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O DIÁRIO

DE MIRANDA
“Ele queria o meu mundo. Eu só queria ser o mundo dele”
O DIÁRIO
DE MIRANDA
“Ele queria o meu mundo. Eu só queria ser o mundo dele”

TATIANA AMARAL

1ª EDIÇÃO
2019
Para todas as mulheres que ao longo deste percurso, me
procuraram e me contaram as suas histórias. Mulheres que
se reconheceram na força de Miranda e se libertaram. Para
vocês, desejo uma vida livre.
“Patrício era vida, era ar, era calor.
E eu o amava como nunca fui capaz de
amar antes.”
CAPÍTULO 1

“Pra nós dois não vejo qual a saída.


Se a minha vontade te manda embora. A minha saudade te implora
pra ficar.
Se o meu querer te esquece, te odeia. O teu prazer me aquece, me
incendeia.”
Negativo, Positivo - Rick e Renner

Certa feita, li no livro de Milan Kundera, a Insustentável


leveza do ser, sobre um pensamento filosófico onde o autor
defendeu que o universo se dividia em duplas de contrários, e
nunca consegui me desvincular desta teoria.
Basicamente é a ideia do que é positivo e negativo, e que
cada coisa no universo está em um dos dois pólos, uma
contrariando a outra, como a luz e a escuridão. Um positivo, o
outro negativo. E mesmo assim, por mais que eu acreditasse em um
ponto de resolução, não havia como me convencer de que o
positivo sobreviveria sem o negativo.
E por que, em especial naquela noite, eu não conseguia
desprezar aquela teoria? Porque Patrício foi embora. Não era a
primeira vez que ele ia. Nem o nosso primeiro final. A diferença
consistia no fato de que na primeira vez, não me encontrava
convencida por completo sobre os meus sentimentos, além de
desconhecer os dele.
Doeu, mas não me derrubou. Sustentei a ideia de que o
melhor a fazer seria tirá-lo da minha vida. Éramos opostos.
Opostos. Entende? Este é o ponto.
Então Patrício apareceu, declarou o seu amor, mergulhou em
meu mundo e a magia aconteceu. Não é fácil levantar quando você
estabelece a certeza de que o positivo e o negativo estão tão
ligados, que a separação torna a inexistência de ambos. Não existe
luz se não existir a escuridão. Não existe o belo sem o feio. Tudo
perde o sentido. A luz transmutaria para algo indefinido, algo que
está ali, mas que você não enxerga, ou não entende, por não fazer
qualquer sentido à sua existência. E a escuridão? Bom, a escuridão
seria a realidade, logo, seria exatamente como a luz.
Confuso?
Isso é só uma amostra de como a cabeça humana tende a
enlouquecer por causa do amor.
O amor. Esse sentimento atroz.
Depois de muito revirar na cama deixei de lado a minha
constante necessidade de me enganar e resolvi descer para a sala.
Só os fracos dormiam, repeti me convencendo que não havia nada
demais em minha mente não conseguir encontrar o sono depois da
rejeição de Patrício.
Aliás, o que era Patrício perto de tudo o que passei na vida?
Sim, eu me enganava. Trapaceava de forma ridícula, porque
nem se eu conhecesse todas as técnicas do mundo, jamais me
tornaria capaz de mentir para mim mesma. Patrício me deixou, e a
verdade dura demonstrava o meu abalo, a minha destruição.
Eu o amava, e ao mesmo tempo, detestava aquele idiota sem
tamanho. Aliás, um idiota com tamanho anormal para alguém da
categoria. Sim, porque os homens adultos, bem posicionados, com
certa experiência, de modo algum deveriam se igualar a um idiota.
Contudo, parecia que esses seres se apegavam a esta classe e
lutavam pelo direito de assim serem. Idiotas.
Sentei no sofá da varanda e olhei para nada específico, sem
qualquer gosto por alguma atividade, ao mesmo passo que faltava-
me vontade de agir. Meu peito parecia não encontrar ar suficiente
para normalizar a minha respiração. E doía como se eu tivesse
engolido algo espinhoso, me maltratando por dentro e derrubando
tudo aquilo que construí em mim. A minha dignidade. Esta se foi
quando a primeira lágrima caiu. E ansiei pela chance de esganar
Patrício por isso.
Então, como se a noite e o silêncio funcionassem como uma
cortina escura, um barulho insistente rasgou o seu véu, me
sobressaltando. Verifiquei o local, incapaz de identificar a sua
origem, até que me dei conta de que o som vinha da cozinha, do
interfone. Abismada conferi o relógio, passava das duas e meia da
madrugada. Confusa, fui até a cozinha e atendi o interfone.
— Graças a Deus! — O porteiro exultou ofegante. — Srta.
Miranda! Perdão pelo horário, mas é que… — hesitou. — Bom…
está subindo o senhor Patrício. Nós tentamos impedi-lo, mas…
No mesmo instante a campainha tocou e, em seguida, batidas
pesadas na porta.
— Tentamos impedi-lo, mas ele… ele está um pouco
alterado, se é que me entende.
As batidas fortes na porta se intensificaram.
— Deseja que eu chame a polícia?
— Não será necessário. Obrigada!
Ele não chamaria a polícia, o que não impediria que o
padrinho soubesse em poucos minutos.
Abri a porta, decidida a enxotá-lo, quando dei de cara com
Vítor acuado em um dos cantos, a cara de puro espanto, enquanto
Patrício resmungava, tentando esmurrar a porta já aberta. Ele
tombou para cima de mim, me desequilibrando.
— Patrício! — O cara se recuperou e conseguiu se apoiar na
porta. — Ah, Deus! — Gemi ao constatar o seu estado.
Bêbado.
Isso. Patrício lutava para se manter firme nos pés, parado a
minha porta.
Dentre tantos sentimentos que me dominavam naquela noite
estranha, nenhum foi mais forte do que a raiva que senti naquele
exato momento. Patrício desconstruía a minha vida. Fiz questão de
nunca dar motivos para o padrinho se envergonhar de mim. Apesar
das mentiras para incentivar Charlotte, ninguém poderia afirmar
que viu um homem na minha porta, com exceção daquele pária que
se achava no direito de bagunçar a minha vida, meus sentimentos,
minha cabeça…
— Miranda? — Precisou apertar os olhos para me enxergar
melhor. — Puta merda, é você mesmo?
Eu podia sentir seu bafo de álcool mesmo se estivesse há dois
metros de distância, e, com certeza, colocaria fogo naquela casa
caso encontrasse uma centelha.
— Ele subiu mesmo eu…
— Tudo bem, Vítor.
Tentei tratá-lo com educação, como se assim conseguisse a
sua compreensão e não infernizasse a cabeça do padrinho, mesmo
ciente da impossibilidade de subornar o seu silêncio. A lealdade
daquele homem ao seu patrão passava de todos os limites.
— Cuido dele agora. Pode ir — avisei.
Vítor hesitou e Patrício riu, deixando claro não haver
surpresa no fato de que conseguiria aquilo de mim. Ele tentou
entrar. Coloquei o braço na sua frente, impedindo-o. Trocamos um
olhar que deixava clara a minha ira e as suas dúvidas.
— Tem certeza?
— Tenho. Boa noite!
O homem saiu depois de entender que Patrício, mesmo
bêbado, não se atreveria a me desafiar. Aguardei até que entrasse
no elevador e sumisse da minha frente, só então voltei minha raiva
para a minha visita inconveniente.
— Não vai me deixar entrar?
— O que faz aqui?
Ele riu, cambaleando um pouco para trás.
— Não vai me deixar entrar? — repetiu. Cruzei os braços na
frente do peito, encarando-o.
— Você foi embora.
O sorriso que sustentava de forma débil se desfez. Seus olhos
conseguiram focar nos meus, como se, por um passe de mágica, a
bebedeira desaparecesse.
— Mas voltei. Estou aqui.
— Não importa! — O abalo dentro de mim me fez perder
parte da minha determinação.
Patrício cambaleou outra vez, xingou baixinho fechando os
olhos, em seguida passou por mim com pressa, entrando no
apartamento como se minha vontade não contasse.
— Preciso sentar, Morena — avisou, me deixando para trás.
— Acho que bebi um pouco além do que deveria.
— Um pouco?
Derrotada, fechei a porta, seguindo-o. De nada adiantaria
insistir em uma conversa. Patrício não estabelecia uma linha de
raciocínio razoável para se dar conta de que me feria, e eu…
bom… havia em mim uma mistura sufocante de alívio e
indignação. Alívio por sua volta, apesar do ultraje da situação. Que
espécie de mulher eu me tornava, que aceitava que o namorado
terminasse tudo, fosse embora e voltasse bêbado, arrependido, e
ainda sentisse alívio por isso?
A indignação alimentava a parte do desejar garantir a minha
força para evitar que Patrício entrasse e saísse da minha vida como
decidisse ser o melhor. Porque doía. Machucava. Tive doses
consideráveis daquela dor para admiti-la em minha vida outra vez.
— Vou chamar um táxi para você — avisei, me posicionando
para alcançar o telefone.
— Um táxi? Eu vim conversar.
Sua voz embolava tanto que me deixava cada vez mais
irritada.
— Você não está em condições de conversar — acusei. —
Está bêbado.
— Eu?
— Como ousa aparecer aqui na madrugada, bêbado,
quebrando todas as regras? As minhas regras! — Precisei gritar
para impedi-lo de me interromper. — Como pode acreditar que o
que fez é certo?
— O quê? Beber ou ir embora?
— Patrício você… deixa pra lá! Onde coloquei meu celular?
— resmunguei caminhando até a mesa de jantar para procurar pelo
aparelho.
Como faria para conseguir acomodar Patrício dentro de um
táxi, não fazia a mínima ideia, mas o queria longe. Foi quando ouvi
o farfalhar das almofadas sendo jogadas de lado. Olhei para trás
verificando que meu namorado… ex-namorado, deitava no sofá
como se estivesse na própria casa. Os pés ainda calçados
emporcalhando o tecido impecável.
— O que está fazendo? — gritei, retornando rápido para o
seu lado. — Tire os pés daí!
Patrício me encarou confuso, um dos braços embaixo da
cabeça, o corpo todo relaxado.
— Senta aqui, Morena.
— Tire os pés agora mesmo do sofá! — rosnei. Ele revirou
os olhos, gemeu deixando claro que tal atitude tornava-se
desagradável, e pousou os pés fora do sofá.
— Pronto, mamãe! — ironizou.
— Deus me livre de conceber um filho como você. — Ele riu
e segurou minha mão quando tentei me afastar.
— Pode sentar aqui agora?
— Não!
— Precisamos conversar! Não é isso o que os casaixxxxx….
fazem?
— Você está bêbado! — Ele riu, sendo o idiota que sempre
foi.
— Estou, Morena! Não tive coragem de ir para caxa, caiza,
ca-sa! Acho que… vou dormir por aqui.
Foi minha vez de revirar os olhos. A confusão mental em que
se encontrava, não confundia apenas as suas palavras, como
também a minha mente. Poderia ser engraçado, mas era ridículo.
— Não faxa, fasss… fa-ça essa cara. Sei que ficou
emocionada quando cheguei. Q.ue sentiu aquele frio na barriga
típico das pexoas apaixonadas.
Puxei minha mão, cruzei os braços observando-o, encarando
a sua embriaguez, sua incapacidade de raciocinar de forma
coerente. Patrício fechou os olhos, encostando a cabeça no sofá.
Parecia mais jovem, além de inocente. Apertei os lábios, me
negando a deixar que aquela mágoa cedesse.
— Frio na barriga é a noradrenalina parando o peristaltismo.
Ele me encarou assustado, arqueou uma sobrancelha como se
eu fosse um ET.
— Esse frio na barriga que você está descrevendo como se
fosse a coisa mais romântica do mundo, é só o cocô parando de
andar no intestino. Entendeu?
Bem lentamente, um sorriso brincou nos seus lábios.
— Ou seja, amar dá prisão de ventre. Uma droga! Melhor
seria não amar.
Patrício jogou a cabeça para trás e riu feito uma criança.
Aquele som, a maneira como ele só esquecia tudo e ria, ou fazia
uma piada, a forma como seus olhos se comprimiam, seus lábios se
esticavam… como ele conseguia acalmar a tempestade dentro de
mim com coisas tão… banais?
— Se vai dormir aqui é melhor tirar os sapatos. E se vomitar
no tapete, corto suas bolas. — Ele riu um pouco mais.
— Extou de castigo, não é ixo?
Relaxado no sofá, os olhos fechados, o corpo começando a
ceder às próprias necessidades, Patrício se entregou sem aguardar
pela minha resposta. Fiquei parada, contemplando a sua respiração,
o leve subir e descer do seu peito, deixando o tempo passar entre
nós dois, e eternizando aquela imagem em mim. Até que não restou
nada além da escuridão da noite, e da sua respiração mais leve do
que deveria para um corpo tão grande.
Suspirei.
— É, garoto, você está de castigo — sussurrei para mim
mesma.
CAPÍTULO 2

“Me perdi pelo caminho, mas não paro, não.


Já chorei mares e rios. Mas não afogo não”
Dona de Mim - Iza

Olhei para todos os lados me situando. No fundo reconhecia


que sonhava e, ainda assim, me perguntava como aquilo poderia
ser real? Sorrindo, linda e parecendo flutuar, a madrinha pairava a
minha frente. Não havia em suas feições nada que me lembrasse da
sua doença. Talvez por isso minha mente não associava a imagem a
morte recente, ou, quem sabe, estivesse tão inebriada de sono que
não conseguia raciocinar direito.
— Madrinha? — Arrisquei dizer. Ela sorriu com aquele
carinho que eu jamais encontraria nos olhos de outra pessoa. —
Madrinha? — chamei outra vez tentando alcançá-la, mas então ela
se desfez, virou fumaça e sumiu. — Madrinha? — gritei abrindo os
olhos em desespero e me deparando com meu quarto escuro, apesar
do despertador indicar estarmos quase às sete da manhã.
Por um segundo confiei continuar presa àquele sonho. Tentei
levantar, mas algo me impedia. Olhei apavorada para o teto,
respirei fundo, me obrigando a estudar todas as possibilidades, e só
então percebi.
Sobre meu abdômen, o braço de Patrício me impedia de
levantar, e sobre minhas pernas, a dele, grande e pesada, me
imobilizando. Foi muito fácil esquecer o sonho que me fez acordar
esbaforida.
— O quê… seu… merda! Patrício! — gritei seu nome,
permitindo que o aborrecimento me dominasse. Nem isso o
despertou.
Empurrei Patrício com raiva, me sentindo sufocar, cansada
demais para quem havia acabado de acordar. E como não podia ser
diferente, vindo de quem vinha, Patrício acolheu meus protestos de
forma deturpada. Assim que comecei a me mexer para tirá-lo de
cima de mim, seus lábios começaram a beijar meus ombros,
descendo em direção aos meus seios, e em seguida, sua mão iniciou
o processo de puxar a minha camisola para cima.
Foi demais para mim. Ainda com o terror do sonho,
aborrecida por aquele garoto se atrever a deitar em minha cama
após terminar comigo, e preocupada com o andamento da minha
família, fiz o que achei certo. Segurei Patrício pelos ombros,
plantei os dois pés no colchão com os joelhos dobrados,
impulsionei meu corpo e girei.
Foi um baque apenas. Patrício rolou por cima de mim e caiu
no chão, ao lado da cama, sem nem saber o que havia acontecido. E
como eu não podia deixar de ser uma boba apaixonada pelo cara
mais complicado do planeta, fui tomada pelo desespero no mesmo
segundo.
— Patrício! — gritei. — Ah, droga!
— Porra! — gemeu ainda de olhos fechados, fazendo uma
careta e levando a mão às costas. — O quê… eu…
Abriu os olhos se dando conta da situação e me encarou
aborrecido. Foi o suficiente para me recompor e deixar o
aborrecimento voltar com toda a sua força.
— Você me jogou no chão?
— Pense nisso antes de deitar na minha cama sem ter sido
convidado.
— Convidado? Eu sou seu namorado! Durmo aqui todos os
dias desde que…
Parou por um motivo óbvio. Patrício dormia em minha casa
desde que retornei ao Brasil, após enterrar a minha madrinha e
deixar minha irmã para trás, em uma tentativa desesperada do
padrinho de fazer com que Charlotte reagisse. Porém, só o fato de
ele evitar o assunto, causou em mim aquela reação. Encarar a
realidade depois de estar com a madrinha, mesmo que em sonho,
me fazia ressentir. Se eu fechasse os olhos ainda conseguia
visualizar o seu sorriso, assim como podia relembrar o momento
em que se converteu em fumaça e desapareceu.
Foi horrível!
— Você foi embora — rosnei, levantando da cama.
— E você enlouqueceu por causa da Clara — acusou.
— Não quero conversar sobre isso.
Rebelde, fui até o banheiro e me tranquei lá dentro. Minha
primeira reação foi encarar a minha imagem no espelho e me
envergonhar do que via. Uma mulher ciumenta, possessiva,
emburrada, punitiva. Fechei os olhos me negando a encarar aquela
verdade de frente.
Ok! Levei Patrício ao clube ciente de que poderíamos
encontrar alguém que despertasse o nosso interesse. Aquela noite
poderia ter resultado em mais uma garota ou mais um rapaz. E eu
me preparei para esta realidade, não foi mesmo? Então por que agia
como se houvesse um problema?
A resposta piscava em minha tela mental sem me deixar
ignorá-la. Clara. O problema era a Clara!
Não que eu achasse correto sentir ciúme de alguém que fazia
parte do passado do meu namorado. Ele não podia implicar com
ninguém do meu, justo, não? Mas Clara… porra! Eu mesma já
havia transado com a garota e presenciado inúmeras vezes como
ela agia na cama com os homens, e era… era… era como me
enxergar em outra pessoa.
Clara daria a Patrício tudo o que eu podia lhe proporcionar.
Ela era o que quebrava a minha apresentação de diferencial. E
aquela garota desmentia a minha condição de única, o que me
deixava insegura.
Patrício transou com ela, e para receber um convite, com
certeza não aconteceu apenas uma vez. Eles se divertiam juntos.
Clara gostava dele o suficiente para fazer a proposta sem qualquer
receio. Diferente de mim, que relutei, precisei de um espaço de
tempo imenso e ainda assim pisei naquele salão cheia de
ressalvas.
Clara…
— Miranda? — Patrício bateu na porta do banheiro me
sobressaltando.
— Droga! — bradei. — Não posso nem fazer xixi sem
precisar ser lembrada que você está do outro lado da parede? —
Ouvi seu riso debochado.
— Você não está fazendo xixi, está remoendo os problemas e
evitando a conversa que teremos.
Abri a porta com pressa encarando aquele menino
debochado, cheio de si, parado no batente sem me dar passagem.
— Não vamos ter esta conversa. Você terminou comigo,
então…
— Terminei? Quando? Espere… o que falei ontem quando…
— Você estava bêbado, e sim, terminou comigo, mas foi
antes, quando não suportou o fato de eu não permitir que Clara se
enfurnasse entre nós.
— Eu?
Ele me encarava sem assimilar a minha raiva, perturbado ao
ponto de não resistir quando forcei minha passagem, voltando ao
quarto.
— Acho que precisamos mesmo conversar sobre isso,
Morena.
— Não!
Fui para a extremidade mais distante dele. Seus olhos
estreitos lançavam flechas em minha direção. Foi o suficiente para
que começasse a me remexer desconfortável. Minhas mãos se
agitavam, buscando onde se apoiar e sem encontrar o local
adequado. Ainda não conseguia lidar com a ideia de justificar
minha atitude. Nunca precisei recuar diante de situações parecidas.
Para mim, sexo sempre foi sexo e a escolha do parceiro nunca
acontecia por sua experiência com alguém por quem eu expressava
estima.
Expressava estima. Que ridículo! Não havia essa ideia de
estimar Patrício. Eu o amava! A merda do amor e suas
consequências. Essa posse, a ideia de que deveríamos possuir
apenas um ao outro. A presença de alguém que ele admirava, com
quem transou, mexia com o meu juízo.
Não deveria, mas mexia.
— Miranda…
— Não! — Levantei um dedo impedindo-o de começar.
Abusaria da minha infantilidade para não precisar confessar
em alto e bom som, que permitia que o ciúme ditasse meus passos.
Não. Eu preferia a morte.
— O que preciso fazer para que você converse comigo?
— Não acredito que você tenha esta capacidade — rebati
frustrada. Patrício ergueu uma sobrancelha me encarando em
dúvida.
— O que preciso ter?
Como aquele garoto conseguia ser tão tolo? Por que Patrício
não enxergava o que havia dentro de mim? Facilitaria se fosse mais
direto e acabasse com a minha angústia falando por mim.
Nomeando aquilo que eu não admitia. O ciúme.
A sensação ácida corroeu meu estômago. Quer saber? Minha
vida confortável antes de Patrício começava a fazer muita falta.
Mas não! Manter tudo em seu lugar, sem problemas para roubar a
minha paz, sem a necessidade de explicações ou desculpas
descabidas, não fazia parte dos planos de Deus para mim. Por isso
Ele inseriu Patrício em minha história, para sacudir meu mundo e
jogar tudo para o alto. E desde então não me reconheço mais.
— Um dinossauro.
— Um dinossauro?!
— Sim, um dinossauro. Você tem um?
— Não!
— Então fora!
— Fora?
— Fora! Vá embora! Agora!
— Miranda!
— Agora!
— Ok! — Suspirou. — Um dinossauro? — Balançou a
cabeça incrédulo, depois sorriu. — Tudo bem, gata!
Continuei firme, contudo, incrédula. Como confiar que
aquele menino que chegou a minha casa tarde da noite, bêbado
após brigarmos, de fazer parecer que havíamos terminado, aceitaria
com tanta facilidade a minha birra? Mas ele aceitou.
Encarei suas costas sem conseguir expressar qualquer reação.
Patrício foi até o closet e voltou de lá com uma camisa limpa. A
calça continuava sendo a mesma da noite anterior, que sequer
retirou para dormir. Seu olhar encontrou o meu algumas vezes,
entretanto sem o apelo que deveria existir. Havia em Patrício uma
segurança que me desconcertava, que chegava a ser um tanto
ultrajante. Após calçar os sapatos, ele levantou e foi até a porta.
— Um dinossauro?
— É, Patrício! Um dinossauro!
Meu pé direito batia no chão enquanto meus dedos se
fechavam em minhas costelas, me impedindo de desfazer do meu
pedido. A sensação em meu estômago nada bem vinda me ajudava
a não me render.
— Tudo bem — sussurrou derrotado.
Abriu a porta, e saiu sem olhar para trás. Entortei a boca
incrédula com a sua facilidade de aceitar tão rápido. E aquela
conversa de dinossauro? Meu Deus! Eu era a pessoa mais patética
do mundo.
Soltei um longo suspiro ao me render e sentar na cama.
Aquele dia já havia iniciado de forma horrível. Confesso que
consegui piorar tudo quando preferi expulsar Patrício a termos
aquela conversa de uma vez.
Tudo certo. Não havia nenhum problema com o meu… não
fazia ideia se ex ou atual namorado, que não pudesse ajustar com
um pouco de tempo. E eu precisava de tempo, até mesmo para
digerir aquela noite, assimilar a existência de Clara na vida de
Patrício, e decidir o que poderia fazer para amenizar o drama.
No momento havia uma lista de necessidades com mais
prioridades do que acalmar o ciúme. Charlotte encabeçava a minha
lista. Principalmente depois do sonho com a madrinha. Mas antes
que eu conseguisse sacar o celular e tomar qualquer atitude
relacionada a minha irmã, meu telefone tocou com o nome do
padrinho piscando na tela.
E foi assim que percebi que sonhar com a madrinha poderia
significar muito mais do que a saudade que me arrasava todos os
dias.
CAPÍTULO 3

“Tem talento de equilibrista


Ela é muita, se você quer saber”
Desconstruindo Amélia - Pitty

— Mas ele não pode voltar sem ela!


