460 Internacional Journal of Cardiovascular Sciences.

2015;28(6):460-463

ARTIGO ORIGINAL

Incidência de Trajeto Intramiocárdico em Grupo Populacional

Incidence of Intramyocardial Bridge in a Population Sample
Fabiana Ceribelli Nechar1, Bianca Valentim Prado1, Maria Eduarda Menezes de Siqueira2,
Milena Cristina Gravinatti2, Laura Benhossi Floriano2, Raquel Franchin Ferraz2, Fernando Augusto Alves da Costa2
Universidade Anhembi Morumbi – Faculdade de Medicina – Curso de Graduação – São Paulo, SP – Brasil
1

Hospital Beneficência Portuguesa – São Paulo, SP – Brasil

2

Resumo

Fundamentos: A anomalia causada pelo trajeto intramiocárdico tem sido apontada como diagnóstico diferencial
da doença arterial coronariana.
Objetivo: Analisar a incidência de trajeto intramiocárdico (TIM) em amostra populacional.
Métodos: Estudo observacional, retrospectivo, que analisou prontuários de 200 pacientes diagnosticados com
trajeto intramiocárdico (TIM) ou ponte miocárdica (PM) pela angiotomografia coronariana (angio-TC), no período
de setembro de 2010 a março de 2015, no Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo e MedImagem – serviço
de Radiologia do Hospital. Foram analisadas as seguintes variáveis: sexo, idade, altura, peso, cor da pele, história
familiar de doença cardiovascular, tabagismo, presença ou não de stent, incidência de dislipidemia, sintomatologia,
presença de hipertensão arterial sistêmica (HAS) e diabetes mellitus (DM), e artérias coronárias mais acometidas.
Resultados: Dos 200 prontuários analisados, observou-se maior incidência de TIM nos pacientes do sexo masculino
(63,7%, n=128); média de idade 57,78±15,0 anos; predomínio da cor branca (85,0%); média de peso 84,5 kg, com
mais da metade (n=125, 62,5%) dos pacientes abaixo do peso médio; 15 (7,5%) pacientes portavam stent; 81 (40,5%)
apresentavam sintomas (dor torácica ou dispneia); 108 (54,0%) tinham história familiar de doença cardiovascular;
73 (36,5%) apresentavam dislipidemia; 83 (41,5%) tinham HAS; 28 (14,0%) tinham DM; 98 (49,0%) pacientes
apresentavam aterosclerose; e 56 (28,0%) pacientes eram tabagistas. A principal artéria acometida foi a descendente
anterior (n=193, 96,0%)
Conclusões: Conclui-se, na população estudada que o TIM é predominante em pacientes masculinos, de cor
branca, não obesos, mais idosos, com história familiar de doença cardiovascular. A principal artéria acometida
foi a descendente anterior.

Palavras-chave: Ponte miocárdica; Incidência; Tomografia; Vasos Coronários

Abstract (Full texts in English - www.onlineijcs.org)

Background: The anomaly caused by intramyocardial bridge has been identified as a differential diagnosis of coronary artery disease.
Objective: To analyze the incidence of intramyocardial bridge (IMB) in a population sample.
Methods: Retrospective observational study that analyzed medical records of 200 patients diagnosed with intramyocardial bridge (IMB)
or myocardial bridge (MB) using coronary computed tomography angiography (CCTA) from September 2010 to March 2015 at Hospital
Beneficência Portuguesa de São Paulo and MedImagem — the Radiology service of the Hospital. The following variables were analyzed:
sex, age, height, weight, skin color, family history of cardiovascular disease, smoking, presence or absence of stent, incidence of dyslipidemia,
symptoms, systemic arterial hypertension (SAH) and diabetes mellitus (DM), and the coronary arteries mostly affected.
Results: Of the 200 patient records reviewed, there was a higher incidence of IMB in male patients (63.7%, n=128); mean age 57.78±15.0
years; predominance of white color (85.0%); average weight 84.5 kg, with more than half (n=125, 62.5%) of patients below average weight;
15 (7.5%) patients were stented; 81 (40.5%) had symptoms (chest pain or dyspnea); 108 (54.0%) had a family history of cardiovascular
disease; 73 (36.5%) presented dyslipidemia; 83 (41.5%) had SAH; 28 (14.0%) had MD; 98 (49.0%) patients had atherosclerosis; and
56 (28.0%) patients were smokers. The main affected artery was the left anterior descending artery (n=193, 96.0%).
Conclusions: The conclusion is that, in the study population, IMB is prevalent in male patients of white color, non-obese, older,
with family history of cardiovascular disease. The main affected artery was the left anterior descending artery.
Keywords: Myocardial bridging; Incidence; Tomography; Coronary vessels

