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INSUFICIÊNCIA CARDÍACA

Identificação: Masculino, 68 anos, branco, aposentado, procedente de Formigueiro-RS.

QP: Edema de membros inferiores e escroto há 1 mês.

HMP: Há 1 mês iniciou com edema de membros inferiores e escroto, com piora progressiva. Há 2 semanas
apresentando ortopneia e dispneia paroxística noturna.

Antecedentes:
 Infarto agudo do miocárdio em 2012, com ACTP (angioplastia) + implante de stent na ACX (artéria coronária
circunflexa).
 HAS de longa data.
 Diabetes mellitus há 20 anos.
 Ex-tabagista, cessou há 8 anos.
 Hfam + para DAC – pai com CRM aos 75 anos.
 Obesidade.
 Etilismo social.

Medicações em uso:
 Losartana 50mg 12/12 horas.
 Carvedilol 12,5mg 12/12 horas.
 Metformina 850mg 12/12 horas.
 Glibenclamida 5mg 2x/dia.
 AAS 100mg 1x/dia.
 Digoxina 0,25 ½ comprimido 1x/dia.
 Anlodipino 5mg 1x/dia.

Exame físico:
 REG, corado, taquipneico.
 Peso: 92kg | Altura: 168cm | IMC: 32,6
 PA: 126/82 mmHg | FC: 116 bpm | SatO2 em ar ambiente e sentado: 95%.
 Turgência venosa jugular a 45°.
 AR: pulmões com murmúrio vesicular reduzido na base direita com discretos estertores creptantes bibasais.
 ACV: ictus não visível/palpável, RCI (irregular), taquicárdico, bulhas hipofonéticas.
 Abdômen globoso, indolor, sem sinais de ascite.
 Extremidades: MMII com edema 3+/4+ simétrico, boa perfusão periférica, pulsos amplos.

 Área cardíaca aumentada / cardiomegalia (diâmetro do coração maior que a metade do diâmetro do tórax).
 Aumento do AE e VD
 Derrame pleural direito pequena a moderado (seio costofrênico parece estar livre, mas o direito não é
possível enxergar).
 Aumento da trama vascular – (diversão cranial do fluxo?) sinais de congestão pulmonar.
 QRS alargado (122ms) com bloqueio de ramo atípico.
 Fluter atrial.
 Condução AV tende a ser regular.
 Onda F no QRS – não é ritmo sinusal.

Bioquímica do sangue:
 Creatinina: 0,8 mg/dL.
 Cl. Est. Creat.: > 90 ml/min/1,73m².
 Ureia: 53 mg/dL.
 Potássio: 4,6 mmol/L.
 Sódio: 139 mmol/L.
 PCR: 0,7 mg/dL (baixa).
 Troponina I: 0,02 mg/dL (baixa).
 BNP: 636 pq/mL (acima de 100 é anormal).

Hematológico:
 Hb: 15,4 g/dL.
 Leucócitos: 9200/mm³.
 Plaquetas: 163000/mm³.

Ecocardiograma:
 VE: 64/55 mm (diastólico/sistólico) – aumentado.
 AE: 50 mm (índice 45 ml/m²) – moderado a grande aumento.
 FEVE-Simpson (fração de ejeção): 26% + disfunção diastólica grau III (pior tipo de relaxamento, coração
bastante restritivo).
Fração de ejeção menor de 40% é reduzida.
 Insuficiência mitral leve.
 Acinesia septal, póstero-inferior e lateral médio basal, demais com hipocinesia difusa (parte do ventrículo
que não bate, e o restante que bate de maneira mais fraca).
 Aumento do VD com sinais de disfunção sistólica (disfunção ventricular direita).
 PSAP (pressão sistólica na a. pulmonar) estimada de 58 mmHg – hipertensão pulmonar.

Diagnósticos:
 ICFER (com fração de ejeção reduzida), etiologia multifatorial (isquêmica + hipertensiva +
taquicardiomiopatia), FEVE de 26%.
 CF IV da NYHA.
 Flutter atrial atípico com alta resposta ventricular.
 Em uso de duplo bloqueio neuro-hormonal: Carvedilol + Losartana.

INSUFICIÊNCIA CARDÍACA CRÔNICA


Aula baseada na diretriz europeia de IC de 2016.

DEFINIÇÃO:
Incapacidade do coração de suprir as necessidades dos tecidos ou fazê-lo à custa de altas pressões de enchimento.

