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#HELP!!!

CINCO DICAS PARA


O CLÍNICO GERAL:
ATENDENDO UM
PACIENTE CARDIOPATA
Prof. Dr. Fábio Nelson Gava

S
L:
#HELP!!! CINCO DICAS PARA O CLÍNICO GERAL:
ATENDENDO UM PACIENTE CARDIOPATA
O atendimento de um paciente cardiopata pode ser
desafiador para muitos médicos veterinários. Diver-
sas dúvidas podem surgir e o objetivo deste texto é
auxiliar o clínico por meio de um roteiro escrito pelo
Professor Dr. Fábio Nelson Gava com cinco dicas,
exemplificado com casos clínicos de rotina. Reunimos
as dificuldades mais observadas e as principais dúvi-
Acesse aqui o vídeo
das serão esclarecidas neste guia. do Prof. Dr. Fábio Gava.

Prof. Dr. Fábio Nelson Gava

• Graduação, Residência, Mestrado e Doutorado


na Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias,
UNESP, Jaboticabal, SP.

• Pós-doutorado em Fisiologia (área: cardiologia)


na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, USP,
Ribeirão Preto, SP.

• Pós-doutorado em Fisiologia (área: cardiologia) na


University of Mississippi Medical Center, Jackson,
MS, USA.

• Membro da Sociedade Brasileira de Cardiologia


Veterinária.

• Atualmente é Professor de Clínica Médica de


Animais de Companhia na Universidade Estadual
de Londrina, UEL, Londrina, PR.

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DICA #1
DOENÇA CARDÍACA OU INSUFICIÊNCIA
CARDÍACA?

ENTENDENDO OS TERMOS

Um bom início é saber diferenciar os termos: doença vs. insuficiência.


O termo “doença” refere-se à presença de uma anormalidade na estrutura ou no
ritmo do coração, que pode ser congênita (presente ao nascimento) ou adquiri-
da ao longo da vida. Com o passar do tempo, essa doença pode ou não levar
a diminuição da função do coração (diminuição do débito cardíaco). Quando a
função do órgão está prejudicada, chama-se “insuficiência cardíaca”.
Sabendo-se que o coração é responsável pela perfusão do organismo,
uma vez que o débito cardíaco está diminuído, vários mecanismos compensa-
tórios serão ativados para tentar aumentá-lo. Mecanismos foram descobertos
há vários anos e outros ainda são alvos de investigações científicas até hoje.
Podemos citar: ativação do sistema nervoso autônomo simpático, liberação de
hormônio antidiurético, ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona,
Frank-Starling, hipertrofia cardíaca, peptídeos natriuréticos atriais, liberação de
citocinas, endotelinas e outros fatores.
A ativação exacerbada desses mecanismos pode levar à sobrecarga de
volume. Lembre-se que as principais doenças cardíacas em cães e gatos são
crônicas e progressivas e a sobrecarga de volume gerada pelos mecanismos
compensatórios, associada ao baixo desempenho sistólico, gera congestão.
Neste ponto, inicia-se o quadro de “insuficiência cardíaca congestiva” (ICC) e as
manifestações clínicas (tosse, dispneia, intolerância a exercícios, ascite, efusões
torácicas, edema de membros) podem ocorrer (Figura 1).

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Insuficiência Cardíaca
Doença Cardíaca
Congestiva (ICC)

Exemplos: Presença de sinais clínicos


Doença valvar crônica mitral Tosse
Cardiomiopatias Cansaço
Doenças cardíacas congênitas Dispneia

Figura 1. As doenças cardíacas podem ou não levar a diminuição do débito cardíaco (insuficiência cardíaca);
caso isso ocorra, mecanismos compensatórios são ativados e podem gerar sobrecarga de volume, levando a
congestão (insuficiência cardíaca congestiva).
Fonte: O autor.

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ALERTA: NÃO COMETA ESSE ERRO!

