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Planeamento e Periodização do Treino Desportivo

Prolongamento da forma desportiva

Prolongamento da forma desportiva

Nota: o presente texto deve ser lido em conjunto com os diapositivos da disciplina.

1. Características gerais

São bem conhecidas as características diferenciadoras dos JDC e o modo como elas
impôem práticas diferentes no campo da periodização do treino estando, em primeiro
lugar a necessidade de criar no praticante modelos comportamentais abertos e
preparados para responder eficazmente à enorme variabilidade de situações de jogo.

Perante a necessidade de dar uma resposta adequada à preparação e disponibilidade de


participação em competição em modalidades desportivas com uma estrutura de
calendarização cíclica ou distribuída, classificação definida anteriormente, surgiram
variantes ou modelos alternativos de periodização do processo de treino que se
organizam fundamentalmente em torno da necessidade de:

1. Prover aos aspectos básicos de preparação num período relativamente curto de


tempo – a chamada pré-época, outro nome para período preparatório, abarcando
a preparação geral e especial dos factores físicos mais a preparação técnica e
táctica fundamental de modo a assegurar uma entrada no período competitivo ou
época competitiva em condições já de elevado desempenho.
2. Atingir níveis elevados de forma imediatamente após o início da época
competitiva. Decorre da impossibilidade de hierarquizar as competições de
modo progressivamente mais exigente ao longo da época, uma vez que as
lógicas do sorteio e do “confronto de todos contra todos” distribuem
aleatoriamente e assimetricamente os adversários por toda esta fase, podendo
jogos ou torneios determinantes pelo nível da equipa adversária surgirem
concentrados logo nas primeiras semanas de competição.

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3. Assegurar condições de estabilização da forma física que permitam a


participação de rendimento máximo numa elevada frequência de competições de
periodicidade semanal ou, por vezes, bissemanal.

O facto de as modalidades desportivas onde a periodização de modelo PFD surge


serem maioritariamente de dominante táctica – os jogos desportivos colectivos - faz
com que grande parte da sistematização teórica em torno destes elementos do
processo de treino não distinga entre características estruturais de rendimento da
modalidade (potência-velocidade, meio fundo, fundo, técnicas, tácticas) e
organização das cargas de treino em função dos momentos de forma e da sua
duração.

Não negando a existência, quer do ponto de vista da lógica interna do processo de


rendimento competitivo das várias modalidades desportivas, quer do ponto de vista
da sua história e do desenvolvimento das formas sociais institucionalizadas em que
estabilizaram a sua existência, de uma relação forte e intrínseca entre calendários
competitivos distribuídos e modalidades de dominante táctica, o que explica o facto
de, na exposição que se segue, focarmos unicamente os JDC, devemos no entanto
chamar a atenção para o facto de noutras modalidades desportivas de tradição de
OFD, se utilizarem, com atletas de alto rendimento, meios próprios do PFD para os
manterem em competição frequente durante mais tempo, abdicando de “picos de
forma” optimizados, assim como da tentativa de obtenção de ganhos na capacidades
de suporte conducentes a melhorias significativas das marcas pessoais desses atletas.

Trata-se, de um modo geral, de atletas de nível internacional com bastantes anos de


experiência, por vezes em fim de carreira, que fazem a gestão dos atributos
conquistados ao longo de anos de preparação de modo a permanecerem num nível
competitivo elevado, o que, devido ao seu talento excepcional, lhes permite obter
êxitos consideráveis, mas que não constitui base para a evolução do seu rendimento
competitivo.

Casos destes são comuns entre praticantes profissionais no atletismo, natação e


ténis, para só citar algumas modalidades.

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Incompatibilidade entre OFD e PFD

Ao contrário do que transparece de alguma literatura no âmbito do Treino Desportivo, a


estruturação das cargas de treino visando a ocorrência de picos de forma em períodos de
tempo circunscritos e bem delimitados, que, na realidade se medem em dias, uma
semana, no máximo duas semanas, não é articulável com a necessidade de se manter um
nível de forma elevado durantes muitas semanas, integrando cada uma delas uma
competição,

Para que ocorra um “pico de forma” é necessário:

1. Fases concentradas de treino visando aspectos gerais e especiais de preparação


concorrendo para o desempenho competitivo;
2. Fase de transferência dos efeitos das cargas de treino anteriores para a situação
específica de competição;
3. Fase de afinamento final da preparação específica e redução significativa do
volume de treino para assegurar recuperação total do atleta;
4. Participação em competição – gestão do stress da competição, recuperação,
focalização e demais aspectos psicológicos.