Correspondência: Fabiana Ceribelli Nechar

Rua Cerro Corá, 792 – Vila Romana – 05061-100 – São Paulo, SP – Brasil
E-mail: fabianacn@hotmail.com

DOI: 10.5935/2359-4802.20150075 Artigo recebido em 26/09/2015, aceito em 19/01/2016, revisado em 24/01/2016.

Int J Cardiovasc Sci. 2015;28(6):460-463
Artigo Original
Introdução
O trajeto intramiocárdico (TIM) é uma anomalia congênita
que consiste em mudança estrutural de uma ou mais
artérias coronárias epicárdicas – sendo mais frequente na
distribuição coronariana esquerda – em que ocorre
penetração de um trecho da artéria acometida no feixe
muscular miocárdico, podendo ou não causar sintomas1,2.
O fluxo sanguíneo coronariano está sujeito a variações
durante o ciclo cardíaco, já que durante a sístole –
principalmente do ventrículo esquerdo cuja força de
contração é naturalmente mais intensa – há a obstrução
temporária do fluxo dos capilares nutrientes. Entretanto,
quando existe a chamada “artéria intramural”, que seria
a artéria coronária epicárdica recoberta por feixes de
músculo cardíaco, a relevância dessa estase temporária
de sangue se torna maior, podendo causar sintomas3.
Por ser uma condição relativamente comum e em sua
maioria benigna, é considerada importante diagnóstico
diferencial da doença arterial coronariana (DAC)2,4. A
ocorrência de infarto agudo do miocárdio causado pela
contração sistólica em uma artéria coronária intramural é
rara, porém outras consequências como angina instável
ou estável, arritmias cardíacas (taquicardia ventricular e
taquicardia supraventricular) ou mais raramente morte
súbita devem ser consideradas5.
Sendo o TIM uma condição comum e ainda
subdiagnosticada, fazendo com que seus mecanismos
fisiopatológicos e terapêuticos sejam ainda pouco
esclarecidos 4 , espera-se com esse trabalho uma
contribuição para melhor entendimento dessa anomalia
e da população acometida.
Métodos
Estudo observacional, retrospectivo, que analisou
prontuários de 200 pacientes diagnosticados com TIM
pela angiotomografia coronariana (angio-TC), no período
de setembro de 2010 a março de 2015, no Hospital
Beneficência Portuguesa de São Paulo e MedImagem -
serviço de Radiologia do Hospital.
Este estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de
Ética em Pesquisa da Universidade Anhembi Morumbi
e Hospital Beneficência Portuguesa sob o nº 5 492, sendo
dispensado do Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido por ser do tipo retrospectivo e observacional.
Os pacientes foram selecionados no banco de dados da
MedImagem do Hospital São Joaquim da Beneficência
Nechar et al. 461
Trajeto Intramiocárdico
Portuguesa, no estado de São Paulo. A população do
estudo foi composta pelos pacientes diagnosticados com
TIM pelo exame de angiotomografia coronariana,
durante o período de setembro de 2010 até março de
2015.
Analisadas as seguintes variáveis: idade, altura, peso,
cor da pele e artérias coronárias mais acometidas. Foram
avaliados também: história familiar de doença
cardiovascular, tabagismo, presença ou não de stent,
incidência de dislipidemia, sintomatologia, presença de
hipertensão arterial sistêmica (HAS) e diabetes mellitus
(DM).
Foram incluídos neste estudo os
pacientes que realizaram o exame de ABREVIATURAS E
angio-TC e apresentavam história prévia ACRÔNIMOS
de revascularização miocárdica e stent
• Angio-TC – angiotomografia
coronariano. coronariana
• DA – artéria descendente
Foi considerado diagnóstico de TIM a anterior
presença do trajeto intramural de uma
• DM – diabetes mellitus
artéria coronária em imagens axiais
• HAS – hipertensão arterial
sendo mensuradas a extensão e a
sistêmica
profundidade do segmento após
• HFDC – história familiar de
reconstrução. A presença de placa doença cardiovascular
aterosclerótica foi definida como
• PM – ponte miocárdica
est rut uras ≥1 mm 2 dent ro e/ ou
adjacentes à luz da artéria coronária, • TIM – trajeto intramiocárdico
sendo determinado se a lesão era
obstrutiva ou não, utilizando um limiar
de 50% de estreitamento luminal.
A coleta de dados demográficos baseou-se em informações
colhidas do paciente para a realização do exame de angio-
TC. Não houve neste estudo padronização para a
determinação da cor da pele. Sendo assim, ficou a critério
do primeiro examinador a descrição desse dado na ficha
de admissão.
Resultados
Observou-se predominância do sexo masculino (n=128,
63,7%) em relação ao feminino (n=72, 36,3%, p<0,001). A
média de idade foi 57,78±15,0 anos, sendo que 113 (56,5%)
pacientes tinham idade acima da média observada.
A média do peso encontrada foi 84,5 kg (51 kg – 118 kg),
sendo 27 (13,5%) obesos e 173 (86,5%) não obesos. Mais
da metade (n=125, 62,5%) dos pacientes estava abaixo do
peso médio.
462 Nechar et al. Int J Cardiovasc Sci. 2015;28(6):460-463
Trajeto Intramiocárdico Artigo Original

