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Fisiopatogenia da síndrome coronária aguda

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Autores: Dr. Antonio Claudio do Amaral Baruzzi, Dra. Anna Maria Andrei, Dr. Marcos Knobel, Dr. Elias Knobel

Marcadores de necrose miocárdica

Marcadores de necrose miocárdica são úteis para diagnóstico de infarto e estimam


prognóstico. A membrana plasmática dos miócitos perde integridade e permite a
passagem dessas macromoléculas intracelulares para o interstício, capilares
linfáticos e microvasculatura do coração, atingindo a circulação periférica, sendo
detectadas.

Em termos de utilidade diagnóstica, um marcador de necrose miocárdica deveria


estar presente em altas concentrações no tecido miocárdico e ausente em tecidos
não miocárdicos. Deveria ser rapidamente liberado no sangue depois da lesão
miocárdica com direta relação entre a extensão do dano causado e seu nível sérico
medido.

Finalmente, o marcador de necrose deve persistir na corrente sangüínea o tempo


suficiente para permitir uma janela diagnóstica conveniente, por meio de uma
metodologia diagnóstica fácil, barata e rápida. As enzimas que mais contribuem
para o diagnóstico do IAM, dentro deste perfil, são a CKMB e as troponinas. A
CKMB começam a se elevar com cerca de 4 a 8 horas do IAM, voltando ao normal
em 3 a 4 dias.

As troponinas T, I e C são proteínas que regulam a interação, dependente do cálcio,


entre miosina e actina. A troponina C apresenta-se de modo igual nas células
musculares esqueléticas e cardíacas; entretanto, a seqüência de aminoácidos da
toponina T e I é diferente no músculo cardíaco em relação ao músculo esquelético,
permitindo assim a diferenciação de sua origem.

Vários estudos demonstram que a troponina T e I são marcadores altamente


sensíveis e específicos de necrose miocárdica, aparecendo na corrente sangüínea 3
horas após os sintomas, com pico em 24 horas; diferentes da CKMB, permanecem
elevadas por até 10 a 14 dias e 5 a 10 dias, respectivamente, assegurando, dessa
maneira, o diagnóstico de IAM na fase tardia (Figura 4); além disso, níveis elevados
desses dois marcadores são potentes preditores de morte, com necessidade de
angioplastia ou cirurgia de revascularização miocárdica e de complicações.

Pacientes submetidos à terapêutica de reperfusão têm picos mais precoces desses


marcadores (Figura 5). Para o diagnóstico da síndrome coronária aguda sem
elevação do segmento ST, no departamento de emergência ou em uma unidade de
dor torácica, recomendam-se dosagens seriadas de troponina ou CKMB de 3 em 3
horas ou de 2 em 2 horas a depender do serviço.

Em uma abordagem custo-efetiva, uma amostra pode ser colhida na admissão e


uma segunda amostra colhida em 8 a 12 horas depois, conforme sugestão da
American Heart Association. Para a rotina na fase aguda do IAM já diagnosticado,
podem ser colhidas 3 a 4 amostras consecutivas, respeitando os horários fixados:
6, 12, 18 e 24 horas após o início da dor.

Caso haja recorrência da dor, curva enzimática ainda ascendente ou em plateau, as


dosagens devem se estender o quanto for necessário. Como resultado, o
diagnóstico do IAM tem aumentado desde a introdução de tais marcadores, por
meio de um padrão dinâmico de aumento e queda gradual da troponina (marcador
preferido), ou mais rápido aumento e queda da CKMB, associado ao quadro clínico.

Não se recomenda mais o uso de rotina de macromoléculas como a CPK, DHL, TGO
e TGP pela inaceitável falta de acurácia diagnóstica. Além do mais, para a American
Heart Association e a Sociedade Européia de Cardiologia, até mesmo a CKMB
somente deve ser realizada se as troponinas não estiverem disponíveis (Tabela 5).

Figura 4.