A sequência das fases 3. e 4., que vai durar, em atletas de nível elevado, de 4 a 6
semanas, leva obrigatoriamente ao desencadear de processos de destreino que
implicam a impossibilidade de manutenção do pico de forma e o seu prolongamento
para além do período de tempo atrás referido. Na realidade, a combinação da
redução da carga/destreino parcial e sectorial com o stress emocional das situações
competitivas leva, normalmente, à necessidade de uma pequena paragem na
actividade de treino (uma semana, entre macrociclos no mesmo ano, 4-6 semanas
entre épocas anuais). Com ou sem interrupção efectiva do treino, a quebra na curva
de rendimento competitivo sofre uma quebra significativa que pode levar 8 a 10
semanas a recuperar.

Todos estes fenómenos ocorrem igualmente, em atletas mais jovens, desde que já
sujeitos a processos de treino sistemáticos e periodizados, embora normalmente em
períodos temporais mais curtos, o que está em correlação com variações do nivel de

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carga menos pronunciados e uma capacidade de recuperação mais rápida, desde que
as cargas se mantenham adequadas individualmente.

Microciclo estruturado

O procedimento básico para operacionalização do PFD consiste na estabilização


semanal dos níveis de carga durante o período competitivo construindo um microciclo
competitivo “estruturado”, que será aplicado uniformemente durante todo este período.

Sofrendo alguma variação consoante a modalidade e o nível dos atletas, o seu esquema
básico será:

Jogo – Recuperação activa – Carga de intensidade elevada especial e específica –


Recuperação activa - Jogo

Este ciclo semanal de actividade sofrerá alterações constantes nos conteúdos tácticos e
técnicos, consoante o plano estratégico definido para o jogo seguinte, em função das
características do adversário concreto e do confronto dos pontos fortes e pontos fracos
da própria equipa e do adversário.

Importância relativa da mesoestrutura

Uma das consequências desta organização das cargas de treino será a desvalorização do
mesociclo enquanto unidade significativa de consolidação de alterações ao nível da
evolução da preparação ao longo da época, muito marcada nos modelos OFD, já que a
uniformidade dos microciclos faz com que a definição da mesoestrutura seja puramente
decorrente de características do calendário, sem correspondência com a dinâmica das
cargas ou o conteúdo dos exercícios de treino.

Na pré-época, no entanto, a sequenciação de mesociclos mantém uma correspondência


clara com a variação dos tipos de preparação a realizar, consistindo habitualmente em
dois a três mesociclos, onde o primeiro pode ter uma proeminência de cargas gerais ou
especiais, consoante a idade dos praticantes e as tendências principais dos diversos

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modelos de periodização e o último um carácter marcadamente pré-competitivo, com


incidência especial específica e ligação à participação em competições preparatórias que
servem de fonte de informação e meio de controlo sobre o nível de integração individual
e colectivo dos factores de treino e de desenvolvimento operacional do que alguns
autores chamam o modelo de jogo.

Esta indiferenciação relativa dos mesociclos decorre da marcadamente menor variação


das características dos microciclos que surge nos modelos PFD, ao contrário dos
modelos OFD onde dois microciclos subsequentes podem ser de tipos muito diferentes,
com a dinâmica da carga e o grau de especialização a sofrerem alterações constantes,
por vezes bruscas, o que pode acontecer mesmo em fases avançadas do período
competitivo.