Note que os pacientes cardiopatas podem ser assintomáticos,


principalmente nos estágios iniciais das enfermidades. Se você acha que
somente os pacientes sintomáticos estão entrando em seu ambulatório
de atendimento, você está enganado!

É nesse ponto que o clínico geral


tem um papel importantíssimo na vida des-
ses pacientes. Descobrir um cão cardiopata
assintomático e encaminhá-lo para um car-
diologista veterinário pode aumentar a qua-
lidade e o tempo de vida desse paciente.
Os pacientes cardiopatas assinto-
máticos podem ser levados ao veterinário
por outros motivos, por exemplo: consultas
de rotina, reforços vacinais, dermatopatias,
oftalmopatias, neoplasias, doenças infec-
ciosas etc. O bom clínico realiza um bom
exame físico, independente da causa da
consulta. Nesse momento você pode des-
cobrir um paciente cardiopata, ainda assin-
tomático! Siga para a dica número 2 para
saber mais sobre isso.

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DICA #2
NUNCA SE ESQUEÇA DAS ETAPAS DO
PLANO GERAL DE EXAME CLÍNICO!
Por mais que os exames complementares estejam disponíveis, não pule nenhuma
etapa! Lembre-se de avaliar a resenha do animal a ser atendido, fazer uma boa anamnese
e claro, realizar um exame físico completo, independente da causa da consulta!

Observação: na presença de uma emergência, estabilize o


paciente primeiro!

RESENHA: com relação as doenças cardíacas:

Os filhotes (geralmente de raças puras) podem nascer com defeitos


cardíacos (persistência do ducto arterioso, estenoses, comunicações
interatriais ou interventriculares etc.).

Cães adultos e de porte grande (Doberman, Fila Brasileiro, Boxer, SRD por-
te grande) podem desenvolver cardiomiopatias (doenças na musculatura
cardíaca).

Os cães idosos e de porte pequeno (Poodle, Shih-tzu, Cavalier King Char-


les, Pinscher, Dachshund, SRD porte pequeno etc) podem desenvolver a
doença valvar crônica mitral (endocardiose): esta é a enfermidade mais
comum!

Em regiões litorâneas, a dirofilariose pode estar presente.

Já os felinos são mais predispostos as cardiomiopatias, sendo o fenótipo


hipertrófica mais comum.

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ANAMNESE: se os pacientes forem assintomáticos (sem sinais de ICC), no mo-
mento da anamnese nada será relatado sobre o sistema cardiovascular. Será no exame
físico que o clínico geral irá suspeitar de uma cardiopatia. Os pacientes que são
sintomáticos serão levados até o clínico geral devido às manifestações clínicas como:
tosse, dispneia e cansaço (mais comuns) mas também podem apresentar síncopes,
ascite e edema de membros.

EXAME FÍSICO GERAL: examine sempre o seu paciente “da cabeça à cauda”,
sem pular nenhuma etapa, independente da causa da consulta. Durante a ausculta car-
díaca:

• Note a intensidade das bulhas cardíacas.

• Conte a frequência cardíaca.

• Atente-se ao ritmo cardíaco e a presença ou não de sopro.

• Auscultar o coração do paciente e ao mesmo tempo palpar o pulso femoral é


uma excelente manobra. Batimentos cardíacos com ausência de pulso femoral
podem sugerir a presença de arritmias.

Preste atenção na frequência cardíaca do seu paciente. Quando descompensados


por uma cardiopatia, o sistema nervoso autônomo simpático está ativado, geran-
do taquicardia.

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OS SOPROS PODEM SER GRADUADOS EM UMA
ESCALA DE I A VI (FIGURA 2).

Grau I/VI
• Sopro de intensidade muito baixa, audível em ambiente tranquilo após muito tempo
de ausculta.
Grau II/VI
• Sopro leve, mas facilmente audível.
Grau III/VI
• Sopro de intensidade moderada.
Grau IV/VI
• Sopro de intensidade alta, sem frêmito.
Grau V/VI
• Sopro de intensidade alta, com frêmito.
Grau VI/VI
• Sopro de intensidade muito alta, com frêmito, pode ser ouvido com estetoscópio
afastado da parede do tórax.