 
(Clique na imgaem para ampliá-la)

Nível sérico de marcadores de necrose miocárdica x tempo após início dos sintomas. Pico A: liberação precoce
de mioglobina. Pico B: troponina. Pico C: CKMB. Pico D: elevação de troponina com CKMB normal. Modificado
de National Academy of Clinical Biochemistry, Washington, DC, 1999.

Figura 5.

 
(Clique na imgaem para ampliá-la)

Marcadores de necrose miocárdica no IAM–CST. Os marcadores fundamentais para avaliar pacientes com IAM-
CST são as troponinas e a CKMB. A linha horizontal define o limite superior da referência do marcador. Essa
referência representa o percentil 99 de um grupo-controle de referência sem IAM-CST. As cinéticas de liberação
de CKMB e troponinas de pacientes que não receberam reperfusão são mostradas nas linhas sólidas verde e
vermelha, como múltiplos da referência. Note que em pacientes submetidos à reperfusão (linhas verde e
vermelha tracejadas) os marcadores são detectados mais brevemente, têm um pico mais alto e caem mais
rapidamente resultando em uma menor área abaixo da curva e um infarto de menor tamanho. Modificado de
Alpert et al. Am Coll Cardiol 36:959, 2000 e Wu et al Clin Chem 45:1104, 1999.

Tabela 5  – Diagnóstico de infarto agudo do miocárdio


1. Curva típica de marcadores bioquímicos de necrose miocárdica: aumento rápido
e queda gradual, no caso da troponina (marcador preferível); ou aumento e queda
rápidos, no caso da CKMB, associada a no mínimo um dos seguintes critérios:

•   sintomas isquêmicos

•   desenvolvimento de ondas Q patológicas no ECG

•   alterações ao ECG indicativas de isquemia (elevação ou depressão do segmento


ST)

•   após intervenção coronária (angioplastia, em geral)


2. Achados anatomopatológicos de infarto agudo do miocárdio.

Artigo de Revisão
Infarto agudo do miocárdio: fisiopatologia,
diagnóstico e tratamento
Acute myocardial infarction: pathophysiology, diagnosis, and treatment

Leonardo Antonio Mamede Zornoff


Marina Politi Okoshi
Sergio Alberto Rupp de Paiva
Roberto Minoru Tani Inoue
Luiz Shiguero Matsubara
Departamento de Clínica Médica,Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista-
UNESP.
Unitermos: infarto agudo do miocárdio, diagnóstico, tratamento.
Unterms: acute myocardial infarction, diagnosis, treatment.

Numeração de páginas na revista impressa 235 à 240

Introdução

O infarto agudo do miocárdio (IAM) é definido como um foco de necrose


resultante de baixa perfusão tecidual, com sinais e sintomas conseqüentes da
morte celular cardíaca.

Estima-se que, anualmente, ocorram aproximadamente 1,5 milhão de casos


de IAM nos Estados Unidos, demonstrando que esta síndrome ocorre em
proporções epidêmicas(1). Poucas patologias tiveram a sua evolução alterada
de maneira tão radical como o IAM, com redução acentuada da mortalidade,
em conseqüência das mudanças ocorridas no tratamento nos últimos 30
anos(2). A mudança no tratamento foi o resultado dos avanços obtidos tanto
no diagnóstico como no estudo da patogênese do IAM e de suas complicações.
Este fato ressalta a importância de um melhor entendimento sobre os
mecanismos fisiopatológicos das síndromes coronarianas agudas e de seu
correto diagnóstico.

Fisiopatologia

A concepção tradicional é de que a imensa maioria dos casos de IAM resulta


de doença aterosclerótica coronariana. Outros exemplos de possíveis
mecanismos são: doença arterial coronária não-aterosclerótica (arterite,
trauma, espasmo, dissecção, espessamento intimal), êmbolos para a artéria
coronária (endocardite, mixoma), anormalidades congênitas (origem anômala
das coronárias), alterações hematológicas (hipercoagulabilidade), drogas
(cocaína) e aumento no consumo de oxigênio (estenose aórtica, insuficiência
aórtica, hipertiroidismo)(3).