Quanto à cor da pele, 9 (4,5%) pacientes foram Discussão

classificados como amarela, 14 (7,0%) como negra,
7 (3,5%) como parda e 170 (85,0%) como branca.
A principal artéria acometida foi a descendente anterior
(n=193 casos, 96,0%) ou um de seus ramos, como a
primeira diagonal (n=3, 1,5%) e a segunda diagonal (n=2,
1,0%) e, por último, houve afecção da coronária direita
em 2 (1,0%) pacientes.
Na população estudada, 15 (7,5%) pacientes portavam
stent; 81 (40,5%) apresentavam sintomas (dor torácica ou
dispneia); 108 (54,0%) tinham história familiar de doença
cardiovascular; 73 (36,5%) apresentavam dislipidemia;
83 (41,5%) pacientes tinham hipertensão arterial sistêmica
(HAS); 28 (14,0%) tinham diabetes mellitus (DM);
98 (49,0%) pacientes apresentavam aterosclerose; e
56 (28,0%) pacientes eram tabagistas (Tabela 1).
Tabela 1
Variáveis analisadas na população estudada (n=200)
Variáveis n (%)
Idade média±DP 57,78 ± 15,0
A primeira menção de feixes musculares envolvendo o
segmento intramiocárdico de uma artéria coronária
epicárdica foi de Reyman, em 1737 e a primeira descrição
do TIM foi feita no início de 1920 por Crainicianu, apud
Möhlenkamp et al.1-4
A ponte miocárdica tem esse nome por se tratar de áreas
onde uma espécie de “túnel” é formado do tecido
miocárdico até o tecido epicárdico, no qual uma artéria
coronária sofre compressão desses dois tecidos4. Sendo
assim, a artéria coronária epicárdica – agora envolvida
por fibras musculares – passa a ser denominada artéria
“tunelada” ou “intramural”3.
A prevalência da PM varia muito entre os estudos, sendo
que a taxa de ocorrência descrita em estudos realizados
através de autopsia é significativamente maior do que
aqueles em estudos angiográficos4. Enquanto em estudos
patológicos a prevalência varia de 5,0% a 86,0%, em
estudos angiográficos a prevalência está entre 0,5% a
33,0%5,6. Essa variação em estudos angiográficos pode
estar relacionada a pontes pequenas e finas, causando
mínima compressão.