 Não consegue ficar deitado pois isso causa


dispneia – ortopneia.
 Cianose de lábios, de dedos das mãos, se
estiver hipoxêmico.
 Crepitantes bibasais.
 Sopro sistólico, holosistólico, em foco mitral,
compatível com insuficiência mitral.
 B3, ventrículo direito dilatado, disfunção
sistólica (por isso B3), insuficiência mitral
causada pela dilatação do anel mitral por
causa da dilatação do ventrículo esquerdo e,
portanto, sopro de insuficiência mitral que é
um sopro holosistólico (ao contrário do sopro
de estenose valvar aórtica que é um sopro em
crescendo e decrescendo).
Para o diagnóstico de IC, se usa os critérios de Framingham e de Boston.
Se baseiam em achados de: história, exame físico e raio X de tórax.

CATEGORIAS:

OU
OU

IC sistólica: FE reduzida, abaixo de 40%.

IC com FE reduzida.

IC diastólica: FE normal.

IC com FE preservada.

O Homem tem 70 anos, é ex-tabagista, teve um IAM e ficou com disfunção segmentar e FE de 30%.
Por outro lado, a mulher tem 74 anos, HAS, DM, FA (fibrilação atrial), é obesa. Tem FE de 65%, HVE (hipertrofia
ventricular esquerda) e alteração de relaxamento (disfunção diastólica grau I).

Apesar do homem ter menor FE, não necessariamente ele terá mais sintomas que a mulher!
Pacientes com FEP não tem uma sobrevida muito melhor que pacientes com FER. Inclusive, ao longo dos anos, a
sobrevida da ICFER vem tendo uma melhora maior que a melhora da sobrevida dos pacientes com ICFEP, quando
comparados à década de 80, apesar da ICFEP ainda ter uma sobrevida discretamente maior que a ICFER.
Isso se dá, provavelmente, pela descoberta de novos tratamentos para FER que melhora a sobrevida, enquanto
ainda não há, bem definido, intervenções que reduzem a mortalidade dos pacientes com FEP.

*IC COM FEVE LIMÍTROFE (ICFEL).

Logo, essas são as 3 categorias de IC.

Em relação aos SINTOMAS:


Ao contrário da impressão que temos de que os pacientes com ICFER são mais sintomáticos, os pacientes com FEP
tendem a apresentar mais edema de MMII, enquanto ortopneia, dispneia paroxística noturna, dispneia em repouso
são bastante semelhantes.
B3 na ausculta é bem mais frequente em ICFER, mas crepitantes e turgência jugular são bem semelhantes.
Maior percentual de cardiomegalia em ICFER.
 Mais em ICFEP: edema de MMII.
 Mais em ICFER: B3 na ausculta e cardiomegalia.
 Semelhantes em ICFER e ICFEP: ortopneia, dispneia paroxística noturna, dispneia em repouso, crepitantes e
turgência jugular.
Ou seja: levando em conta os sintomas, e não os achados em exame físico, em ICFEP os sintomas aparecem mais, ou
semelhante, que em ICFER.

DIAGNÓSTICO:

Paciente com FEVE < 40% com sintomas e sinais compatíveis, em princípio, tem seu diagnóstico definido.
Com FEVE > 40% se tiver critério estrutural adicional, como hipertrofia de VE ou sobrecarga atrial esquerda, to ou
disfunção diastólica no ecocardiograma. Além de um BNP ou NT-proBNP elevado, tanto nos pacientes com fração de
ejeção limítrofe quanto preservada (na prática nem sempre se usa BNP ou NO-proBNP se o paciente tem sinais e
sintomas bem definidos. Ele é mais utilizado num paciente que temos dúvida, como quando o paciente tem alguma
pneumopatia).

Resumo:

Probabilidade de IC:
 História clínica + sinais e sintomas + qualquer alteração no ECG.
 Pelo menos um achado = BNP (ou NT-proBNP) + ecocardiografia.
o Se eco com FEVE < 40% = ICFER.
o ICFEP ou ICFEL dependem da associação de peptídeos natriuréticos com pelo menos uma alteração
ecocardiográfica estrutural (HVE ou SAE) e/ou disfunção diastólica.