2. O modelo clássico nos JDC

Estratificação dos níveis da forma desportiva (Bompa)

Bompa (1999) considera o treino desportivo como um processo complexo que se


organiza e planeia em várias fases de ocorrência sequencial. Através destas fases de
treino e, especialmente, durante o período competitivo, um atleta alcança certos estados
de preparação ou níveis de forma:

1. Forma desportiva geral

Este primeiro estrato corresponde a um estado de treino muito elevado, com níveis
óptimos de adaptação no que diz respeito aos factores condicionais, mas igualmente
com boa capacidade de intervenção em competição. Trata-se de um nível elevado de
rendimento sobre o qual as restantes etapas de preparação terão que assentar. Quando a
forma desportiva geral alcançada logo no primeiro P.P. é fraca, é todo o restante
trabalho a realizar durante a época que é posto em causa, reduzindo-se o seu alcance e
magnitude.

2. Forma desportiva elevada

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O segundo nível corresponde a um estado de rendimento próximo do máximo, mas não


optimizado, o que lhe permite ter uma duração muito superior.

3. Forma máxima (“peaking”)

Corresponde aos níveis de máximo rendimento desportivo, de duração limitada, o que


obriga a um retorno rápido aos níveis de carga anteriores ou seja, a um acréscimo
periódico do volume da carga nos P.P.

Deste modo, Bompa pretende adaptar o modelo clássico às condições encontradas pelo
atleta nas modalidades com calendário competitivo distribuído e longo, e onde a
optimização da carga, crucial em modalidades de calendário condensado, pode ser
dispensada em prol de uma plataforma de “alta forma desportiva” que pode ser mantida
de um modo mais estável e duradouro.

A duração prolongada do P.C. obriga ao aparecimento de uma fase de reversão da


carga, realizada ou nos P.P. 2 ou 3, caso se trate de periodizações duplas ou triplas, ou
de um mesociclo no meio do P.C., se se trata de periodização simples, a mais habitual
nos JDC.

Esta fase de reversão da carga consiste num retorno a conteúdos próprios do final da
pré-época, de dominante especial e específica, mas procedendo a alguma redução do
volume da carga.

O modelo clássico nos JDC e o treino de jovens

Aparecem em Bompa, no que diz respeito a exemplos de periodização de épocas


competitivas em JDC, principalmente casos de fases preparatórias ou de pré-época, com
durações relativamente longas de 10 a 12 semanas, tornados possíveis em calendários
competitivos referentes a escalões etários mais jovens ou a níveis de participação de
rendimento baixo ou médio.

Na mesma linha de raciocínio que permitiu definir o modelo clássico para os desportos
de OFD como o ideal para ser aplicado a atletas em fase de formação, o mesmo se dirá
para os desportos de calendário competitivo longo, seguindo lógicas de PFD.

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Pré-épocas mais longas permitirão uma boa adaptação às necessidades de preparação


dos jovens, quer no que diz respeito às aquisições técnicas e tácticas, quer no referente a
ganhos consistentes e estáveis nos vários domínios da preparação física e nas suas
interrelações complexas.

Uma pré-época curta não assegura tempo para um amadurecimento significativo destes
diferentes factores do rendimento e, acima de tudo, não promovem efeitos de longo
prazo que poderão ser benéficos em fases posteriores da evolução da carreira de um
jogador.

Se em idades mais jovens o treino não deve ser tão intenso nem com períodos de
concentração de cargas muito acentuadas, então a procura do prolongamento do nível
elevado de forma desportiva necessário para a manutenção óptima do suporte físico às
acções tácticas deverá assentar mais na aplicação sistemática e mais prolongada de
cargas na pré-época do que na estruturação do microciclo competitivo com base em
exercícios contextualizados de elevada intensidade e na prática muito frequente de
situações de competição.

Estes últimos recursos serão progressivamente introduzidos, à medida que a idade e


experiência dos jogadores vai sendo superior, mas não devem ter o carácter quase
absoluto com que surgem, justificadamente, nos atletas de alto rendimento destes
desportos.

Por outras palavras, considera-se que o adiamento do destreino precoce no período


competitivo deverá ser função do volume e qualidade das interacções do treino na pré-
época, nestas fases de formação desportiva.

Neste âmbito da aplicação do modelo clássico adaptado ao PFD, a pré-época deverá


assegurar:

- Aperfeiçoamento das destrezas e sua aplicação em modelos tácticos definidos

- Aumento da capacidade de trabalho e velocidade de recuperação entre sessões de


treino, após ou durante os jogos.