Figura 2. Classificação do sopro, de acordo com a intensidade. Fonte: Adaptado de Ware, 2005.

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ALERTA: NÃO COMETA ESSE ERRO!

Lembre-se: o SOPRO não é doença! É um achado do exame físico


que pode ser indicativo de uma doença cardíaca.

Não é recomendado que o clínico prescreva medicamentos para ICC a


um paciente assintomático, com sopro, sem realizar exames complementares
antes. O cardiologista poderá te ajudar nesse momento. A realização ou não de
tratamento nesses pacientes dependerá dessa avaliação. Veja o caso clínico a
seguir e entenda a importância do exame físico bem realizado pelo clínico geral,
o qual mudou a vida do paciente:

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CASO CLÍNICO 1

Cão, Spitz Alemão, filhote (45 dias) foi levado ao clínico geral para consulta de
orientação e início do protocolo de vacinação. O clínico geral realizou anamnese comple-
ta e nela o tutor não relatou nenhuma queixa para o sistema cardiovascular, disse ape-
nas que achava o filhote “menor” do que os outros da ninhada, mas que para ele, estava
tudo bem.
Mesmo sendo assintomático, antes de vacinar, o clínico realizou o exame físico geral
e na ausculta torácica detectou um sopro em hemitórax esquerdo, grau V/VI. Todos os outros
parâmetros do exame físico estavam normais.
O protocolo de vacinação foi iniciado, mas o paciente foi encaminhado para uma ava-
liação com colega cardiologista que, após exame ecocardiográfico, diagnosticou persistência
do ducto arterioso (PDA), uma enfermidade cardíaca congênita que pode gerar ICC esquerda
(edema pulmonar) entre outras complicações. Essa enfermidade possui tratamento cirúrgico,
quando indicado pelo cardiologista, o que pode fazer com que o paciente tenha uma vida
normal. Foi o que aconteceu com o filhote do caso clínico relatado! Porém, quando o PDA é
descoberto demasiadamente tarde, a cirurgia pode não ser indicada, diminuindo o tempo e a
qualidade de vida do paciente.
Exatamente como no caso relatado, esses filhotes são levados primeiro ao veterinário
clínico geral, o qual deve realizar o exame físico com muita atenção! Todo filhote com
sopro deverá ser encaminhado a um cardiologista, uma vez que o ecocardiograma é o exame
de escolha para diagnóstico das cardiopatias congênitas.

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DICA #3
ELETROCARDIOGRAMA, ECOCARDIOGRAMA
OU RADIOGRAFIA DE TÓRAX?
QUAIS EXAMES DEVO SOLICITAR?

Uma vez que o clínico suspeita que seu


paciente é um cardiopata, a escolha dos exames
complementares corretos é um passo fundamen-
tal. Esses três exames complementam-se e cada um tem
sua indicação específica. Podemos estar diante de tutores
com condições financeiras para realizar todos os exames e
em cidades onde os três exames estão disponíveis, porém,
nem sempre isso é possível. Proprietários com restrições fi-
nanceiras não são raros em nossa rotina e em alguns locais
o ecocardiograma pode não estar acessível ainda. Por isso,
seu exame físico irá te ajudar muito nesse momento!

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Entenda as principais indicações desses exames:
Eletrocardiograma (ECG): é o melhor exame complementar para avaliação do
ritmo cardíaco e diagnóstico das arritmias. Se em seu exame físico você detectou arrit-
mia, o ECG deverá ser realizado!
Se foi auscultado sopro, os exames de imagem são recomendados:
Ecocardiograma (ECO): é fundamental para o diagnóstico definitivo das car-
diopatias, além de fornecer informações sobre repercussão hemodinâmica (dilatação ou
hipertrofia), função sistólica e diastólica.
Radiografia de tórax: extremamente importante para avaliação da silhueta car-
díaca, relação do coração com estruturas adjacentes e avaliação de congestão. Na au-
sência do ecocarcardiograma, a radiografia de tórax poderá auxiliar o clínico na procura
por repercussão hemodinâmica (dilatação de átrio e ventrículo esquerdo em um cão com
doença valvar crônica mitral, por exemplo) (Figura 3).

