá-se assumidamente,
segundo Faria Costa, do pressuposto de que “a pena é uma inevitável
necessidade”.30 Seria descabido reconduzir o argumento já exposto em sentido
contrário. Mas há espaço ainda para certas marcações. Pensar que a pena seja uma
manifestação do viver comunitário, de obviedade manifesta, não conduz a intuir
que seja a única maneira, muito menos deixa alheia a discussão sobre se tal figura
traduz-se historicamente em avanço sob termos de humanização (supostamente o
argumento dos reformistas clássicos do XVIII), ou mais propriamente uma atenta
mudança na economia da punição mais preocupada com a vigilância do corpo
social – não punir menos, mas punir melhor, com mais universalidade e
necessidade. PG 168
• Não obstante o colorido que se empreste à concepção, o retribucionismo e suas
(re)elaborações, em alguma medida, sempre fazem uso do crime como
manifestação do mal, ou seja, a justiça penal lastreada na visão aristotélica da
retribuição como regulador fundamental da vida social. Contudo, o professor
português, para não cair numa espiral expansiva de antever o direito penal, que
tem como fonte o mal inicial, repercutindo agora num outro mal que seria a pena,
como faz classicamente os discursos de retribuição, atrela-se ao pensamento
uníssono retomado dos ilustrados utilitaristas: a pena percebida e valorada como
um bem, algo socialmente útil. PG 168
• Aqui, mais do que a crença original de se expiar um mal com outro mal, como se
supõe na disposição clássica retributiva, alguma crítica jurídica vem a calhar, pois
afinal já demonstrara que o objetivo – agora deslocado da pena como um bem –
parece incidir mais incisivamente num ato de fé. 33 Se mesmo antes, a bem que
se diga, de cientificidade rarefeita, fundamentava-se o retribucionismo, como dito,
no dado indemonstrável do mito da liberdade na culpabilidade do autor, importa
destacar que, não mais se ampara nos tons religiosos de outrora (pela expiação),
mas sob um respaldo laico, canalizando o poder de punir neutramente sobre uma
entidade historicamente localizada que é o Estado, acreditando por resolvidas (ou
atribuindo pouco importância) a certas questões já recorrentes no debate político,
principalmente, sobre as noções e os interesses conflitantes assimilados pela
composição das regras estatais alçadas como interesse público. Assim, a pena,
longe de ser condição de reposição, de repristinação de tal relação primeva de
“cuidado-de-perigo”, representa exatamente seu contrário: apresenta-se como o
desdobramento falido daquela relação ética rompida. Descompasso assumido no
instante em que o cuidar do outro foi perdido, porque engolido pela mesma lógica
que ambicionava protegê-lo. Dar sentido a este bem, ainda que de “uma forma
consistente e poderosa” – como assaz impõem as mais terríveis justificações, pois
exatamente por serem racionalmente fortes que podem abandonar seu razoável e
sê-la exatamente por força da posição que previamente ocupava – estaria mais
próximo de uma claudicante indiferença ética (para além de uma condição
axiológica) quanto às historicidades concretas, condição da própria substância real
do pensamento que, no tocante à pena, apenas descura a acumulação de catástrofes
no horizonte do progresso penal. PG 169
• Diante disso, então como haveria de se pensar o direito penal como um
ordenamento de paz50, se exatamente veicula a dobra à violência sobre si que
pretensamente quer afastar? Que espécie de paz é esta – mesmo que concebida
unicamente sob alguma especificidade normativa – fundada num poder de punir
e de impor dor ao outro, que carrega como instrumento da sua paz redentora a
espada da pena? Seria alguma paz de cemitérios? Alguma eticidade do direito
penal apenas poderia ter espaço como consequência da imposição de ser
instrumento jurídico para a contenção e a redução (não pela anulação da
percepção) do estado de polícia presente em toda perspectiva de estado de direito,
devendo saber que o direito penal não regula o poder punitivo – e ao tentar fazê-
lo, seja de forma minimamente necessária, reproduz mais violência, acobertada
pela legitimidade da pena –, pois, transbordando seu infame narcisismo,
retroalimenta a pulsão de violência contida em si. Exigência ética, se assim se
entender, que poderá limitadamente conter, dentro da sua construção discursiva,
o sempre transbordante poder de punir propenso ao aniquilamento dos valores
elementares da vida comunitária. PG 175
• guardadas as diferenças – àquele dando novo fôlego aos discursos de prevenção
via retribuição e este repaginando o idealismo kantiano desde uma estrutura
antropológica acaba por nivelar o “interdito” à normal penal e à punição – ao
fundo acaba por ter certa ressonância comum: densificar, de fato, ecos de um
discurso penal libertário, diante de ecos que pretendem ter o direito penal como