Atualmente, o conceito de que o IAM é precipitado por um trombo oclusivo


sobre uma placa aterosclerótica complicada tem aceitação generalizada. Este
conceito torna imperativo o conhecimento sobre as alterações que ocorrem na
placa aterosclerótica e que posteriormente vão predispor a um evento
coronariano agudo(4). Estudos patológicos estabeleceram que a perda da
integridade da placa aterosclerótica é o mecanismo fisiopatológico primário na
maioria dos casos das síndromes coronárias agudas. Existem duas formas de
perda de integridade da placa: a erosão e a ruptura da placa(4).
A erosão consiste de perda superficial da integridade endotelial com posterior
exposição do tecido conectivo subendotelial. O colágeno exposto ativa a
adesão e a agregação plaquetária, com posterior formação de trombo
aderente à superfície da placa. A análise destas placas tem demonstrado
acúmulo de macrófagos intensamente ativados. Estas células liberam
proteases e induzem apoptose das células endoteliais, que por sua vez vão
resultar em denudação endotelial(4).

A segunda forma de perda da integridade da placa é a ruptura da capa fibrosa.


Análises histológicas revelaram algumas características das placas que
apresentam maior probabilidade de ruptura. Classicamente, as placas
vulneráveis apresentam um núcleo lipídico grande ocupando, no mínimo, 50%
do volume total da placa. Podem ser identificados, no interior da placa, uma
alta concentração de células inflamatórias (macrófagos e linfócitos) e de fator
tissular, capa fibrosa fina, com pobreza de células musculares lisas e conteúdo
colágeno desorganizado(4).
O principal fator responsável pela integridade da capa fibrosa é o colágeno
intersticial, particularmente o tipo I, que é sintetizado pelas células musculares
lisas(5). Estudos identificaram que as placas vulneráveis apresentam tanto
diminuição na síntese como aumento na degradação do colágeno. Acredita-se
que o mecanismo responsável pela redução das células musculares lisas seja a
liberação de citocinas (interferon, interleucinas e fator de necrose tumoral)
pelas células inflamatórias ativadas. Estas substâncias inibem a migração e
proliferação das células musculares, ao mesmo tempo em que ativam a
apoptose destas células. As citocinas também aumentam a produção das
metaloproteinases, enzimas sintetizadas pelos macrófagos e capazes de
degradar todos os componentes da matriz intersticial, incluindo o colágeno.
Todos estes fatores favorecem a ruptura da placa, com exposição de seu
núcleo altamente trombogênico(5).

Nos últimos anos, demonstrou-se que lesões angiograficamente menos graves


(<60%), em relação ao grau de estenose, são as responsáveis pelo IAM em
até 75% dos casos. Apesar de que as estenoses mais graves tendem a
progredir para a oclusão total mais freqüentemente que as lesões menos
graves, estas lesões só raramente levam ao IAM. Uma das explicações para
este fenômeno está relacionada com a distribuição de forças físicas sobre a
capa fibrosa. A tensão na parede das artérias coronárias é determinada pela
lei de Laplace: quanto menor a estenose, maior será o diâmetro luminal e,
conseqüentemente, a tensão sobre a capa fibrosa. Assim, de acordo com esta
teoria, placas com obstruções menos severas seriam submetidas a maior
estresse e, portanto, apresentariam maior probabilidade de ruptura(5). Desta
forma, a vulnerabilidade de uma placa aterosclerótica não é determinada pelo
seu tamanho, e sim pela sua composição.

No caso da ruptura, fatores outros que a composição da placa aterosclerótica


parecem desempenhar papel importante no desencadeamento das síndromes
coronárias agudas. Estes fatores são chamados de fatores extrínsecos e
incluem as alterações hemodinâmicas a as alterações dos componentes do
sangue. Acredita-se que cerca de 50% dos eventos coronarianos agudos são
precipitados por fatores externos que apresentam ativação do sistema
simpático. Assim, o IAM ocorre predominantemente nas primeiras horas da
manhã, no inverno e após exercício físico(5).