- Consolidação de níveis de força básica antes do trabalho típico de preparação especial


em potência, capacidade de aceleração e agilidade.

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A preparação geral permanece importante, especialmente nos dois primeiros mesociclos


de pré-época (6 a 8 semanas).

Aparecem com frequência situações de periodização dupla, sempre que o calendário


competitivo o permite, aumentando a efectividade das fases de pré-época assim
definidas, uma vez que será maior o efeito acumulativo do treino, quer do ponto de vista
das cargas físicas, quer das aquisições técnico-tácticas, uma vez que o efeito residual
das cargas anteriores é superior quando elas voltam a ser aplicadas, devido a menor
tempo de alternância entre os diferentes tipos de preparação.

O modelo clássico nos JDC e o treino de alto rendimento

Mesmo no caso da sua aplicação a níveis elevados de rendimento desportivo, o modelo


clássico adaptado aos JDC, tal como aparece sistematizado em autores mais
reconhecidos como Bompa (Bompa, 2005; Bompa e Claro, 2009), ou na sistematização
de muitos treinadores (Gomes e Souza, 2008), não deixando de conceder prioridade aos
factores tácticos no rendimento competitivo, apresentam uma estruturação do treino
com uma clara diferenciação dos requisitos de preparação física, técnica, táctica e
psicológica, não evitando o conceito de exercício especial de desenvolvimento para as
qualidades físicas, ou seja, utilizando exercícios “analíticos” no âmbito neuromuscular e
metabólico e colocando o dinamismo integrador do treino mais localizado nas fases de
preparação específica e de preparação directa para as competições.

Assim, surge claramente a ideia de que, para o desenvolvimento da capacidade especial


de trabalho é necessário passar por volumes elevados de treino físico, fases de elevada
intensidade e conteúdos dominantes técnicos e tácticos que permitem a elevação do
estado de forma, cuja essência consiste em executar os exercícios físicos específicos
com a maior solicitação muscular possível. Deste modo, a preparação física deve
constituir uma fase prévia condicionante da realização de um volume óptimo de
trabalho especial, só assim sendo possível o aperfeiçoamento dos fundamentos técnicos
e tácticos (Gomes e Souza, 2008). Em especial, as adaptações neuromusculares deverão
contribuir com uma elevada percentagem do volume total de treino especial a realizar.

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O prolongamento do estado de forma elevado é conseguido no período competitivo pela


estabilização do volume das cargas de treino ou a sua redução ligeira, mantendo a
intensidade nos níveis iniciais deste período, podendo mesmo haver, em certos casos de
hierarquização progressiva das competições, ou seja, maior exigência competitiva em
fases tardias da época, um aumento moderado mas significativo da intensidade das
cargas.

Na pré-época haverá, então, uma incidência inicial nos factores de desempenho da


resistência aeróbia, assegurando as adaptações básicas metabólicas e
cardiorrespiratórias, fase mais prolongada quanto menos experiente for o jogador, para
depois se passar para uma estimulação onde os factores neuromusculares irão
prevalecer. A manutenção de cargas elevadas de base neuromuscular, especiais e
específicas, no âmbito da força e velocidade/agilidade mantêm-se, segundo estes
autores, durante todo o período competitivo, devendo ser objecto de uma fase de
regressão de carga a mais ou menos meio deste último, sempre que possível.

Habitualmente este último procedimento consistirá na organização de um mesociclo de


2 semanas. Muitas vezes, quando neste modelo de periodização se opta por uma
periodização dupla, o PP do 2º macrociclo é, na realidade, pouco mais do que uma fase
mais consistente de regressão da carga com uma duração que pode chegar, em certos
casos, a 4 ou 5 semanas, em calendários competitivos que o permitam, embora o
prolongamento desta fase só ocorra com frequência em atletas mais jovens ou de menor
nível competitivo.

A periodização “ondulada”, ou seja, a solicitação de um determinado factor de


rendimento neuromuscular, força reactiva com recurso saltos em profundidade, por
exemplo, em ciclos temporais de 2-3 dias até duas semanas, aparece frequentemente
associada a esta necessidade de manter a estimulação destes factores ao longo do
período competitivo.

