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Política boa

é política
participativa
Módulo 1 – Políticas
públicas e participação

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Vital Didonet
Professor, mestre
em Educação,
especialista em
Educação Infantil,
Políticas Públicas e
Direitos da Criança.

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Há muitas formas de trabalhar pelas crianças.
Uma delas é participando da elaboração de
políticas públicas que lhes ofereçam melhores
condições de viver a infância e desenvolver seu
potencial humano.
Muitas crianças contam com ambiente familiar
e social saudável, são cercadas de atenções
e estímulos para aprender, desenvolver a
afetividade, estruturar a inteligência e se integrar
socialmente. Outras vivem a infância de forma
precária. Alimentam-se mal e contraem doenças
provenientes da falta de saneamento e de
atenção primária de saúde. Estão sujeitas a É injusto que algumas crianças tenham o que
ambientes comunitários marcados pela violência precisam para viver bem a infância e desenvolver
e pela opressão. suas capacidades, enquanto outras não tenham
Em casa, nem sempre tem a companhia dos quase nada. É como se, na brincadeira da
pais ou de outros adultos para interagir, ampliar corrida de saco, algumas tivessem sacos com
a linguagem, desenvolver o raciocínio. Não tem o fundo furado, e corressem com os pés livres
tempo de brincar, e assim deixam de vivenciar no chão, enquanto as outras (a maioria delas),
todas as oportunidades que a brincadeira tivessem que pular dentro dos sacos, e com os
oferece. Essas diferenças no começo da vida olhos vendados. Essa injustiça social precisa ser
marcam a história da pessoa e perpetuam a corrigida. Para isso existem as
desigualdade social. políticas públicas.
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O QUE É
POLÍTICA
PÚBLICA
Você já ouviu muitas vezes a expressão Em resumo: Política pública é um conjunto
“políticas públicas”, e provavelmente trabalhou de decisões tomadas pelo governante para
ou trabalha no setor público. Vamos então fazer atender necessidades, direitos ou demandas da
um exercício: sociedade. Pode ser para a sociedade inteira ou
Escreva, com base em sua experiência, uma para algum grupo específico.
definição resumida do que é política pública, Por trás desse conceito básico, há uma
de modo que outra pessoa compreenda. Em questão fundamental: como as necessidades são
seguida, compare a sua definição com a que muitas e os recursos escassos, o governante
apresentamos a seguir. tem que elaborar uma lista de prioridades e
Há várias definições possíveis de políticas fazer escolhas. Vários fatores podem influir
públicas. Escolhemos uma que julgamos nessas escolhas, como o grau de conhecimento
condizente com o objetivo deste curso, que é que o gestor público e sua equipe têm sobre o
ser um instrumento prático para trabalhar pelas assunto, a pressão da sociedade ou de grupos
crianças. interessados e as determinações ou prioridades
exigidas por lei.

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No topo das prioridades estão os valores
fundamentais da Nação e os princípios que Se quiser ampliar seu conhecimento sobre o

regem a sociedade, inscritos na Constituição conceito de política pública, há uma variedade de

Federal, como a igualdade, a liberdade, o livros e artigos sobre o tema. Alguns exemplos:

desenvolvimento e o bem-estar, a justiça Formulação de políticas públicas, de Ana


e a segurança individual e social. Logo Cláudia Niedhardt Capella. Brasília: Enap, 2018.
abaixo, listamos as determinações da própria Disponível aqui
Constituição e de leis específicas sobre os
Guia de políticas públicas: gerenciando
direitos dos cidadãos, como os direitos à vida, à
processos, de M. Ramesh Xun Wu, Michael
saúde, à educação, à proteção e segurança, à
Howlett e Scott Fritze. Brasília: Enap, 2014.
cultura, à alimentação, à moradia, entre outros.
Disponível aqui
Políticas públicas são a maneira como o Estado
cumpre o que mandam a Constituição e as leis. Planejamento e avaliação de políticas públicas,
organizado por José Celso Cardoso Jr. e
Alexandre dos Santos Cunha. Brasília: Ipea,
2015. Disponível aqui

Políticas públicas: conceitos, esquemas de


análise, casos práticos, de Leonardo Secchi. São
Paulo: Cengage Learning, 2014.