CLASSIFICAÇÃO SINTOMÁTICA/FUNCIONAL:

 Utiliza-se mais a classificação do NYHA:


• Classe funcional IV: não conseguem fazer qualquer atividade sem sinais e sintomas de IC, como comer,
se vestir, tomar banho, ou mesmo em repouso.
• Classe III: sem sinais e sintomas em repouso, ao comer, tomar banho, andar até a esquina, mas não
consegue caminhar em subida ou mais de 200 metros no plano.
• Classe II: consegue caminhar mais de 200 metros no plano e consegue fazer suas atividades diárias sem
maior limitação.
• Classe I: sem sintomas no cotidiano, apenas para grandes esforços, como carregar peso, fazer algum
esporte.

ETIOLOGIA:
 Importante definir a etiologia para: direcionar a terapia, para orientar triagem familiar caso seja uma etiologia
que possa acometer familiares, e para estimar o prognóstico.
 Pode ser:
• Cardiopatia isquêmica.
• Dano tóxico (por medicamento, radiação, álcool, cocaína, esteroides anabolizantes, metais pesados).
• Relacionada a infecção (paciente séptico e com disfunção ventricular relacionada à sepse ou a infecção
própria do miocárdio): doença de Chagas, citomegalovirose disseminada com acometimento cardíaco.
• Infiltração por doenças malignas, por depósitos ou por doenças autoimunes.
• Acometimentos autoimunes.
• Alterações hormonais.
• Alterações genéticas.
• HAS mal tratada – inicialmente leva a hipertrofia concêntrica e depois excêntrica, com dilatação e
disfunção ventricular progressiva.
• Doenças valvares – congênitas ou adquiridas.
• Doenças pericárdicas.
• Sepsis.
• Anemia.
• Fístula artério-venosa.
• Sobrecarga.
• Bradi ou taquiarritmias.

EXAMES COMPLEMENTARES:
 Hemograma – pode ser sintomas por anemia, e corrigindo a anemia já há resolução dos sintomas.
 Eletrólitos, função renal (sódio, potássio, ureia, creatinina, TFG) – insuficiência renal com hipervolemia pode
apresentar sinais e sintomas de IC.
 Função hepática.
 Glicose e hemoglobina glicada.
 Perfil lipídico.
 TSH – alterações da tireoide.
 Ferritina – pode estar associada a doença não só hepática, como miocárdica, na hemocromatose.
 Peptídeo natriurético natural (é opcional).
 ECG.
 RX de tórax (ecocardiograma vem depois, mas se estiver prontamente disponível, pode ser realizado mais
precocemente).

INDICAÇÕES DE ECOCARDIOGRAMA E RESSONÂNCIA:


 Ecocardiograma transtorácico:
• Para avaliar estrutura e função do miocárdio.
• Na suspeita de doença valvar, para estratificação e avaliação se há indicação para terapia invasiva (tanto
cirurgia quanto cateter).
• Avaliar pacientes sob risco de apresentar disfunção ventricular esquerda – etilista ou quimioterapia
cardiotóxica.
 Ressonância magnética:
• Pacientes com suspeita de miocardite ou doença infiltrativa, como ameiloidose e sarcoidose.
• Paciente que tem janela acústica ruim para o ecocardiograma transtorácico podem fazer
ecocardiograma transesofágico ou RM cardíaca.
 Testes não invasivos ou CATE (cateterismo cardíaco) para doença arterial coronariana são usados naqueles
pacientes em que queremos afastar o diagnóstico de doença arterial coronariana.
• Quais são os testes não invasivos: RM, ecoestresse, cintilografia, angioTC das coronárias.
• Pacientes com mais de 40 anos já possuem maior chance de apresentarem DAC como a causa principal,
ou uma das causas, da IC do paciente.

AFASTAR DAC:
- CATE
- Testes não invasivos (RMN, ecoestresse,
cintilografia, angioTC coronárias).
TEORIAS
A IC era vista, inicialmente, como uma doença relacionada à sobrecarga de volume. Evoluindo com resistência aos
diuréticos, retenção de sal e água, disfunção renal. Durante a progressão, com diminuição do débito cardíaco e do
fluxo sanguíneo renal, evoluindo para piora progressiva da função renal e cardíaca.