Isto significa que, seguindo o exemplo anterior, a cada 2 microciclos estruturados do


período competitivo, haverá uma sessão de saltos em profundidade, de intensidade
semelhante mas normalmente com menor volume do que o atingido na pré-época, para
prevenir níveis demasiado elevados de fadiga localizada que prejudiquem o jogo do
fim-de-semana.

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Esta sessão será substituída, no microciclo alternativo, por uma sessão de força
explosiva, por exemplo, com as respectivas características típicas de carga, sempre com
volume mais reduzido do que o que fora proposto na pré-época.

Este aparecimento “ondulado” das solicitações neuromusculares integra-se bem nos


procedimentos de alternância das cargas proposto pelos autores do modelo clássico de
periodização, aparecendo já nas obras mais recentes de Matveiev e tornou-se, hoje em
dia, muito comum nos JDC ou noutras modalidades desportivas onde o suporte
condicional de força muscular é muito importante para as execuções técnicas de
competição.

Alguma investigação ao longo das últimas duas décadas tem comprovado que este
procedimento de distribuição das cargas de estimulação neuromuscular na época
competitiva apresenta, não só bons índices de manutenção das adaptações conseguidas
em fases anteriores, como também pode permitir algum ganho destes factores do
desempenho (Plisk & Stone, 2003).

Esta distribuição das cargas não põe em causa o caracter de carga basicamente uniforme
do microciclo estruturado visando o PFD, apenas faz substituições periódicas,
normalmente em ciclos de 2 semanas, de conteúdos dos exercícios de preparação
especial, sem alterar o impacto das cargas no binómio fadiga-recuperação.

Muitos treinadores que seguem este modelo continuam a preferir, no entanto, e como o
aponta Bompa, claramente, uma abordagem sequencial ou mesmo próxima das cargas
intensivas unilaterais (blocos) na pré-época, no que diz respeito ao treino físico, em
especial na dominante neuro muscular.

3. Periodização Táctica

No âmbito do alto rendimento, nos jogos desportivos colectivos, em especial no futebol,


tornou-se grande a insatisfação perante as variantes do modelo clássico de Matveiev,
mesmo se estas chegam a uma boa adaptação às características básicas destas
modalidades, respeitando a necessidade de um prolongamento do estado de forma e o

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carácter essencial e orientador da preparação táctica em relação aos restantes factores de


treino.

Consideram alguns autores e treinadores que a importância dada ao factor físico e às leis
da adaptação é ainda demasiado grande e põem em causa uma visão “analítica” que
separa os vários factores de treino contra uma visão que se deseja “integrada” e centrada
na especificidade dos exercícios de treino.

Assim, em detrimento da preocupação com as capacidades condicionais presente nos


modelos baseados na periodização clássica, é realçado o desenvolvimento dos
princípios do modelo de jogo, com ênfase na dimensão táctica.

A Periodização Táctica, da qual Mourinho é a referência, assenta na sistematização de


um modelo de jogo (com os seus princípios orientadores em cada uma das fases de jogo
- ataque, defesa e transições) e na sua operacionalização através da criação de exercícios
de treino que permitam aos atletas a vivência desses princípios.

A operacionalidade do princípio da especificidade deve assumir várias dimensões:

1. Dimensão colectiva

2. Dimensão sectorial

3. Dimensão individual

Na Periodização Táctica, o colectivo, a equipa, é o mais importante, sendo preconizado


um microciclo padrão para toda a época, no qual a especificidade e as intensidades
máximas contribuem para a criação de regularidades ao nível da forma de jogar
pretendida. Haverá a tendência neste modelo, pelo menos nas suas manifestações mais
extremas, para não dividir a época em períodos, considerando-a um só período que vai
desde o primeiro dia de trabalho até ao último.

A preparação da época na Periodização Táctica apenas considera relevante a


especificidade e o modelo de jogo, o que significa retirar à fase inicial da época, ou pré-
época (período preparatório, numa terminologia clássica), o seu carácter vincadamente
de treino físico e aquisição da forma desportiva, para se tornar essencialmente uma fase
visando melhorar o nível de jogo dos jogadores e da própria equipa.