Andei de um lado para o outro, sem conseguir seguir a linha
de raciocínio do padrinho. Como ele não conseguia enxergar que
separar Alex de Charlotte naquele momento, causaria problemas
maiores? Parecia que ninguém naquela família conhecia aquela
menina.
Charlotte era turrona! Quando colocava na cabeça que
deveria apropriar-se de uma responsabilidade, seguia até o fim. Foi
desse jeito quando a madrinha adoeceu e ela culpou o marido por
não contar antes sobre a doença.
— Vai dar certo, Miranda.
— Claro que não vai — resmunguei sem conseguir parar de
andar.
Minha vontade era de correr para o aeroporto e retornar à
Inglaterra para impedir que Alex fizesse aquela bobagem. Cogitei
telefonar, mas havia uma séria chance de Alex desprezar os meus
conselhos, mesmo com a pouca aproximação no período em que
fiquei com eles.
O padrinho agia como se desconhecesse a infantilidade da
filha. Quando Charlotte descobriu que todos conheciam a doença
da madrinha, menos ela, quase destruiu seu casamento, sumiu, se
ressentiu, não voltou a conversar com o marido e no final, depois
da morte da mãe, assumiu para si a tarefa de cuidar do pai. Não
havia espaço para Alex naquele momento e tirá-lo da sua
convivência só faria com que Charlotte desistisse.
Ah, droga!
— Alex concordou comigo. Quando Charlotte se der conta
do que está fazendo vai acordar. O que não quero é que ela fique
por aqui, sofrendo, sem vida. Charlotte está se enterrando junto
com a mãe! — A voz do padrinho embargou. Algo nada normal
para alguém como ele. — Quero que entenda, Miranda. Charlotte
vai destruir tudo o que conquistou se continuar assim. Ela não
escreve. Tudo bem que ainda é cedo para voltar a rotina, mas e os
sonhos dela? E o casamento? Alex era tudo o que aquela menina
queria e agora… ela age como se ele não existisse.
— Quem sabe se o senhor deixasse que eles dois buscassem a
solução para os problemas deles…
— Como se eu não tivesse feito isso nesses meses —
esbravejou. — Tenho dado espaço a esses dois e só o que vi foi
uma Charlotte sem reação e um Alex que não sabe o que fazer com
a esposa.
— Padrinho isso não é um problema nosso.
— Olha, Miranda… — Suspirou, a voz cansada. Relembrei
seu sofrimento e o quanto aquilo tudo era bastante doloroso para
ele. — Se Charlotte quiser ficar, tudo bem, no entanto, não posso
deixar que Alex estrague a vida que construiu e que está deixando
para trás, por causa de Charlotte e da sua obsessão pela minha
saúde.
— Entenda o lado dela.
— Eu entendo. Juro que entendo. Charlotte acabou de perder
a mãe e não está preparada para me perder, mas sabe, as pessoas
morrem. Posso estar com a saúde em dia e morrer atropelado ao
atravessar a rua, ou engasgado com uma espinha de peixe. A morte
faz parte da vida e precisamos aprender a conviver com ela. Fácil
não é. Acordar todos os dias e saber que Mary não está mais aqui,
me apavora também. E apesar disso, precisamos seguir em frente.
Charlotte parou.
— Tenho medo, padrinho.
— Eu também. Porém, mesmo com medo vou te pedir uma
coisa.
Puxei o ar com tanta força, que o retive nos pulmões por mais
tempo do que deveria. Eu conhecia o padrinho o suficiente para
aguardar por uma bomba.
— Qualquer coisa — falei sem tanta convicção.
— Não quero que entre em contato com Charlotte.
— O quê? Mas…
— Charlotte precisa perceber que está sozinha. Que todos
estão seguindo com suas vidas enquanto ela insiste em parar a dela.
— Mas, padrinho…
— É o que quero que faça, Miranda. Se você ou Johnny
continuarem aparecendo, ela não vai sentir que perdeu. Se
queremos ter Charlotte de volta precisamos atuar com firmeza.
— Só quero deixar claro que não estou de acordo. Vou fazer
porque… droga, nem sei porque. — Ele riu. — Quando Charlotte
descobrir esta armação, quero que confirme que fui forçada a
aceitar.
— Tudo bem. Direi que ameacei cortar a sua mesada.
— Isso é sério, padrinho!
— Mais do que você consegue imaginar.
O fim da ligação não acalmou meus ânimos, pelo contrário.
Aquele dia dava todos os sinais de que demoraria a terminar.
Andei pelo quarto sem definir um rumo ou um plano. Aquela
confusão tendia a piorar, a virar uma avalanche. E Charlotte? E
Alex? E Patrício? Céus! Se eu continuasse daquele jeito
enlouqueceria. Decidida a conseguir o máximo de informações
possível, liguei para Patrício. Ele com certeza saberia algo a
respeito do irmão, ou poderia ser o garoto abusado de sempre e ir
contra as ordens de Peter alertando o irmão da bobagem que fazia.
Mas patrício não atendeu. Encarei a tela do celular me
perguntando se não atendeu por estar aborrecido comigo ou se as
atividades profissionais o impediram. E lógico que cheguei à
conclusão de que ele não atendeu porque não quis. Afinal de
contas, não fazia nem uma hora que havia saído da minha casa.
Larguei o celular sobre a cama. Então fiz o que achei ser o
mais adequado, liguei para o salão e agendei tratamento completo:
unhas, hidratação do cabelo, corpo, rosto, sobrancelhas e como não
podia deixar de ser, depilação.
Nada como um dia inteiro só para mim para conseguir
raciocinar sobre o que fazer com os outros.

Deitei no sofá e encarei o teto. Fiz tudo o que considerei que


uma garota precisava em momentos como aquele. Passei quase um
dia inteiro no salão. Não havia uma única parte de mim que não
houvesse recebido uma maravilhosa massagem, logo, todos os
meus pontos de tensão foram dissolvidos nas mãos mágicas do
Mando, Dilermando, meu massagista preferido.
Minhas unhas pintadas e encantadoras naquele esmalte claro,
passariam pela aprovação da madrinha. Meus pés hidratados como
eu gostava. Todos os pelos indesejados foram arrancados de mim,
não sem certo sacrifício. E eu me sentia… horrível!
Sentei no sofá fechando o robe com força. Nada deveria me
perturbar naquele momento, afinal de contas, que mal alcançava
uma mulher depois de um dia de diva? Havia um, e este podia ser
considerado como o pior de todos: a solidão.
Escondi o rosto nas mãos para não me descontrolar, quando a
verdade me obrigava a reconhecer que faltava pouquíssimo para
que entrasse em um colapso nervoso. Patrício não me atendeu, nem
retornou minhas ligações. Johnny até respondeu minha mensagem,
só para dizer que não tinha como conversar comigo porque o
padrinho o encheu de atividades. E Charlotte… Bom, eu não podia
telefonar para a minha própria irmã.
Restava-me a solidão daquele apartamento. Um sentimento
sufocante ao ponto de me enlouquecer, me levava para
pensamentos que eu não me sentia disposta a ter, uma vez que a
intenção era relaxar e não me acabar de tristeza.
Entretanto, quando comecei a me render ao peso que descia
sobre mim, o peso do silêncio e da falta daqueles que eu amava, o
interfone tocou. Só então me dei conta da minha posição, inclinada
em direção ao chão, encurvada como se de fato, algo em meus
ombros me forçasse a ceder.
Tirei o rosto das mãos olhando na direção da cozinha, me
permitindo breves segundos de hesitação. Levantei em um salto e
andei tão rápido que me questionei se a solidão não me
enlouquecera de fato. Agarrei o aparelho como se dele dependesse
a minha sobrevivência.
— Alô?
— Senhorita Miranda?
Quem mais poderia ser? Revirei os olhos para um Vítor, que
não podia me ver, mas que sabia que ninguém além de mim,
habitava aquele apartamento. Como se o fofoqueiro mor não
soubesse cada passo dado naquele flat.
— Sim.
— Chegou uma… hum… encomenda para você.
— Pra mim?
Minha primeira reação foi verificar as horas e constatar o
abuso do horário para entregas de encomendas. Pelo menos para as
tradicionais, excluindo comidas, ainda assim, não havia nada que
eu estivesse aguardando.
— Sim. É… na verdade é um…
— Pode autorizar subir, Vítor.
— Certo.
Desligou tão rápido que comecei a me perguntar que tipo de
entrega era aquela que podia deixar o único homem que fazia
questão de fazer perguntas, se calar, ou, demonstrar tanta vontade
de se livrar de algo.
Conferi meu robe sem qualquer vontade de trocar de roupa.
Quem quer que fosse, entregaria a encomenda na porta e iria
embora. Precisei controlar os nervos por quase vinte minutos até
que, finalmente, o elevador parou no meu andar e a porta abriu
revelando dois homens vestindo calça jeans e camisa polo com a
marca da empresa onde trabalhavam.
— Senhorita Miranda? — um deles falou.
Achei estranho, pois o outro ainda segurava a porta do
elevador e arrastava para fora um aparelho que parecia um motor
de um carro, ou qualquer coisa parecida. Logo em seguida tirou de
lá uma sacola preta e uma armação de ferro quase da altura do teto,
com uma boa parte revestida de balões verdes, marrons e laranja.
— Sim. O que significa isso? — ele sorriu sem se abalar com
a minha confusão.
— Fomos contratados para armar uma escultura de balões
pelo senhor… — conferiu o nome. — Patrício.
— Patrício?
— Sim. Podemos entrar?
— Espere um pouco!
Minha mente deu um nó. Patrício contratou uma empresa
para fazer uma escultura de balões na minha casa? Qual o problema
daquele garoto?
— Essa é a minha casa, não a dele.
— Sim, estamos cientes disso. Assim como fomos
informados que não poderíamos revelar que tipo de escultura
vamos fazer.
— Ah é? — Cruzei os braços na frente e ele riu com certo
prazer.
— Sim. Parece que temos uma surpresa aqui. Podemos?
Saí da frente só porque não queria estragar o trabalho dos
rapazes. Se eles foram contratados pelo pateta do meu namorado,
precisavam receber por isso. Comecei a imaginar como faria para
matar Patrício, ou para me vingar dele. Peguei meu celular
observando toda a ação dos homens e tentei, pela milionésima vez,
falar com ele. Não houve sucesso.
Começava a entender porque Patrício me evitava. Talvez
soubesse que eu ficaria furiosa com aquela palhaçada, ou, o que era
bem provável, estivesse mesmo afim de me enfurecer. Era típico de
Patrício atitudes como aquela.
Sentei no sofá e aguardei, enquanto eles trabalhavam, e à
medida que aquele monstro começou a ganhar formato, as batidas
do meu coração aceleravam. De tempos em tempos os rapazes
olhavam na minha direção e sorriam, certificados de que aquela
marra inicial perdia espaço para a admiração.
Aos poucos meus olhos marejados entregavam a minha
incapacidade de ignorar o quanto Patrício era especial, e o sorriso
em meus lábios não conseguia sequer se desfazer.
Muito rápido eles finalizaram o processo, não me dando
tempo de refazer minha emoção. Eles sorriam e não evitei as
lágrimas que desceram. Com um gesto solene, se curvaram
enquanto eu os aplaudia. À minha frente, uma imensa escultura de
balões formavam um dinossauro, o pescoço longo atingindo o teto
do meu apartamento.
Patrício era incrível!
Os rapazes saíram deixando-me sozinha com aquele gesto
louco, é bem verdade, porém, lindo, de amor. Há meses não me
sentia tão aquecida por dentro.
A campainha tocou em seguida, o que me fez ponderar que
talvez tivessem esquecido algo, mas me deparei com meu
namorado parado na porta. Ele sorria, mesmo com certa hesitação
em seu olhar. Sem conseguir falar, dei um passo para trás,
permitindo que ele entrasse e então vi. Em seus braços três coisas
ganharam a minha atenção, enquanto Patrício encarava o trabalho
na minha sala: uma caixa com a imagem de um dinossauro, uma
outra espécie do animal em pelúcia e mais um de borracha. Foi
inevitável. Comecei a rir.
— Não sabia qual tipo te convenceria então… — falou rindo.
— Você é louco! E o que é isso? Um quebra-cabeça? — Ele
pegou a caixa e fez uma careta.
— É de montar. Uma miniatura de esqueleto de dinossauro
para colecionadores. Tentei trazer pronto, mas…
Voltei a rir e a chorar, encantada, sem capacidade de
esconder minhas emoções.
— Estou perdoado? — disse baixinho, cheio de cuidado. —
Podemos conversar agora?
— Não!
Antes que ele conseguisse contestar, me atirei em seus
braços, buscando seus lábios, entregue, apaixonada por aquele
garoto abusado que mudava o meu mundo. Ele queria conversar,
mas naquele momento, eu só queria amá-lo como nunca fui capaz
de amar antes.
CAPÍTULO 4

“Depois que o alarme tocar não adianta fugir


Vai ter que se misturar ou se bater de frente, periga cair”
Tombei - Karol Conka

Existia todo um conjunto de emoções quando me via nos


braços de Patrício. E em cada situação, o sabor daquele momento
se modificava de forma a deixá-lo muitíssimo saboroso.
Diante da escultura de balões que formavam um dinossauro,
era compreensível que nossas necessidades se tornassem bastante
avassaladoras do que quando deitávamos juntos no final do dia e
namorávamos como um casal normal. Não. A maneira simples e
atenciosa com que Patrício soube lidar com a minha birra, acendeu
em mim uma paixão que me queimava.
Por isso meus braços puxavam meu namorado para perto, e
também por isso, talvez, eu me sentia tão emocionada quanto
excitada. Desesperada para demonstrar àquele menino atrevido o
tanto que havia conquistado do meu respeito, do meu amor.
E não importava se pairava no ar a extrema necessidade de
termos aquela conversa. De fato precisávamos. Mas eu só queria
amá-lo, naquela sala, da única forma que o faria enxergar o
desespero que habitava em mim. Patrício podia não fazer ideia da
sua importância, mas ele era o que dava sentido à minha força.
Porque quando tudo parecia desmoronar, ele chegava e aliviava o
meu peso. Mesmo de forma insolente, abusada e nada
convencional. Era ele quem salvava o meu dia. Sempre e sempre e
sempre.
Patrício me acolheu com o mesmo ímpeto. Aquela saudade
que nos embalava, dominava, conduzia. E eu amava quando ele me
segurava daquela forma, com mãos firmes e decididas, com o fogo
incontrolável, a paixão apimentando a junção dos nossos lábios e a
necessidade de tê-lo em mim, me completando e dizendo, mesmo
sem qualquer palavra, que não me deixaria nunca mais.
E, para a minha total surpresa, tal constatação, reconhecer
aquela necessidade de tê-lo para sempre, não me assustou. Tornou-
se necessário assumir a verdade, ainda que não conseguisse dizê-la
em voz alta.
Ouvi o baque dos objetos que ele levou para a minha casa, na
sua tentativa torpe de me convencer a falar, ao caírem no chão. Não
demos importância. Patrício não se importava com qualquer
situação externa, estávamos de volta, presos em nossa bolha,
completos e envolvidos de tal forma que se uma bomba explodisse
não nos afetaria.
Sua urgência fez com que suas mãos descessem pelos meus
ombros puxando meu roupão para baixo. Seu beijo repleto de
desejo alinhava-se ao meu, reconhecendo a minha necessidade e
refletindo a dele. Patrício gemeu, roçando as mãos por cima do
sutiã fino e delicado enquanto seus beijos alcançavam meu pescoço
me desconcertando.
Sempre havia uma energia acumulada naquele lugar que nem
toda a massagem de Mando seria capaz de libertar, porque era pura
e carnal. Pulsava, ativada pelo toque único do homem que eu
amava, e que, ao ser acionada, vibrava no exato meio entre as
minhas pernas. Eu ficava elétrica, arfante, molhada, repleta de
desejo e sensível ao ponto de implorar.
Sua mão forte roçava meu seio, fazendo com que o tecido
atiçasse minhas terminações nervosas. Gemi manhosa, quente, o
corpo todo entregue, minhas mãos buscando os botões da camisa
dele, sem encontrar o equilíbrio necessário para fazer aquilo da
forma correta, porque a urgência me limitava, atrapalhava e me
impedia de alcançar o que tanto queria.
Mas Patrício tinha o dom de captar todas as minhas
necessidades, e eu soube disso quando segurou minhas mãos,
levando-as ao seu pescoço, para em seguida percorrer minhas
costas com firmeza até alcançar minha bunda, onde não se
demorou. Ele tinha ciência do fogo que me consumia e ameaçava
me queimar, e, como não podia deixar de ser, foi implacável.
Com um único movimento, me ergueu, minhas pernas se
fecharam em sua cintura, nossos lábios voltaram a se juntar e suas
mãos invadiram minha calcinha por trás, me sustentando pela
carne, pele com pele. Os dedos provocativos acariciando minha
entrada lisa, aprovada com um gemido de prazer que repercutiu em
meu ventre.
Ele me deitou no sofá, ficando por cima. Eu estava louca de
desejo, queria tocá-lo, arrancar a sua roupa, experimentar o seu
peso no meu, rebolar em seu corpo até que o alívio nos dominasse.
Porém, Patrício não tinha este plano. Meu namorado segurou
minhas mãos acima da minha cabeça e afastou o rosto do meu. Um
sorriso que misturava o deboche e a lascívia, e o brilho no olhar
que dizia que não havia motivo para a pressa. Ele me daria tudo o
que eu quisesse.
Ah, Deus! Eu amava aquele garoto.
— Morena! — rosnou baixinho, a voz cheia de tesão. — Eu
preciso…
Olhou para baixo, conferindo minha lingerie, minhas pernas
abertas recebendo-o, as peças sensuais e provocantes, o robe
revelando o seu objeto de desejo. Mantendo meus pulsos firmes,
desceu os lábios pelos meus seios, a boca captando minha carne
aos poucos, mordiscando e chupando com a pressão exata. Seus
dentes se fecharam no mamilo, ainda na renda fina do sutiã,
arrancando um suspiro de mim repleto de satisfação.
Ele trocou o peso do corpo, se equilibrando sobre um único
cotovelo, segurando meus pulsos com apenas uma das mãos, e
deixando a outra livre para abusar de mim como bem quisesse. E
era exatamente o meu querer, que ele abusasse, possuísse meu
corpo, uma vez que minha alma já se encontrava repleta daquele
amor, sem condições de reverter.
Patrício afastou o tecido permitindo que meu seio fosse
revelado e logo em seguida o chupou com reverência, amando o
que fazia, adorando meu corpo como quem adora a uma deusa. Sua
língua experimentando, brincando, atiçando.
Ao mesmo tempo, sua mão livre deslizou por minha barriga,
lenta, angustiante, demorando mais do que o necessário para chegar
ao destino que nós dois conhecíamos muito bem. Meu corpo não
suportava a pressão, a angústia que vibrava em meu íntimo, a
sensibilidade que me contorcia, arrancava choramingos, me
lançava em sua direção.
Ele me segurava com o peso do seu corpo e sua palma
quente, sem se importar com o fogo que ameaçava me queimar por
completo, permitindo que a língua continuasse sua tortura, que os
lábios mantivessem o padrão torturante de mamar em mim com
tanta doçura que me desmanchava embaixo dele.
Mas nem Patrício era esse poço de paciência, nem eu o tipo
de garota que apenas aceitava. Forcei minhas mãos libertando-as
com facilidade e agarrei seus cachos grossos e sedosos,
movimentei os quadris no mesmo instante que o empurrei para
baixo com delicadeza.
Ele entendeu o recado e, com uma risada rouca e escrota,
parou de me torturar.
— Você está muito ansiosa, gata!
Respondi com um gemido impaciente, mas também
angustiado, de quem reconhecia que aquela parte do corpo
precisava da atenção dele, e só dele.
Patrício se abaixou um pouco, ainda vestido, e se deixou
ajoelhar no chão, entre as minhas pernas. A tortura continuou. Ele
beijou meu ventre, suas mãos acariciaram minha vagina por cima
da calcinha, reconhecendo o meu estado, sem afastá-la. Seus lábios
continuaram, espalhando beijos por toda a minha extensão, abrindo
minhas pernas, tocando os pontos certos, atiçando cada pedacinho
de mim.
Então lambeu minha vagina por cima da renda fina. A
imagem me fez ir longe. Meu corpo convulsionou, minhas pernas
não se mantiveram firmes, e minha cabeça caiu para trás com um
gemido longo e delicioso. E quando seu dedo adentrou a peça e
forçou minha carne, pensei que encontraria o céu.
Meu Deus, eu estava tão excitada!
— Ah, gata! Você já está pronta. Nem vou poder brincar com
o nosso brinquedinho novo.
— O quê? — Quase não consegui pronunciar as palavras.
No mesmo instante que tentei erguer a cabeça para encará-lo
e entender a sua declaração, Patrício puxou a peça e permitiu que
tanto a língua quanto os dedos brincassem em mim. Voltei a me
entregar, gemendo, arfando, adorando tê-lo entre minhas pernas,
sentindo seus dedos me explorando, sua língua provocando meu
clitóris.
Rebolei em sua língua, seus dedos alcançando o mais fundo
possível, me apertando por dentro, me levando ao limite. Queria
prendê-lo ali até que encontrasse o alívio necessário. Forçar
Patrício a não me abandonar sem arrancar de mim cada gota de
prazer. Mas não fui ágil a tempo. Ele se afastou e sorriu de maneira
safada.
— Calma, Morena!
— Calma?
— Calma — disse sério e decidido. A voz cheia de um
comando que nenhuma vez reconheci nele, e que, naquele
momento, me impactou de uma forma deliciosa.
Eu que de modo algum fui vencida, que me entreguei a quem
quis e como quis, que só fiz o que aceitei, pela primeira vez me
sentia submeter. E o pior, aceitava, gostava de uma forma
inesperada. O que antes parecia querer explodir em mim, alcançou
uma conotação maior. Eu queria aquilo. E só podia estar mesmo
louca.
— Agora — falou com cuidado. — Você vai ficar bem
quietinha, e não vai gozar.
Gemi mordendo a almofada ao lado porque sabia que o
obedeceria. A ordem de Patrício fazia minhas células se chocarem
umas contra as outras, potencializava o meu desejo, me levava para
um nível arrebatador.
Com calma, como disse que seria, desceu os lábios em mim e
me lambeu. A língua parecia um lança chamas. Eu esquentei,
estremeci, minha pele parecia vibrar. Com os braços sobre minhas
coxas, ele não permitia o meu rebolado, e as mãos espalmadas em
meu ventre impediam até mesmo que eu me mexesse.
E assim, me torturou com dentes, língua, lábios, com beijos
que pareciam arrancar a minha alma, com toques corretos, no
tempo certo, e com a pressão exata para me fazer chegar perto, mas
sem a entrega. Eu não suportava mais. O orgasmo parecia decidido
a transbordar por todos os meus poros.
— Patrício! — gemi em desespero.
— Oi, gata! — Puta merda!
Enxerguei o que ele queria. Nós não conversamos, não
resolvemos nossos problemas, não ajustamos os pontos soltos
daquele relacionamento, por isso Patrício me punia, me
subjugando, me torturando, me fazendo falar. Mas não o faria.
Uma coisa era admitir o seu comando sobre mim, que seu poder ia
além de uma trepada gostosa, e do amor sobre o qual eu não tinha
qualquer controle. Outra, era implorar para que me fizesse gozar.
Ah, pelo amor de Deus! Tudo tem limites neste mundo.
Ele continuou, a língua indo e vindo, as chupadas me levando
ao limite e parando. Seus lábios cobriam minha pele, a junção entre
a coxa e a vagina, o limite entre o ventre e meu sexo, tentando me
acalmar e em seguida recomeçava. Gritei de prazer e frustração.
Ele riu. O hálito aquecendo meu corpo.
Que escroto!
— Patrício, eu…
— Calma, Morena!
Com os olhos atentos a mim, a boca quase em minha vagina,
deu uma piscadela safada e me lambeu cheio de luxúria. Puta que
pariu! Como ele conseguia ser tão sacana?
Patrício brincou comigo por angustiantes minutos, a toda
hora parando quando constatava um estremecimento mais forte em
meu corpo, ou quando captava as minhas tentativas de trapacear,
me permitindo ir além do que ele estabelecia para mim. Levantei,
arfante, tremendo, desafiadora, decidida a pôr um fim naquele
sofrimento. E ele me presenteou com o sorriso mais cafajeste de
todos, ao mesmo tempo, o mais maravilhoso que um dia foi capaz
de me oferecer. Imediatamente minha ira perdeu a força e meu
corpo amoleceu.
— Não estrague a brincadeira, Morena.
— Que brincadeira? Isso é uma tortura!
— Eu sei. — Seu sorriso enlargueceu, cheio de malícia.
— Isso não é justo, Patrício! Você sabe que teria me feito
gozar no mínimo três vezes.
— Eu sei. — Inclinou-se para me beijar. Os lábios com o
meu gosto, que confesso, eu adorava.
— Então…
— Então você disse que eu precisava de um dinossauro para
conseguir fazer com que você conversasse comigo.
— Nós vamos discutir isso agora? — Quase gritei.
— Não.
— Então? — Olhei sugestivamente para ele, que continuava
sorrindo, malandro, cheio de segredos e malícia. — Patrício!
— Eu trouxe um dinossauro imenso. — Apontou para a
escultura de balões no meio da minha sala e me perguntei aonde
ele queria chegar. — Trouxe um dinossauro de borracha, um de
plástico, um que deveria montar, mas…
— Patrício, se concentre — reclamei.
Ele arqueou uma sobrancelha como se eu estivesse cortando
uma belíssima explanação e aguardou. Revirei os olhos, voltando a
deitar no sofá para que ele, enfim, finalizasse o seu discurso.
— Recomeçando… — eu ia protestar. Ele ergueu o dedo me
impedindo. — Eu trouxe um dinossauro de balões, um de plástico,
um de borracha e um de montar. Mas não tive a chance de te
mostrar a parte mais importante desta minha longa caminhada para
atender seu desejo, minha amada senhora.
— E o que seria?
Forcei os lábios a não se abrirem em um sorriso, me
impedindo de concordar com aquilo. Patrício colocou a mão para
trás e retirou do bolso do fundo do seu jeans um… Puta merda!
— Isso não é um…
— Eu chamo de pirocassauro, mas a vendedora insistiu que o
nome correto é vibrador no formato dinossauro.
Olhou para o objeto em sua mão com certa devoção. Era
longo e preto, com elevações no seu corpo que pareciam escamas,
que eu, conhecedora do assunto, conhecia a sua finalidade, e uma
cabeça o tanto quanto grossa.
— Você é louco.
Comecei a rir sem saber se me sentia constrangida, excitada
ou se apenas me entregava à graça que aquele menino conseguia
fazer nos momentos mais inusitados.
— A garota me disse que isso aqui tem a capacidade de fazer
qualquer garota falar. — Acionou o botão que fazia o troço vibrar.
Ri ainda mais.
— O que você tem entre as pernas é capaz de fazer qualquer
pessoa, homem ou mulher, falar o que você quiser, garoto! — Ele
ficou sério, os olhos queimando em mim, o tesão voltando a
crepitar entre nós.
— Mesmo? — Concordei sem nada dizer. — Neste caso,
vamos fazer um ótimo trabalho hoje.
— Vamos?
— Sim. Eu e o meu amigo pré-histórico aqui.
— Patrício!
— Vem, Morena! Já perdemos tempo demais com conversa
fiada. — Precisei revirar os olhos outra vez, e, mesmo assim, me
entreguei à sua vontade quando ele me ergueu do sofá.
Não fazia a menor ideia de como faríamos aquilo. Aliás, sim,
eu imaginava diversas formas de trabalhar em conjunto com um
homem e um vibrador, mas Patrício parecia ter tudo esquematizado
e não me dava qualquer sinal de como pretendia agir. Sem qualquer
cuidado, espalhou as coisas que estavam sobre a mesinha de
centro.
— Ei?
Ele sequer me ouviu. Concentrado no que fazia, pregou o
objeto na ponta da mesa e analisou se havia feito da forma certa.
— Eu acho que…
— Não está esperando que eu me debruce sobre isso, não é?
— Sim, espero. Venha!
Ele me puxou, sem aguardar por mim, de joelhos no chão,
me forçando a assumir a mesma posição. Pensei em me rebelar,
consciente de que não possuiria forças para me negar de forma
alguma. Para dizer bem a verdade, meu corpo reagia a Patrício com
uma potência assustadora.
E eu não seria a garota boba que discorreria sobre contrariar a
minha vontade, porque não era falsa nem mentirosa. Pelo menos
não comigo mesma. Eu faria o que ele me pedisse e gostaria de
tudo o que fizesse comigo, porque aquela era eu, Miranda
Middleton, uma pessoa que não tinha medo de assumir gostar de
sexo, e que sexo com Patrício sempre seria algo pelo qual eu
ansiava.
Meu namorado colocou um cacho do meu cabelo atrás da
orelha, o que foi delicado e doce para a ocasião. Então seu dedo
desceu bem lento, acariciando do meu rosto até o queixo. O
movimento não deveria ter qualquer valor diante de tudo o que
planejava fazer comigo, mas me esquentou com a mesma
capacidade e reteu meu ar nos pulmões quando se inclinou para
depositar um beijo casto em meus lábios.
— Sabe que te amo, não é?
Concordei, incapaz de articular, impactada, deliciada com
aquela declaração, apesar de não ser nenhuma novidade, contudo,
diante de toda tensão daquele dia, aquelas eram as palavras que me
levariam ao nocaute. Naquele momento eu soube que faria
qualquer coisa que Patrício me pedisse.
— Venha — sussurrou me orientando com a mão.
Patrício me colocou de costas para ele e de frente para o
vibrador, preso por pressão na borda da mesa de centro. Minha
mente se preencheu com imagens nada adequadas, e me vi me
questionando o que a madrinha pensaria se soubesse que ali, no
pequeno móvel escolhido por ela, naquela sala que fez tanta
questão de imprimir o seu toque, aconteceria uma cálida cena de
sexo?
Enquanto encarava o objeto à minha frente, pensando na
madrinha, na sala, no apartamento em si, e ao mesmo tempo me
deixando levar pela luxúria e imaginando como seria tê-lo dentro
de mim, além de me questionar de que forma Patrício gostaria de
brincar com aquilo, meu robe escorreu até minha cintura, a fita
ainda prendendo-o a mim.
Meu namorado roçou as mãos pelos meus braços fazendo o
caminho de volta, se demorando em meus ombros, até que seus
lábios se juntaram a minha pele e eu perdi o foco. Suas mãos
desceram até meus seios, com cuidado, sem pressa, acendendo uma
chama em mim que levou de volta a necessidade de antes, quando
sua boca se mantinha entre as minhas pernas.
Não reagi. Eu me permiti ser tocada, explorada, saboreada
como ele queria. As mãos ora apertavam meus seios, ora só
acariciavam, e havia o momento em que seus dedos brincavam com
os bicos intumescidos. Também havia a hora em que uma delas
descia, puxava meu corpo contra o dele, me deixando perceber que
havia algo atrás de mim tão gostoso e instigante quanto o objeto à
minha frente.
Seus dedos se afundaram em minha calcinha, tocando meu
clitóris com delicadeza, para não me obrigar a um orgasmo antes
do momento certo. E Deus era testemunha do quão perto eu estava
de deixar acontecer. Podia até sentir minha carne pulsando, sem
qualquer esforço da minha parte, sugando seu dedo, prendendo-o
para encontrar alívio.
— Nós vamos fazer desta maneira, Morena… — iniciou, sem
tirar o dedo de mim, sua palma toda me acariciando, minha pele
arrepiando em níveis difíceis de serem controlados. — Você vai se
debruçar na mesa e deixar meu amiguinho entrar aqui.
Seu dedo se afundou em minha vagina, roubando um gemido
de mim que não deixava nenhum sentimento escondido. Por
instinto, me debrucei sobre a mesa, aceitando a carícia.
— E eu… — Beijou meu ombro, roçando os lábios pela
minha clavícula no mesmo instante que sua outra mão acariciava
minha bunda. — Vou entrar aqui. — Seu anelar roçou de leve a
entrada do meu ânus, me causando espasmos deliciosos.
Porra! Eu ansiava tanto aquilo que doía. Não havia qualquer
novidade em ter dois pênis em mim no ato sexual. Quantas vezes
fui penetrada por dois homens no clube? Várias. Também havia
experimentado a sensação de usar um plug anal, o que se
assemelhava a ter um consolo entre minhas pernas, enquanto outro
homem me fodia, contudo… porra, nada se igualava a ter Patrício
no comando de tudo, ditando como fazer, me tomando para si.
Ah, eu já me sentia quase tocando o nirvana.
— Entendeu? — Confirmei com a cabeça. — Você quer
isso? — Sorri com sarcasmo.
— Não. Vou odiar ser comida por um dinossauro
brutamontes.
— Olha, se não gostou do…
— O dinossauro seria você, seu… — Um tapa forte atingiu
minha bunda me fazendo gritar e rir ao mesmo tempo.
— Vou fazer você se arrepender de ser tão metida, Morena!
— Vai é? Fazendo o quê?
Sem brutalidade, mas decidido a me submeter, Patrício me
posicionou na mesa, o vibrador entre as minhas pernas. Sem
qualquer comando fez com que eu me abaixasse no brinquedo,
recebendo-o em mim. Eu não deveria lhe dar esse gostinho, mas
gemi deliciada, porque minha carne sensível adorou o atrito, além
de ter todo o seu espaço preenchido. E quando menos esperava, ele
acionou o vibrador.
— Puta… — Gemi alto e recebi outro tapa na bunda, um
pouco mais forte. — Patrício… — Outro tapa.
Sua mão segurou todo o meu cabelo, prendendo-o para me
manter cativa. A outra manteve-se em meu quadril. O objeto dentro
de mim até o meu limite, vibrando, começava a me deixar
incoerente. Patrício acariciou minha bunda fazendo sons que
indicavam aprovar o que via.
— Agora, Morena, você vai rebolar como se estivesse com o
meu pau aí em você.
Grunhi de frustração. Se começasse a me mexer, gozaria
com facilidade. Ao mesmo tempo, meu corpo ficou sensível ao
extremo, excitado apenas com a ideia de me masturbar para que
meu namorado me assistisse. De onde ele estava, conseguiria ver
aquele pau grosso e longo entrando e saindo de mim e… porra! Só
de fantasiar, eu me via gozando.
Patrício acompanhou meus movimentos, lentos no início, me
auxiliando com a mão no meu quadril para que eu subisse e
descesse sem permitir que o objeto saísse. Cada vez que o sentia
deslizar e em seguida entrar, me pegava surpresa com a sensação
de que não me restava nada além de permitir que o orgasmo me
dominasse, o que não acontecia, e eu não entendia o motivo.
Aquela força, a energia que deveria ser libertada, se
acumulava e vibrava em mim me obrigando a lutar pela sua
libertação. Quanto mais eu rebolava, subia e descia, mais Patrício
aprovava, me acariciando, gemendo atrás de mim, me estimulando.
Então, pegando-me de surpresa, senti o pau de Patrício roçar
meu ânus. Não ameaçando entrar, mas me estimulando e se
excitando. Foi a minha rendição completa. Empinei a bunda
desejando-o em mim. Um convite claro. Ele gemeu alto, puxou
meu cabelo para trás e iniciou a investida. Eu latejava, minha
mente não conseguia se concentrar em nada que não fosse ter o
meu namorado me dominando, me tendo e sentindo tanto prazer
quanto eu.
Patrício não teve pressa, nem me forçou a nada, nem mesmo
quando parei de me mexer, aguardando, sem intentar que o fato do
vibrador continuar me estimulando, ofuscasse a delícia de ser
preenchida pelo homem que eu amava. A experiência que Patrício
sustentava, permitia que tirasse o máximo de proveito disso. Ele
entrou em mim com gosto, em seguida saiu, ciente de que o espaço
reduzido pelo vibrador, aumentava o atrito dos nossos sexos
deixando tudo extremamente delicioso.
Já não controlava mais meus gemidos. Toda vez que ele me
tocava, que sua mão me acariciava, minha pele acendia em chama,
quente, pronta para incendiar um quarteirão inteiro. Entretanto
deixei que brincasse com meu corpo, se deliciasse em mim, se
afundasse à seu bel prazer e se retirasse no limite de desejo.
— Porra, Morena! Sou louco por você!
Dizendo isso, se afundou com força, me fazendo gritar, e as
investidas se tornaram mais reais. Se eu não quisesse rebolar, não
teria esta opção. Patrício me conduzia com suas estocadas certas,
me obrigando a aceitá-lo, assim como ao seu acessório tão
pertinente. A minha sensação interna era a de que um vulcão
começava a entrar em erupção.
Eu pronunciava sem conseguir entender o quê e como, mas
falava sem parar. Às vezes implorando, por vezes o estimulando a
continuar, porque não suportaria parar naquele momento, no
entanto algo me dizia que uma pequena oração, ou até mesmo, uma
súplica em formato de mantra, escapava da minha boca, algo pelo
qual me fazia implorar e agradecer ao mesmo tempo.
Embalado pelo mesmo momento, dividindo as suas
sensações comigo, Patrício continuava estocando em mim, fundo,
com vontade, delicioso, arrancando até mesmo minha alma se fosse
possível.
E enfim, como a explosão de uma bomba atômica, o orgasmo
me dominou, me pegando meio que desprevenida, mesmo com
tudo o que acontecia e com a certeza de que sua chegada seria
inevitável. Foi a sua potência que me surpreendeu. A sua força.
Meu corpo se dobrou, o prazer se repartindo e se espalhando por
cada parte de mim, o orgasmo se diluindo em um gemido sufocado,
me cegando, me incapacitando, arrancando de mim todo e qualquer
controle.
Pareceu que horas passaram sem que a força começasse a
diminuir. O ar demorava a voltar, minha mente não focava, eu
sequer conseguia me reencontrar dentro de mim, pois continuava
mergulhada em uma sensação de nirvana tão poderosa que
penetrava em meu corpo com línguas que não cansavam de me
experimentar.
Não sei dizer se foi apenas um ou se foram vários orgasmos,
mas quando abri os olhos, Patrício estava a minha frente, eu deitada
no tapete da sala, seu rosto preocupado me encarando, aguardando
por uma resposta.
Sorri. Sim eu sorri. Como não sorrir depois de visitar o
paraíso e descobrir que era real? Mesmo sem saber como foi
possível um prazer tão perfeito, tão duradouro e… Puta merda!
Delicioso!
— Miranda? — disse preocupado. — Você está bem?
Estiquei meus braços e pernas e um pequeno espasmo
percorreu meu corpo, sinalizando que aquela sensação deixara
alguns resquícios em mim. Meu sorriso se ampliou.
— Miranda? — repetiu, porém com uma voz mais tranquila.
— Porra, o que foi isso?
— Hum! Não sei ao certo. — Ergui a mão e acariciei seu
rosto. — Podemos repetir para que eu possa entender melhor. —
Um sorriso diabólico brincou em seus lábios.
— Nem pensar, Morena! — Segurou minha mão e beijou a
palma com carinho. — Acabamos de descobrir porque os
dinossauros foram extintos. — E me presenteou com aquele sorriso
que roubava meu fôlego.
CAPÍTULO 5