Em relação à prevalência dos diferentes mecanismos fisiopatológicos


relacionados à perda da integridade da capa fibrosa, de um modo geral,
acredita-se que a erosão seja o mecanismo envolvido em aproximadamente
25%-30% dos casos de IAM(4). No entanto, a relativa importância da erosão
e da ruptura como desencadeantes das síndromes coronárias agudas pode
variar entre diferentes grupos de pacientes. A ruptura é o mecanismo
predominante (>85%) em pacientes do sexo masculino e de cor branca,
enquanto a erosão é o mecanismo responsável pela formação de trombos em
até 50% dos casos, em mulheres(4).

As implicações clínicas destes diferentes mecanismos fisiopatológicos das


síndromes coronárias agudas ainda são especulativas. Rupturas, pelas
características de seu conteúdo intraplaca, seriam mais resistentes ao
tratamento fibrinolítico. Em contraposição, as erosões ocorreriam em locais
com estenoses preexistentes mais severas. Desta forma, até o momento, a
diferenciação entre erosão e ruptura carece de importância clínica(4).
Entretanto, ambos os processos associados com a perda da integridade da
capa fibrosa, a ruptura e a erosão, são manifestações de um aumento da
atividade inflamatória da placa aterosclerótica(6).

A grande maioria dos episódios de perda de integridade da capa fibrosa é


silenciosa e não resulta em eventos coronarianos maiores, como por exemplo,
angina instável, IAM e morte súbita. Entretanto, apesar dos episódios de
erosão ou ruptura serem freqüentemente silenciosos, eles contribuem para a
progressão da doença arterial coronariana. Nos casos em que a perda da
integridade da capa fibrosa apresenta manifestação de um evento coronariano
agudo, o grau da trombose é o principal fator que determina o tipo da
repercussão clínica. Outras variáveis também determinam o tipo de síndrome
coronariana aguda que um dado paciente apresenta, e incluem: a velocidade
de oclusão da coronária; o grau de obstrução, determinado pelo trombo e pelo
grau de vasoconstrição; a duração da obstrução e a magnitude da circulação
colateral para o leito distal da artéria ocluída(7). Assim, uma lesão vascular
com intenso estímulo trombogênico, levando a trombo oclusivo e persistente,
associado à ausência de circulação colateral resultará, invariavelmente, em
infarto transmural. Em contraposição, a angina instável se caracteriza por uma
injúria vascular leve, com oclusão limitada e/ou transitória. Em situação
intermediária, o infarto sem onda Q provavelmente é o resultado de lesão
profunda, mas com trombólise espontânea, alívio do vasoespasmo e/ou
presença de rica circulação colateral.

Diagnóstico

Segundo a Organização Mundial de Saúde, o diagnóstico de IAM é feito com


base no encontro de pelo menos dois dos seguintes critérios: presença de dor
precordial, alterações do eletrocardiograma (ECG) e elevação e queda de
marcadores cardíacos séricos de injúria celular(8).