Ao longo do ano, mas fundamentalmente em plena fase de distribuição cíclica das


competições, a Periodização Táctica vai assumir a lógica evolutiva do modelo de jogo

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adoptado e os respectivos princípios. A componente táctica, entendida como linguagem


comum a todos os jogadores, é a coordenadora de todo o processo evolutivo desta
periodização, quer em termos tácticos, técnicos e físicos como também e nível
psicológico e cognitivo. Neste período de competição, a Periodização Táctica tem como
principal preocupação a evolução constante do modelo de jogo adoptado pelo treinador
em consequência de um crescente "jogar cada vez melhor".

No que diz respeito ao perfil do rendimento ou curva de forma, na Periodização Táctica,


este é encarado sempre a partir do ponto de vista colectivo – estar em forma significa
“jogar bem”. Estar em forma individualmente é ser capaz de, ao nível táctico individual,
técnico, físico, cognitivo e psicológico cumprir as exigências do modelo de jogo
adoptado e os seus respectivos princípios táctico-colectivos. Os níveis de forma na
Periodização Táctica não dependem da preparação realizada no período preparatório
mas sim do trabalho efectuado diariamente. Tenta-se que haja uma conservação ou um
progressivo aumento qualitativo desta forma desportiva ao longo da época.

A forma desportiva colectiva, portanto, está ligada ao jogar de acordo com o modelo de
jogo adoptado.

Todo o processo de periodização deve ser orientado, como já foi referido, de forma a
corresponder e auxiliar ao desenvolvimento do modelo de jogo implantado. José
Guilherme Oliveira (2003) define modelo de jogo como "uma ideia / conjectura de jogo
constituída por princípios, sub-princípios, sub-princípios dos sub-princípios...,
representativos dos diferentes momentos / fases do jogo, que se articulam entre si,
manifestando uma organização funcional própria, ou seja, uma identidade. Esse modelo,
assume-se sempre como uma conjectura e está permanentemente aberto aos acrescentos
individuais e colectivos, por isso, em contínua construção, nunca é, nem será, um dado
adquirido. O modelo final é sempre inatingível, porque está sempre em reconstrução,
em constante evolução".

Tavares (2003) refere que um exercício só é verdadeiramente específico se seguir uma


orientação intimamente ligada ao modelo de jogo do treinador, subjacente a um
contexto que o define em determinado momento, fruto da lógica do processo de treino,
atribuindo-lhe um sentido.

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A própria exiguidade de tempo disponível para um período de formação mais


especial/geral, visando a obtenção de índices físicos favoráveis, associado ao surgir de
competições com exigências de rendimento logo no início da época, torna premente
uma procura de procedimentos que promovam rapidamente níveis elevados de
eficiencia técnico-táctica, surgindo o desenvolvimento dos factores neuromusculares e
metabólicos subordinado a este último processo.

Segundo Carvalhal (2003), a Periodização Táctica destaca-se por:

 Dar primado à contextualização;

 A componente táctica surge como o núcleo central de preparação;

 O modelo de jogo adoptado impõe uma rede de conexão entre os factores de


treino muito própria, estando as dimensões, técnica, física e psicológica
subjugadas à dimensão táctica;

 O princípio da especialização orienta a selecção dos exercícios em todos os


momentos do macrociclo – todos os exercícios deverão ter um carácter
específico muito elevado, definido a partir do modelo de jogo

 O meio de operacionalizar o modelo de jogo são os exercícios específicos,


exercícios desenvolvidos com intensidade em concentração, de acordo com o
modelo de jogo adoptado.

 A estabilização da forma desportiva consegue-se com base na estruturação de


um microciclo com características uniformes de carga, com um grau de desgaste
semanal seja similar ao longo de toda a época.

 Privilegia-se o trabalho de intensidade em relação ao volume. O volume deverá


ser entendido como o volume das intensidades. Esta forma de operacionalizar o
treino leva o organismo a recuperar mais rapidamente quando é chamado a fazer
esforço.