“Minha natureza é mais que estampa


É um belo samba, que ainda está por vir...”
Bobagem - Céu

Ficamos deitados no chão da sala, assistindo a noite ganhar


força, nossos corpos expostos, abraçados sem qualquer receio. Não
havia ninguém que pudesse nos surpreender. A parca luminosidade
nos protegia. Patrício passou a mão em minhas costas, em seguida
apertou seus braços ao meu redor.
Confortada, beijei seu peitoral e me aconcheguei em seu
corpo. Saudei a sensação de paz que ele conseguia me dar quando
aparecia. Eu poderia passar a vida daquela forma. Encontraria
forças para lutar contra todos os problemas que aparecessem, se no
final do dia pudesse terminar em seus braços.
Nossa! Havia algo de muito errado comigo. Que piegas! Que
coisa brega amar. E insano também. Quando em minha vida eu
cogitaria aquela normalidade? Aquele desejo de retornar para os
mesmos braços? O amor era uma droga. Uma droga viciante e
subjugadora.
— O que foi, Morena? — perguntou quando deixei escapar
um suspiro de lamentação.
Fechei os olhos, não ansiando entrar naquele assunto.
Patrício jamais compreenderia como funcionava para mim, amá-lo.
O quanto era contraditório, angustiante. Lutava contra tudo o que
um dia sustentei.
— Você sabe que Alex está voltando da Inglaterra?
Pela maneira como soltou o ar, entendi que sim. Levantei,
encarando-o. Patrício aguardava pelo meu olhar. Sério.
Concentrado no assunto.
— Ele não falou comigo. Foi João quem me ligou para contar
a novidade.
Desviei o olhar, deitando outra vez em seu peito. Não podia
negar que para Patrício era fácil conversar sobre assuntos
delicados, quando tinha a sensação de não ser observado ou
julgado. Ele voltou a acariciar minhas costas, de forma automática,
o que não era um bom indício.
— Não acho que seja uma boa ideia — comecei.
— Não é, com toda certeza.
Ficamos em silêncio um tempo, eu aguardando que ele
dissesse qualquer coisa que me ajudasse a compreender como seria,
e ele… bom, eu acho que Patrício só organizava os pensamentos,
procurando uma forma de me contar o que pensava.
— Sabe, gata? Peter devia parar de se intrometer na vida das
filhas.
— Ele não faz por mal.
— Peter não tem ideia do que está fazendo. Nunca deveria ter
pedido para Alex voltar.
Surpresa com seu tom, levantei outra vez o rosto para encará-
lo. Patrício não me olhava, mantendo seus olhos no teto da sala. Se
queria evitar minha raiva, eu não sabia dizer, todavia eu soube, de
imediato, que ele diria, o que o incomodava.
— Junte as peças. Charlotte culpou Alex quando descobriu a
doença da mãe. Ela não puniu nenhum de vocês, apenas Alex. Ela
foi embora e… olha, não sou insensível nem nada disso, é só que…
Charlotte foi embora, Morena. Não se importou com as
consequências, não pensou nem um minuto que Alex tem uma vida
aqui. E não é apenas uma vida simples, algo que possa abandonar e
reconstruir em outro lugar do mundo.
— Eu sei — sussurrei, péssima por precisar encarar aquela
realidade.
— Porra! Eu estava lá. Acompanhei toda a luta do meu irmão
e da minha mãe para que a editora chegasse onde está. Nós não
somos mais uma editora, somos a melhor do país, tem ideia do que
é isso tudo? Como Charlotte pode não pensar nele agora? Como
pode exigir que Alex só pense nela?
— Não é desse jeito.
— Desculpe, gata, mas é desse jeito. Se tem alguém que pode
falar de Charlotte sem tentar desesperadamente encobrir os seus
erros, esse sou eu. Peter errou comprometendo vocês com esta
responsabilidade, porque hoje você e Johnny não fazem outra coisa
que não seja tentar consertar os erros de Charlotte, ou justificar as
suas irresponsabilidades.
— Patrício…
— E Alex… porra, Alex se apaixonou por essa menina de
um jeito que esqueceu de tudo. Esqueceu quem ele era, o que
conquistou, esqueceu a própria história só para fazer Charlotte
feliz. Tem noção do que é isso?
— Tenho. Isso é amor, Patrício. É isso o que as pessoas que
amam fazem.
Levantei irritada. Ele me olhou com certa mágoa e também,
em uma dose maior, tristeza.
— Desculpe, Miranda, mas acho que todos vocês não fazem
ideia do que é o amor.
— Nem você — rebati aborrecida.
— Pelo menos não justifico os erros de ninguém. Não tento
encontrar desculpas para cada passo errado seu.
— Agora estamos falando de mim?
— Não! — falou alto, confuso, aborrecido. — Só quero dizer
que… escutou o que estou dizendo? Alex não vai suportar.
Conheço o meu irmão. Alguma merda grande vai acontecer e no
final não sobrará espaço para Charlotte na vida dele.
Eu deveria rebater. Deveria porque não acreditava que o
amor permitiria que algo desta forma acontecesse. Ou… quem era
eu para dar qualquer definição às atitudes tomadas em nome do
amor? Esse sentimento enlouquecia as pessoas. Talvez Patrício
tivesse razão, não fazíamos ideia do que era amar. E ainda assim,
continuávamos ali, amando da forma como conhecíamos, errando
e, quem sabe, aprendendo.
A resposta morreu em minha garganta antes mesmo que eu
pudesse lhe dar força. Não havia o que argumentar quando eu
mesma cogitava que Alex não seria forte para se manter naquele
casamento se Charlotte mantivesse a sua posição. Não por não crer
no seu amor, mas exatamente por isso. Porque amando-a demais, e
não sabendo amá-la, assim como nenhum de nós sabíamos, não
havia como não cobrá-la, ou como não culpá-la pelas escolhas.
Patrício tinha razão. Aquele casamento acabaria se Charlotte
não voltasse logo. E o que eu podia fazer? Céus, o que eu podia
fazer? Nada. Porque aquele garoto idiota conseguiu ter razão em
tudo. O padrinho não podia se meter daquela forma na vida da
minha irmã, e apesar disso, eu acataria a sua ordem porque era a
única coisa que eu sabia fazer.
E, pela primeira vez na vida, senti vergonha por ser daquela
forma.
Toda a minha vida me rebelei da maneira como acreditei ser
correta, sem afrontá-los, sem bater de frente. Eu me rebelei criando
uma vida paralela para mim, vivendo como queria pelas costas
deles. Como fui tola!
— Droga, Morena! Desculpe!
Patrício ergueu o corpo, capturando o meu com os braços, e
me obrigando a voltar para ele. Não tive forças para impedi-lo.
Seus braços eram o lugar que eu queria estar. Patrício beijou o topo
da minha cabeça com carinho.
— Estou com fome — anunciou. — Vamos sair para comer
alguma coisa?
— Vamos.
O assunto morreu, contudo, nasceu em mim, com uma força
sufocante, roubando a paz que festejei momentos atrás.

— Vejo você mais tarde?


Patrício falou antes de me deixar sair do carro. Seu olhar
preocupado não o havia abandonado em nenhum momento desde a
nossa conversa na noite anterior.
— Com certeza. Eu te ligo. — Ele concordou e se despediu
com um beijo.
Desci duas ruas antes da orla, após pegar a sua carona. Minha
intenção era correr na praia e, quem sabe, colocar meu corpo e
cabeça em dia. Atravessei as ruas mantendo o boné devidamente
apertado, escondendo parte do meu rosto, junto com os óculos
escuros. Não almejava encontrar possíveis conhecidos, por todos os
motivos do mundo, mas principalmente, porque evitava falar da
madrinha, assim como de Charlotte.
Liguei o som no máximo, os fones impedindo que qualquer
outra coisa ganhasse a minha atenção, e comecei a trotar sem
medo. Seria ótimo submeter meu corpo até o seu limite, arrancar de
mim a estranha mania de pensar, sem trégua, no que não me fazia
bem. E eram tantos assuntos que começavam a me sufocar.
A morte da madrinha, estar sozinha naquele apartamento,
Alex retornando para casa sem Charlotte, Charlotte sozinha na
Inglaterra com Thomas, tudo o que o padrinho fazia acreditando
estar nos protegendo… o meu amor por Patrício que já deveria ter
superado o nível de surpresa pela sua existência, mas que ainda
roubava o meu ar à medida que eu entendia a sua profundidade.
Tudo isso misturado, criando uma bolha sólida, que só fazia
crescer e me sufocar, subindo pelo meu corpo, tapando minha
garganta e, de repente, eu não conseguia mais.
Parei a corrida, ofegante, me equilibrando com as mãos nos
joelhos, arfando, com a sensação de que a qualquer momento não
suportaria e explodiria. A cabeça em Charlotte com tanta força que
me impedia de continuar ignorando a necessidade de conversar
com ela, alertá-la sobre tudo, sobre Alex, a vida, Thomas.
Merda! Nunca deveria ter escondido aquela verdade dela. De
maneira nenhuma deveria ter deixado Charlotte no escuro em
relação a Thomas, porque sem Alex, sem mim, ela estaria
desprotegida e ao alcance das mãos daquele canalha.
Arranquei os fones, peguei o celular, mas quando comecei a
discar o número do padrinho ouvi aquela voz a qual acreditei nunca
mais ouvir.
— Miranda?
O sotaque carregado me fez estremecer. Não que eu tivesse
medo de Moisés. Eu não tinha. Contudo, era um problema com o
qual eu não gostaria de lidar naquele momento. Olhei em sua
direção, e o vi sorrindo, a menos de dois passos de mim, e se
aproximando como se não tivesse feito nada demais ao me ameaçar
exigindo de mim, o que eu não estava disposta a dar.
— Moisés — rosnei. Ele riu.
— Sem mágoas. — Ergueu as mãos em sinal de paz. —
Engraçado te reencontrar assim.
— Engraçado por quê?
— Porque eu estava pensando em você.
Puxei o ar com raiva. Como se atrevia a continuar pensando
em mim?
— Li sobre sua madrinha. Sinto muito. — Continuei calada,
encarando-o, decidindo sobre o que fazer. — Ora, Miranda, não
seja tão dura comigo. Não pode me condenar por ter me
apaixonado.
— Apaixonado! — desdenhei. — Você não…
— Peço perdão! — Levou a mão ao coração como se seu
gesto fosse nobre. — Não deveria ter ido ao extremo. Nunca me
acostumei a ser contrariado. Por isso… perdão! Espero que tenha
gostado do meu presente de formatura. É uma joia de família, foi
da minha bisavó, ou de alguém antes dela.
Engoli em seco ao recordar a tal joia enrolada no pau de
Patrício. Um colar de pérolas que primeiro esteve no pescoço de
alguma senhora inocente. Provavelmente, nada doente como aquela
espécie parada a minha frente. Chegava a ser constrangedor.
— Eu gostaria de devolver — pronunciei após conseguir
engolir a raiva.
— Não, por favor, não faça isso.
Ele sorria enquanto falava, mantendo o tom amistoso, cheio
de charme. Nem parecia a pessoa doente que eu bem conhecia, o
que me assustava um pouco.
— Encare como uma bandeira de paz. Uma maneira gentil de
pedir perdão pela minha falta de… tato com você.
Então deu mais um passo e pronto, estava bem diante de
mim. De tal maneira que lhe possibilitou tocar meu rosto com as
costas dos dedos.
— Estou por perto, Miranda, cuidando de você, buscando as
suas verdades, fazendo de tudo para te tirar desse escuro em que te
colocaram.
Da mesma forma que se aproximou, se afastou, me deixando
confusa.
— Gosto de você. Por isso estou aceitando o meu lugar na
sua vida. Temporário, devo confessar, mas… — Coçou o queixo.
— Não sei o que uma mulher como você faz com um garoto como
aquele. Entendo as suas escolhas. É difícil não estar no controle.
Sei como é a sensação. Nós dois somos idênticos, nascemos para
dominar. Não é nada fácil estar em outra posição.
— Do que você está falando? — Consegui dizer quando
encontrei minha voz. Ele riu.
— Foi bom te reencontrar. Até mais.
Do nada voltou a correr me deixando para trás, aturdida, sem
acreditar no que havia acabado de acontecer. O estalar em minha
cabeça servia de alerta, uma mensagem de que aquilo podia até ser
o retrato da loucura do homem com quem ousei um dia ir para a
cama, e não havia motivos para subestimá-lo. Moisés não falaria
aquelas coisas se apenas estivesse no canto, aguardando o meu
retorno. Ele tinha algo guardado. Algo que usaria contra mim.
E era tudo o que eu menos queria. Mais um problema para
me ocupar. Puta merda!
CAPÍTULO 6