Políticas públicas: princípios, propósitos e


processos, de Reinaldo Dias e Fernanda Matos.
São Paulo: Atlas, 2012.

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FOCO SOCIAL,
FOCO ECONÔMICO

As políticas públicas podem ser compreendidas que as pessoas trabalhem, produzam e gerem
segundo seu foco imediato: o impacto renda para si e para o país (aspecto econômico).
econômico ou as condições de vida das Da mesma forma, “políticas econômicas”
pessoas. As chamadas “políticas sociais” são também podem trazer benefícios sociais, como
aquelas voltadas para áreas como saúde, acontece quando se controla a inflação ou se
educação, assistência social, cultura, direitos concede aumento no valor do salário mínimo,
humanos, meio ambiente, segurança pública, por exemplo.
etc. Observe, porém, que todas as políticas
têm também um aspecto econômico. Por
exemplo: cuidando da saúde das pessoas
(aspecto social), o Estado garante também seus
meios de vida e trabalho, evitando gastos com
hospitalização e remédios (aspecto econômico).
Oferecendo educação de qualidade (aspecto
social), o Estado aumenta as oportunidades para

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CRIANÇA: O MELHOR
INVESTIMENTO
Estudiosos das políticas públicas chegaram a intuição ou por experiência própria, por isso
uma constatação impressionante: o dinheiro procuram dar o melhor que podem para seus
aplicado no cuidado, na saúde e na educação filhos. Os economistas que pesquisaram os
das crianças nos primeiros seis anos de vida efeitos das ações de cuidado e educação na
não representa despesa para o governo, mas primeira infância são os maiores propagandistas
sim investimento. E ainda: é um investimento da importância de se investir consistente e
mais produtivo do que qualquer outro, em continuadamente em políticas para este público.
qualquer outra área ou faixa etária. O dinheiro O Estado deveria pensar do mesmo jeito:
que se gasta no cuidado integral da criança não sua mais bem-sucedida política pública será
desaparece, ele continua “rendendo” vida afora, oferecer o melhor que puder para as crianças
gerando benefícios individuais e sociais. Em viverem uma vida plena e desenvolverem suas
outras palavras, é uma “aplicação social” com potencialidades, que são imensas. Essas
altíssimo retorno financeiro. políticas trarão benefícios sociais imediatos e se
Investir na infância é um negócio melhor do estenderão no longo prazo.
que aplicar em imóveis, em ações da Bolsa de
Valores, em letras do Tesouro Nacional, obras
de arte, ouro ou joias. Os pais sabem disso por
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AQUI E AGORA,
VIDA AFORA
As políticas públicas voltadas para a Primeira estaria rompida e não circularia a energia vital
Infância, além de darem às crianças a que nos faz ser quem somos.
oportunidade de viverem como crianças, têm Por isso, as políticas para a Primeira Infância
uma repercussão sobre toda a sociedade, a precisam cuidar das crianças de tal forma que
economia, a cultura, enfim, o desenvolvimento elas vivam plenamente o que é típico da infância.
do país. Afetam, portanto, duas dimensões: o O Marco Legal da Primeira Infância (Lei nº
presente e as etapas seguintes da vida. 13.257/2016) aborda também essa dimensão.
O que nos vem à mente sobre a primeira
dimensão? Viver a infância, ser feliz e pleno
como criança é um direito de cada um, porque
a infância tem sentido em si mesma: ela já é Marco Legal da Primeira Infância

vida, amor, ternura, desejo, vontade e ação; é Sancionado em 2016.

curiosidade, descoberta, criação; é interação, Dispõe sobre as políticas públicas para a primeira
participação, diálogo e convivência. Não é infância e altera o Estatuto da Criança e do
Adolescente, o Código de Processo Penal, a
preciso esperar crescer para ser cidadão e Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a
participar da vida social; a criança tem lugar Lei nº 11.770, de 9 de setembro de 2008, e a Lei nº
próprio e insubstituível no sentido da vida 12.662, de 5 de junho de 2012.