Figura 3. Imagem radiográfica de cão, portador de doença valvar crônica mitral, evidenciando dilatação de átrio
esquerdo (setas vermelhas). AE: átrio esquerdo. Fonte: Serviço de Cardiologia FCAV, Unesp Jaboticabal.

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ALERTA: NÃO COMETA ESSE ERRO!

Pacientes que estão descompensados (dispneicos) não devem ser encaminha-


dos para realização de exames complementares.
O seu exame físico é capaz de identificar um quadro de edema pulmonar cardio-
gênico (sopro em hemitórax esquerdo + taquicardia + crepitação pulmonar) e o paciente
deverá receber tratamento emergencial principalmente com oxigenioterapia + furosemi-
da injetável e outros fármacos podem ser necessários, como vasodilatadores e inotró-
picos positivos. Na presença de efusões torácicas, as mesmas deverão ser drenadas.

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DICA #4
ENTENDENDO A CLASSIFICAÇÃO E A CONDUTA
NA ENFERMIDADE MAIS COMUM: DOENÇA VALVAR
CRÔNICA MITRAL

A doença valvar crônica mitral, também conhecida como degeneração mixo-


matosa da valva mitral ou endocardiose é, sem dúvida, a enfermidade cardíaca mais
atendida. Isso ocorre devido ao grande número de cães de pequeno porte que estão
vivendo mais, graças aos avanços da medicina veterinária e também aos cuidados cada
vez mais próximos dos tutores.
Ocorre preferencialmente em cães de pequeno porte, adultos a idosos. Dentre as
raças mais acometidas podemos citar: Poodle, Dachshund, Shih-Tzu, Pinscher, Cavalier
King Charles etc.

Não podemos deixar de salientar que em nosso país atendemos muitos


cães sem raça definida de pequeno porte e eles também podem desenvolver a
doença valvar crônica mitral.

Como o nome diz, ocorre uma degeneração crônica nos folhetos valvares, os
quais podem desenvolver insuficiência, gerando um refluxo de sangue do ventrículo es-
querdo para o átrio esquerdo durante a sístole. É por esse motivo que o clínico pode
auscultar um sopro no foco mitral (4º e 5º espaços intercostais no hemitórax esquerdo).
A endocardiose também pode ocorrer em outras valvas, como a tricúspide, porém, em
menores proporções.

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Caso o paciente pertença a alguma das ra-
ças predispostas (supracitadas), mesmo que ainda
sem sopro e sem alterações detectáveis, ele já per-
tence ao primeiro estágio de classificação da doen-
ça, segundo o ACVIM (American College of Veteri-
nary Internal Medicine): Estágio A.
Ao auscultar sopro no foco mitral em um cão
predisposto, o clínico deverá confirmar se ele é as-
sintomático ou sintomático para os sinais de ICC.
Os pacientes assintomáticos, com sopro
audível, deverão ser encaminhados para realiza-
ção de exames de imagem (preferencialmente
ecocardiograma, mas o clínico pode trabalhar com
Raio-X de tórax caso o ECO não esteja disponível).
Esses pacientes podem ou não ter repercussão
hemodinâmica (dilatação de átrio e/ou ventrículo
esquerdo). Pacientes com degeneração valvar, mas
sem repercussão hemodinâmica são classificados
como B1, e os que já apresentam repercussão são
classificados como B2. (Figura 4).

O tratamento clínico pode ser inicia-


do já no paciente B2 (assintomático, mas
com repercussão hemodinâmica). Por
isso que o clínico geral tem um papel im-
portantíssimo na descoberta desses pa-
cientes assintomáticos.