“Eu sou a minha própria embarcação,


A minha própria sorte...”
Um corpo do mundo - Luedji Luna

Johnny aguardou por mim no carro. Havíamos combinado de


almoçarmos juntos. Pouco nos encontramos após o nosso retorno
da inglaterra. Meu irmão tentava a todo custo conciliar seu último
ano da faculdade com o trabalho no hospital, e o padrinho fazia
questão de mantê-lo ocupado.
Por isso o abraço apertado e demorado, repleto de saudade e
que nos deixou constrangidos em seguida. Johnny era como eu,
avesso a demonstrações gratuitas de sentimentos. Se bem que
depois de Patrício, já não conseguia me ver bem assim.
Prendi o cinto de segurança, mesmo sem ter dado partida no
carro. Johnny manteve-se sereno, as mãos entre as pernas,
demonstrando que só sairíamos dali quando tivéssemos a conversa
a qual, ele sabia, eu precisava ter.
— Como estão as coisas? Imagino que o padrinho tenha
telefonado para você.
— Com certeza esse é o motivo para este encontro. — Meu
irmão me deu um sorriso amplo, nada ofendido com o meu
desdém. — Patrício acha que não vai dar certo.
— O que não vai dar certo? Ele pensa que Alex não vai
aguentar e voltar correndo para a Inglaterra? — Johnny se
mantinha sorrindo, nada afetado com aquela confusão.
— Charlotte não vai voltar atrás do Alex. Ou melhor… —
levantei a mão quando meu irmão abriu a boca para argumentar. —
Ela pode voltar, mas não no tempo esperado, nem por iniciativa
própria.
— Como assim? O que precisa acontecer? O padrinho
colocá-la em um avião e despachá-la? É o casamento dela,
Miranda! Charlotte não pode ser tão infantil assim.
— Ela é infantil ao ponto de culpar o marido pelo segredo
exigido pelos pais, e decidir morar na Inglaterra para cuidar do
padrinho, mesmo passando anos vivendo sem ele.
— Estamos falando do Alex, o grande amor da vida dela.
— Ah, pelo amor de Deus! Parece que não estamos falando
da mesma pessoa. — Ele riu.
— Ok! Charlotte pode pôr tudo a perder, mas e daí? O que
podemos fazer? Alex precisava voltar, a vida dele é no Brasil. O
padrinho não podia deixar que Alex destruísse tudo só para atender
as infantilidades da esposa. É responsabilidade demais para
carregar nas costas. Ele pode suportar todos os fracassos dos filhos,
contudo, é bem diferente saber que outras pessoas vão fracassar por
causa das suas escolhas.
Cruzei os braços no peito e olhei para fora. Entendia o que
Johnny argumentava e, no fundo, compreendia que o padrinho não
conseguiria assistir Alex abrir mão de tudo, e ficar impassível.
Mesmo que isso custasse o casamento da filha. Entretanto, as
palavras de Patrício continuavam valendo para mim.
O padrinho deveria deixar que todos caminhassem sobre as
próprias pernas. Cada pessoa deve ser responsável pelas suas
quedas, assim como, pela sua maneira de levantar e continuar.
Balancei a cabeça começando a sentir uma leve pontada nas
têmporas.
— Você está preocupada. Eu também estou. Só que
Charlotte, infelizmente, não amadureceu. Não sei se posso
pressupor toda a pressão que passou na vida, ou se ela escolheu ser
assim por ser mais fácil. A verdade é que Charlotte não consegue
caminhar sozinha, Miranda. É horrível? É. Eu me sinto péssimo
precisando tramar e armar contra ela o tempo todo. Veja você? —
Apontou para mim como se estivesse falando de algo óbvio. — O
padrinho deu a mesma criação a vocês duas e você escolheu não
ser tão…
— Não diga imbecil, pelo amor de Deus! — Seu sorriso
ampliou.
— Eu ia falar tapada. Você fez as suas próprias regras. Nós
dois sabemos que regras servem para serem quebradas, e tivemos
toda a liberdade para fazer desta maneira. Você fez. Eu fiz. Por que
Charlotte não fez?
— Não sei. — Gemi desgostosa. — Por causa da timidez? —
Johnny estreitou os olhos me avaliando. — Não sei — repeti
desistindo. — Mas isso não alivia o meu medo.
— Nem o meu.
— Mesmo assim você acha que o padrinho está certo com
este plano? Ele me proibiu de falar com Charlotte! Se eu
conversasse com ela…
— Ela continuaria lá. Charlotte é uma mula empacada
quando decide alguma coisa. E ela decidiu que vai cuidar do pai.
Não poderia recriminar meu irmão por suas palavras. Johnny
tinha coragem de expor a verdade, enquanto eu implorava para que
esta não fosse a que se desdobrava a nossa frente.
— Todos nós seremos culpados quando der errado —
sussurrei com um misto de resignação e medo. — Patrício disse
que Alex não vai esperar por Charlotte. Sabe o que isso significa,
não é?
— Para mim? Que Patrício não é o cara mais confiável para
fazer previsões.
— Johnny!
Meu irmão riu se encolhendo do tapa que levou no braço.
— Tudo bem. Se vai fazer você se sentir melhor, vou para a
Inglaterra no final da semana.
— Sério? Por que você pode ir e eu não? — Aquele olhar
enviesado e superior dele quase me fez desferir um novo tapa em
seu braço.
— Vou a trabalho — anunciou, porém havia algo estranho
naquela afirmação.
— Você é só um estagiário! Uma espécie de faz tudo do
padrinho. Que estágio maravilhoso é esse que te leva a Inglaterra?
E neste momento eu soube. Johnny escondia alguma coisa.
Aquela viagem não aconteceria pelos motivos que ele apresentava,
a não ser que ele mesmo tivesse convencido o padrinho de alguma
coisa só para conseguir viajar. Eu não entendia os seus motivos.
Primeiro porque Johnny não precisava de desculpas para viajar. Ele
poderia ir à Inglaterra quando quisesse, e o padrinho nem saberia.
Segundo que se precisasse mesmo, ou quisesse fazer esta viagem,
por que inferno demonstrava constrangimento com a minha
acusação?
— Você tem sorte de não precisar trabalhar.
Sem ter como me defender com palavras, dei um soco em seu
braço e este doeu de verdade. Ele se encolheu, mas quando ia
contestar olhou para fora do carro no mesmo instante que uma
batidinha no meu vidro me assustou. Vítor, o puxa saco do
padrinho, parado do lado do carro. Abaixei o vidro imaginando o
motivo para ele estar ali. Na certa imaginou que precisávamos de
ajuda, ou planejava salvar meu irmão dos meus ataques.
— Srta. Miranda! — falou com cordialidade. Que mala! —
Isso acabou de chegar para a senhorita.
Estendeu para mim um envelope pardo. Sem entender,
peguei o material, que continha apenas o meu endereço, logo, não
foi entregue pelos correios.
— Um entregador, o rapaz que parou a moto logo atrás de
vocês, fez a entrega na recepção. Achei oportuno que a senhorita
recebesse de imediato.
Como reflexo larguei o envelope que caiu sobre o meu colo,
e levantei as mãos evitando tocá-lo outra vez.
— Qual o problema? — Johnny perguntou, tenso.
— Pode ser uma bomba — anunciei. Ele me avaliou por um
tempo, em seguida revirou os olhos, debochando.
— E quem enviaria uma bomba para você? — Pegou o
envelope do meu colo, depois me olhou com atenção. — O que
você aprontou para receber uma bomba?
— Larga de ser idiota, Johnny! — Ele riu sacudindo a
correspondência.
— Não é uma bomba — anunciou, ameaçando abri-lo.
— Hum! Se quiserem eu posso… — Vítor falou e acabou se
encolhendo quando Johnny rasgou o envelope.
— É uma carta! — falou com certo desânimo. —
Sinceramente, Miranda. Agora fiquei curioso a seu respeito.
Olhei de Johnny para Vítor, me dando conta de que o puxa
saco continuava ali, estático, olhando para dentro do carro como se
a nossa conversa fosse do seu interesse. Puxei o pacote da mão de
Johnny e o joguei na bolsa.
— Sendo assim, acho que podemos ir. Estou com fome.
Nem me dei ao trabalho de olhar para o calhorda parado à
minha janela. Johnny acenou para Vítor e deu partida no carro.
Seguimos para o restaurante com o assunto encerrado.

Foi uma tarde agradável ao lado do meu irmão mesmo não


conseguindo arrancar o seu real motivo para fazer aquela viagem.
Mais tarde do que prevemos, ele me deixou na frente do flat e
seguiu com a desculpa de que precisava trabalhar.
Ao sair do elevador, meu celular tocou e não consegui conter
o sorriso quando vi o nome do meu namorado no visor.
— Saudade no meio do dia? — provoquei.
— Digamos que fui obrigado a te ligar.
— Obrigado? Aconteceu alguma coisa? — Ele riu.
— Sim. Um desastre. Sabe que comecei a agradecer ao Peter
por ter expulsado o Alex de lá?
— Você é um idiota, Patrício!
— Isso porque você não sabe o que é trabalhar com minha
mãe. Não falaria desta forma se passasse um dia aqui. Aliás, por
que não vem me dar aquela ajuda com alguns projetos?
— Porque você não paga pelos meus serviços.
— Eu pago de outra forma, Morena! Você não precisa de
dinheiro, já de…
— Você não tem mais nada para pensar que não seja sexo?
Abri a porta e entrei ouvindo sua risada pesada e sacana.
— Por qual motivo uma pessoa namoraria se não fosse para
transar?
Revirei os olhos. Aquele era Patrício. Fazer o quê?
— Nunca precisei namorar para transar. Essa sua teoria é tão
ridícula quanto afirmar que me paga com sexo.
— Escuta, gata! — Sua voz ficou baixa, íntima. — Existe
uma diferença imensa entre transar com alguém que você mal
conhece, e alguém com quem você tem intimidade suficiente para
fazer uma série de coisas. Namorar tem suas vantagens!
— Patrício…
— E… — Ele me calou rápido, evitando que o mandasse a
merda e batesse o telefone na cara dele. — Lógico, é muito mais
gostoso quando você ama a pessoa.
— Ah é? — provoquei, contudo o palpitar frenético no meu
peito, típico de quando meu namorado afirmava o seu amor por
mim, me amolecia.
— E eu amo você, Miranda! — continuou. — Logo, penso
em sexo o dia todo.
Comecei a rir. Patrício era impagável.
— Pensei que você disse que foi obrigado a me ligar.
— Ah, sim! Minha mãe quer que você jante lá em casa hoje.
— Hum! Sério?
— De acordo com os argumentos de Dandara Frankli, não é
correto deixarmos você sozinha em um momento delicado como
este.
Precisei puxar o ar para que aquela afirmação não me
abalasse. Não estava acostumada com pessoas de fora do meu ciclo
pessoal, se preocupando comigo.
— Eu disse que na verdade, a sua solidão tem sido bastante
aproveitada, mas o que consegui foi…
— Patrício!
— O quê?
— Você disse a sua mãe que estamos aproveitando a solidão
para transar?
— Bom, não com essas palavras, mas gosto da maneira como
você define as coisas.
— Você é inacreditável!
— E você uma boba! Somos adultos e adultos sabem que
outros adultos transam.
— Ah, meu Deus! Diga a sua mãe que aceito o convite. Você
é horrível!
— Vejo você à noite, gata!
Desliguei o telefone com aquele sorriso irritante que não se
desfazia nem se eu me acertasse com tapas. Como ele conseguia
ser assim?
Subi até meu quarto, tirei os saltos, caminhei para o closet,
peguei a bolsa para retirar a carteira de dentro e só então me dei
conta da carta. Com curiosidade retirei o envelope e o analisei.
Uma carta? Quem me escreveria uma carta?
Peguei o papel e sentei na poltrona, não reconhecendo a letra,
horrível por sinal, o que indicava que não era de ninguém com
quem eu tivesse convivido. Ah não ser, que algum colega do ensino
infantil tenha escrito para mim. Isso levando-se em consideração
que ele cursou apenas o ensino infantil, para manter uma letra tão
feia. Mas até mesmo esta suposição não teria qualquer condição de
ser real, porque qualquer colega de escola me escreveria em inglês.
Abri a única página, avaliando o seu conteúdo, e meu sangue
começou a gelar logo na primeira palavra.

“Filha, não sei como começar esta carta. Não sei como
contar a felicidade de ter te encontrado, após não acreditar mais
na possibilidade. Quando sua mãe foi embora, carregando você
sem me dar a oportunidade de te conhecer, achei que minha vida
havia acabado, mas agora te encontrei e quero recuperar o tempo
perdido. Anote meu telefone e me ligue.”

Em seguida havia um número e o nome.


Antônio Carlos.
Impactada, não consegui reagir. Levei tanto tempo sentada
naquela poltrona, o papel firme em minha mão, os olhos fixos na
letra feia, lendo e relendo o que tinha ali, decorando as palavras,
sem crer que aquilo acontecia comigo. Só podia ser uma
brincadeira.
— É uma brincadeira — afirmei alto, tentando me convencer
disso. — Uma brincadeira!
Levantei da poltrona com o papel amassado em minha mão.
Sem ambicionar perder nem mais um minuto pensando no assunto,
rasguei a carta, fui até o banheiro, joguei na privada e dei descarga.
Resolvido.
Não deixaria que ninguém brincasse comigo daquela forma.
Nem mesmo o homem que deveria ser o meu pai, mas que nunca
chegou nem perto disso.
— Está tudo bem?
Patrício pousou a mão na minha coxa, o semblante
preocupado, o que não deveria ser uma novidade. Mantive um
silêncio cuidadoso, enquanto meu namorado dirigia em direção a
casa em que vivia com os pais.
Não pretendia dividir o ocorrido com ninguém. Nem mesmo
ele. Sequer poderia afirmar que a carta foi escrita pelo meu pai
verdadeiro. Aquilo poderia ser qualquer coisa, uma brincadeira de
mal gosto, principalmente após o encontro com Moisés. Por isso
achei melhor ignorar e continuar vivenciando os problemas reais.
— Só preocupação com Charlotte. — Ele suspirou, apertando
de leve minha perna.
— Alex chegou. Foi direto do aeroporto para a editora. O
humor dele não foi dos melhores.
Fiz uma careta. Como poderia ser diferente? Até eu, que não
possuía uma grande amabilidade pelo meu cunhado, compreendia a
sua questão.
— Não sei nem o que dizer — resmunguei.
— Relaxe, Morena! Alex é adulto e sabe resolver os próprios
problemas. Ele não estará lá em casa esta noite, então, só por hoje,
esqueça um pouco o casamento deles.
Concordei prometendo a mim mesma que me esforçaria para
não pensar em Charlotte, Alex, Johnny, o padrinho e até mesmo no
homem que se dizia meu pai. Mas minha paz durou apenas
enquanto estávamos no carro, porque quando chegamos à casa de
Dana, Alex já estava lá, conversando com o pai na varanda,
abatido, o que, de fato, me abalou.
Não consegui me concentrar. Meus olhos iam o tempo todo
para o local onde os dois conversavam, mesmo com Dana tentando
a todo custo atrair a minha atenção, e Patrício com a mão na minha,
acariciando meus dedos, ciente de toda a minha apreensão.
De tempos em tempos ele beijava o topo da minha cabeça, ou
me apertava em seu abraço, sentado ao meu lado. Quando Alex e
Adriano deixaram a varanda, pude ver que além da tristeza por ter
voltado sozinho da Inglaterra, meu cunhado também sustentava
uma mágoa pungente, além do aborrecimento visível.
— Miranda, como vai?
Ele se aproximou para beijar meu rosto, algo raro partindo de
quem era, e se afastou com a mesma pressa. A maneira como
Patrício reagiu, mesmo que contida, também não foi ignorada por
mim. Ele ficou tenso no mesmo instante.
— Vou pedir para servirem o jantar — Dana anunciou
levantando como se precisasse fugir dali. Adriano foi atrás dela.
— Lana não vem? — perguntei mais como se precisasse de
algum assunto do que por interesse verdadeiro na presença da
minha cunhada.
— Não — Patrício falou sem deixar de fitar o irmão. —
Lamara está estranha.
— Estranha como?
— Chata.
— Patrício!
Ok! Meu namorado sabia como conquistar a minha atenção.
Aliás, ele se superava neste quesito.
— Lana está cansada. Não é fácil gerir a editora sozinha —
Alex falou. Parecia conter uma fúria prestes a explodir. — E ela
segurou uma barra quando precisei me afastar.
— Eu estava lá. Nossa mãe estava lá! — Patrício rebateu sem
paciência. Alex suspirou aborrecido.
— Eu sei. Mas eu não estava, e este detalhe fez toda a
diferença.
O silêncio que se fez em seguida foi constrangedor. Até
mesmo para mim, que nunca me permitia perder as palavras, ou a
espirituosidade. Patrício me apertou de novo e depositou um beijo
no topo da minha cabeça.
— Como será agora?
No mesmo instante em que perguntei, me arrependi. Os olhos
de Alex se voltaram para mim, despejando toda a sua dor e fúria.
— E agora? — Ele se aprumou no sofá, me encarando. —
Agora eu vou seguir a minha vida, Miranda. Charlotte volta quando
acreditar que deve.
— O que pode demorar mais tempo do que vocês acreditam
— continuei. Ele deu de ombros.
— Como você acabou de ver, não posso deixar a minha vida
de lado para seguir a da minha esposa. Existe muito em jogo, e não
serei egoísta, muito menos irresponsável.
Os dedos de Patrício fizeram pressão em meu braço e na
mão. Sua insatisfação com o assunto era nítida.
— Ninguém aqui está contra você, Alex — ele disse, a voz
tensa.
Mais uma vez o irmão do meu namorado suspirou, cansado,
abatido. Passou a mão no rosto como se precisasse afastar algum
pensamento, e então levantou.
— Sei disso. É melhor eu ir embora.
— E o jantar? — perguntei cheia de culpa.
Não deveria torturar Alex daquela forma. Não era fácil para
ninguém aquele problema, mas para ele, em especial, parecia muito
pior.
— Diga a minha mãe que precisei sair.
Deu as costas e foi embora. Segundos depois, Dana voltou à
sala, com pressa, procurando quem tinha deixado a casa. Quando
percebeu a ausência do filho mais velho, suspirou abatida.
— Ele precisa de espaço — Patrício falou, levantando
também. — E eu de comida. Vamos jantar?
Dana me lançou um olhar triste, o meu refletia as minhas
desculpas. Conformada, ela assentiu, e não tive outra opção que
não fosse forçar a comida goela abaixo, já que o bolo em minha
garganta me impedia até mesmo de falar.
CAPÍTULO 7

“Não se engane, mulher é loucura


Mesmo quando reprimida, há uma profusão de sedes na
mulher
Mulher é onda, mulher é vento, mulher é raiz, mulher é
mistério, mulher é tempestade...”
Insubmissa - Maíra Baldaia

Três semanas se passaram e Charlotte não voltou para o


Brasil. Ninguém tocava no assunto, entretanto, todos estavam
tensos com o desenrolar daquela história. Encontrei Alex poucas
vezes e em todas evitou falar da esposa, como se estivesse se
preparando para o ponto final.
Patrício tocou no assunto algumas vezes e em todas precisei
colocá-lo para fora de casa, ou fui embora aborrecida. Então ele
acabou desistindo. Para o meu namorado, Charlotte e Alex eram o
exemplo de como deveríamos nos manter distantes da ideia de
casamento.
Eu, para ser franca, tentei manter a esperança acesa. Lutei
contra meu medo e, contrariando o padrinho, conversei com minha
irmã. Não pressionando-a, mas buscando formas de convencê-la a
voltar. Nenhuma estratégia obteve sucesso.
Para Charlotte, o pai precisava mais dela do que Alex. Foram
poucos os momentos que demonstrou sensatez, reconhecendo que
deveria estar ao lado do marido, porém justificava a sua decisão
afirmando não ser justo abandonar o pai em um momento tão
complicado. E, em outros momentos, rebateu meus argumentos,
perguntando por que eu não voltava para a Inglaterra e assumia o
seu lugar, para que ela pudesse regressar ao Brasil, e essa acusação
me deixava desconfortável. Se o padrinho aceitasse, se entendesse
que eu podia fazer esse sacrifício pela felicidade dela, eu o faria.
Até porque, eu só precisava de poucos dias, após o retorno da
minha irmã, para retomar a minha vida sem que ela conseguisse
colocar tudo a perder outra vez. De volta ao casamento, Charlotte
não teria desculpas para seguir o pai.
Francamente, meu plano era muito melhor do que o daqueles
dois idiotas. Sim, o padrinho e Alex eram dois idiotas por
acreditarem que seria fácil.
E ainda havia Thomas. Inconformada, me remexi no banco
de trás do táxi, ganhando a atenção do motorista, enquanto seguia
para a editora. Fingi indiferença conferindo de novo a mensagem
de Charlotte. A última do dia, enviada pouco antes do meu táxi
chegar.

“Thomas tem me feito companhia.


Não posso reclamar.
Ele é irritante, mas pelo meos está aqui.”

Não respondi de imediato, porque se o fizesse falaria o que


não devia. Acabaria cedendo a tudo o que Patrício argumentou nos
últimos dias, ressaltando o quanto minha irmã era burra, idiota e
infantil.
Contudo, a sua mensagem não saía da minha cabeça, me
obrigando a encontrar uma maneira de fazer com que Charlotte
entendesse que não deveria permitir que Thomas se aproximasse. E
o padrinho? Como ele podia deixar que aquele garoto ficasse ao
lado da filha mesmo tendo consciência do que ele me fez?
Decidida, printei a tela e enviei para ele. Depois coloquei
uma interrogação e deixei que Peter se virasse com a culpa. Às
vezes tornava-se necessário portar-se dessa maneira para conseguir
resultados satisfatórios.
E quando cheguei à editora e fui recepcionada pelo meu
namorado, não havia conseguido digerir todo o problema, e
Patrício percebeu de imediato que algo me incomodava.
— Charlotte outra vez? — perguntou, segurando em minha
mão e me puxando para sua sala.
Quase não tive tempo de falar com docinho, a secretária de
Patrício. Ela sorriu, acenando com a cabeça. De todas as pessoas
que entraram em minha vida por causa do meu namoro, eu diria,
com convicção, que aquela mulher foi a que conquistou todo o meu
apreço. Mesmo não havendo uma amizade real entre nós duas, nem
termos nos tornado íntimas, Dolores possuía um jeito único de me
olhar e dizer que eu não precisava me preocupar com nada, ela
sempre estaria ali, não apenas por Patrício, mas por mim também.
Patrício fechou a porta e me encarou por alguns segundos.
Em seguida me puxou para um beijo o qual eu não esperava. Seus
braços me envolveram com facilidade e seus lábios se juntaram aos
meus. Porém, não foi um beijo selvagem, sequer faminto. Foi o
tipo de beijo que meu namorado reservava para me desarmar, para
me fragilizar ao ponto de não conseguir pensar em nada que não
fosse em seus lábios.
O leve roçar de nossas bocas fez minha pele se eriçar, minha
mente foi tomada por uma névoa, encobrindo os problemas.
Patrício, seguro dos seus atos, passou a língua pelo meu lábio
inferior, bem devagar, provocando. Eu avancei. Ele recuou com um
sorriso leve, sexy.
Não se afastou por completo, apenas me impediu de tomar as
rédeas. Quando sentiu que eu não agiria, voltou a encostar os lábios
nos meus, saboreando, demorando em cada ação, experimentando o
que, com certeza, já conhecia, mas que, apesar disso, adorava
descobrir.
E eu me rendi. Aceitei ser degustada por aquele garoto que
havia roubado a minha paz e dominado minhas decisões. Suas
mãos me puxaram com uma pressão maior, me juntando ao seu
corpo, ao mesmo passo que seus lábios se tornaram mais exigentes.
Suspirei, incapaz de interromper o que fazíamos. Meu corpo
se moldou ao dele, minhas mãos buscaram o contato, uma em seu
pescoço, a outra em seu peitoral. Patrício gemeu em minha boca e
sua língua pediu passagem, impondo mais ênfase ao beijo, o que,
confesso, me deixou entregue.
E então, quando sua mão começou a deslizar por minhas
costas em direção a minha bunda, a porta abriu com força, me
atingindo com tudo.
— Ai! — gemi me encolhendo em seus braços.
— Porra, Alex! — Patrício rosnou me puxando para trás dele
por impulso.
— O quê…
Alex olhou para nós dois, depois para a sala, procurando um
motivo real para estarmos encostados na parede, bem no local onde
a porta nos atingiria quando alguém entrasse. A censura nítida em
seu olhar, uma expressão que desaprovava mesmo sem precisar
dizer nada.
— Preciso do material que pedi pela manhã — anunciou, sem
conseguir evitar demonstrar o quanto não havia gostado do que
acabara de ver.
— Enviei para o seu e-mail.
— Não recebi — rosnou.
Patrício respirou fundo e saiu de perto de mim para verificar
seu computador. Alex me olhou de soslaio, evitando me encarar.
Eu não conseguia definir se sentia raiva por ele ser tão hipócrita, se
sentia vergonha pelo flagra, agarrando meu namorado no seu
horário de trabalho, se bem que, neste caso, fui agarrada, ou se
sentia pena por reconhecer que boa parte da sua raiva não se devia
ao fato de estarmos ali.
Há três semanas Alex havia voltado da Inglaterra e apesar
disso, minha irmã continuava com a sua ideia infantil e absurda de
que não deveria retornar. Talvez este tenha sido o motivo para me
fazer desistir de afrontá-lo. Resignada fiz aquilo que deixaria a
madrinha orgulhosa de mim. Fui educada com Alex.
— Como vai, Alex? — Ele me lançou um olhar contendo a
mais pura surpresa, como também, constrangimento por ter sido tão
rude.
— Bem! E você?
— Bem também. — Ele concordou com um aceno de cabeça,
em seguida aguardou pelo meu namorado.
— Não voltou. Você atualizou sua página? — Patrício
anunciou. — Posso pedir para docinho imprimir e…
— Não é preciso — falou, desarmado. — Vou atualizar a
página. Eu te aviso.
— Tudo bem. — Alex virou para deixar a sala quando
Patrício decidiu que não deveria deixar passar em branco. — Dá
próxima vez, aguarde que Dolores te anuncie. Vai poupar
constrangimentos, e as costas da minha namorada.
Alex estreitou os olhos, pronto para replicar, mas, no último
instante, desistiu. Com um olhar rápido para mim, deixou a sala
sem nada dizer.
— Patrício! — ralhei!
— Machucou você?
— Não! Ele não… Nós estávamos errados, não Alex.
— Errados pelo quê? — Cruzou os braços em frente ao peito
e aguardou encostando-se na mesa.
— Você sabe muito bem! Nós estávamos…
— Transando?
— Não! Mas…
— Se não estávamos transando não fizemos nada de errado.
Além do mais, se te faz sentir melhor, ele comeu a sua irmã, aqui,
na empresa, então…
— Pare! — Rosnei incomodada. — Não fale deles desta
forma! — Patrício riu.
— Eles fizeram amor na sala dele. O hipócrita do meu irmão
está apenas frustrado.
Mordi o lábio pensando no assunto. Alex estava frustrado
enquanto Charlotte se resignava com a presença de Thomas. Ou
seja, todos os limites foram rompidos naquele casamento, o que
era, de fato, uma grande merda.
— Vem cá. Não vamos mais pensar neles dois. Onde
estávamos mesmo? — Patrício me puxou outra vez para os seus
braços. Fui mais forte e me desvencilhei. — Miranda!
— Aqui não.
— Mas…
— Não! — rosnei. Patrício suspirou, vencido, concordando
que eu me afastasse.
— Certo. Vamos almoçar?
— São onze horas da manhã, Patrício.
Ele me lançou um sorriso revelador, cheio de malícia e
divertimento.
— Não vamos encontrar nada de interessante a esta hora.
— Digamos que conheço um lugar…
— Patrício!
— Vamos!
Ele me puxou pela mão sem me deixar alternativa. Saímos da
sua sala sem que ele olhasse para trás.
— Vou almoçar — disse para Dolores não parando no meio
do caminho. — Volto em quatro horas.
— Ah, meu Deus!
Ri sem saber ao certo se era de vergonha ou deliciada com a
sua ousadia. Entretanto, mesmo não reconhecendo qual das duas
opções vibrava mais forte em mim, deixei que Patrício me levasse
embora, e o calor em meu corpo reiniciou o seu processo.