humana. A infância é um ciclo que se encadeia Acesse aqui


com os demais. Sem ela, a corrente da vida
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Em seu artigo 5º, afirma: Legal da Primeira Infância propõe, em última
“Constituem áreas prioritárias para as análise, é a formação da “Cultura do Cuidado”.
políticas públicas para a primeira infância a E sobre a segunda dimensão das políticas
saúde, a alimentação e nutrição, a educação
infantil, a convivência familiar e comunitária, públicas, o que nos ocorre? A infância não se
a assistência social à família da criança, fecha em si mesma. Ela é toda projeção. Está
a cultura, o brincar e o lazer, o espaço e voltada para o adiante. Sugestão: Aponta para
o meio ambiente, bem como a proteção
frente a toda forma de violência e a pressão
a frente. A criança mira o adulto, imita-o, tem-
consumista, a prevenção de acidentes e a no como referência. Espera dele acolhimento,
adoção de medidas que evitem a exposição cuidado, proteção, carinho, segurança. Ela
precoce à comunicação mercadológica.” quer crescer, aprender, resolver, dominar, ser
autônoma. “A criança é o pai do homem”, como
Outro olhar cuidadoso do Marco Legal da
disse o poeta inglês William Wordsworth, e
Primeira Infância se refere aos espaços de
Freud repetiu, para sublinhar a importância
convivência para as crianças, como se lê no
das experiências infantis na formação da
artigo 17:
personalidade do adulto. Não se cuida da
“A União, os Estados, o Distrito Federal e criança para que ela permaneça criança, mas
os Municípios deverão organizar e estimular
a criação de espaços lúdicos que propiciem para que, vivendo com plenitude a vida de
o bem-estar, o brincar e o exercício da criança, se torne a pessoa que possa ser, (muito
criatividade em locais públicos e privados amplo, não? Pode-se suprimir?) realize seu
onde haja circulação de crianças, bem como
projeto de vida, alcance a plenitude da existência
a fruição de ambientes livres e seguros em
suas comunidades.” na sucessão das etapas ou ciclos vitais.
A primeira infância se liga à segunda infância,
Esse Marco inova e dá um salto de qualidade à adolescência, à juventude, à vida adulta, à
nas diretrizes para as políticas destinadas velhice. As políticas sociais precisam ver a
à primeira infância, ao determinar que elas criança situada no presente, mas também cuidar
promovam uma cultura de proteção e promoção da sequência da vida. “Investir na infância é
da criança e, para isso, envolvam também os responder ao presente e, simultaneamente,
meios de comunicação social. O que o Marco
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lançar as bases do futuro”, afirma o Plano
Nacional pela Primeira Infância. E acrescenta:
“A ambivalência da infância – presente
e futuro – exige que cuidemos dela
agora pelo valor de sua vida presente e,
simultaneamente, mantenhamos o olhar na
perspectiva do seu desenvolvimento rumo à
plenificação do seu projeto de existência.”

Em síntese, o Estado tem o dever de garantir


os direitos de todas as crianças e assegurar
a todas, sem exceção, os meios de viverem
a infância com plenitude e desenvolverem
suas capacidades sociais, afetivas, cognitivas,
linguísticas, artísticas... Para isso, elabora
políticas sociais.

Marco Legal da Primeira Infância

Sancionado em 2016.

Dispõe sobre as políticas públicas para a primeira


infância e altera o Estatuto da Criança e do
Adolescente, o Código de Processo Penal, a
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a
Lei nº 11.770, de 9 de setembro de 2008, e a Lei
nº 12.662, de
5 de junho de 2012.

Acesse aqui

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PRIORIDADE
ABSOLUTA
Algo que deve ser reafirmado com todas as
O artigo 227 da Constituição Federal inaugura a
letras, sempre e em todo lugar é o que diz doutrina da proteção integral.
o artigo 227 da Constituição Federal: Os
direitos da criança e do adolescente devem ser Acesse aqui