PROGRESSÃO
Após um evento agudo, mesmo após manejo, a função cardíaca não retorna à função cardíaca prévia, assim como
segue perdendo a função cardíaca e renal mesmo na ausência de novos insultos. Na vigência de um novo insulto, faz
uma piora adicional.
Insultos = IAM, taquiarritmia, piora do funcionamento valvar.
Não só o fenômeno hemodinâmico é responsável pela insuficiência cardíaca, mas também a ativação do sistema
RAA e a ativação do sistema simpático promovem um dano miocárdico sustentado ao longo do tempo.

 A IC sempre foi vista como um distúrbio hemodinâmico, mas esse conceito não explica a progressão da doença.
 Existe evidência de efeito danoso da ativação simpática e do sistema RAA sobre o coração.
 Intervenções terapêuticas devem ser direcionadas ao bloqueio neuro-hormonal.

TRATAMENTO
Objetivos do tratamento da IC:
 Melhora sintomática.
 Melhora da capacidade funcional (NYHA).
 Melhora da qualidade de vida (escores de qualidade de vida).
 Redução de reinternações por IC (piora o pognóstico).
 Redução da mortalidade.

TRATAMENTO FARMACOLÓGICO DA ICFER:


TRIPLA INIBIÇÃO NEURO-HORMONAL (I A): IECA + betabloqueador + espironolactona

Terapia tradicional da ICFER:


 Moduladores neuro-hormonais (salvo contraindicações):
 IECA
 Beta-bloqueador: carvedilol, bisoprolol, succinato de metoprolol.
 ARM (antagonista mineralocorticoide): espironolactona.
 Diuréticos:
 Trata congestão (I B).
 Reduz hospitalizações nos pacientes com retenção hídrica (IIa B).
 Hidralazina + nitrato:
 Afrodescendentes que estão com IECA/BRA, betabloq e ARM apresentam benefício adicional se
acrescentado Hidralazina e nitrato (II a B).
 Intolerantes à IECA/BRA, também lançar mão de Hidralazina + nitrato, porém benefício menor que
afrodescendentes (IIb B).
 Digoxina:
 Em pacientes sintomáticos (principalmente com sintomas classe funcional 3 ou 4).
 Ritmo sinusal (IIb B).
 FA de alta resposta ventricular (FC > 110 bpm) – auxilia nos sintomas e na redução da frequência.
 NÃO utilizar em insuficiência renal grau 4 ou 5 (< 30 ou dialíticos). Se moderada a leve, fazer
monitoração mais frequente do nível sérico de digoxina.

Quais pacientes não toleram IECA/BRA:


- Função renal limítrofe.
- Diabéticos (tendem a ter K mais elevado).

Podem evoluir com piora da função renal ou hipercalemia.


Nesses casos, suspender IECA/BRA e iniciar Hidralazina +
nitrato.

Se a intolerância for somente à IECA por tosse, dá para


associar ao betabloq e espironolactona:
- BRA (candesartan ou valsartan) – não reduz mortalidade
isoladamente como IECA, mas reduz taxa de hospitalização.
- ou composto inibidor da neprilisina associado ao BRA
(sacubitril/varsatana)

OBS: BRA possui benefício menor que IECA.

OBS: Associação de IECA + espironolactona + BRA pode


causar hipercalemia e piora da função renal.

Terapia adicional da ICFER:


 Indicação do composto inibidor da neprilisina e receptor de angiotensina (ARNI) sacubitril / valsartan (LCZ696) –
nome comercial “Entresto”: como substituto dos IECAs (I B).
 Redução do desfecho comporto morte cardiovascular e hospitalização por ICC, mas também redução da
mortalidade isoladamente. Portanto, pacientes que já estão em uso de IECA, há uma tendência a
substituir IECA por sacubitril/varsatana.
 Bloqueio do eixo RAA.
 Não está amplamente disponível no SUS. Mas na prática privada já está sendo utilizado como rotina a
substituindo do IECA por sacubitril/varsatana.
 Indicação da ivabradina para controle da FC em pacientes com dose máxima tolerada de betabloqueador (IIa B).
 Não reduz PA, apenas FC.
 Benefício para FE < 35% e pacientes com dose máxima tolerada de betabloq mas FC ainda > que 70.
 Indicação da ivabradina como antianginoso em pacientes com dose máxima tolerada de betabloqueador (IIa B).
 Antianginosos na IC:
 1ª opção: betabloq.
 2ª opção: ivabradina (IIa B).
 3ª opção: nitratos (IIa A) ou trimetazidina (IIb A) ou anlodipina (IIb B).

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