expressão de “uma ordem de liberdade”. PG 175

FARIA COSTA
Noção de direito penal: conjunto de normas que trata, jurídico-penalmente, os
pressupostos, a determinação, a aplicação e as consequências dos crimes e dos “factos”
susceptíveis de desencadearem medidas de segurança. PG 13
O direito penal estrutura-se e vive, juridicamente, através de duas realidades nucleares,
elementares e indissociáveis, quais sejam: o crime e a pena. PG 14
Se a comunidade de homens só atingiu esse estatuto – [...] à qualificação sociológica de
comunidade de homens – através de uma norma de proibição – [...] – quer isso signficiar
que o direito penal, enquanto conjunto de normas de proibição, é conatural ao nosso mais
profundo modo-de-ser com os outros. O que implica em ver o crime como uma realidade
conatural o nosso modo-de-ser. Logo, onde há sociedade, há crime (ubi societas, ibi
crimen. PG 15
Entretanto, o fato de existir a criminalidade não leva a uma ideia da total ineficácia dos
instrumentos estaduais de repressão ou contenção do crime (aqui, entendo que ele sela a
ideia de que acredita no instituto da pena enquanto repressão ou contenção do crime). PG
15
O crime e a pena são elementos essenciais do viver comunitário, embora não sejam a-
históricos. Ou seja, são realidades que vivem em mutação constante dentro da própria
história e que são por ela moldadas ou conformadas. (Acredito que aqui ele faz uma
própria ressalva de que a ideia de crime e pena são alteradas ao longo do tempo, a exemplo
de punições de crimes que deixam de ser, a exemplo do homossexualismo, bruxaria, etc.)
PG 15
Necessidade de diferenciar o fundamento da finalidade e da necessidade: (p. 17)
Fundamento: indagar os “porquês” que justificam a pena;
• O fundamento encontra-se na “primeval relação comunicacional de raiz
onto-antropológica, na relação de cuidado-de-perigo”. (p. 20)
• O que permite que se caracterize, o crime como uma perversão da relação
de cuidado-de-perigo do “eu” para com o “eu” e do “eu” para com o
“outro”.
Finalidade: indagar “para quê” a pena;
Necessidade: indagar “se” a pena é necessária;
A pena é a principal consequência da prática de um crime e “uma manifestaçao do viver
comunitário organizado”. (p. 17)
A pena deve se densificar em uma ótica ontológica e historicamente situada. P. 19
A pena representa a reação de uma comunidade de homens àqueles comportamentos
penalmente proibidos por essa mesma comunidade. [...] a pena é o reflexo dos valores
dessa comunidade em um certo tempo e em um certo espaço. A pena é, por sobre tudo, a
refracção do entendimento do homem sobre si próprio. P. 19
Não há como partir de uma concepção da pena a partir do iluminismo porque não há
apenas um Iluminismo, há vários, atuando de formas diferentes em diferentes lugares
(França, Itália, Alemanha, Inglaterra etc.) e em diferentes tempos. PG 216
Direito penal, enquanto direito sancionador, vive, geneticamente, uma contradição e
uma ambivalência, porque arranca de um ato (um crime), que é, em si mesmo,
desvalioso objetiva e subjetivamente; (p. 217)
Desvalor: não um desvalor ontológico, mas um desvalor comunitariamente
assumido; (p. 217-218)
E a resposta do direito penal a esse ato desvalioso?
O direito penal aplica, enquanto expressão de justiça, uma pena (um mal) àquele ou
àquela que anteriormente infringiram um mal. Isto é: ao mal do crime – responde-se com
o mal da pena. P. 218
E a resposta do direito penal a esse ato desvalioso?
Enquanto expressão de justiça, aplica-se a pena (um mal) àquele ou àquela
que anteriormente infringiram um mal. “Isto é: ao mal do crime – mal que o
crime sempre representa - responde-se com o mal da pena”. (p. 218)
(Aqui, ele começa trazendo a concepção retributiva da pena)
Teremos que ter por bom que uma importantíssima área da nossa vida colectiva se rege
por um princípio da maximização do mal, por um princípio de adição de males. Teremos
que olhar de frente o direito penal e perceber que ele é, então, fonte do mal inicial do
crime que se desdobra e repercute no mal da pena. PG 218
A pena se mostra como um dado histórico, sociológico e antropológico. Porque, se a pena
criminal se impõe como inelutável e conatural a qualquer comunidade humana, as
finalidades nos diferentes momentos históricos são as mais diversas. PG 219
A aceitação da inevitabilidade da pena criminal dá a ela uma densidade ético-social e
estatuto normativo. PG 219
Por isso, ela é parte essencial do nosso modo-de-ser, devendo ser necessário diferenciar
o discurso ou a narrativa que se quer justificadora perante o dado. PG 220
O lado histórico da pena e o seu lado institucional tem uma história e porque tem história
não é definível, está mergulhada no campo seminal onde proliferam os diferentes sentidos
e significações. PG 220
A PENA COM UM SIGNIFICADO, FINALIDADE E FUNÇÃO, A CADA TEMPO DA
HISTÓRIA.