assegurados pela família, pela sociedade e pelo


Estado com absoluta prioridade.
1988, estavam delirando. Eles, porém, tinham
Prioridade absoluta é mais do que primeira
os pés em terreno firme: as ciências vêm
prioridade ou prioridade zero. É a que está
constatando, nos últimos 60 ou 70 anos, que o
fora de qualquer hierarquia. Não há desculpa
começo da vida é determinante para tudo o que
para deixar a atenção às crianças para depois,
a pessoa vai ser e fazer em sua existência. Se
ou atender com mesquinhez os seus direitos
ela for acolhida, amada, se receber atenções e
fundamentais só porque existem outras
carinho, se tiver boa alimentação e um ambiente
necessidades. Depois dessa prioridade é que
físico e estimulador (a educação infantil é um
o Estado pode fazer uma lista de prioridades,
desses ambientes que complementam os
por ordem de importância. Ela é absoluta, fora
estímulos do ambiente familiar e comunitário),
de competição.
ela vai viver uma infância que constrói a base
Essa afirmação é tão forte que alguém poderia de uma personalidade social e psiquicamente
pensar que os deputados constituintes, em equilibrada.

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O Estatuto da Criança e do Adolescente indica, E o Marco Legal da Primeira Infância
no artigo 4º, quatro situações de aplicação da acrescenta:
prioridade absoluta: “A prioridade absoluta em assegurar os
direitos da criança, do adolescente e do
A primazia de receber proteção e socorro em jovem, nos termos do art. 227 da Constituição
Federal e do art. 4º da Lei 8.069/1990,
quaisquer circunstâncias;
implica o dever do Estado em estabelecer
B precedência de atendimento nos serviços políticas, planos, programas e serviços
para a primeira infância que atendam às
públicos ou de relevância pública;
especificidades desta faixa etária, visando
C preferência na formulação e na execução das a garantir seu desenvolvimento integral.”
políticas sociais públicas e (Artigo 3º)

D destinação privilegiada de recursos públicos De acordo com a lei, portanto, a


nas áreas relacionadas com a proteção à formulação de políticas para atender
infância e à juventude. aos direitos das crianças nos seis
primeiros anos de vida – ou seja, na
Estatuto da Criança e do Adolescente
primeira infância – é um dever do
Estado que não se pode protelar
Lei de 1990, é o Marco legal e regulatório dos
direitos humanos de crianças e adolescentes.
nem colocar em segundo plano:
está compreendido no conceito de
Acesse aqui prioridade absoluta.

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PRIMEIRA INFÂNCIA
E O SISTEMA
FEDERATIVO
A palavra “Estado”, mencionada no artigo 227 cooperação técnica e financeira da União e do
da Constituição Federal, se refere ao Estado seu estado.
brasileiro, isto é, ao conjunto de seus entes O Marco Legal da Primeira Infância
federativos: governo federal, estados, distrito também menciona a corresponsabilidade e
federal e municípios. A nação brasileira deve complementaridade das ações dos entes
assumir em conjunto a responsabilidade pelas da federação “segundo as respectivas
crianças e delas cuidar com o maior zelo, competências constitucionais e legais” (artigo
segundo as competências de cada um. Para 8º). E determina que a União mantenha
não haver “jogo de empurra” entre as diferentes permanente articulação com as instâncias
esferas de governo, a Constituição estabelece de coordenação das ações estaduais,
dois princípios: a autonomia de cada ente e a distrital e municipais de atenção à criança na
cooperação entre eles (artigo 23). No artigo primeira infância. É a sinalização de um pacto
30, diz-se que é competência dos municípios interfederativo como estratégia para que todos
manter programas de educação infantil com a os entes trabalhem articuladamente.
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As políticas pela primeira infância podem
No site da RNPI você pode conhecer vários
ser nacionais, federais, estaduais, distritais
PMPI:
ou municipais. As nacionais são as comuns www.primeirainfancia.org.br
entre todos os entes. As federais são as do
governo federal, para as quais ele pode pedir a
participação, por adesão, tanto dos estados e
do distrito federal, quanto dos municípios.
As políticas se concretizam em planos,
programas, projetos e ações. Da mesma
forma que as políticas, os planos também
podem ser nacionais, federais, estaduais,
distritais e municipais. O Brasil tem um Plano
Nacional pela Primeira Infância (2010-2024),
no qual se recomenda que os Estados façam
seus planos estaduais e os municípios seus Acesse aqui
planos municipais pela primeira infância, em
consonância com o nacional. Para auxiliar
nessa tarefa, a Rede Nacional Primeira Infância
publicou um Guia para a elaboração dos Planos
Municipais pela Primeira Infância – PMPI.
Centenas de municípios já fizeram os seus
PMPI, e alguns estados também lançaram
seus planos.