Deitada de bruços, apreciando a massagem do meu


namorado, sentado nu nas minhas costas, após nos entregarmos ao
primeiro round da tarde, minha mente não me deixava ter paz.
Patrício seguia um padrão com as mãos, apertando meus ombros e
pressionando com os dedos quando descia pela coluna um pouco
mais.
Sua atenção comigo chegava a me comover. Desde que
saímos da editora fui cercada de carinho, amor e dedicação. Ele não
disse nada significante, apenas alguns comentários no calor do ato,
ainda assim, aquele bolo em minha garganta não me abandonava.
Suas mãos deslizaram com agilidade, subindo pelas minhas
costas, então se inclinou e beijou meu pescoço com carinho.
— Você está tão calada.
Sorri escondendo o rosto no colchão, depois puxei o ar com
força, para iniciar aquela conversa. Virei o corpo para que Patrício
entendesse que precisaria sair de cima de mim. Ele deitou ao meu
lado, o braço sustentando a cabeça, me encarando com sutileza.
— O que foi? — Mordi os lábios, obtendo coragem para
iniciar.
— Você acha que Alex tem falado com Charlotte?
Patrício revirou os olhos e se deixou cair de costas no
colchão. Depois riu sem muita vontade.
— Eu deveria estar preparado para isso — resmungou.
— Estou preocupada, Patrício. Se o casamento do seu irmão
não importa para você…
— O problema é exatamente este. O casamento é do meu
irmão, não meu. E por mais que eu ame Alex, que venere ele como
não sou capaz de admitir, não posso, e nem quero, me intrometer
em suas decisões.
— A sua situação é diferente — rebati na defensiva. Ele
voltou a me encarar. Havia certo divertimento em sua expressão.
— Alex é maduro, é experiente, é… vivido. Charlotte é só uma
menina! — Seus olhos se estreitaram.
— Se vocês não tivessem criado essa bolha para ela, quem
sabe agora Charlotte não estaria aqui, com o marido, cuidando da
vida e superando com mais facilidade a morte da mãe?
Eu me encolhi com a menção à morte da madrinha. Não
podia culpá-lo. Patrício não possuía sensibilidade para tanto. Além
do mais, eu, se ainda não havia superado, com certeza dava todos
os indícios de que permitia que a vida seguisse o seu curso.
— Charlotte não é só uma menina. Ela tem a sua idade —
acusou.
Fiz uma careta desistindo da conversa. No mesmo instante
Patrício demonstrou uma ternura cativante, que me impediu de
continuar aborrecida. Ele passou a mão em meu rosto, o que me fez
sorrir com certa timidez, uma surpresa até mesmo para alguém
como eu.
— Desculpe! — falei.
Ele sorriu se aproximando.
— Sei que é difícil para você, mas eu queria, ao menos hoje,
viver a nossa vida. Esquecer um pouco deles e pensar apenas em
nós dois. — Ele beijou meu ombro, depois desceu os lábios pelo
meu braço, me fazendo rir quando chegou ao cotovelo. — Já é
terrível ter os problemas de Alex como tema principal no trabalho e
em casa, agora ele me acompanha até no motel?
— Você tem razão — sussurrei.
— Normalmente tenho — pirraçou, mas seus lábios
continuaram distribuindo beijos por onde passavam.
— É mesmo?
— Sim. Agora, por exemplo, estou com plena convicção de
que o correto a ser feito, é venerar essa deusa linda a minha frente.
— Deusa? Ah, Deus! — Ri. — Você é tão brega!
— É brega amar? — Continuou beijando, arrastando os
lábios pelas minhas costas, se aproximando da minha bunda.
— O amor é brega, Patrício! — Seus dentes se fecharam em
minha bunda me fazendo soltar um gritinho.
— Pois eu te amo! Se isso me faz brega... — deu de ombros.
Não tive o que dizer. Todas as vezes que meu namorado
declarava o seu amor, a emoção injetava algo em minhas veias,
fazendo meus batimentos cardíacos acelerarem, minha boca secar,
uma sensação de queda livre se instalava em minha barriga, me
deixando sem palavras. Mas conseguia sorrir e entender o quanto
me agradava ser amada por ele.
— Eu te venero — falou com os lábios descendo por minhas
coxas, a sensação deliciosa se espalhando por minha pele,
alcançando minha panturrilha. — E me curvo aos seus pés.
Com um movimento rápido, segurou meus calcanhares e me
virou de frente, com agilidade. Soltei um gritinho divertido, o que
lhe incentivou a continuar. Em seguida, Patrício se curvou e, sem
que eu esperasse por isso, beijou meus pés. Não foi um beijo
qualquer, foi um reverente.
Mordi o lábio me impedindo de chorar. Não era o momento
para isso. O que aquele garoto atrevido fazia me impactava não
apenas pelo ato, mas por toda a verdade que colocou nele. Patrício
era único!
Ele se estendeu no meu corpo, chegando muito rápido aos
meus lábios, onde depositou um beijo carinhoso.
— Amo você, Morena! — Sussurrou.
— E eu amo você, Patrício.
— Tem certeza disso? — Aquele leve divertimento cintilou
em seu olhar.
— Bom, não tenho provas, mas tenho convicção de…
Ele riu deixando a testa encostar em meu pescoço, então
levou os lábios até meus seios, mordiscando o mamilo com
cuidado.
— Depois eu que sou idiota.
— Você é idiota! Mas eu te amo desse jeitinho.
Meu namorado, com um suspiro, virou ao meu lado, me
levando junto. Não sei se almejava comprovar que a cama possuía
tamanho o suficiente para caber nossas estripulias, ou se Patrício
estava mesmo necessitando testar os espaços. Mesmo assim permiti
que me posicionasse acima do seu corpo, invertendo nossas
posições.
— Então concordamos que eu te amo, você me ama e que
deveríamos dedicar mais tempo às nossas vidas — continuou.
— Concordamos? — pirracei. Patrício estreitou os olhos. —
O que exatamente quer me dizer Patrício?
— Estava pensando… — Suas mãos deslizaram com carinho
pelas minhas costas. — Em voltarmos ao clube.
— Patrício… — Fiz menção de levantar. Ele me impediu.
— Só pense no assunto, Miranda. Podemos manter o plano
original.
— O seu plano original contém a Clara. — Desdenhei o
nome da amiguinha dele, fazendo-o sorrir.
— Nunca imaginei que você sentiria ciúmes.
— E por que não?
— Ah… sei lá! — desconversou parecendo constrangido.
— Por que eu tinha certos gostos em minha vida sexual?
— Primeiro: você não tinha certos gostos. Você tem! Não
modificou porque me conheceu. E não quero que mude. Amo você
como você é. — Abri a boca para contestar. Patrício me calou,
sobrepondo um dedo em meus lábios. — Segundo: eu não
planejava encontrar a Clara. Aconteceu. Confesso que fiquei mais
chocado por descobrir que você também transava com ela, do que
excitado com a ideia de formarmos um trio.
— O que nunca vai acontecer. — Ele revirou os olhos.
— Tudo bem. Clara é só uma amiga, Miranda. Não quero
que ela destrua o que a gente pode viver.
Sentei na cama, desta vez sem a resistência dos seus braços.
Observei Patrício, que me encarava aguardando por minha
colocação. Aquele menino não fazia ideia do que me pedia. O que
Patrício conhecia dos clubes de sexo? O que imaginava que
acontecia lá dentro para ansiar voltar? E o mais importante: ele
aceitaria mesmo compartilhar?
Se eu fosse ponderar, levando em consideração o que sentia,
era provável que não, Patrício não suportaria estar no clube. Eu
tinha certeza de que sua determinação se baseava apenas na ideia
do que teria das mulheres.
— Tem certeza que quer mesmo ir?
Sem pensar muito no assunto Patrício balançou a cabeça
afirmando a sua posição. Soltei o ar derrotada.
— Vou pensar no assunto. — Ele tentou protestar, contudo,
fui mais rápida. — Vou pensar! Agora vamos almoçar. Com toda
essa agitação fiquei com fome.
Disfarcei como pude, porém, dentro de mim ainda havia
muita dúvida a respeito do que deveria decidir.
CAPÍTULO 8

“Mas é preciso ter manha, é preciso ter graça, é preciso ter


sonho sempre.
Quem traz na pele essa marca, possui a estranha mania de
ter fé na vida.”
Maria Maria - Milton Nascimento

Desci correndo as escadas quando ouvi a voz de Johnny


chamando por mim. A animação que me dominava chegava a ser
estranha. Contudo, há muito havia percebido que a solidão
começava a me angustiar. Com constância relembrava da madrinha
dizendo que mente vazia é oficina do diabo, e já começava a
acreditar nisso, o que de fato, deveria me preocupar, uma vez que a
oficina do diabo abrangia muito além do que uma mente ociosa.
Mas meu irmão havia voltado da Inglaterra e fora o fato de
me sentir só, havia também uma necessidade latente de receber
notícias de Charlotte e do padrinho. Apesar de falar com frequência
com a minha família, ler suas mensagens ou ouvir a voz deles,
nunca poderia se comparar a olhar em seus olhos. Portanto, contava
com Johnny para uma noção adequada sobre a situação.
Meu irmão escancarou seu melhor sorriso quando me viu, e
abriu os braços para me receber. Sem pensar em minha reação,
pulei os últimos degraus e me lancei para seu abraço. Ele riu,
rodopiando comigo. Quando paramos, se afastou um pouco para
me observar com atenção.
— Como estão as coisas aqui? — perguntou com a sua
melhor postura de irmão.
— Um pouquinho solitárias. — Johnny ergueu uma
sobrancelha vasculhando minhas expressões.
— E Patrício? — Revirei os olhos.
— Trabalhando muito. Essa situação de Charlotte e Alex não
favoreceu a ninguém.
— Sei como é.
Johnny, naquele momento, pareceu mais preocupado do que
costumava demonstrar, o que me alertou.
— Como foi na Inglaterra?
Foi neste momento que confirmei que algo de errado
acontecia. Johnny colocou as mãos nos bolsos, desviou o olhar e
deu de ombros. Em seguida, esboçou um sorriso sacana, o qual eu
conhecia, e reconhecia da sua utilidade: ludibriar as suas emoções.
Ele se afastou, seguindo de volta à sala. O corpo relaxado,
andando como se não tivesse nada de novo a acrescentar. Caminhei
logo atrás, analisando a sua postura descomprometida, uma
maneira de me fazer acreditar que não o abalei com a minha
pergunta.
— Está tudo bem? — continuei.
— Tudo ótimo!
Ele se jogou no sofá, os braços abertos, um sorriso
debochado no rosto quando colocou os pés sobre a mesinha de
centro. Sentei no sofá a sua frente e aguardei.
— Charlotte está como sempre — começou. — Tentei
conversar sobre a necessidade de ela voltar, mas não consegui
qualquer avanço.
— Não é possível que ela não entenda que precisa estar aqui
para manter este casamento.
— Charlotte está vivendo o luto da forma como imaginamos
que seria. — Fez uma careta de desagrado.
— Mas ela não pode aceitar isso!
— Ela sequer tem noção disso, Miranda. Charlotte se engana
afirmando que não volta porque precisa cuidar do pai. Na verdade
ela está fugindo da realidade. E quem pode julgá-la? Não foi assim
que insistiram em criar a menina? Não nos esforçamos para que
Charlotte tivesse um mundo só dela, onde os problemas, a dor e os
medos não existiam? Então, é isso o que ela está fazendo. Ficar na
Inglaterra tira Charlotte de tudo o que ela sabe que perdeu aqui. Ela
está criando o seu novo universo, só que lá, distante das loucuras
que nos atingiram nos últimos meses. Infelizmente, Alex, o
casamento, e tudo mais que aconteceu porque ela insistiu em viver
este amor, foi associado a dor de perder a mãe, logo, não funciona
mais aqui no Brasil. No mundo dela, um mundo que hoje está na
Inglaterra, Alex seria uma novidade, e cuidar do pai, a sua nova
missão.
Puxei o ar com força, confusa com toda aquela teoria
descarregada em mim.
— E desde quando você virou psicólogo, psicanalista,
terapeuta comportamental, ou… sei lá, essas profissões que
conseguem traçar o perfil de um psicopata? — Meu irmão riu com
vontade. — Foi alguma coisa que ela disse? Quer dizer… além das
respostas tradicionais. — Ele balançou a cabeça, negando.
— Não preciso de nada disso para saber como a cabeça de
Charlotte funciona.
— Incrível! Você ficou mais de uma semana com ela e só
trouxe para mim as suas próprias filosofias.
Aguardei que meu irmão rebatesse, como ele sempre fazia.
Não era fácil constranger Johnny, muito menos fazê-lo se sentir
mal por algo, no entanto, quando cruzei os braços na frente do
peito e o encarei, sua fisionomia era exatamente esta:
constrangimento.
— Afinal de contas, o que foi fazer na Inglaterra para
demorar todo este tempo? — Johnny desviou o olhar, encarando a
cozinha. — Falei com o padrinho diversas vezes e ele nunca estava
com você.
— Não fui só a trabalho.
— Até porque você é um simples estagiário, idiota! Não
pense que vai me enganar com essa conversa. Se não foi
acompanhar o padrinho, não foi convencer Charlotte, o que foi
fazer na Inglaterra no meio do semestre?
Ele relutou a me contar. Pude saborear os segundos que se
passaram enquanto ele deliberava se deveria ou não revelar o que
tanto havia escondido. E então meu irmão voltou a me encarar,
decidido.
— Tudo bem. Se vou contar isso a alguém, então que seja a
você.
— Ora, obrigada pela consideração! — desdenhei. — O que
houve? Em que tipo de confusão você se meteu agora?
— Levei a Edilza — falou de uma vez por todas.
— Você… hum! Foi apresentar a Edilza ao padrinho? Estão
namorando? É este o seu segredo?
— Na verdade… — Johnny se remexeu, incomodado, no
sofá. — O padrinho não soube que levei uma garota comigo.
Tomei todo cuidado para que não soubesse. Viajamos em um voo
comercial.
Não consegui disfarçar minha cara de pavor. Com um avião a
nossa disposição, e com dinheiro de sobra para pelo menos
conseguir um voo melhor, Johnny preferia se disfarçar de simples
trabalhador.
— Eu não podia deixar que eles a conhecesse — revelou.
— Por que não? A garota é ótima! O padrinho aprovaria com
toda certeza.
Meu irmão voltou a se mexer incomodado.
— Porque não vou ficar com ela.
— Não estou entendendo. Se não queria ficar com a menina
então porque essa palhaçada de levá-la para a Inglaterra? Se a ideia
era impressioná-la, bastaria… sei lá, levá-la em Angra?
— Você não entende, Miranda! — suspirou cansado.
— Devo concordar com você. De fato não entendo.
— Edilza é uma mulher incrível! — Ele começou. — E é
cheia de sonhos. — Fez uma careta estranha, como se estivesse
sofrendo.
— Você não concorda com os planos dela?
— Concordo.
— Não estou entendendo nada mesmo. Qual é o problema?
— O problema sou eu — revelou por fim. — Quero que ela
tenha tudo o que sonha. Que tenha oportunidade de realizar todos
os seus sonhos. Mas não posso estar na vida dela quando isso
acontecer.
— E por que não? Johnny, não é tão ruim…
— Edilza merece o melhor, Miranda. No momento, eu não
sou o melhor para ela.
Entortei a boca sem saber o que dizer. Não havia como
compreender aquela lógica. E mesmo assim, era fácil reconhecer
no meu irmão o mesmo medo que me assolou quando me vi
apaixonada por Patrício.
— Não posso namorar. Não nesse momento, com tantos
planos do padrinho, com a sua necessidade de se afastar e de me
preparar para substituí-lo. Entende agora? O que serei para ela além
de um cara que jamais estará ao seu lado? E ela vai morar na
Inglaterra, então…
— Ela vai? — perguntei, curiosa. — Pensei que terminaria o
curso primeiro.
— Bom… — Meu irmão se encolheu, constrangido, o que só
me alertou mais. — Eu… bom… dei um jeito.
— Deu um jeito?
Ele levantou, andando pela sala, desconfortável.
— Ela queria muito. A coisa aqui começava a ficar séria, por
isso…
— Você vai bancar o intercâmbio dela?
— Bom…
— Johnny! E ela aceitou? De que forma, se a garota nem
sabe que você é rico?
— Bom…
— Pare de ficar se repetindo! — Ele me olhou assustado. —
O que você fez?
— Criei uma bolsa integral e fingi que ela foi selecionada.
— Você o quê? — gritei. Johnny se encolheu.
— Ela nunca aceitaria a minha ajuda. Por isso criei tudo.
— Tudo? — Ele suspirou e voltou a sentar no sofá.
— Primeiro criei um site. Depois a convenci a se inscrever.
— Ela acreditou?
Meu irmão abriu um sorriso tímido, contudo, convencido.
— Não faço nada se não for para sair perfeito. — Revirei os
olhos. — Resumindo, viajamos para ajustar a ida definitiva dela. A
instituição fictícia que criei, pagou todas as despesas do curso que
ela vai fazer, além das pessoais, durante um ano, podendo ser
renovado.
Encarei meu irmão sem acreditar na sua manobra para afastar
a garota de quem gostava. Chegava a ser inacreditável como ele
conseguia se sabotar. E eu que imaginei que nenhuma história
superaria a minha com Patrício.
— Pelo visto nada do que eu diga vai modificar esta situação.
— Ele me deu um olhar debochado.
— Obrigado pela compreensão. O que tem para comer?
— Ah… quase nada, para ser sincera. Não tenho abastecido a
despensa. Por que não pede alguma coisa para almoçarmos?
— Pode ser.
Ele puxou o celular, mas encarou a tela com certa surpresa.
— E o padrinho? O que achou dele?
— O padrinho está ótimo! — continuou olhando fixo para a
tela do celular. — Ele é durão.
— Ele só está tentando nos proteger.
— E deveria ser diferente? Você não faria a mesma escolha
dele?
Na verdade, aquela também era a minha postura diante de
qualquer problema. Quantas vezes abafei meus sentimentos em
prol de Charlotte? E a minha vida? Uma sucessão de mentiras
inventadas porque precisava que minha família continuasse distante
das minhas dores?
Foi por este motivo que apenas concordei com Johnny, sem
nada acrescentar.
— E Anita? — Johnny me encarou, surpreso, e então voltou
a se mexer incomodado.
— Na mesma.
— Na mesma?
— Nós nos falamos às vezes.
— Johnny…
— Anita é fácil pra mim, Miranda. Sem exigências, sem
complicações…
Evitei entrar naquela questão. Eu detestava Anita e tinha
todos os motivos do mundo para continuar detestando. Porém,
havia uma necessidade maior que a envolvia, que sobrepunha-se as
questões amorosas do meu irmão.
— Ela sabe de Charlotte e Alex? — Pelo olhar de Johnny eu
já podia adivinhar a resposta.
— Não com tanta propriedade.
— Johnny!
— Ela sabe apenas que Alex voltou antes de Charlotte. Não
faz ideia de como está o casamento dele.
— Menos mal.
— Anita já desencanou do Alex. Sua preocupação é
desnecessária.
Preferi não rebater esta parte. Meu irmão gostava de se
enganar acreditando que a maldita da minha ex-professora, não
desejava mais o marido da nossa irmã.
— A questão é: como Tiffany receberá esta notícia,
entendeu?
Seus olhos ficaram maiores, mas Johnny desconversou,
voltando a pegar o celular para fazer o pedido.
— O que quer comer?
— Você entendeu a gravidade?
— Miranda, Anita não tem nada para contar a Tiffany, que
faça com que ela acredite que pode reconquistar Alex.
— Espero que não.
Constrangido, Johnny se concentrou em escolher a nossa
comida, dando o assunto por encerrado. Colaborei, porque não iria
me indispor com meu irmão, entretanto ficou em mim a certeza de
que aquele seria mais um problema com que eu deveria me
preocupar.

Johnny foi embora depois do almoço. Disse que precisava


estudar, não apenas para o seu último semestre na faculdade, mas
para que, enfim, compreendesse o que lhe aguardaria. Coitado!
No meio da tarde eu já não suportava mais ficar em casa,
sozinha, ruminando os novos e os antigos problemas. Deveria
haver uma lei onde um problema só pudesse existir depois que
encontrássemos a solução para outro. Porque esse acúmulo de
problemas não era saudável para a mente de ninguém.
Pensando assim, coloquei minha melhor roupa de corrida,
afinal de contas, estar com a mente fodida não deveria jamais
impactar a minha autoestima, e eu sempre fui adepta da filosofia de
que, se está ruim, arrume-se, pelo menos vai ser um dia ruim com
você linda e superior. Não preciso de uma cara que reflita as
minhas confusões internas, não é mesmo?
Correr era uma das atividades públicas que me dava mais
prazer. Um hábito adotado desde quando não conseguia lidar com a
tempestade dentro de mim, e necessitava esvair minhas forças até
não sobrar nada para os pensamentos indesejados.
E tornou-se tão habitual que o prazer se sobrepôs ao
desespero, e a atividade passou a ser um momento meu, apenas
comigo, sem pensamentos, sem problemas, sem medos. Apenas eu,
meus músculos, o vento, a praia e o sol, ou, eventualmente, a
chuva.
E foi assim naquela tarde. Corri porque precisava deixar para
trás o que me atormentava. Trancado do lado de fora até que eu
voltasse.
Foi com este pensamento que subi a ladeira da minha rua, em
direção ao flat, mantendo o ritmo de passos rápidos, trotando
devagar para não me desgastar além do necessário. Os fones no
volume máximo. Alcancei as escadas ignorando Vítor acenando
para mim da recepção, e fingi não ser capaz de ouvir nada até
chegar ao elevador.
Mas, quando este começava a fechar a porta, a mão do
fofoqueiro interrompeu o processo. Encarei sua cara de coruja,
enquanto ele respirava, tentando recuperar o fôlego.
— Srta. Miranda! — retirei os fones sem retribuir o
cumprimento. — Essa caixa foi deixada para a senhora.
— Deixada? Outra entrega anônima? — Dei um passo para
trás, me prevenindo.
— Na verdade, o rapaz que entregou falou que era um
presente do seu pai, mas não vi qualquer informação referente ao
Sr. Middleton.
Olhou com curiosidade para a caixa de presente em sua mão.
Fiz o mesmo, e, para meu desagrado, alimentando o nível de
curiosidade do fofoqueiro à minha frente. Era uma caixa bonita,
adornada com um laço bem feito. Não parecia um material barato,
o que me confundiu um pouco.
Vítor dizia que era um presente do meu pai, entretanto não
seria ingênua ao ponto de acreditar que o padrinho havia enviado
um presente para mim, até porque não existia qualquer
necessidade, visto que Johnny acabara de voltar da Inglaterra e
poderia ser o portador. O que me levava para a segunda hipótese, e
a que menos me agradava.
O homem que se dizia meu pai esteve ali, deixando aquele
presente. O que parecia ser o mais sensato a se pensar, se não fosse
pela qualidade do material da embalagem, o que contrariava a
história que eu conhecia daquele homem. Sua vida financeira não
era das melhores, então…
— É seu aniversário? — Vítor disse, cheio de vontade de
descobrir algo. — O Sr. Middleton está de volta?
— Me entregue! — Peguei a caixa, sem qualquer vontade de
ser gentil. — Se me der licença… — Olhei sugestivamente para a
mão dele impedindo a porta de se fechar.
— Ah, claro!
Assim que Vítor se afastou e a porta fechou, comecei a
tremer. O que seria daquela vez? Havia uma chance remota de não
ser do meu progenitor, se é que ele era mesmo o homem que me
fez. E eu não podia desprezar uma outra opção: Moisés.
Não ignoraria o seu aviso no dia da praia.
Entrei em casa, carregando a caixa com cuidado. Coloquei-a
sobre a bancada da cozinha, puxei o banco e sentei encarando-a.
Um medo real me assolava. Ao mesmo tempo, entendia que só
encontraria a resposta quando a abrisse.
Levantei, andei pela sala esperando que alguém aparecesse.
Qualquer pessoa que pudesse dividir aquele peso comigo, até me
dar conta de que ninguém apareceria. Eu estava só e aquele
problema era único e exclusivamente meu.
Voltei ao balcão me enchendo de coragem, desfiz o laço e
abri a tampa. O conteúdo, envolto em papel seda, não me permitia
ver o que, de fato, havia ali. Receosa, desfiz a embalagem e o que
encontrei me deixou sem palavras.
Um par rosa de meias de bebê, antigas, um material bem
simples, já desbotado, e uma carta com a mesma letra da outra, o
que fez com que minha nuca ficasse arrepiada.
Não toquei nas meias. Elas me assustavam mais do que
deveriam. Mais do que qualquer outro momento da minha vida.
Porque ela ou era uma farsa, ou jogava por água abaixo toda a
minha história de vida.
Com as mãos tremendo, peguei o papel apenas com as pontas
dos dedos, e, de forma inevitável, meus olhos me obrigaram a
assimilar cada palavra.

“Eles mentiram. Roubaram voc~e de mim. Pagaram a sua


mãe e te levaram para longe.”