O trabalho de pré-época deve ser iniciado com cargas de intensidade e volume


relativamente elevadas, aumentando progressivamente durante o período preparatório
até um nível máximo que deve ser mantido durante toda a época.

A intensidade do exercício deve corresponder á intensidade de jogo, de modo a respeitar


o princípio da especificidade, enquanto que o volume é entendido como o número de
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repetições do exercício e não como o tempo de duração do exercício, como é


normalmente considerado.

Desde o primeiro dia, o objectivo é o desenvolvimento/evolução da forma relacionada


com o modelo de jogo adoptado. Segundo Mourinho (2004) "estar em forma é jogar
bem" logo a forma desportiva deve "ser entendida sobre o ponto de vista colectivo".

O autor reforça esta ideia afirmando que "estar em forma individualmente é ser capaz
de, ao nível táctico individual, técnico, físico, cognitivo e psicológico, cumprir as
exigências do modelo de jogo adoptado e seus respectivos princípios (táctica colectiva).
Os níveis de forma não estão dependentes da preparação da pré-época mas sim do
trabalho realizado diariamente. A principal preocupação é a evolução constante do
modelo de jogo adoptado.

Nestas modalidades desportivas, as competições são provas de regularidade – o


rendimento da equipa deverá oscilar o mínimo possível ao longo do ano, sendo
necessário habituar o organismo a treinar, a jogar e a recuperar de um determinado
modo. Este autor proclama a criação de um padrão, um modelo de trabalho.

O que o treino deve viabilizar é a habituação do organismo de recuperar dentro de


determinados parâmetros. Estes parâmetros são exercícios de acordo com o modelo de
jogo efectuado com intermitências máximas, estando a recuperação necessariamente
implicada tanto no treino como na competição. O que se pretende é que o volume dessas
intensidades máximas vá ao longo da época desportiva aumentando gradualmente até
que se atinja um nível que se define como óptimo para a equipa, mantendo-o até ao
final.

Concentração e intensidade associam-se ao modelo de jogo e seus princípios de uma


forma una e coesa e dão corpo à noção de “intensidade específica do futebol”.

Algumas questões levantadas pelas concepções dominantes da “Periodização


Tàtica”

Ignorar ostensivamente a dinâmica dos processos de treino-destreino das capacidades


físicas que sustentam as acções tácticas e o seu entrelaçar com situações de sobrecarga

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ou de abaixamento da carga que ocorrem, por vezes, de modo não previsto, implica ter
como base de conduta uma crença de que o sistema não falha, em termos colectivos ou
individuais e, no extremo, a impossibilidade de lidar com o problema de variações
inesperadas da capacidade de desempenho do jogador.

Por outras palavras, se o sistema de crenças do treinador o leva a só considerar os


efeitos “integrados” do treino, a questão das variações de forma física do jogador
tornam-se opacas e imprevisíveis, dependendo de soluções mágicas procuradas através
de invectivas motivacionais de resultado duvidoso, porque a raiz do problema não estará
aí, e fomentadoras de conflitualidade no seio da equipa e na relação treinador-jogador.

Podemos dar como exemplos de uma sobrecarga adicional não prevista, casos de jogos
com período adicional de prolongamento, sequência de jogos em que, por qualquer
razão, um jogador é chamado a jogar muito mais tempo do que lhe é habitual. Pelo
contrário, podem ocorrer situações em que durante um tempo suficiente para afectar a
capacidade de trabalho do jogador, digamos 2 semanas, ele se vê sujeito a uma redução
da carga significativa, por necessidade de reposição táctica, factores ocasionais na
organização das sessões de treino, ou flutuações motivacionais.

O treinador de linhagem “Periodização Táctica” mais radical, ao recusar olhar o factor


de treino físico como uma entidade com as suas leis e dinâmicas próprias, ao evitar, a
todo o custo, o olhar “analítico” sobre esta dimensão de desempenho, torna-se cego para
os sinais que decorrem da resposta ao exercício de treino ou do comportamento em
competição que têm raiz neste domínio, perdendo, assim, competência na sua missão de
orientação do treino.

Bibliografia

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