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SÓ O GOVERNO
ELABORA
POLÍTICAS?
As pessoas que ocupam cargos públicos devem as pessoas. Mais do que acreditar, é preciso
ter conhecimento teórico e prático para formular ter certeza de que escutar os sujeitos de uma
prioridades, desenhar ações, implementar pretendida política social é o caminho mais curto
planos e projetos para atender os direitos e mais seguro para chegar onde se deseja.
das crianças. Mas, por mais que conheçam Escutar a sociedade ou os grupos
a matéria e tenham experiência na execução aos quais a política social se destina
de programas e projetos na área, seu saber é um dever do Estado, uma obrigação
nunca será suficiente. Escutar a sociedade é do gestor público, porque participar é
uma estratégia inteligente para acertar. Viver o um direito dos cidadãos.
problema é como uma fonte que jorra vontade,
expressa demanda, inspira jeitos de resolver. É Eles podem exigir espaço de participação,
necessário acreditar nisso e dispor-se a escutar mas antes que o façam, o gestor público age
com inteligência política se toma a iniciativa
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de convocar, convidar, reunir, agregar, escutar
e dialogar. É muito rica a experiência de
coordenar a construção de políticas sociais de
forma participativa. Ganha-se na qualidade das
ações e na sua adequação às necessidades da
população-alvo, no interesse e compromisso
com o plano, programa ou projeto, no
acompanhamento e na garantia de continuidade.
A participação na confecção da política
assegura também maior participação na sua
execução, e aumenta as chances de a iniciativa
e em clima de oposição, pode haver resistências
não sofrer descontinuidade por causa de
constantes da parte do governo, seja cortando
mudanças de governo. Em última análise, o
verba, transferindo pessoal que estava engajado
gestor que envolve a sociedade, por meio
no programa ou projeto, seja ofertando uma
de suas organizações representativas, na
política alternativa de interesse do governo, por
elaboração de uma política ou de um plano
exemplo. Da mesma forma, um projeto imposto
de ação, pode ter mais segurança de que seu
de cima para baixo, por mais importância e
esforço se prolongará do que o gestor que não
qualidade técnica que tenha previsto, encontra
escutou a sociedade.
resistência de setores da comunidade –
Nem sempre a participação precisa começar simplesmente por não terem sido ouvidos.
pelo convite do gestor. As próprias organizações
Formular políticas públicas com a participação
não governamentais (ONGs) podem tomar
da sociedade é um processo mais demorado do
a iniciativa. Elas podem propor, recomendar,
que encomendar um documento técnico para
exigir, sobretudo se o gestor público não está
um grupo de especialistas. Mas o que se ganha
agindo. Mas a fórmula que melhor funciona é o
em qualidade técnica se perde em qualidade
diálogo, a negociação, a participação em clima
política. É preferível uma política não tão
de cooperação. Quando se ganha por pressão
perfeita, mas ajustada à população-alvo do que

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uma tecnicamente impecável, digna de elogios,
que não funciona. Um pouco de humildade
nesse processo de escuta ou participação não
é depreciativa para o gestor – pelo contrário: é
gesto de grandeza.
O filme Viver, de Akira Kurosawa (1952), ilustra
magistralmente a iniciativa de um grupo de
mulheres na busca de solução para o problema
de um terreno baldio poluído, que elas querem
ver transformado em parque para seus filhos
brincarem. A solicitação é encaminhada de um
setor para outro do governo, de uma secretaria
para outra, com justificativas ou desculpas se
alternando: o problema é da área ambiental, o
parque é assunto da secretaria de esportes ou
urbanismo, brincar é tema da educação... Até
que um diretor retorna da licença, pega o caso
e resolve. De sua janela, contempla as crianças
se embalando... e volta em sonho aos tempos de
sua própria infância.