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Caso o paciente seja sintomático
(tosse, cansaço, dispneia) ele é classifica- ATENÇÃO: pacientes em es-
do como estágio C e o tratamento deve- tágio C ou D podem estar em emer-
rá ser mais amplo (Figura 4). Um pacien- gência (dispneia gerada por edema
te que já está em tratamento, mas ainda pulmonar cardiogênico, por exem-
apresenta sinais clínicos (considerado plo). Esses deverão receber trata-
refratário ao tratamento realizado), ele é mento ambulatorial e somente li-
classificado como estágio D. berados para tratamento domiciliar
quando compensados.

A B1 B2 C D
CARACTERÍSTICAS

SOPRO SOPRO
ASSINTOMÁTICOS SOPRO SOPRO
ASSINTOMÁTICOS ASSINTOMÁTICOS
Raças predispostas, SINTOMÁTICOS SINTOMÁTICOS
sem alterações SEM repercussão COM repercussão REFRATÁRIOS
Tosse, cansaço,
ecocardiográficas hemodinãmica hemodinãmica
dispneia À TERAPIA
(dlatação de AE (dlatação de AE
e ou VE) e/ou VE)

Pimobendan
CONDUTA

Acompanhamento (a critério IDEM ESTÁGIO C


Acompanhamento Diuréticos
(exame de imagem* do clínico) Reajustar doses,
(exame de imagem a (1a escolha:
caso apresente Pimobendan acrescentar
cada 6 a 12 meses) furosemida)
sopro) Dieta específica outros fármacos
Dieta específica

Figura 4. Classificação, características e conduta na doença valvar crônica mitral segundo o ACVIM.
*Exame de imagem: ecocardiograma (preferencial) e/ou radiografia de tórax; AE= átrio esquerdo; VE= ventrículo esquerdo.
Fonte: Adaptado de KEENE et al., 2019.

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É extremamente importante explicar para os tutores que não há trata-
mento definitivo para a doença. Enquanto o transplante ou próteses valvares
ainda não estão disponíveis, esse tratamento é direcionado para a insuficiência
cardíaca congestiva, objetivando combater a congestão, aumentar qualidade e
tempo de vida. Desta maneira, os tutores entendem que os pacientes precisam
dessa terapia para o resto da vida, claro que sempre acompanhados e com
eventuais ajustes de doses e fármacos.

Recomenda-se visitas periódicas e exames ecocardiográficos e/ou radiográficos,


a cada 6 a 12 meses. Os retornos podem ser antecipados caso os pacientes apresen-
tem sinais de ICC. A realização de hemograma e bioquímica sérica para acompanha-
mento do paciente também é indicada.

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CASO CLÍNICO 2

Uma fêmea, Poodle, de 10 anos, peso = 7 kg, foi levada para atendimento devido
a um quadro de prurido otológico. Durante a anamnese, não foi relatado nenhum sinal
clínico compatível com ICC (tosse, cansaço, dispneia). No exame físico geral, foi detec-
tado sopro, foco mitral, sistólico, grau II/VI, FC= 84 bpm e campos
pulmonares limpos.
Além da conduta para investigação do quadro
de prurido otológico, a paciente foi encaminhada para
realização de ecocardiograma devido à presença do
sopro. O laudo foi compatível com doença valvar
crônica mitral, com relação átrio esquerdo/aorta
(AE/Ao) = 1,4 e ventrículo esquerdo em diástole
(VEd) normalizado = 1,5.
Observação: considera-se presença de
repercussão hemodinâmica na presença de AE/
Ao > 1,6 e/ou VEd normalizado >1,7.
Portanto, trata-se de uma paciente as-
sintomática, sem repercussão hemodinâmica =
Estágio B1. Sabendo-se disso, ela não recebeu medica-
ções para a cardiopatia, mas o tutor recebeu orientação
para realizar novo ecocardiograma em seis meses.