Em relação ao quadro clínico e eletrocardiográfico, entretanto, existem


algumas particularidades que dificultam sua interpretação quando há suspeita
de IAM. Considerando o quadro clínico, a dor precordial é o principal sintoma
de pacientes com IAM. Caracteristicamente, os pacientes com infarto referem
dor retroesternal, em aperto ou constrição, de forte intensidade, com
irradiação para a região lateral do pescoço e para os braços, com predomínio
da face ulnar do braço esquerdo. Esta dor apresenta duração superior a 20-30
minutos e não há alívio após a administração de nitratos. Entretanto, uma
parcela considerável dos pacientes com IAM não apresenta o quadro clínico
típico. Também, dos pacientes que procuram atendimento médico de
emergência com dor precordial, menos de 20% são diagnosticados
posteriormente como IAM(9). Dentre as alterações do ECG, o
supradesnivelamento do segmento ST e o aparecimento de nova onda Q são
altamente sugestivas de IAM. No entanto, estas alterações são identificadas
em cerca de somente 50% dos casos(10). ECG não diagnósticos de infarto são
encontrados em metade dos pacientes com dor precordial típica, em sala de
emergência, que posteriormente tiveram o diagnóstico de IAM confirmado. Em
adição, outras condições cardíacas podem simular um evento isquêmico ao
ECG, como por exemplo: pericardite, miocardiopatia hipertrófica, miocardites,
embolia pulmonar, tumores cardíacos e infiltração miocárdica pela substância
amilóide(3). Portanto, na maioria dos casos em que há suspeita de um evento
coronariano agudo, a dosagem seriada de marcadores de injúria cardíaca se
faz necessária. Desta forma, nos últimos anos, tem havido uma valorização
dos marcadores séricos em detrimento dos outros parâmetros para o
diagnóstico definitivo de IAM(11).

O desenvolvimento de novos marcadores de injúria cardíaca, com maior


sensibilidade e especificidade, e que permanecem elevados no sangue por
tempo suficiente para permitir o diagnóstico e a extensão da injúria celular
também contribuíram para mudanças nos critérios utilizados para o
diagnóstico de IAM.

Apesar da elevação sérica da creatinoquinase (CK) ser uma variável


extremamente sensível de IAM, este marcador apresenta resultados falso
positivos em diversas condições, tais como trauma ou isquemia da
musculatura esquelética, intoxicação alcoólica, doenças musculares, diabetes
mellitus, acidentes vasculares cerebrais, exercício físico vigoroso e embolia
pulmonar(3).

Três isoformas da CK foram identificadas, MM, MB e BB. O cérebro e os rins


contêm predominantemente a forma BB. O músculo esquelético contém
principalmente a forma MM, mas 1%-3% é constituído pela forma MB. Ambas
as formas, MM e MB são encontradas no coração. Em adição, a forma MB pode
ser encontrada em outros tecidos, como útero, língua, próstata, intestino
delgado e diafragma. Desta maneira, apesar da boa sensibilidade, a isoforma
MB também carece de especificidade para a detecção de injúria cardíaca, o
mesmo ocorrendo com a mioglobina(3).

O complexo troponina consiste de três sub-unidades que regulam o processo


contrátil muscular(3). A troponina C é a responsável pela ligação do aparato
contrátil ao cálcio; a troponina I (TnI) liga-se à actina e inibe a interação da
actina com a miosina, enquanto a troponina T (TnT) liga-se à tropomiosina e,
desta forma, promove a ligação do complexo troponina aos filamentos de
actina. Apesar das troponinas I e T estarem presentes tanto no músculo
cardíaco como no esquelético, o código genético e a seqüência de aminoácidos
são diferentes, o que possibilita a identificação isolada das formas cardíacas
das troponinas T e I. As primeiras dosagens de troponina T, com métodos de
primeira geração, eram inespecíficas, pois identificavam, também, troponinas
do músculo esquelético. Recentemente, com os métodos de segunda geração
e pelo fato das troponinas não serem identificadas no sangue em condições
normais, a detecção sérica de TnT e TnI é virtualmente específica para injúria
cardíaca. Em relação à sensibilidade, tanto a TnT como a TnI já foram
identificadas em pacientes com insuficiência cardíaca congestiva terminal(12).
Assim, acredita-se que as troponinas possam detectar pequenas áreas de
necrose miocárdica, independentemente da etiologia.

Outros marcadores, como as proteínas ligadas aos ácidos graxos livres


cardíacos (FABP) e a cadeia pesada da miosina (MHC) estão ainda em fase de
estudos e não são usados de rotina para o diagnóstico(3).

Desta forma, levando em consideração as argumentações acima, atualmente


são propostos novos critérios para o diagnóstico do IAM (Tabela 1).