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QUEM PODE
PARTICIPAR?
Todas as pessoas e organizações que atuam em os males do “assembleísmo”, ou seja, debates
determinada área – isto é, todo mundo que tem intermináveis, discussões excessivamente
algo a dizer sobre o problema a ser resolvido, teóricas, palavrório sem conclusões práticas,
sobre o objetivo a ser alcançado – tem o direito palavras de ordem sem disposição para o
de colaborar para a elaboração das políticas diálogo, ânimos acirrados. O saldo final do
públicas. Mas é fundamental, também, ouvir os “assembleísmo” é a sensação de tempo perdido
sujeitos da política, aqueles que serão atendidos inutilmente, e o consequente esvaziamento da
por ela. participação: menos gente na próxima reunião,
É preciso criar espaços de participação: espaço menos contribuições populares para a política
físico de reunião. Espaços na agenda: no pública.
tempo das pessoas. E formas de participação: Para um projeto local, de atenção a uma
reuniões, assembleias, oficinas, grupos pequena comunidade, é possível e conveniente
de trabalho, seminários, fóruns de debate, abrir o convite para todas as pessoas
proposições por escrito. Situações presenciais e interessadas. Para projetos de grande escala, é
virtuais (como reuniões pela internet). preciso restringir a participação a representantes
Um cuidado a se tomar é adotar estratégias e de instituições e grupos – ocupantes de cargos
técnicas produtivas de participação, para evitar de liderança local ou delegados escolhidos
especificamente para essa ação.
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É importante que tais pessoas tenham
legitimidade junto ao grupo social que
representam, para que a comunidade
acompanhe e valide sua atuação. Os
delegados devem prestar contas aos
seus representados sobre o andamento
dos trabalhos, as proposições
apresentadas, os debates e conclusões,
e recolher sugestões para aperfeiçoar
sua atuação.

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REFERENCIAS

BRASIL. Lei nº 13.257, de 08 de março de CARDOSO, José Celso Jr.; CUNHA, Alexandre
2016. Dispõe sobre as políticas públicas para dos Santos. Planejamento e avaliação de
a primeira infância e altera a Lei nº 8.069, de políticas públicas. Brasília: Ipea, 2015.
13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/
do Adolescente), o Decreto-Lei nº 3.689, de images/stories/PDFs/livros/livros/livro_ppa_
03 de outubro de 1941 (Código de Processo vol_1_web.pdf
Penal), a Consolidaçãodas Leis do Trabalho DIAS, Reinaldo; MATOS, Fernanda. Políticas
(CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de públicas: princípios, propósitos e processos.
1º de maio de 1943, a Lei no11.770, de 09 de São Paulo: Atlas, 2012.
setembro de 2008, e a Lei nº 12.662, de 05 de
junho de 2012. SECCHI, Leonardo. Políticas públicas:
Disponível em http://www.planalto.gov.br/ conceitos, esquemas de análise, casos práticos.
ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Lei/L13257.htm São Paulo: Cengage Learning, 2014.

CAPELLA, Ana Cláudia Niedhardt. Formulação XUN WU, M. Ramesh; HOWLETT, Michael;
de políticas públicas. Brasília: Enap, 2018. FRITZE, Scott. Guia de políticas públicas:
Disponível em: http://repositorio.enap. gerenciando processos., Brasília: Enap, 2014.
gov.br/bitstream/1/3332/1/Livro_ Disponível em: http://antigo.enap.gov.br/
Formula%C3%A7%C3%A3o%20de%20 index.php?option=com_docman&task=doc_
pol%C3%ADticas%20p%C3%BAblicas.pdf view&gid=3966&Itemid=307

20
______________. Guia para elaboração do plano
municipal pela primeira infância. 2ed. Rio de
Janeiro: CECIP - Centro de Criação de Imagem
Popular, 2017.
Disponível em: http://primeirainfancia.org.br/
wp-content/uploads/2017/03/Guia_Plano_
Municipal_Primeira_Infancia_RNPI.pdf
______________. Plano Nacional Primeira
Infância. Brasília, DF: Rede Nacional Primeira
Infância, 2010.
Disponível em: http://www.primeirainfancia.org.
br/wp-content/uploads/PPNI-resumido.pdf

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