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CASO CLÍNICO 3

Um cão, macho, 11 anos de idade, SRD, peso = 9 kg, foi levado ao atendimento
devido a um quadro de tosse seca (crônica e progressiva) e cansaço fácil. No exame físi-
co, foi detectado um sopro, foco mitral, sistólico, grau IV/VI, FC= 152 bpm.
Como não estava em emergência, o paciente foi encaminhado para realização
de radiografia de tórax e ecocardiograma. O exame radiográfico revelou aumento de
câmaras cardíacas esquerdas, principalmente
de átrio esquerdo, gerando compressão de
brônquio principal esquerdo. O laudo ecocar-
diográfico foi compatível com doença valvar
crônica mitral, com relação átrio esquerdo/aor-
ta (AE/Ao) = 1,9 e ventrículo esquerdo em diástole
(VEd) normalizado = 1,8.
Como o paciente é sintomático, foi classifi-
cado no estágio C. Foi prescrito tratamento com
Petpril, pimobendan, furosemida e dieta especí-
fica para cães cardiopatas. Em retorno apenas
para reavaliação clínica, 10 dias após o início do
tratamento, o paciente apresentou melhora clínica
evidente do quadro de tosse e cansaço. Seguiu
com o tratamento prescrito e está sendo acompa-
nhado a cada seis meses.

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DICA #5
PARECE CARDIOPATA, MAS NÃO É!

O objetivo desta dica é alertar o clínico geral sobre: nem todo paciente que apresen-
ta tosse, dispneia e cardiomegalia na radiografia de tórax é, obrigatoriamente, um cardiopa-
ta! Principalmente se a área que está aumentada na radiografia é o lado direito do coração!
Várias enfermidades respiratórias podem gerar tosse crônica e progressiva (facilmente
confundida com a tosse do cão cardiopata) e também dispneia, como por exemplo: co-
lapso de traqueia e bronquite crônica (causando tosse e dispneia) e a síndrome do cão
braquicefálico (causando principalmente dispneia).
Essas doenças respiratórias crônicas levam à hipóxia alveolar crônica, com con-
sequente vasoconstricção das arteríolas pulmonares, gerando um quadro de hiperten-
são pulmonar. Com isso, fica “mais difícil” para o ventrículo direito (VD) ejetar sangue
para a artéria pulmonar, gerando dilatação e hipertrofia do VD (alterações denominadas
de cor pulmonale). Mas note, essa dilatação (facilmente observada em uma radiografia
de tórax) é apenas no lado direito do coração e é gerada em consequência de doenças
respiratórias crônicas e não de doença valvar crônica mitral (a qual leva a dilatação de
câmaras cardíacas esquerdas).

Como esses pacientes geralmente são adultos/idosos, de porte peque-


no e apresentam tosse e dispneia, o clínico facilmente pode pensar que se tra-
ta de um caso de ICC gerada por uma cardiopatia. O “grande divisor de águas”
aqui é a ausência de sopro em foco mitral nesses casos, e claro, não devem
ser medicados com o tratamento convencional da ICC.

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Somente o ecocardiograma poderá estudar melhor esse ventrículo direito e até
estimar o gradiente de pressão na artéria pulmonar, inferindo sobre um quadro de hiper-
tensão pulmonar. O cardiologista veterinário poderá te ajudar na condução desse caso,
mas esse paciente deverá receber tratamento para a enfermidade respiratória que ele
apresenta.

CASO CLÍNICO 4

Um cão, macho, SRD, 13 anos de idade, peso = 9,5 kg, foi levado ao atendimen-
to devido a um quadro de tosse seca (crônica e progressiva) e cansaço fácil. No exame
físico, presença de sibilos na ausculta dos campos pulmonares, ausência de sopro e
FC= 80 bpm.
O paciente foi encaminhado para radiografia de tórax, a qual evidenciou padrão
bronquial e dilatação de câmaras cardíacas direitas (Figura 5).