Tratamento

A mortalidade hospitalar por IAM situava-se ao redor de 30% há algumas


décadas. Com o advento das Unidades Coronárias, na década de 60, esta
mortalidade caiu aproximadamente pela metade. Hoje, como resultado de
mudanças no tratamento, a mortalidade hospitalar por IAM situa-se ao redor
de 7%-8%(2,3).

O interesse no atendimento pré-hospitalar do IAM é resultado do fato de que


aproximadamente 30% dos pacientes morrem antes de chegarem ao hospital.
Outro dado importante é que 50% dos óbitos ocorrem na primeira hora de
evolução e aproximadamente 80% dos pacientes falecem nas primeiras 24
horas(3,13). Atualmente, aceita-se o conceito de que a grande maioria dos
casos fatais é conseqüência de arritmias ventriculares, particularmente a
fibrilação ventricular. Assim, em alguns centros dos Estados Unidos e Europa,
programas de tratamento pré-hospitalar foram criados, mas dificuldades
logísticas dificultaram sua implementação. Recentemente, com o
reconhecimento da importância da revascularização miocárdica precoce, o
interesse pelo atendimento pré-hospitalar foi reativado. Até o momento,
porém, os resultados deste tipo de atendimento não são conclusivos(2,3).

Medidas gerais

Monitoração: todos os doentes devem ter seus batimentos cardíacos


monitorados continuamente, bem como devem ter um acesso venoso para
infusão de drogas(3,14,15).

Analgésicos: dentre as várias opções disponíveis, a preferência é para a


infusão endovenosa de morfina. Além de ser um potente analgésico, a morfina
reduz a atividade do sistema nervoso simpático e causa vasodilatação venosa
e arterial, com conseqüente redução do consumo miocárdico de
oxigênio(3,14,15).

Oxigênio: a hipoxemia pode estar presente em pacientes com IAM, com


efeitos deletérios para o miocárdio isquêmico. A administração de oxigênio
para todos os pacientes na fase aguda do IAM é uma prática comum, porém
não é custo efetivo. Desta forma, oxigênio deve ser administrado apenas em
pacientes com congestão pulmonar ou naqueles que apresentem saturação de
oxigênio (SaO2) menor do que 90%. A oximetria de pulso indicaria os
pacientes que receberiam a conduta, bem como permitiria verificar e
monitorar a eficácia do tratamento. A administração rotineira de oxigênio em
todos os pacientes com infarto, apenas nas primeiras 2-3 horas, é uma
alternativa aceitável(3,14,15).

Aspirina: a aspirina inativa de maneira irreversível a enzima cicloxigenase da


plaqueta, inibindo a agregação causada pelo tromboxano A2. O estudo ISIS-2
mostrou, de forma inquestionável, que a administração de aspirina na fase
aguda do infarto resulta em diminuição da mortalidade e reinfarto(16). Desta
forma, o consenso atual é de que a aspirina deve ser administrada a todos os
pacientes com IAM, precocemente, e continuada indefinidamente(3,14,15).

Medidas específicas

Reperfusão miocárdica: Em 1977, Reimer e cols.(17) demonstraram, em cães,


que a oclusão coronária causava uma "onda de necrose" que progredia do
endocárdio para o epicárdio no período de aproximadamente 6 horas, e que a
restauração do fluxo nas primeiras horas preservava parte do miocárdio em
risco. Em 1980, os estudos angiográficos de DeWood e cols.(18)demonstraram
a presença de trombose coronária oclusiva em cerca de 90% dos casos de
infarto agudo do miocárdio transmural, estudados nas primeiras 6 horas do
evento. A partir destas observações, com a introdução da reperfusão
miocárdica, a mortalidade hospitalar foi reduzida de cerca de 15% para cerca
de 8% em diversos ensaios clínicos(2). Além deste benefício, reperfusão
precoce e mantida resulta em menor morbidade cardíaca, com menor
incidência de fibrilação e taquicardia ventricular, de distúrbios de condução e
menor desenvolvimento de insuficiência cardíaca congestiva(19).
Recentemente, evidenciou-se que a administração tardia de trombolíticos,
além das 6 horas tradicionais, resultou em aumento da sobrevida, quando
administrado até 12 horas do início dos sintomas. Os efeitos da administração
de trombolíticos entre 12-24 horas do início dos sintomas são bem menos
evidentes. Após 24 horas, a reperfusão miocárdica pode resultar em aumento
da mortalidade. Dentre os mecanismos propostos para os efeitos benéficos da
reperfusão tardia, destaca-se a preservação de focos de miócitos viáveis e o
aumento da estabilidade elétrica cardíaca. Em adição, foi levantada a hipótese
de que o restabelecimento de fluxo aumentaria o aporte de sangue para a
região infartada, causando edema celular e aumento do influxo intracelular de
cálcio. O resultado final seria o aumento da rigidez da parede e conseqüente
diminuição do processo de remodelação ventricular pós-IAM(19).