O papel caiu dos meus dedos antes que eu conseguisse ler o


restante da mensagem. As lágrimas desceram de forma involuntária
enquanto eu me mantinha olhando para frente, evitando que minha
mente continuasse me puxando para o que havia naquela caixa.
Minha mãe fugiu do meu pai quando descobriu a gravidez.
Fugiu porque era humilhada, espancada, desprezada. Porque meu
pai não a queria, assim como nunca me quis. E os padrinhos… os
padrinhos me salvaram. Tiraram minha mãe do país, fizeram o
possível para que eu nascesse e fosse criada com amor. Como
podia ser mentira?
Revoltada, peguei a caixa, abri o cesto de lixo, mas quando
começava a soltar o material lá dentro, me arrependi no último
segundo, e o recuperei, chorando copiosamente, desesperada.
Aquele par de meias me obrigava a acreditar naquela carta.
Eu não tinha certeza, precisaria encontrar a foto, todavia, aquela
meia, daquele jeito, foi a que eu usava quando minha mãe fez um
dos primeiros registros da minha vida.
Mas não podia ser verdade. Eles não podiam ter mentido para
mim. Era a minha vida!
Ao mesmo tempo que me obrigava a não acreditar naquela
história, minha mente me levava para os fatos. Não foi o que eles
sempre fizeram? Não mentiram para nós sobre a doença da
madrinha? Não mentiram para Charlotte? Era tudo uma mentira?
Eu não podia suportar.
Subi correndo as escadas, ainda com a caixa na mão, fui para
o closet, largando o material sobre a poltrona e comecei a procurar
pela foto. Baguncei tudo. Abri todos os álbuns, as caixas, sem
encontrar a imagem que precisava, sem nada achar.
Corri até o quarto dos padrinhos. Abri a porta com cautela.
Aquele quarto era como um templo, e a verdade era que eu sequer
havia estado ali desde que a madrinha se fora. Por dois segundos,
observei os móveis arrumados. Senti o cheiro do seu perfume que
ainda pairava no ar, e chorei como uma criança.
Chorei de dor, de tristeza, de solidão e medo. Não ousei
sentar em sua cama, mas me encostei ao seu lado, sentando no
chão, sem coragem de abrir as gavetas, de buscar pelas respostas.
Era justo? Como eu podia questionar, desmentir tudo o que ela foi
para mim? Como desacreditaria o que aquelas duas pessoas,
amorosas, gentis, meus pais, ainda que não de sangue, fizeram por
mim?
Pensando desta forma, levantei com pressa. Não feriria a
história da minha família me colocando ainda mais na mentira. Eu
tinha que fazer o justo. E só seria assim se o padrinho soubesse
sobre o que acontecia comigo naquele momento.
Então, com o coração apertado, voltei para meu quarto, tomei
um banho, escolhi uma roupa, peguei minha bolsa e fui embora
daquele apartamento. Eu precisava voltar a mim, recuperar a
Miranda que me erguia, que me fazia forte e me colocava longe de
tudo o que tentava me destruir.
CAPÍTULO 9

“E em tudo o que eu faço, existe um porquê.


Eu sei que eu nasci, sei que eu nasci pra saber.
Saber o que?.”
Agora só falta você - Rita Lee, Tutti Frutti

Cheguei na editora com passos fortes e decididos, mas não


porque o que eu ansiava estava ali, quer dizer, estava, contudo não
fazia parte do meu plano inicial. Por isso volto a dizer que amar é
uma droga. O amor só limita, castra, incapacita.
Eu amei Thomas e deu no que deu. Amei minha mãe, que foi
tirada de mim por um bêbado inconsequente, deixando-me sozinha,
amei a madrinha e uma doença a levou de mim, amo o padrinho,
mas este amor me levou a criar duas vidas, amo Charlotte e devido
a este amor vivo consumida por problemas que não são meus, e
nesse momento, como se já não houvessem rasgos demais em
minha alma, amo Patrício, e por causa deste sentimento atroz, perdi
meu refúgio, porque o amo e o respeito.
Então meu plano inicial, levada pelo padrão e pela
necessidade de deixar para trás tudo o que não me fazia bem, o que
deveria ficar no mundo de Miranda, filha de Mary e Peter
Middleton, a garota exemplar, e que seria expurgado no meu
mundo, da forma como eu sabia fazer, agora me impedia de
cumprir, porque eu amava Patrício.
E foi por isso que no meio do caminho, ignorando a cara do
motorista, pedi para modificar o destino e, pouco tempo depois, ele
me deixava na entrada da editora.
Ninguém mais seria capaz de me barrar ali. Precisei somente
da liberação da catraca e entrei no elevador, temendo o que
pretendia fazer, no entanto, entendendo com perfeição, que
precisava disso.
E talvez tenha sido por causa deste sentimento que me
surpreendi e fui atingida por uma fúria ainda maior quando a porta
do elevador abriu e dei de cara com Alex e, ninguém menos do que
Tiffany, ao seu lado. Olhei de um para o outro tentando assimilar o
que se passava ali, e então, quase que de imediato, me dei conta de
que eles não poderiam estar em qualquer outro lugar que não os
ligassem profissionalmente.
— Miranda? — Alex disse erguendo uma sobrancelha, sem
esconder a surpresa.
— Como vai, Alex? — Olhei para Tiffany deixando claro
que não a cumprimentaria, o que deixou meu cunhado
desconfortável.
— Veio ver Patrício? — Foi a minha vez de erguer a
sobrancelha, com certo desdém.
— E quem mais teria este privilégio? — Ele suspirou
resignado.
— Converso com você depois, Tiffany — anunciou para a
mulher parada, mantendo a porta do elevador aberta. Ela
contestaria, se não precisasse manter a pose, então, consternada,
entrou e sumiu da nossa frente, o que me fez encarar outra vez o
meu cunhado. — Tem falado com Charlotte? — Ele foi direto ao
ponto.
— Constantemente.
Tenho que ser uma pessoa honesta e confessar que saboreei
um pouco da tortura que meu cunhado não deixou de expressar.
Não deveria me vangloriar com a sua dor, afinal de contas,
Charlotte era a infantil e errada daquela história, ainda assim,
diante do que eu pretendia fazer, e da consciência de que Alex não
concordaria jamais com isso, o que, de fato, era muita hipocrisia da
parte dele, me deixei levar pela mágoa enquanto o via se contorcer
aguardando por algo mais da minha parte.
Até que, com um liberar do ar preso em meus pulmões,
desisti de ser a carrasca, reconhecendo que não era nada cristão
enfiar o dedo na ferida dos outros. A madrinha teria me
repreendido, com toda certeza.
— Johnny acabou de voltar da Inglaterra — comuniquei. —
Ela continua acreditando que lá é o lugar dela.
Na mesma hora me arrependi por ter feito ele sofrer por
informações. Alex engoliu convulsivamente até que seu maxilar
endureceu e seu olhar ficar feroz.
— Eu entendo — disse por fim.
— Não, você não entende. Assim como eu não entendo,
Johnny não entende e nem mesmo o padrinho entende. Ninguém
neste mundo entende Charlotte, contudo, ninguém seria mais capaz
de justificar as suas falhas do que você, Alex.
— Pode ser, mas quem sabe isso não dure por tanto tempo.
— Precisei de alguns segundos para me recuperar da sua revelação.
— O que quer dizer com isso?
— O que, com certeza, você já sabe. Talvez precise se fazer
de burra para os outros, mas eu sei, Miranda, que você não é. Por
isso, o que posso garantir é que a situação está insustentável para
mim, e… — Outro suspiro, este carregado de impaciência. — Não
sei como continuo nessa.
— Isso é um desabafo ou um recado? — Seus olhos se
abriram, um pouco surpreso ao se dar conta do que fazia.
— Eu… gostaria que não fosse nenhum dos dois — falou
quase como um sussurro.
— Neste caso, devo te informar, Alex: a situação ainda não
está insustentável. Se estivesse, você nem desabafava comigo,
muito menos mandaria um recado por mim.
Com um tapinha amistoso em seu braço, deixei meu cunhado
e fui em busca da sala do meu namorado, cada vez mais consciente
de que precisaria de um dia de expurgo.
Tinha total consciência de Alex caminhando atrás de mim,
mantendo um ritmo próprio, que não o permitiria me acompanhar,
ou me ultrapassar, evitando desta forma, mais uma conversa
estranha. Eu planejava alcançar a sala do meu namorado sem ser
necessário qualquer troca de palavra com meu cunhado, mas no
instante em que cheguei na frente da sua sala, Docinho lhe
entregava um papel e Patrício parecia estar de saída.
— Miranda? — Ele me olhou surpreso, e assim que percebeu
a presença do irmão logo atrás, estreitou o olhar. — Aconteceu
alguma coisa?
— Na verdade, sim. Tem tempo? — Mais uma vez ele olhou
para Alex, que passava por mim, claro, ouvindo a conversa.
— Em dez minutos, Patrício — o irmão anunciou, o que, de
certa forma, me desagradou.
Meu namorado aquiesceu e então indicou a porta da sua sala.
Acenei para Docinho e entrei com pressa. Patrício parecia curioso,
e, tenho certeza, que sua situação só piorou quando o agarrei
empurrando-o contra a parede.
— Miranda? — Tentou me segurar sem conseguir.
Eu estava ávida, ansiosa para ser possuída, ao ponto de
esquecer até mesmo de como se respirava. Era certo que não
conseguiria meu intento em dez minutos, atrás da porta do
escritório do meu namorado. Eu precisava de mais. De muito mais.
Este ponto me apavorou.
Desesperada, tentei fazer tudo ao mesmo tempo. Tocá-lo,
abrir suas calças, beijar seus lábios e seu corpo. Patrício riu diante
da minha fome, o que me fez rugir como uma fera.
— Ei, Morena! Calma!
Ele rodopiou me imprensando na parede, segurando minhas
mãos e me encarando com certa preocupação.
— O que houve?
— Não posso sentir falta do meu namorado?
— Bom, Morena, em qualquer outra situação eu ficaria
lisonjeado, mas agora…
— O que tem o agora?
— Miranda…
— Esse é o problema, Patrício! — Desatei a falar, presa
contra a parede, com minhas mãos impedidas de tocá-lo. — A
sociedade vive presa ao tempo, mas evitam o agora como evitam a
morte. Não se desfazem do ontem, a cabeça está sempre no
amanhã, e o agora? Será que ninguém percebe que qualquer tempo
verbal só existe por causa do agora? Então? Precisamos viver o
agora.
— Agora?
— Isso! — Explodi enlouquecida. — Agora. Neste instante.
— Miranda…
— Sabe por que chamam o agora de presente? — aguardei
ele falar, no entanto Patrício me olhava como se eu estivesse louca.
— Porque é isso! — Minha voz saiu como se eu estivesse dizendo
o óbvio, o que seria um absurdo não ser entendido. Apesar disso,
Patrício me analisava com calma. — Porque é um presente! Não
percebe? Um presente!
— Ok, Morena! O que aconteceu? — Encarei meu namorado
sem conseguir compreendê-lo. Será que ele não compreendia
quando alguém só queria transar? — Tenho uma reunião em
poucos minutos, então você precisa me contar agora. O que
aconteceu?
— Eu quero… — Engoli com dificuldade.
Patrício aguardava por mim, ansioso, tenso por saber que
existia um problema. Só que eu não almejava sentar e confessar
que de fato existia algo me incomodando. Não pretendia revelar
que o homem que sempre acreditei ser um crápula, decidiu me
procurar com uma nova versão da minha vida. Uma que eu não
estava disposta a encarar, muito menos acreditar.
Por isso avancei mais uma vez, o beijei, pegando-o de guarda
baixa, conseguindo me desfazer das suas mãos restritivas, e
aproveitando da sua incapacidade de me dizer não. Patrício me
beijou de volta, amparando nossos corpos em sua mesa. Algumas
coisas caíram pelo chão, o que não me fez parar. Puxei sua camisa
para fora e enfiei a mão por dentro da calça.
— Miranda! Ah, droga! — Ele gemeu quando segurei seu
pau com firmeza, masturbando-o. — Morena… amor… não
podemos… Ah!
Sorri, convencida de que a vitória era certa. Fazer Patrício
render-se me daria certa satisfação e conseguiria conter um pouco
do desespero que digladiava em mim. Entretanto, ele segurou
minha mão, me impedindo de continuar. Em desespero fechei-a
com mais força e então Patrício gemeu, desta vez não mais de
prazer.
— Morena! — Disse de forma mais engasgada, fazendo-me
enxergar a realidade.
— Desculpe!
Retirei minha mão de imediato e Patrício me afastou, dando
vários passos para longe de mim.
— Desculpe! — repeti em desespero, enquanto ele me
analisava com horror.
— Qual é o seu problema?
— Patrício eu… eu… — Caminhei pela sala sem atinar como
me explicar. — Eu preciso…
— De sexo! Já entendi. Quero saber o motivo. — rosnou,
exigindo de mim a verdade. Ou o que eu podia revelar da verdade.
— Preciso de expurgo — confessei baixinho.
— O quê?
— Preciso de sexo, Patrício, mas não de sexo… sexo… —
minhas mãos se agitaram no espaço entre nossos corpos, sem
conseguir encontrar uma forma adequada. — Preciso do clube.
— Do clube?
Sua surpresa não deveria me envergonhar, no entanto, não
consegui sequer encarar meu namorado. Era errado, não era? Claro
que era. Era? Quer dizer…
— Do clube — ele repetiu como se precisasse disso para
assimilar as minhas palavras — Aconteceu alguma coisa? — Outra
vez a pergunta. Fechei os olhos, envergonhada demais para mentir.
— Você quer ir ao clube? — Concordei. — Agora? — Outra vez
concordei ouvindo o seu exalar.
— Patrício…
— Ok! Vamos.
— Agora?
Encarei meu namorado, em choque, sem confiar naquela
facilidade, e, ao mesmo tempo, me questionando o motivo de ser
tão fácil para ele, do mesmo jeito que parecia ser tão urgente para
mim.
— E a sua reunião?
— Cancelo.
— Patrício!
— É uma emergência.
Seu sorriso sacana se apresentou no momento certo, quando
eu começava a pensar demais e necessitava pensar de menos.
— Sim, é — concordei percebendo que meu corpo começava
a reagir à ideia. A excitação acelerando em minhas veias como
adrenalina.
— Então vamos.
— Vamos.

No carro tudo pareceu mais complicado do que deveria. A


ansiedade de Patrício me angustiava, golpeando minha cabeça, sem
parar de me questionar se estaríamos mesmo fazendo a coisa certa?
Cheguei ao ponto de me perguntar por que não fiz aquilo sozinha?
Patrício jamais descobriria.
A merda de amar era se obrigar a ser honesta, mesmo quando
a sua honestidade te colocava em situações como aquela. Voltei a
me remexer no banco do carro, e, outra vez, Patrício me olhou,
levando a mão a minha, pressionando-a para me dar apoio. Aquilo
começava a me adoecer.
— Nós só vamos olhar. — Afirmei mais uma vez.
— Tudo bem. — Aquela foi a mesma resposta que recebi nas
três últimas vezes que me obriguei a falar que só iríamos olhar.
Cruzei os braços, aborrecida. — Tem certeza que o clube está
aberto a esta hora?
— Claro que sim.
— Mas não são nem três da tarde!
Voltei meus olhos de forma cínica para meu namorado, que
me encarou, aproveitando o sinal fechado, como se a sua pergunta
fosse o mais lógico.
— O clube nunca fecha. São pessoas ricas querendo sexo no
horário que acreditarem ser o melhor para si, o que abrange todas
as horas do dia. E antes que me pergunte qualquer outra coisa
relacionada às pessoas estarem lá neste horário, eu repito, são
pessoas ricas. Elas não precisam trabalhar oito horas por dia. Elas
não precisam sequer trabalhar.
Foi injusto. Eu sei. Patrício, apesar de circular muito bem no
meio da alta sociedade, ainda dependia de um salário por mês, e
não fazia parte do seleto grupo que eu havia acabado de mencionar.
Inclusive estava ali arriscando tudo, até mesmo ser demitido pelo
irmão.
Eu não deveria ter feito a proposta.
— Certo.
Continuou dirigindo, muito à vontade com o caminho, como
se já o tivesse feito inúmeras vezes. E eu me tornava mais irritadiça
à medida que nos aproximávamos. Patrício parou o carro, entregou
a chave para um dos manobristas que costumavam aparecer do
nada e abriu a porta para mim, oferecendo a sua mão.
Saí do carro, tremendo. O corpo reagindo como se aquela
fosse a minha primeira vez ali. E eu sequer entendia o que
acontecia comigo. Não era o que eu precisava? Não foi o que fui
buscar na editora quando procurei pelo meu namorado? Então por
quê?
— Morena? — Ele sussurrou ao meu ouvido. — Nós vamos
só olhar — prometeu de forma cativante. Sorri e aceitei o seu beijo,
começando a me acostumar com a ideia.
CAPÍTULO 10
PATRÍCIO

“E quanto eu me perco em suas memórias, vejo um espelho


contando histórias.
Sei que é difícil de esquecer essa dor.
E quando penso no que vivemos, fecho os olhos me perco no
tempo”
Memórias - Malta