Figura 5. Cão portador de


bronquite crônica e cor
pulmonale. A) Dilatação
de ventrículo direito (seta
e pontilhado vermelho); B)
Presença da letra “D invertida”
em radiografia ventrodorsal,
sugestivo de aumento de
câmaras cardíacas direitas.
Fonte: Serviço de Cardiologia
FCAV, Unesp Jaboticabal.

O clínico também encaminhou o paciente para realização de ecocardiograma,


devido a cardiomegalia. O laudo foi compatível com dilatação de câmaras cardíacas
direitas, hipertensão pulmonar e ausência de achados compatíveis com degeneração
mixomatosa mitral.

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Recebeu o diagnóstico de bronquite crônica e foi tratado com prednisona (dose
anti-inflamatória por cinco dias), suspensão aerossol broncodilatador (Fluticasona +
Salmeterol) e manejo para bronquite crônica (hidratação das vias aéreas, evitar uso
de produtos com cheiros fortes no cão e no ambiente). O tutor também foi orientado
a evitar hábito tabagista nos locais onde o animal permanecia. Optou-se por acom-
panhar o quadro de hipertensão pulmonar, uma vez que a enfermidade respiratória
estava sendo tratada e o cão não apresentava síncope ou ascite.
O paciente apresentou melhora clínica significativa, seguindo com o tratamento
de manutenção: manejo ambiental e o suspensão aerossol broncodilatador nas crises.

CONCLUSÕES

O veterinário clínico geral tem um papel muito importante no reconhecimento de


pacientes cardiopatas, o que pode ser decisivo para o aumento da qualidade e do tem-
po de vida desses animais.
Preze por um bom exame físico em seus pacientes, independente da causa da
consulta. Seguindo essas cinco dicas aqui apresentadas, você saberá encaminhá-los
corretamente para a realização dos exames complementares necessários.
Em regiões onde existem profissionais especializados em cardiologia veterinária,
encaminhar o paciente cardiopata para esses colegas pode ser uma boa possibilidade
e demonstra sensatez.

Conte com a gente,


boa sorte!

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REFERÊNCIAS

BOSWOOD, A.; HÄGSTRŐM, J.; GORDON, S.G. et al. Effect of pimobendan in dogs with preclinical myxomatous
mitral valve disease and cardiomegaly: the EPIC study – a randomized clinical trial. Journal of Veterinary Internal
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dogs with degenerative myxomatous mitral valve, CHF functional class 1B. Pesquisa Veterinária Brasileira, p. 791-
797, 2011.

HÄGSTRŐM, J.; BOSWOOD A.; O´GRADY M., et al. Effect of pimobendan or benazepril hydrochloride on survival
times in dogs with congestive heart failure caused by naturally occurring myxomatous mitral valve disease: the
QUEST study. Journal of Veterinary Internal Medicine, p. 1124-1235, 2008.

KEENE, B.W.; ATKINS, C.E.; BOBAGURA, J.D. et al., ACVIM consensus guidelines for the diagnosis and treatment
of myxomatous mitral valve disease in dogs. Journal of Veterinary Internal Medicine, p. 1-14, 2019.

KITTLESON, M.D. Management of heart failure. In: KITTLESON, M.D.; KIENLE, R.D. Small animal cardiovascular
medicine, 1 ed. St. Louis: Mosb, 1998, p.149-194.

PEREIRA, G.C.; YAMATO, R.J.; LARSSON, M.H.M.A. Insuficiência cardíaca congestiva. In: JERICÓ, M.M.; AN-
DRADE NETO, J.P.; KOGIKA, M.M. Tratado de Medicina Interna de Cães e Gatos, 1.ed. Rio de Janeiro: Roca,
2017, p. 1099-1118.

WARE, W.A. Manifestações clínicas da doença cardíaca. In: NELSON, R.W.; COUTO, C.G. Medicina Interna de
Pequenos Animais, 5.ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2015, p. 1-12.

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OUTRAS
DICAS
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