Os critérios para a administração de trombolíticos são: dor precordial típica


sem alívio com o uso de nitratos, e alterações do ECG (supra desnivelamento
do segmento ST maior que 1 mV, em pelo menos duas derivações
correspondentes ou bloqueio de ramo esquerdo). Todos os doentes com até
12 horas do início dos sintomas, sem contra-indicações aos trombolíticos,
devem ser tratados com terapia de reperfusão. Entre 12-24 horas do início dos
sintomas, a terapia de reperfusão é aceitável, mas com resultados menos
consistentes. Após 24 horas do início dos sintomas, não há indicação para a
administração de trombolíticos(3,14,15).
Em centros com um volume de procedimentos maior que 150 ao ano, em que
o hemodinamicista realize mais que 50 procedimentos ao ano e com
disponibilidade de cirurgia de emergência, a angioplastia primária, como
método de escolha para a reperfusão miocárdica, pode ser considerada.

Magnésio: pacientes com IAM podem apresentar déficit funcional de magnésio,


em conseqüência da estimulação adrenérgica e posterior aumento de ácidos
graxos livres. Em teoria, a suplementação de magnésio poderia resultar em
dilatação coronária, antiagregação plaquetária, manutenção da função
mitocondrial e da membrana celular. O resultado final destas ações seria a
preservação estrutural e funcional da célula cardíaca(3). Pequenos estudos
clínicos mostraram que a administração endovenosa de magnésio na fase
aguda do IAM foi acompanhada por diminuição na mortalidade. Entretanto, o
grande ensaio clínico ISIS-4 não mostrou qualquer benefício com a
administração deste agente(20). Uma crítica que foi feita a este estudo,
entretanto, refere-se ao fato de que a administração de magnésio foi feita
relativamente tardia, o que poderia ter atenuado as ações benéficas da droga.
Desta forma, os efeitos da administração de magnésio na fase aguda do IAM
ainda são inconclusivos, e estão sendo investigados no ensaio "Magnesium in
Coronaries"(MAGIC). Até que os resultados deste estudo sejam publicados,
não há indicação para a administração de magnésio em pacientes com IAM.