Havia uma parcela de mim que me mantinha focado no


objetivo. Miranda, depois de muito resistir, cedeu, e naquele
momento entrávamos em uma sala estritamente reservada para um
número minúsculo da população que podia pagar pelos serviços
daquele clube. Eu não podia, e este deveria ser um ponto negativo,
mas não era.
Esta mesma parcela agitava minhas células, entupindo
minhas veias com a mais vívida curiosidade, lutando, a todo custo,
para conseguir encobrir a outra parcela, a que me limitava e, com
frequência, me fazia pensar na possibilidade de sairmos dali o
quanto antes.
Eu seria um pilantra caso não confessasse que aquele lugar
alimentava meus sonhos mais íntimos. Não que nunca tivesse
vivenciado nada do tipo. Era lógico que transar com duas mulheres,
ou compartilhar alguma com outro cara, já fora superado há muito,
apesar de em momento algum deixar de ser algo que, de certa
forma, me agradava. Mas tudo o que aquele lugar prometia, a
fantasia, a realização dessas, me fascinava como o bom pervertido
que eu era, e não posso negar esta realidade.
Entretanto, estar ali com Miranda, limitava tudo. Então eu me
dividia entre não ser o cara que a impediria de ter o seu dia de
“expurgo”, como ela mesmo denominou, principalmente quando
reconhecia ser aquela a sua realidade e, nos últimos tempos, a
necessidade também; ou ser o namorado ciumento, incapaz de
mentalizar outro homem tocando a sua mulher.
E este ponto pesava em mim como uma tonelada de
responsabilidade. Chegava a quase me enlouquecer, quase me
extrair do estado de tranquilidade que aprendi a me manter,
evitando os surtos. A agitação me dominava e por este motivo
minhas mãos não ficavam paradas nem por um único minuto.
Era a novidade, eu repetia para mim mesmo, tentando me
acalmar. Mas a verdade era que não estava pronto para
compartilhar Miranda, e tinha total conhecimento, de que ficar ali,
exigiria isso de mim. Da mesma forma que exigiria dela. Ainda
assim, Miranda só se acalmou quando seus pés tocaram aquele
solo, como se estivesse em terra sagrada.
Eu não queria admitir, mas metade de mim broxou quando
entendeu que ela ansiava mesmo estar naquele lugar, e que
faríamos muito mais do que apenas olhar.
O que havia acontecido de tão trágico para que ela resolvesse
estar ali, naquele momento, com tanto desejo? Ou será que nada
havia acontecido e Miranda tivesse apenas cansada de se manter
longe do que chamava de seu mundo?
— Da outra vez não passamos deste salão. O que precisa
acontecer?
— Um convite? — Ergueu a sobrancelha em desafio.
— Para olhar?
— Você não seria capaz de adivinhar quantos casais gostam
de serem assistidos — desdenhou.
— Eu prefiro algo mais reservado.
— Com convidados? — Ela continuou, os olhos fixos em
minha reação, enquanto levava a taça de champanhe aos lábios. —
Temos de tudo, de casais que gostam da troca até mesmo daqueles
que adoram uma multidão para aplaudir.
— E você? Do que gosta? — Miranda pareceu engolir com
dificuldade.
— Eu? — Olhei ao redor, procurando por mais algum
participante daquela conversa. — De tudo… eu acho —
acrescentou sem tanta força nas palavras.
— Acha? Deixe-me ver… gosta de multidão te olhando? —
Ela tomou um longo gole da sua bebida.
— Tento não pensar no assunto.
Eu não queria, mas um sorriso debochado começou a esticar
meus lábios. Miranda era incrível.
— E você?
— De certo não gosto de multidões.
— Ah!
Ela desviou a atenção e olhou as pessoas transitando pelo
salão, procurando por alguém.
— Ela não está aqui — falei, observando sua reação.
Miranda fechou os olhos com força e quando os abriu demonstrava
raiva.
— Como sabe?
— Fiz questão de verificar. — Ela abriu a boca para retrucar,
sem encontrar palavras. — Ela pode estar lá embaixo. Em uma das
salas, servindo de atração para o público.
— Você parece entender mais disso do que eu.
— Patrício… — fechou a boca quando um casal se
aproximou com cuidado. Miranda sorriu com educação,
demonstrando conhecê-los. Travei na mesma hora.
— Uma ótima tarde, não? — O homem iniciou a conversa
estirando a mão para mim, sem se apresentar.
— Parece que sim — respondi seco, dando uma olhada
rápida na garota que o acompanhava.
Muito mais jovem do que o homem em questão, a garota me
fez questionar se não seria uma prostituta. Olhei para Miranda,
intrigado. Ela fez um gesto discreto com a cabeça, negando o que
provavelmente seria a minha pergunta. Voltei à atenção para o
homem. Alto, atlético, devia estar na faixa dos 45 anos. Bem
apessoado, e, para o meu desespero, não se preocupava em ser
indiscreto ao olhar para a minha namorada.
Travei no mesmo segundo. Precisei levar o copo aos lábios
para não fazer uma careta, ou rugir enquanto o homem fazia o
convite.
— Podíamos descer, o que acham?
— Na… — tentei, no entendo Miranda me impediu.
— Do que, de fato, estamos falando?
Muito rápido o homem entendeu que Miranda tomaria a
decisão. Havia dois tipos de pessoas naquele recinto, sócios e
convidados, e Miranda deixou claro que eu era um simples
convidado. No mesmo instante o cara começou a negociar com
minha namorada.
— Nenhum plano. Podemos descer e decidir.
— Muito vago — ela disse sem titubear, o olhar decidido,
cheia de si. Cheguei a ter esperança de que a conversa não iria a
nenhum lugar.
— O que tem em mente? — O homem revidou, a mão indo
automaticamente para a cintura da garota que o acompanhava, e
que, percebi, não participava de nada. Quer dizer… quase nada.
— Pretendiamos olhar. Só vamos definir se encontrarmos
algo interessante.
— Algo que envolva mais um casal, ou algo mais livre? — O
homem salientou. — Não me leve a mal, mas queremos garantir o
convite.
Só neste segundo Miranda me olhou, buscando a minha
aprovação. Pude constatar o quanto ela queria aceitar, e a forma
como isso mexeu comigo. Mesmo puto da vida, fui incapaz de
negar. Apenas a encarei e aguardei, com o coração em pulos.
— Algo que não nos obrigue a nada — ela respondeu,
mantendo a altivez.
Minha respiração ficou presa nos segundos em que ele
ponderou. Porém, com os olhos fixos em minha mulher e as mãos
na dele, o homem concordou sem nada dizer.
— Ótimo!
Miranda então segurou em minha mão e me puxou em
direção ao caminho que um dia tanto desejei. Caminhei ao seu
lado, tentando não pensar no assunto, procurando me interessar
pelo que nos esperaria do outro lado, ou na garota que certamente
me seria oferecida em troca da minha. Uma troca nada justa, diga-
se de passagem.
A garota era bonita, não havia porque negar, mas Miranda
era… espetacular. De tirar o fôlego. Haja vista toda a necessidade
do cara em fazer a troca. Ele topou tudo o que ela determinou.
Sequer pestanejou. E eu podia sentir, não, eu podia ver em sua
cara, o desejo avassalador por minha garota. Argh! Eu queria socar
alguém. Não! Eu queria socar aquele cara.
Minha respiração se manteve suspensa quando passamos
pelos seguranças e uma tontura me abalou. Parei para puxar o ar.
Miranda apertou minha mão. Nossos olhares se encontraram e,
claro, ela percebeu a minha aflição.
— Tudo bem? — sussurrou.
— Tudo — respondi de má vontade.
Na verdade eu queria ter perguntado se ela fazia aquilo por
mim ou por ela, mas preferi não ouvir a resposta porque não estava
preparado para o que ela me diria.
O elevador abriu as portas. Aquele era o momento, eu sabia.
Tão mais importante do que aceitar o convite, ou decidirmos se
iríamos ou não além do observar. Entrar naquela cabine significava
entrar no mundo de Miranda, sem a opção de voltar atrás.
Outra vez a sensação incômoda de estar sem ar suficiente, se
intensificou quando as portas fecharam e o elevador desceu. Tentei
me controlar, precisei trocar o peso dos pés, de um para o outro,
muitas vezes, nos poucos segundos que ficamos ali. Até que a porta
se abriu e ouvimos murmúrios que davam muito a imaginar.
Miranda segurava em minha mão, porém seus passos
mantinham-se além de mim. A mudança era perceptível. No
segundo em que ela saiu da cabine e conquistou o espaço, se tornou
uma nova mulher. Eu não conseguia decidir se me encantava ainda
mais, ou se aquela nova Miranda me aborrecia a um nível...
indescritível. Por isso apenas a segui. Deixei que minha namorada
andasse à frente, olhando para os lados com um interesse genuíno,
tão parte daquilo que me assustava ao ponto de, nos primeiros
minutos, eu sequer conferir o local, e tudo o que acontecia ali. Meu
olhar se manteve fixo no rosto dela, sem conseguir perder nada do
que ela expressava.
Quanto mais olhava, mais me confundia, porque não
compreendia o que sentia. Minha cabeça se tornou uma confusão
só. Talvez tenha sido isso o que me fez deixar de fitá-la, ou, talvez,
minha mente captou o quanto de vida havia ao nosso redor. No
instante em que meus olhos se afastaram dela, eu vi aquele imenso
salão, e então... todo o resto foi ofuscado.
Era um emaranhado de situações acontecendo todas ao
mesmo tempo. Tantas e de tantos tipos que eu sequer conseguia
decidir o que olhar. Duas garotas se beijavam no que parecia ser
um bar, uma delas com os seios acariciados por um rapaz, que
parecia não se importar com a exposição. Mais ao centro, em uma
grande cama, outras duas garotas faziam um espetáculo. Uma delas
usava uma cinta que exibia um pênis, o qual enfiava na outra por
trás, enquanto esta, de quatro sobre o colchão, gemia para que
todos ouvissem.
Ao redor da cama, casais observavam a cena e trocavam
carícias. A imagem em si era bastante excitante, mas me perguntei
como aquilo funcionava. Aquelas garotas eram contratadas para o
show ou se voluntariavam? Qualquer um que quisesse poderia
participar ou era algo exclusivo, apenas para excitar os
observadores? E…
— Patrício? — Miranda sussurrou meu nome, como se não
quisesse que ninguém o soubesse. Voltei minha atenção para minha
namorada, que me fitava com certo receio. — Vamos até os quartos
— anunciou sem qualquer animação.
— Quartos?
Confesso que uma leve pontada no estômago quase me fez
recuar. Miranda me encarava com olhos imensos. Ela queria
continuar, o que seria a minha ruína. Acabei concordando sem
sequer saber o que significava irmos para o quarto. Transaríamos
com aquele casal? Ela aceitaria o cara? Eu teria que transar com a
menina?
Porra! Minha mente estava prestes a fundir.
Enquanto caminhávamos em direção a uma parte reservada,
passávamos por casais cada vez mais expostos. Dois homens
transavam com uma garota, encostados na parede. Um deles,
praticamente carregava a mulher, seus braços sustentando as coxas
dela, abrindo-as como se a ofertasse para o da frente. Pude ver seu
pau enfiado na mulher e o do outro cara também. Os três gemiam e
se entregavam sem se importarem com os transeuntes.
Ao mesmo tempo que gostei do que vi, me perguntei se
Miranda já havia feito algo similar, ali, no corredor, diante de
todos, sendo ofertada a outro homem e comida de forma tão… puta
que pariu! Eu não deveria pensar naquilo. Não queria! Porque era o
que minha namorada desejava, o meu consentimento para que
outro homem a comesse, e eu…
Viramos à esquerda e entramos em um corredor amplo, luzes
âmbar davam uma ideia mais particular ao cenário. Apesar de um
ou outro casal aparecer, o local não tinha exibições. Até que
chegamos a primeira porta, aberta, convidando quem quisesse
participar.
Entramos sem Miranda sequer procurar saber o que haveria
naquele ambiente. Umas quinze pessoas se avolumavam diante de
uma cena. Uma mulher amarrada no que parecia ser um cavalo de
pau, enquanto um homem a penetrava por trás e outro a fazia
chupá-lo. As pessoas olhavam com atenção, admirando como quem
admira a uma obra de arte. Algumas exibiam suas taças de
champanhe, sorriam e procuravam o melhor ângulo para olhar.
Outras preferiam trocar carícias. Pude ver uma mulher mais
madura, por volta dos cinquenta anos, sendo acariciada por um
garoto que poderia ser seu filho, enquanto ambos não tiravam os
olhos da cena.
Miranda não parecia nada surpresa, e nem excitada. Ela os
observou, bebeu um gole da sua bebida e entregou a taça para um
garçom que passava quase imperceptível, entre os sócios, sem
voltar a sua atenção para a cena que se desenvolvia ali.
Voltei a olhá-los. Apesar de tudo parecer grotesco demais, a
mulher, com os braços e pernas presos no pé do móvel,
demonstrava gostar do que fazia, se empenhando ao máximo para
chupar o homem à sua frente, se submetendo a tudo para lhe
arrancar o prazer.
Os dedos de Miranda se fecharam nos meus, e quando a vi,
ela puxou o ar com força, vidrada no que acontecia. E naquele
momento, como se minha namorada já soubesse o que aconteceria,
a mulher gemeu alto e gozou. No mesmo instante Miranda soltou o
ar preso em seus pulmões, como se o prazer fosse dela também.
Fui traído por aquele expirar revelador. Ela ficou excitada, o
que, por si só, merecia a minha ereção. Sem me importar com os
demais espectadores, abracei Miranda pelas costas, deixando que
sentisse o meu estado. Ela se voltou de leve para mim, se
encolhendo com o toque dos meus lábios em seus ombros.
Sem nada declarar, rocei meus dedos em seu braço, enquanto
a outra mão a puxava com vontade. Desejei que estivéssemos em
um lugar mais reservado para possuí-la, arrancar dela aquela
necessidade quase que tangível. Eu queria o seu prazer.
— Gostaria de assumir? — O homem, o que nos convidou,
falou ao nosso lado, quebrando todo o nosso clima. Miranda voltou
a se comportar como antes, cheia de si, dona da situação.
— Não gostamos da exposição — ela disse, se incluindo para
garantir a minha vontade.
— Então por que não procuramos algo mais íntimo? — Ele
sinalizou a porta com a mão. — Posso providenciar o nosso quarto.
Percebi o momento exato em que Miranda se controlou para
não se virar para mim e buscar a minha permissão. Ela aguardou,
de costas para mim, o homem a olhando com atenção, enquanto a
sua garota não deixava de observar o trio no centro do quarto.
— Faça isso. Aguardaremos aqui — ela disse por fim e toda
a agitação dentro de mim recomeçou. O homem sorriu e em
seguida se retirou em busca de alguém.
— Pensei que só observaríamos — fui direto ao ponto.
— É o que quer?
Ela finalmente se virou, sondando a resposta que precisava.
Meu ar ficou preso, eu não sabia o que dizer. Nem como agir.
— O que você quer, Morena?
— Não gostou do que viu?
— A questão não é essa — rebati tentando a todo custo
anular a raiva. — Eu transaria com você aqui, se essa fosse a sua
vontade.
— Seria a sua? — Ela continuava me observando, buscando
respostas.
— Se conseguíssemos não ser o centro da atenção, sim.
Miranda se aproximou com cuidado, cada movimento lento,
testando, analisando, até que seus lábios tocaram os meus e seu
corpo se moldou, excitado, quente. Desejei tocá-la, arrancar suas
roupas, beijá-la de todas as formas, mas não queria, e tive esta
certeza, assistir outro homem fazer isso.
— Esse é o meu mundo, Patrício. Mas não posso te obrigar a
aceitá-lo.
Eu estava sufocando.
— Não estou pronto — revelei. — Se fosse apenas ela… —
rocei meus dedos em seu braço. Miranda acompanhou o
movimento com um sorriso fraco nos lábios.
— Gostou dela?
— Você gostou? — devolvi depois de engolir com
dificuldade.
Ela sorriu ao se afastar. Outra vez tudo mudou. Miranda
ficou fria, distante, os olhos sem qualquer vida quando falou.
— Se gostou dela, pegue-a para si.
Não havia qualquer emoção em sua voz, apenas a sua
permissão para que eu transasse com a garota. E… por Deus! Não
foi o que eu quis dizer. Mas não poderíamos ter aquela conversa
ali. Dentro de mim queimava o desespero de reconhecer que ao
mesmo tempo que me dava a permissão para arrastar a menina para
um canto e fazer tudo o que me desse vontade, ela deixava claro
que intencionava o mesmo. Miranda queria transar com aquele
cara.
Minhas mãos deixaram seu corpo no mesmo instante. Uma
mágoa profunda se instalando cada vez mais. Um precipício que se
abria entre nós. Busquei qualquer coisa nela que falasse o contrário
e não encontrei. Era aquilo. Eu teria que aceitar ou deixar o seu
mundo.
Sem perceber, dei um passo para trás. Foi quando o homem
retornou.
— Tudo acertado — ele disse, mais uma vez sinalizando a
porta para que saíssemos. — Nosso quarto já está disponível.
— Dois quartos — Miranda falou. — Por favor!
— Dois? — ele perguntou, sem entender. Eu me permiti um
segundo de esperança, até que ela acrescentou:
— Meu parceiro não gosta de exibição.
Parceiro. Puta que pariu!
O homem concordou e então seguimos para aquele caminho
infernal.
Meus pés pesaram e eu parecia afundar a cada passo. Esperei
que ela me olhasse, que dissesse qualquer coisa, que sinalizasse,
porém nada aconteceu. Um funcionário nos aguardava do lado de
fora. Nosso anfitrião falou ao seu ouvido e o homem concordou no
mesmo instante.
Seguimos pelo corredor. Outras portas abertas, público,
exibições, gemidos, aprovações. Nada disso conseguia conquistar o
meu foco. Eu seguia Miranda, ainda com esperança, mas ela se
mantinha à frente, acompanhando o homem que teria o seu prazer
naquela tarde.
Viramos outra vez à esquerda e fomos apresentados a uma
ala ainda mais reservada. Caminhamos pouco, o funcionário nada
curioso a nosso respeito. Completamente à vontade com o
desenrolar da situação. Ele parou, abriu uma porta bonita e
entregou o cartão de acesso ao homem que solicitou o quarto. Ele
se voltou para o nosso grupo, aliás, para a sua acompanhante.
— Estarei bem aqui, querida — anunciou para a garota, que
sorriu e aceitou o beijo de despedida.
Miranda nada fez. Passou por mim sem me olhar e em
seguida, a porta se fechou em nossa cara. Eu queria gritar,
arrombar a porta, dizer algumas verdades a minha namorada,
contudo, apesar de bastante abalado, segui o funcionário, e a garota
que eu sequer conhecia. Não fomos apresentados, e ainda assim,
transaríamos.
Ela não hesitou. O rapaz parou na porta ao lado, fez o mesmo
procedimento e se despediu com um exemplar aceno de cabeça. A
garota entrou no quarto sem titubear. Eu fiquei parado do lado de
fora, sem acreditar que Miranda seria comida no quarto ao lado.
— Não vai entrar? — ela disse, a voz um pouco infantil.
Dei um passo à frente, sem qualquer certeza quanto ao que
deveria fazer. A garota não me atraia, ou era o fato de saber que
Miranda estava nos braços de outro homem, que me travava.
Desviei minha atenção, conferindo o quarto ricamente decorado.
Parecia um aposento de um castelo, se não fosse a extensa parede
de espelho tomando de ponta a ponta o que nos separava do quarto
ao lado.
Precisei me encarar no espelho, fulminando a minha imagem
e me amaldiçoando por ter desejado um dia conhecer aquele local.
A garota me abraçou por trás. Eu me odiava, mas odiava ainda
mais Miranda por não ter sido firme em me manter longe daquilo
tudo. Suas mãos tocaram meu peitoral com certo desejo, descendo
até o limite da minha calça.
— Quer que eu tire minha roupa? — disse ansiosa, enquanto
eu continuava me encarando, cheio de raiva.
— Posso fazer isso — respondi quase que explodindo.
Se era aquilo que deveríamos fazer, então que fosse feita a
vontade da minha namorada. Aquele era o nosso objetivo, não?
Não! Mas eu não pensaria no assunto. Pelo menos ela não mentiu
para mim, não me enganou e não estava naquele quarto me traindo.
Tentei me convencer deste fato enquanto me virava e atacava a
menina com um beijo que pareceu faminto, mesmo estando eu sem
qualquer fome.
A garota não se surpreendeu, aceitando o meu ataque,
correspondendo ao beijo, colando o corpo ao meu, com
necessidade. Puxei seu vestido para baixo, o decote deixando que
os seios fossem revelados, ao mesmo passo que a levantava,
forçando suas pernas a se cruzarem em minha cintura. Ela sorriu
satisfeita.
Tive vontade de perguntar se ela não se incomodava com a
troca. Se não era estranho transar com alguém com quem não
trocou nem uma palavra antes de entrar naquele quarto. Entretanto
a resposta era nítida pela forma como ela me agarrava e roçava em
meu corpo.
Suguei seu seio ouvindo seu gemido de aprovação. Primeiro
um, depois o outro. A comparação obrigando minha mente a emitir
imagens sem parar. Miranda, os seios de Miranda, os gemidos de
Miranda… Eu não podia. E, para falar a verdade, não queria.
A certeza de que a garota não me despertava me deixou ainda
mais furioso. Minha mente sem conseguir bloquear as imagens e
minha imaginação me fazendo buscar o que acontecia no outro
quarto.
E foi neste momento que enlouqueci.
— Desculpe, mas…
Consegui me afastar da garota, pulando da cama como se ela
estivesse pegando fogo. Ela me olhou em choque, os seios à
mostra, o vestido enrolado na cintura. Era linda, contudo, nada
desejável.
Dei as costas ouvindo seus protestos assim que alcancei a
porta. Eu queria sair dali, abandonar aquele clube, ir embora a
qualquer custo. Porém, havia algo meu ali, do qual jamais abriria
mão, e eu a levaria comigo.
CAPÍTULO 11

“Seu perfume tem um cheiro de problema.


Você é confusão, é confusão.
Mas não tem problema
Porque eu sou a solução”
Confusão - Melim

Eu só podia estar louca. Não havia outra explicação para


justificar a minha atitude. Quando procurei por Patrício não havia
em mim outra necessidade que não fosse me induzir outra vez ao
meu limite. Associei ao sexo, como sempre acontecia. Mas era
assim porque até então, me colocar naquela posição, no clube,
extrapolando, era a única forma que eu conhecia de separar os
pensamentos do corpo.
Até conhecer Patrício. Por isso dei aquele passo errado. Mais
um para a coleção.
Pensei que introduzindo Patrício no meu mundo encontraria a
paz que buscava. Mero engano. Acreditei até o último segundo,
antes de entrarmos naquele elevador, que estar de volta àquele
salão, seria a minha glória. E então me dei conta do que fazia e
tudo perdeu o sentido.
O fascínio do meu namorado pelo que via, a maneira como
ele parecia querer tomar posse de tudo, a forma como se
desinteressou completamente por mim, fez a minha cabeça não
conseguir seguir uma linha de raciocínio. E eu compreendi no
momento em que ele se aproximou, quando estávamos no quarto
onde dois homens dominavam uma mulher. Patrício ficara excitado
com o que assistia.
Não deveria ser um problema. Como eu podia encarar aquilo
como algo capaz de nos separar? Era o meu mundo, a minha
realidade, o que eu gostava! Por qual motivo eu não sentia o
mesmo prazer tendo-o ali, ao meu lado, apreciando de tudo o que
eu lhe apresentava? Só havia uma resposta além de eu estar
entregue a um amor que me obrigava a limitar, e eu não era madura
o suficiente para admitir algo do tipo, por isso me enganei
afirmando para mim mesma que me incomodava o fato de Patrício
ter tantas opções, restando-me apenas aguardar.
Fiz uma besteira imensa quando pensei que conseguiria
assumir outra vez as rédeas da situação. Ainda éramos só nós dois,
sem obrigação de aceitar nada, nem precisarmos dar aquele
primeiro passo. Bastava que ele me dissesse e sairíamos dali sem
danos em nosso relacionamento.
Entretanto quando me voltei para o meu namorado, buscando
as respostas pelas quais ansiava, percebi que não havia como lutar
contra o que eu mesma havia provocado.
— O que você quer, Morena?
— Não gostou do que viu? — perguntei, me permitindo
inflar de esperança.
Patrício poderia estar em meio a uma novidade tentadora,
mas nos amávamos e poderíamos superar aquilo juntos, sem o
clube, sem ninguém.
— A questão não é essa. Eu transaria com você aqui, se essa
fosse a sua vontade — ele disse, sem conseguir se concentrar em
mim. Engoli em seco com aquele detalhe em sua fala: se essa fosse
a sua vontade. Não a dele. Apenas a minha.
— Seria a sua? — provoquei.
— Se conseguíssemos não ser o centro da atenção, sim.
Precisei de todo esforço para esconder a minha decepção.
Estava ciente de que não podia convidá-lo para ir ao clube e dar
outro ataque deixando tudo para trás. Corria o risco de perdê-lo,
como acreditei que aconteceria da outra vez. Não que meu amor
por Patrício me submetesse. Eu jamais faria algo contra mim
mesma para satisfazer ninguém, mesmo que o fato envolvesse
sexo.
Apesar disso, precisava amadurecer e encarar que era a
segunda vez que íamos ao clube, e desta vez, muito mais por mim
do que por ele. Portanto me proibi de dar as costas e sair. Eu
provoquei a situação, teria que suportar as consequências.
Respirei fundo e me aproximei dele com cuidado. Talvez eu
estivesse só com medo. Talvez fosse normal para a primeira vez de
um casal em um local como aquele. Claro que era isso. Quantas
vezes presenciei a insegurança da mulher e a ansiedade do homem
em sua primeira estadia no clube? E… por Deus! Era no que estava
me transformando?
Então, disposta a não enxergar aquilo como um problema,
puxei de dentro de mim a segurança que me guiava e encarei de
frente.
— Esse é o meu mundo, Patrício. Mas não posso te obrigar a
aceitá-lo.
— Não estou pronto — ele disse, aliviando a tensão em mim.
Contudo, se eu esperava uma declaração de amor, um pedido
para que fôssemos aos poucos, para que deixássemos o tempo
estabelecer o seu ritmo, perdi toda a força com a sua declaração:
— Se fosse apenas ela…
“Se fosse apenas ela”
O golpe quase me fez perder o ar. Então era isso? Patrício
havia gostado da garota que nos acompanhava. Uma que eu sequer
me dei ao trabalho de analisar quando aceitei o convite, o qual,
aliás, o fiz apenas para que meu namorado pudesse ter uma visão
ampla do que acontecia nas áreas mais restritas do clube. Confesso
que não tomei aquela decisão para assustá-lo. Não. Eu queria
descer, observar, apresentar meu mundo ao garoto abusado que
roubou meu coração. Só não imaginei que… Droga!
— Gostou dela?
— Você gostou? — ele rebateu com ansiedade. Foi o
suficiente para me congelar por dentro.
— Se gostou dela, pegue-a para si — falei, sem conseguir
pensar em mais nada.
Patrício pedia a minha permissão e eu não podia negá-la
quando sabia que ele só estava naquele lugar por minha culpa, para
atender as minhas necessidades, as quais encontravam-se mortas
naquele momento.
Foi desta forma que fui parar em um dos quartos mais
luxuosos do clube, ao lado de um homem que, em dias comuns,
despertaria a minha curiosidade, faria com que eu me aventurasse,
ou que, como sempre acontecia, buscasse a sua submissão.
Também foi assim que percebi, no momento em que aquele
estranho beijava meu pescoço e subia as mãos pelos meus seios
enquanto observávamos a cena do outro quarto através da imensa
parede de vidro, que eu estava morta por dentro.
Do outro lado, sem terem o conhecimento de que eram
assistidos, vi Patrício beijar a outra garota, com desejo e luxúria.
Prendi a respiração quando ele a ergueu no colo, apalpou a sua
bunda e a deitou na cama. Uma ansiedade que me magoava a cada
segundo. Que só demonstrava que ele não via a hora de conseguir
aquele intento.
E, por mais doentio que parecesse, dominada pela mágoa, fui
incapaz de impedir aquele homem de me tocar, de me tomar para
si. Não era daquela maneira que eu resolvia todos os meus
problemas? Não foi deste jeito que eu consegui sobreviver todos
aqueles anos?
Fechei os olhos, aceitando que não havia porque ser
diferente. Fomos em busca daquilo, e era o que teríamos. Mas
quando os abri, Patrício não estava mais no quarto, a garota,
sozinha na cama, olhava para a parede de vidro como se pudesse
nos ver, tão surpresa quanto eu.
Antes mesmo que eu encontrasse uma justificativa coerente,
ouvi a batida forte na porta e em seguida…
— Miranda!
A voz de Patrício chegou até mim como um bálsamo.
Petrificada no lugar, dominada pela emoção, os olhos marejados, o
pulsar acelerado em meus tímpanos, sequer consegui reagir. O
homem saiu de trás de mim com um suspiro irritado.
— O que ele está pensando? — resmungou.
Dei o primeiro passo em direção à porta. Ele me segurou, me
impedindo.
— O que vai fazer? — perguntou sem paciência.
— Abrir a porta!
— Claro que não vai!
Impactada com aquela reviravolta, não consegui responder.
Patrício bateu outra vez, com mais força, e me chamou, meu nome
ficando mais alto do que a música suave que tocava do lado de
dentro.
— Não sabe controlar o seu rapaz? — ele resmungou.
— Controlar?
— Isso é muito…
Sua mão não deixava meu braço, utilizando de força,
enquanto seus olhos se voltaram outra vez para a porta que Patrício
não parava de esmurrar.
— Eu vou abrir. — Puxei meu braço, forçando a minha
libertação.
— Não, não vai! — Ele fez mais força.
— Abra a merda da porta! — Patrício gritou.
— Faça-o retornar para o quarto — o homem resmungou. —
Nós temos um acordo.
— O acordo acabou — determinei, me libertando com
pressa. Dei as costas em busca de Patrício, mas fui puxada com
força. No susto, gritei.
— Miranda! — Patrício respondeu em desespero.
— Patrí… — Eu ia gritar de volta, mas fui atingida no rosto
com um tapa violento.
— Fique quieta! — O homem falou ao me atirar na cama. —
Não paguei tão caro pelos quartos para ficar nas mãos de crianças.
— O que você…
Ele se atirou em minha direção, alcançando meu calcanhar e
me puxando sem me dar tempo para me defender. Muito rápido eu
estava presa embaixo do seu corpo, me debatendo.
— Fique quieta!
— Não! — gritei, buscando onde poderia pegar nele para
conseguir me livrar com um movimento mais forte.
Busquei todas as técnicas de defesa que conhecia, porém
minha cabeça estava uma bagunça. Empurrei, forcei seu corpo o
quanto pude, alimentando a sua vontade de me tomar, nem que
fosse à força. Ao mesmo tempo ouvia as pancadas de Patrício, se
empenhando para derrubar a porta.
— Eu não quero! — gritei arranhando o homem no rosto, me
esforçando para feri-lo. — Eu não quero! — Ele riu, segurando
minhas mãos com força contra a cama.
— Perdeu sua chance quando aceitou entrar neste quarto
comigo, garota. Não estou aqui para perder tempo e dinheiro.
E então aconteceu tudo de uma vez. Firmei meu joelho no
meio das suas pernas, atingindo-o com a força que pude, e em
segundos o homem foi arrancado de cima de mim por um Patrício
transtornado. Levantei correndo, pronta para chamar um segurança
quando percebi o que acontecia.
Patrício, ou melhor, o animal em que meu namorado se
transformara, segurava o homem no chão e destruía seu rosto com
socos intermináveis.
Puta merda!
— Patrício! Não! Pare!
Corri para puxá-lo, impedindo que nos envolvêssemos em
uma confusão ainda maior. Patrício ia matar o homem, nosso
segredo seria revelado e o padrinho nunca me perdoaria. Meu
Deus! Eu jogaria o seu nome na lama, faria com que virasse motivo
de chacota, e…
Alguém me agarrou com força pela cintura e no mesmo
instante, três homens — meu Deus, três homens — seguraram
Patrício para conseguir fazer com que ele parasse. Em seguida mais
dois homens ajudaram o outro, desmaiado, a cara toda
ensanguentada.
Puta merda!
Permaneci em pé, encostada na parede, do lado oposto em
que meu namorado, já completamente controlado, e que mantinha a
mesma posição minha. De tempos em tempos nos encarávamos,
uma guerra anunciada, prestes a explodir.