A angiografia coronariana convencional é considerada

Sexo
padrão-ouro no diagnóstico de PM6,7, entretanto sabe-se
Masculino 128 (63,7) que é um exame invasivo e pouco sensível quando
comparado aos exames de autopsia. Sendo a
Feminino 72 (36,3) angiotomografia das coronárias um exame com alta
resolução temporal e espacial, foi permitida a avaliação
Cor branca 170 (85,0) não invasiva da incidência, localização e morfologia da
PM em indivíduos vivos, além de ser possível analisar a
Stent 9 (4,5)
parede dos vasos, presença de placas e diâmetro das
Dislipidemia 73 (36,5) artérias envolvidas nessa anomalia.

Tabagismo 56 (28,0) A maior incidência do TIM em pacientes do sexo

masculino já foi descrita anteriormente em outros
DM 28 (14,0) estudos1,6, confirmando os achados da população aqui
estudada.
HAS 83 (41,5)

A artéria DA (descendente anterior) foi a mais acometida

Aterosclerose 98 (49,0)
dentro da população estudada, coincidindo com a
HFDC 108 (54,0) prevalência descrita na literatura. Constatou-se ainda
maior incidência de indivíduos de cor branca neste
Sintomáticos 81 (40,5) estudo, sugerindo nesse fenótipo maior predisposição
para essa anomalia – sendo necessário um estudo
Ponte em DA 193 (96,0) multicêntrico para comprovação dessa hipótese.

HAS – hipertensão arterial sistêmica; DM – diabetes mellitus;

Ressalta-se que o número de pacientes estudados foi
DA – artéria descendente anterior; HFDC – história familiar de
doença cardiovascular; DP – desvio-padrão limitado e que trabalhos posteriores poderão mostrar
novos dados.
Int J Cardiovasc Sci. 2015;28(6):460-463
Artigo Original
Conclusões
Conclui-se, na população estudada, que o TIM é
predominante em pacientes masculinos, de cor branca,
não obesos, mais idosos, com história familiar de doença
cardiovascular. A principal artéria acometida foi a
descendente anterior.
Referências
1. Möhlenkamp S, Hort W, Ge J, Erbel R. Update on myocardial
bridging. Circulation. 2002;106(20):2616-22.
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bridge and mural coronary artery using ECG-gated 256-slice
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2013;2013:947876.
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Sci Monit. 2012;18(5):HY9-12.
4. Poláček P, Zechmeister A. The occurrence and significance of
myocardial bridges and loops on coronary arteries. In: V.
Krutna, ed. Monograph 36, Opuscola Cardiologica. Acta
Nechar et al. 463
Trajeto Intramiocárdico
Potencial Conflito de Interesses
Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.
Fontes de Financiamento
O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.
Vinculação Acadêmica
Este artigo é parte do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC)
de Medicina de Fabiana Ceribelli Nechar pela Faculdade de
Medicina da Universidade Anhembi Morumbi.
Facultatis Medicae Universitatis Brunenses. University J.E.
Purkinje, Brno; 1968. p.1-99.
5. Pereira AB, Castro DSP, Menegotto ET, Amaral WM,
Castro GSP. Ponte miocárdica: evolução clínica e terapêutica.
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6. Çay S, Oztürk S, Cihan G, Kisacik HL, Korkmaz S. Angiographic
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7. B arros MVL, Rabelo DR, Garretto LS, De Paula MM,
Carvalho MO, Alves MRMB, et al. Avaliação da ponte
miocárdica pela angiotomografia das coronárias. Rev Bras
Ecocardiogr Imagem Cardiovasc. 2013;26(1):8-15.