Beta-bloqueadores: os efeitos da administração de beta-bloqueadores em


pacientes com IAM podem ser divididos em efeitos agudos e crônicos. Na fase
aguda do IAM, a administração endovenosa de beta-bloqueadores reduz o
índice cardíaco, freqüência cardíaca e pressão arterial sistêmica. Em pacientes
submetidos a este tratamento, foi observado melhora do quadro de dor
precordial, o que provavelmente reflete redução no consumo de oxigênio. Por
antagonismo à ativação simpática, esta classe de drogas diminui os níveis de
ácidos graxos livres pelo miocárdio isquêmico, com conseqüente preservação
celular e diminuição do tamanho do infarto. Por diminuir a tensão parietal, a
administração de beta-bloqueadores reduz a incidência de ruptura miocárdica,
uma complicação potencialmente fatal pós-IAM. Um adicional benefício refere-
se à diminuição de arritmias malignas que, conforme discutido anteriormente,
é o principal mecanismo levando ao óbito na fase aguda do IAM. Após a fase
aguda, a administração de beta-bloqueadores por via oral está associada com
redução na incidência de reinfarto e mortalidade cardiovascular(3,21). Desta
forma, os beta-bloqueadores (primeiramente os endovenosos e
posteriormente as preparações orais) devem ser administrados de rotina, para
todos os pacientes com IAM, salvo contra-indicações formais(3,14,15).
Inibidores da enzima conversora da angiotensina (IECA): nos últimos anos,
diversos trabalhos analisaram os efeitos da administração de IECA após o IAM,
tanto em estudos experimentais(22,23,24) como clínicos(25,26).Em pacientes
com disfunção ventricular esquerda após o IAM, a administração desta classe
de drogas resultou em aproximadamente 60 vidas salvas para cada 1.000
pacientes tratados(25). Entre os mecanismos propostos para explicar este
benefício podemos citar: redução na incidência de ruptura miocárdica,
atenuação no processo de remodelação ventricular, diminuição das mortes
súbitas cardíacas e redução na incidência de reinfartos. Por outro lado, no
estudo CONCENSUS II, a administração endovenosa de enalapril resultou em
instabilidade hemodinâmica, com tendência a maior mortalidade(27). Assim, a
administração de IECA, na forma endovenosa, não é recomendada na fase
aguda do IAM. Recentemente, os grandes ensaios clínicos GISSI-3, ISIS-4 e
CCS-1 demonstraram que a administração precoce de IECAs, por via oral, em
pacientes com IAM, independentemente da análise da função ventricular,
resulta em cinco vidas salvas para cada 1000 pacientes tratados(26). Desta
forma, atualmente, recomenda-se a administração oral de IECA de rotina,
para todos os doentes na fase aguda do IAM, tomando-se o cuidado de iniciar
a droga 3-6 horas após a administração dos betabloqueadores evitando-se,
assim, instabilidade hemodinâmica(3,14,15).
Nitratos: os efeitos da administração de nitratos após o IAM vem sendo
analisados há anos. Estudos experimentais demonstraram que a infusão
endovenosa de nitroglicerina causou menor expansão do infarto, menor
formação de aneurismas, menor incidência de rupturas e melhora da função
ventricular(28). Estes achados foram confirmados em pequenos estudos
clínicos, antes do advento da trombólise. Entre os mecanismos aventados para
explicar estes efeitos, destacaram-se: diminuição das condições de carga,
aumento do fluxo sangüíneo e diminuição do espasmo coronariano, ação
antiagregante plaquetária e diminuição do tamanho do infarto(28). Estudos na
era trombolítica, entretanto, não confirmaram estas observações iniciais. Em
adição, nos grandes ensaios clínicos GISSI-3(29) e ISIS-4(20), os nitratos não
causaram diminuição da mortalidade em pacientes submetidos à terapia
trombolítica. Desta forma, a administração de nitratos não deve ser conduta
de rotina, após o IAM. O uso desta medicação, na fase aguda, só tem
indicação em pacientes com angina refratária ou congestão
pulmonar(3,14,15).

Bloqueadores dos canais de cálcio: apesar de alguns estudos experimentais e


clínicos terem demonstrado efeitos antiisquêmicos com esta classe de drogas,
estudos posteriores não confirmaram efeito benéfico com os bloqueadores dos
canais de cálcio. Existem evidências, inclusive de tendência a maior
mortalidade com a administração destes fármacos para pacientes com IAM.
Desta forma, os bloqueadores dos canais de cálcio não devem ser
administrados de rotina após o IAM(3,14,15).

O uso de novas medicações (solução de glicose-insulina-potássio, antagonistas


da endotelina, combinação de IECA com bloqueadodes dos receptores da
angiotensina II, adenosina, inibidores da bomba de sódio/hidrogênio e
inibidores da glicoproteína IIb/IIIa) ainda está em fase de estudos. Assim,
estas drogas não devem ser usadas de rotina até que os resultados de
grandes ensaios clínicos estejam disponíveis.

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