A estrutura normativa do direito penal perfila-se através de um modo-de-ser em que o seu
segmento principal não pode deixar de ser visto como de estabilização de conflitos. [...]
Pela violação, pela ruptura de valores comunitariamente assumidos como mínimo ético.
O direito penal constrói-se pela resposta legislativa historicamente legitimada à
conflitualidade e à ruptura violadora. PG 223
A conflitualidade e a ruptura violadora são expressões fenomênicas da perversão em que
mergulha o nosso primevo modo-de-ser. A relação de cuidado-de-perigo de fundamento
onto-antropológico corresponde a relação ético-existencial de um “eu” concreto, de carne
e osso, que, precisamente, pela sua condição, só pode ser se tiver o “outro”, cuidar do
outro, cuidar de si cuidando o “outro” e cuidando este cuidar de si. Só que essa relação
de cuidado pode romper-se. PG 223-224
E a ruptura dessa relação primeva constitui uma perversão, uma inversão, um passar, um
exceder, uma desconformidade, uma desmedida. E é esse lado negativo da relação que
constitui oi elemento ou segmento fundante para a existência de um crime. É esse
momento de ruptura, de fractura de convulsão no cuidado genésico só se refaz com a
pena. A aplicação da pena, nesta compreensão fundante, repõe o sentido primevo da
relação de cuidado-de-perigo. PG 224
Somos seres de cuidado. Seres de cuidado-de-perigo. O “eu”, por isso, para “ser”, exige
o cuidado do “outro”. Mas, se há cuidado, é porque há uma turbulência que nos faz
frágeis. Fragilidade do “’ eu” para consigo próprio. Fragilidade do “eu” para com o
“outro”. Fragilidade do “eu” para com o mundo. E essa fragilidade assume dimensão de
ruptura quando há um crime. Aí dá -se o desnudamento que exige a compensação de uma
pena para que o equilíbrio se refaça. Só desse jeito “eu” posso ver, olhar e amar o “outro”.
Porque se não houver pena é impossível reconstruir a primitiva relação de cuidado-de-
perigo. A pena, se quisermos, assume, assim, o papel de reposição, de repristinação e, por
conseguinte, da eficácia de um bem. Ou, se ousarmos ser ainda mais radicais, ela é um
bem. PG 224
Por que das penas existirem? A pena, enquanto reação estadual que dimana de uma
comunidade jurídica organizada, se cruza e encontra, enquanto procura de um sentido
historicamente situado, no horizonte da responsabilidade e da igualdade. PG 225-226
RESPONSABILIDADE: Só é responsável quem é livre e autônomo. [...] Porque sou livre
e autônomo. Porque sou pessoa (indivíduo), sou responsável. Respondo por aquilo que
faço, por aquilo que fiz. Logo, a pena aplicada ou a aplicar tem que ser envolvida pelo
olhar que quer ver o pretérito, que quer ver o fato criminoso na contextualização do seu
passado. PG 227
É, por conseguinte, ilógico ou incompreensível aplicar-se uma pena dizendo que se o faz
na mira de que os outros não pratiquem crimes ou com o fito de repor a validade contra-
fática da norma. Tal projeção admite a possibilidade da punição de inocentes e admite
uma medida concreta da pena que ultrapasse o limite da culpa. PG 227
IGUALDADE: a aspiração a uma pretensão de tratamento igual para com todos os
membros da comunidade jurídica tem caráter universal e parece ser também dado
estrutural do mais fundo modo-de-ser individual e coletivo. PG 228
Todos devem confiar e acreditar que todos os seus atos e condutas, mas todos eles, são
tratados pelo rasoiro da igualdade. Só, deste modo, a comunidade de homens e mulheres
acredita no seu sentido comunitário. PG 228
Na distribuição das penas deve presidir o princípio da igualdade. É absurdo existirem
situações materialmente iguais onde possam recair penas manifestamente diferentes em
grau e qualidade. A distribuição das penas está sujeita a uma ideia de justiça e a uma ideia
de justiça distributiva, com base no princípio da igualdade. PG 229

O direito a uma pena justa é um direito especial, cuja natureza, sentido e limites
estruturam-se nos seguintes pressupostos: a) é indisponível; b) tem a natureza de um
direito humano fundamental; c) o seu sentido jurídico encontra-se na prossecução do bem
da pena, na sua execução concreta; d) o limite está em que a plenitude da realização se
atinge ou, consegue, com o cumprimento integral da pena. PG 232-233

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