No centro, sentado à mesa da sala da gerência, um


funcionário nos mantinha sob controle. E não nos disse nada além
de que deveríamos aguardar até que o Sr. Hamilton chegasse. Este,
eu deduzia, era o gerente.
O fato do homem não estar na casa, mesmo sendo um dia de
semana, horário administrativo e com clientes para administrar,
precisando ser chamado em caráter de urgência, já me deixava
tensa.
Conferi meu celular de cinco em cinco minutos, aguardando
o momento em que a bomba explodiria e o padrinho me avisaria
que eu estava em maus lençóis. Mas, até então, nenhuma
mensagem denunciando o seu conhecimento a meu respeito.
Olhei Patrício mais uma vez. Seu olhar afiado em mim, cheio
de acusação. Encarei sem querer ceder. Ele precisava saber o que
havia feito e a merda em que nos meteu. Então a porta abriu, dois
homens entraram, um deles, policial, o que reteve o meu ar nos
pulmões. Que merda!
— Boa tarde! — o outro homem falou com certa relutância,
nada satisfeito com a situação. — Bom, Srta. Middleton.
Seu desconforto aumentava à medida que precisava se referir
a mim. Imaginei se não seria pela força do meu sobrenome, ou,
quem sabe, pelo do homem que Patrício quase matou.
— O senhor Peixoto não vai prestar queixa. A senhora deve
ficar agradecida por isso.
— Eu? Ele tentou me estuprar! — Mais desconforto.
— A senhora entrou naquele quarto de livre e espontânea
vontade?
— Sim, mas...
— Sabia os motivos para estar ali?
— Sabia, mas...
— Como pode alegar tentativa de estupro?
— Escute aqui... — Tentei, mas Patrício tomou a palavra.
— Ele não deu queixa, mas nós vamos dar. — Todos se
calaram com a força da sua voz. — Aquele filho da puta tentou
estuprar a minha namorada.
— Senhor…
— Não me venha com cordialidades! Isso aqui é um clube de
sexo com regras claras. Nada é feito contra a vontade dos seus
participantes. Se não consegue manter esta ordem, então talvez seja
a hora de mostrarmos aos seus sócios que não estamos em um
ambiente tão confiável.
Eu queria gritar para que Patrício calasse a boca, porém, ao
invés de me irritar, ele me comoveu ao tentar, mais uma vez, me
defender de machistas que deixaram aquela situação insuportável.
— A senhorita quer prestar queixa? — O policial falou
prestando mais atenção no caso.
— Ah, só um instante! — O Sr. Hamilton protestou com
desespero. — Não precisamos chegar a este ponto.
— Eu acho que precisamos sim — Patrício se pronunciou
outra vez.
— Mas vocês serão expostos! Todos nós seremos! Além do
mais... — Ele se virou em minha direção, mantendo o foco em
mim. — Existe um contrato de confidencialidade, Srta. Middleton.
Nada que acontece aqui deve ser levado a público.
— Então por que a presença de um policial? — Resmunguei.
— Bom, o senhor... é...
— Sou o responsável pela manutenção da ordem no local —
o policial tratou de falar, levando mais conforto para o gerente.
Ok! Ficou claro para mim que o policial estava no local por
prazer e não a trabalho. Como também era do meu conhecimento,
que não existia qualquer possibilidade de um policial possuir
recursos para se afiliar ao clube, de imediato cheguei à conclusão
de que se tratava de uma situação de suborno. Ele usufruía da casa
e, em troca, oferecia os seus serviços. Serviços estes que não
serviam de nada, uma vez que sequer poderíamos prestar queixa
por tentativa de estupro.
— O Sr. Peixoto e a Srta. Middleton conhecem as regras da
casa — o Sr. Hamilton tomou outra vez as rédeas da situação. — É
bastante desconcertante, mas levei o caso ao conselho, e... —
Patrício o interrompeu.
— Se você me disser que o conselho não vai apurar uma
tentativa de estupro...
— O conselho vai expulsá-los. — Sr. Hamilton falou mais
alto. — Vocês infringiram as regras mais graves da casa. Acredito
que constava em seus contratos...
— Nada de agressão — falei com desgosto, a ira começando
a se apossar de mim. Quando meus olhos chegaram aos do meu
namorado, tive a certeza de que o mataria.
— Mas foi uma tentativa de estupro! — Patrício protestou.
— Se vocês quiserem levar o caso adiante — o policial se
intrometeu.
— É claro que não será necessário. Houve um mal-entendido
— Sr. Hamilton tentou, recuando quando Patrício avançou.
— Vamos ver o que o juiz vai dizer quanto a isso. — Meu
namorado gritou.
— Está em nosso contrato...
— Pro inferno com o contrato! — Patrício continuou. — Eu
quero prestar uma queixa.
— O senhor não pode abrir uma queixa de tentativa de
estupro, senhor. A Senhorita Middleton...
— Ela vai prestar a queixa. Não vamos aceitar qualquer
retaliação quando um estuprador em potencial...
— O Sr. Peixoto aceitou os termos — o gerente tentou
argumentar.
— Mas é claro que ele aceitou — alfinetei com acidez.
— Srta. Middleton...
— Serei expulsa? — Ele concordou com a cabeça. Meus
olhos fulminaram Patrício. Ele puxou o ar com força, sem deixar de
me encarar.
— Infelizmente, Srta. Middleton. O que ocorreu foi grave
demais. O Sr. Peixoto alegou que seu parceiro não se comportou de
forma devida e que mesmo após concordarem com o ocorrido,
sendo tudo sugestionado pela senhorita, ele resolveu interferir.
— Porque não somos obrigados a continuar. Nada aqui é
contra a vontade dos participantes.
— Sim. Tenho certeza de que não deveria ocorrer desta
maneira. De qualquer forma, seu parceiro… — o Sr. Hamilton
pigarreou, limpando a garganta de forma desconfortável. — Ele
quebrou o nariz do Sr. Peixoto, além de machucá-lo de forma
considerável. Devo informar que a vítima perdeu… hum!… dois
dentes.
— Ah, meu Deus! — resmunguei.
— Um belo castigo para um estuprador em potencial, não?
— Patrício alfinetou, mas acabou se afastando com o meu olhar.
— Espero que entenda. Não poderíamos punir o Sr. Peixoto e
não punir o seu companheiro. Além do mais… — olhou de
esgueira para Patrício, garantindo que conseguiria se safar, caso
meu namorado resolvesse continuar a pensar com os músculos. —
Foi o que conseguimos de acordo para que nenhuma queixa fosse
dada.
— Eu não me importo de ir a julgamento pelo que fiz,
Morena. Vamos dar a queixa.
— Patrício… — suspirei, cansada demais. — Eu não quero
que seja desse jeito.
— Mas…
— Infelizmente não posso deixar que isso venha à tona. Esse
é o motivo para eu ser sócia de um clube, e não simplesmente ter
esta vida aos olhos de todos. Ele teve um bom pagamento pelos
atos. E isso é tudo.
— Mas…
— Isso é tudo — finalizei.
— Então… — Outra vez o Sr. Hamilton precisou conferir a
distância dele até Patrício. — Preciso do cartão de acesso.
— Claro.
Procurei por minha bolsa, que já havia sido devolvida e posta
sobre a mesa do gerente. Com dedos trêmulos, procurei o cartão,
devolvendo-o em seguida. O Sr. Hamilton foi até o computador
finalizar o processo. Aguardamos em silêncio. Minha cabeça não
deixando de me enviar mensagens. E eu sequer consegui definir se
ser proibida de estar naquele ambiente era um alívio ou um
desespero.
No momento em que fui liberada, peguei minha bolsa e
abandonei a sala, ciente de que meu namorado me seguia de perto,
sem nada dizer. Não peguei em sua mão, não busquei o seu apoio
ou demonstrei gratidão. Eu não sabia como agir, ou o que fazer, só
constatava que cada passo dado em direção à saída, me aterrorizava
ainda mais.
Patrício, outra vez, mudava o meu mundo, e eu não tinha
qualquer ideia do que faria a partir daí.

CAPÍTULO 12

“Só hoje eu desisti de nós mil vezes


E te odiei com mil razões diferentes
E aí você sorriu
E já era
Me convenci que era impossível
E que amar demais sempre representava perigo
E aí você me olhou e já era”
Nossa conversa - Kell Smith

O silêncio ao deixarmos o local, e sem sequer precisarmos


aguardar pela entrega do carro, pois este já estava na porta,
esperando por nós, o que só indicava o quanto a comissão daquele
lugar nos queria longe dali, foi constrangedor.
Patrício nada falou, não tentou me tocar, nem se aproximou.
Ele me conhecia o suficiente para esperar pela minha explosão ao
mínimo som da sua voz.
Dentro de mim, uma confusão sem fim arrancava o meu
juízo. Fomos expulsos do clube. Não! Eu fui expulsa! Eu! Expulsa
do único lugar onde podia me permitir ser eu mesma. Do lugar que
me acolheu durante todo esse tempo, realizando as minhas
fantasias, me cobrindo de segurança, exorcizando meus demônios.
Evitei olhar para trás. Não cogitava uma despedida, uma
cena, nem mesmo a lamentação por não poder voltar. Entrei no
carro no modo automático, e aguardei que Patrício desse partida e
me levasse para longe.
Preferi o silêncio a ter que explodir com a pessoa errada.
Porque, apesar da raiva que me dominava, de ter um lado ruim que
culpava Patrício pelo ocorrido, havia um lado mais sensato e justo,
que me fazia concordar que além de eu ter iniciado aquilo, a
confusão só aconteceu porque meu namorado precisou me salvar
de uma tentativa de estupro.
Outra vez.
Meus olhos arderam com as lágrimas que eu não queria
derramar. Como se a vida acertasse, não apenas um, mas diversos
tapas em minha cara. Obrigando-me a acordar para a realidade, a
enxergar o mundo que criei para mim quando, lá no fundo, eu
aceitava que nada mais daquilo era meu. Eu não era mais a mesma
mulher, não tinha mais as mesmas necessidades, e ainda assim,
lutava contra mim mesma para mantê-las, me arriscando, me
colocando na rota do perigo, desafiando o destino.
Não podia me fazer de santa e chorar afirmando que aquela
vida não era para mim. Não existia uma única célula do meu corpo
que dissesse que aquelas escolhas foram erradas, afinal de contas,
como dizia o poeta “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”,
não é mesmo? E não havia motivo para desfazer do que durante
muito tempo me satisfez.
Não era doentio frequentar o clube. Não era abominável
transar com desconhecidos, assim como transar com um ou mais
homens, com duas mulheres, com um homem e uma mulher. Nada
naquele clube poderia ser classificado como errado. Éramos todos
adultos buscando formas de divertimento, com as devidas
permissões, com todo o respeito que frequentar um ambiente como
aquele, exigia.
Aquele homem quebrou as regras. Aquele homem não
merecia estar ali, ou em qualquer outro lugar que não fosse a
cadeia.
Então, não, o erro não foi frequentar o clube. Meu erro foi
insistir em frequentar quando já conhecia a ideia de que ali não era
mais o meu lugar. Não ali. Não daquela forma. Só que não saber
mais onde ou de que forma, se tornou o problema.
— Você deveria prestar queixa do cara — Patrício falou, a
voz baixa, porém, ainda com raiva.
— E dizer o quê? Você sabe como as coisas funcionam no
Brasil, Patrício. — Seus dedos se fecharam com força no volante.
Pude ver os músculos do seu braço tencionarem ao ponto de colar
na camisa.
— É incrível como você consegue se meter em confusão —
resmungou. — E eu que pensava que no clube as coisas
funcionassem de forma diferente.
— E funcionam — rebati, sem muita vontade de conversar.
Patrício ironizou a minha fala, resmungando baixinho, sem
me deixar entender o que queria dizer.
— Aquele homem…
— Deveria estar preso! — disse ainda controlando a raiva. —
Aliás, não apenas ele, não é mesmo?
— Patrício…
— A que custo, Miranda? A que custo vale manter essa
loucura?
— Loucura?
— E como podemos chamar isso? Você se envolve com um
cara casado, com a permissão da mulher dele, o mesmo te
chantageia, exige sexo em troca, e agora… Nem sei o que pensar.
— São situações diferentes. Moisés não faz parte do que
vivemos hoje. O clube possui leis rígidas.
— Ah, claro! — outra vez ironizou. — Leis que te obrigam a
se calar diante de uma tentativa de estupro.
— Precisei me calar porque você quase matou aquele
homem.
Patrício freiou bruscamente, me jogando para frente. O cinto
de segurança forçou meu corpo a travar onde estava, mas minha
mente girou com o balanço da minha cabeça. Com o coração
acelerado, olhei para trás, esperando a batida certeira, mas, para a
minha surpresa, estávamos sozinhos, na reserva.
A rua vazia, o mar de um lado e a mata fechada do outro.
Olhei para Patrício, me dando conta de que não poderíamos estar
parados naquele lugar. Ele encarava a frente, os olhos fixos no
nada, os dedos com as juntas esbranquiçadas no volante, apertando-
o com raiva.
— Patrício…
— Ele ia te estuprar. Era isso o que queria?
— Não!
— Então nunca mais me culpe pelo ocorrido. Porque eu juro,
Miranda… Eu juro… Que mataria qualquer um que ousasse
colocar um dedo em você... sem a sua permissão.
A última parte saiu fraca, forçada, como se não concordasse
com este detalhe, mas fosse obrigado a aceitá-lo. Engoli em seco,
as lágrimas forçando a saída, um bolo em minha garganta me
fazendo sufocar com a necessidade que se avolumava, querendo
escapar, colocar tudo para fora.
— Ah, Patrício!
E então, aconteceu.
Sem conseguir evitar, escondi o rosto entre as mãos e chorei.
Chorei tanto que não consegui recuperar meu controle. Chorei por
tudo. Pela falta que sentia da minha família, separada pela morte da
madrinha, pela situação de Charlotte, pelo amor que Johnny se
impedia de viver, pelo aparecimento do meu suposto pai, a pressão
que sua presença exercia em minha vida, pela incerteza do que eu
queria, por não saber mais quem eu era e quais as minhas reais
necessidades, pela expulsão do clube e, principalmente, por não
fazer ideia do que aquilo significava para mim.
Durante um tempo fomos apenas o meu choro e eu. O mundo
extra este ponto, desapareceu. Nem mesmo a presença de Patrício
conseguia furar essa bolha. A confusão em minha cabeça, a
impossibilidade de me controlar, de encontrar um caminho, algo
mais confortável do que aquelas lágrimas, me manteve presa a
bolha que criei.
E durou até o último segundo que meu namorado escolheu
estar fora dela. Porque quando Patrício permitiu que sua raiva se
esvaísse, fui puxada do meu banco e sentada em seu colo. Ele me
abraçou com força, meu rosto em seu pescoço, seus braços ao meu
redor. Nada disse, no entanto, naquele momento, seu silêncio dizia
tudo o que não éramos capazes de expressar em palavras.
Ainda assim, estar em seu colo, na proteção dos seus braços,
conseguiu diminuir a pressão em meu peito, acalmou meu
desespero e desfez o nó em minha garganta, que me impedia de
falar. Patrício, mais uma vez, juntava os meus pedaços, e dava um
sentido a tudo.
Respirei fundo, comprimindo os olhos. Algumas lágrimas
insistiam em cair, sem o peso de antes, até mesmo, sem o
desespero. Elas apenas desciam, expulsando os resquícios da
confusão. Eu me permiti apenas sentir. Seus dedos subiam e
desciam em meu corpo, me acalentando. Seus lábios, vez ou outra,
depositavam um beijo calmo em meu cabelo.
Ficamos desse jeito até que nada mais me impedisse de falar.
— Meu pai me procurou — revelei com a voz fraca.
— Seu pai?
— Um homem. Não sei se ele é mesmo meu pai, mas… ele
disse… coisas.
— Que coisas? — Sua voz calma e baixa me ajudava a
prosseguir.
— Que minha família mentiu para mim. Que me compraram
e mentiram.
O peito de Patrício inflou e depois ele soltou o ar com força.
— Foi por isso que você quis ir ao clube? — Concordei sem
coragem de encará-lo. Patrício beijou minha cabeça e me apertou
forte em seus braços.
— Peter sabe? — Neguei voltando a fechar os olhos.
— E o que você quer fazer com isso?
— Não sei.
— Vocês conversaram? Você e seu… esse cara? — Neguei
outra vez. — Como vai saber que ele é seu pai mesmo?
— Não sei se quero saber. — Precisei me encolher,
impedindo que uma nova onda de choro me atingisse.
— Se isso está te sufocando tanto, então precisa fazer algo a
respeito. — Aguardou que eu dissesse alguma coisa, no entanto, eu
não queria concordar nem discordar. Eu queria só não precisar
pensar no assunto. — Você não pode se colocar em risco todas as
vezes que tiver um problema, gata!
— Você não entende.
— Entendo. Pode ser que eu entenda mais do que você
consegue se dar conta. Quando eu disse que te aceitava como era,
falei a verdade. Talvez eu tenha ressalvas em te ver com outro cara,
mas não quero que isso seja um problema em nossa relação,
Morena. Porém, não concordo que seja assim, topando tudo, se
jogando neste mundo como se não houvesse mais nada fora dele.
— De qualquer forma… — levantei um pouco, me
afastando. — Não tenho mais nada que me prenda a este mundo,
não é mesmo? Eu não faço mais parte dele, esqueceu?
Patrício mordeu os lábios, me encarando com preocupação.
Seus dedos passaram pelo meu rosto, limpando as lágrimas e
acariciando. Ele arrumou meus cachos atrás da orelha.
— Seu mundo não se resume àquele clube.
— Não. Mas esta parte do mundo, sim — lamentei. — Você
não queria segurança? Não queria que fosse algo certo? Então,
acabou! — Dei de ombros, em uma acusação injusta.
— Não precisa ser assim. — Patrício falava baixo,
concentrado.
— E como seria, Patrício? Você não entende mesmo. Sabe
por que eu frequentava um clube e não simplesmente procurava
diversão em boates e bares?
— Porque você queria sigilo. Eu sei. — Seus olhos firmes
não me abandonavam. Meu namorado, seguro do que dizia, me
abalava muito. — Sua família, Charlotte, o mundo… eu entendo.
— Então como pode…
— Case comigo.
Assim. Direto, taxativo, sem pestanejar.
Um riso rouco e curto, nervoso, mais como o escapar do ar
por meus lábios, instaurou o silêncio outra vez. Ele não riu, não
pareceu duvidar ou se arrepender do que dizia. Pelo contrário.
Patrício aguardou por uma resposta com uma paciência que me fez
ter respeito pela sua atitude.
“Case comigo”
O pedido ecoava em minha mente, cobrando uma reação,
uma resposta, a qual eu não conseguia proferir.
“Case comigo”
Fechei os olhos, um turbilhão de emoções me consumindo.
Uma vida inteira passando diante de mim. Uma verdadeira guerra,
o amor e a razão me empurrando de um lado para o outro, às vezes
um ganhando, às vezes o outro.
Quando me perguntavam se eu queria casar, se fazia parte
dos meus planos, a resposta era rápida e objetiva: não! Mas se eu
completasse a frase, se modificasse um pouco e me perguntassem
se eu queria casar com Patrício, se desejava passar a minha vida ao
seu lado… eu não conseguia pensar em outra forma de ser feliz.
Por outro lado, quando olhava Patrício e o via fazer aquele
pedido no meio de tantas confusões, uma única ideia passava pela
minha cabeça, ele não queria casar. Nunca quis. Nem comigo, nem
com ninguém. Não fazia parte dos seus planos, mesmo que isso
significasse ser apenas meu namorado pelo resto da vida.
Patrício não me pedia em casamento por desejo. O seu
pedido chegou como uma forma de equilibrar os lados. Não era
comigo, era por mim. O sacrifício que ele faria para me manter
segura, para que eu pudesse dividir sempre meu peso com ele.
E era por amor? Claro que sim! O que mais seria? Qual
homem abriria mão de si mesmo, dos seus sonhos e projetos, para
proteger uma mulher, se não por amor?
Essa era a parte que me comovia ao ponto de fazer meus
olhos lacrimejarem outra vez. Porque Patrício era a pessoa que me
fazia ter orgulho de mim mesma. Todas as suas loucuras, as
bobagens, e até mesmo seus atos heroicos me levavam para a ideia
de que, mesmo amando ser salva infinitas vezes por aquele garoto
abusado, eu era a minha própria heroína.
E não. Eu não precisava de um casamento para me refazer.
Nem mesmo para me sentir segura.
Por isso eu sorri, acariciei o seu rosto, beijei de leve seus
lábios e respondi com suavidade:
— Não.
— Não? — Sua voz saiu quase sofrida, espantada, sem
acreditar na minha resposta.
— Não. — Sorri mais uma vez, não querendo pesar o clima.
— Você não quer casar. Nós não precisamos disso.
— Mas…
— Não. — Fui incisiva. — Se o seu objetivo for me proteger,
eu te garanto, temos muitas outras opções
Desta vez ele sorriu comigo e me agarrou.
— Eu amo você, Morena!
— Eu sei!
E eu sabia mesmo.
CAPÍTULO 13

“Um livro aberto cheio de mistérios.


Eu vou seguindo os seus passos
Descobrindo fatos sobre você
Escalando alto pra te merecer.”
Hipnotizou - Melim

Um mês se passou e não tocamos mais no assunto


“casamento”, ou, “nosso casamento”. Patrício, após pensar em uma
forma de não me fazer perder nenhuma parte do meu mundo,
apareceu em minha casa com uma ideia que achei absurda, no
primeiro momento, e perfeita, logo em seguida.
Meu namorado revelou que pretendia comprar um
apartamento. Quando perguntei se ele queria mesmo abandonar o
conforto da vida na casa dos pais, ele revelou que seria um
sacrifício necessário, e então contou o que, para ele, seria o plano
perfeito.
A ideia inicial consistia em: comprar um apartamento e
formarmos o nosso próprio clube. Ou seja, arrumar um lugar para
transar como bem quiséssemos.
E, claro, perdeu parte da sua força quando comecei a
questioná-lo sobre como faríamos para colocar todos os acessórios
que precisaríamos e o que ele falaria quando Dana aparecesse para
inspecionar a casa onde o filho moraria.
Lógico que Patrício não havia pensado em tudo. Não fazia
ideia do que era necessário para um clube como o que eu
frequentava, e, mesmo não desejando algo tão amplo, ficou
abismado com tudo o que precisaríamos apenas para a nossa
diversão. Por isso, um mês depois, nossa ideia não chegou a sair do
papel.
Eu estava na editora, auxiliando Patrício com uma quantidade
de originais que necessitavam de preparação técnica, dividindo a
mesa com o homem com quem me recusei a casar e que, nem por
isso, deixava de me olhar como se eu fosse a peça mais rara dentro
de um museu. Eu sorria, apaixonada, todas as vezes que o flagrava
me observando.
— Veja esse que enviei agora — ele disse, me obrigando a
conferir outra vez um link no WhatsApp.
— Pensei que combinamos que trabalharíamos essa tarde.
Meu namorado suspirou, aborrecido com a perseguição do
irmão. Alex não dava trégua.
— Estou trabalhando, Morena — resmungou. — Em nosso
projeto. — E um sorriso escroto surgiu nos seus lábios.
— Você podia ganhar dinheiro com isso — falei abrindo a
imagem de mais um imóvel que ele acreditava ser adequado. —
Quatro quartos? Duplex? Tem certeza que está planejando abrir o
seu próprio clube? — Ele riu.
— Não é uma má ideia, mas eu seria colocado para fora da
família se minha mãe descobrisse algo do tipo.
— Uma casa discreta, longe de olhares curiosos, resolveria a
sua situação. Poderíamos comprar uma fazenda. É só convidar as
pessoas certas e…
— Você poderia comprar uma ilha, gata! Eu tenho que me
contentar com um apartamento.
Não havia nada de humor em sua afirmação. Patrício queria
comprar o seu próprio apartamento, sem minha ajuda. Uma parte
de mim ficava orgulhosa, afinal de contas, não era segredo que eu
sozinha possuía mais dinheiro do que ele ganharia trabalhando a
vida inteira naquela editora. Outra parte às vezes se cansava de
fazer contas e planejar, quando ficava muito mais fácil acionar a
minha imobiliária, meu banco e alguns sites, e em um mês teríamos
o que quer que aquele plano se transformasse.
Mas havia valor em sua luta e eu o respeitava.
— Uma ilha não seria nada mal. Um barco luxuoso levando
nossos convidados no final do dia e devolvendo só com o nascer do
sol.
Sem contar que a ideia não era nova. O padrinho tinha uma
ilha em Angra que era maravilhosa para o que pretendíamos.
— Você sonha alto — ele rebateu sem desviar os olhos do
computador.
— Você não?
— Hum! Não! — uma risada rouca saiu dos seus lábios. —
Mas não posso deixar passar um convite deste tipo. Quando tudo
estiver resolvido, podemos passar um tempo juntos, na sua ilha.
— E quem disse que tenho uma ilha? — Seu olhar enviesado
me fez rir. — O padrinho tem. Eu não. — Patrício revirou os olhos.
— Analisei aquela imagem que você me enviou ontem — ele
continuou. — Gostei da sala. As paredes pretas e o espelho deram
um ar bastante sensual ao ambiente. Aquele… hum…
— Cavalo — completei, achando graça de como ele não se
sentia confortável para mencionar os nomes do que precisávamos.
— Isso. Manda fazer ou compra pela internet?
— Dá para comprar, mas eu queria inserir uns detalhes, só
para deixar mais confortável. — Patrício concordou, mordeu o
lábio inferior. — Antes, precisamos do espaço.
— O espaço, ok! — respondeu sem tirar os olhos da tela. —
Mas eu quero um ambiente como este.
— E como o da semana passada. Estou anotando. Vamos
precisar de… hum… uma mansão.
Patrício começou a rir quando a porta abriu e Alex entrou. O
primeiro segundo em sua presença, continuamos rindo, mas como
ele não compartilhou da nossa alegria, se mantendo frio e, até
mesmo, irritado com a nossa felicidade, o som foi morrendo aos
poucos, até que o silêncio imperou. Alex engoliu em seco,
pigarreou e só então sua voz, estrangulada, resistindo a sair,
preencheu a sala.
— Miranda. Como vai? — Tive a impressão de que eu era a
última pessoa que o irmão do meu namorado, não gostaria de ver.
— Bem. E você?
Ele ignorou a minha pergunta. Desviando o olhar, Alex se
direcionou a Patrício.
— Viu o que aconteceu com estes pontos? — Deixou alguns
papéis caírem sobre a mesa do irmão. Patrício não se moveu.
Acompanhou com o olhar e depois voltou a encarar Alex.
— Fui pessoalmente ao local. Eles vão fechar — anunciou.
— Mais um?
— É a crise, Alex. — Deu de ombros. — Conseguimos dois
pontos novos em Curitiba.
— Lana me disse.
— Ótimo!
E o clima ficou estranho. Estranho até demais. Como se Alex
estivesse ali procurando o que fazer e não trabalhando de fato.
— Vou folgar amanhã — avisou sem qualquer motivo.
Patrício concordou, atento ao irmão. — Só devo retornar após a
viagem. — Meu namorado concordou outra vez.
— A gente dá conta. Faça o que tem que fazer.
Sem uma palavra, Alex acenou com a cabeça e deixou a sala.
Patrício encarou a porta por longos segundos, e em seguida, soltou
o ar com força.
— O que foi isso? — perguntei.
— Ah, Morena! Essa separação não tem sido fácil para ele.
— Imagino. Charlotte às vezes é tão infantil! — Nós nos
olhamos por um tempo, e depois, começamos a rir.
— Às vezes? Ok! — Patrício brincou. — Confesso que não
acreditei que ele chegaria até este ponto.
— É. Também não acreditei que ele suportaria tanto tempo
longe. Pensei que Alex voltaria à Inglaterra com poucas semanas.
— Agora com o pedido de divórcio é que ele não volta
mesmo — Patrício anunciou, pegando-me de surpresa.
— Divórcio?
Meu namorado parou na mesma hora o que fazia e me
encarou, sério, se dando conta de que acabara de me contar uma
novidade. Uma horrível novidade.
— Charlotte pediu o divórcio? Mas ela…
— Alex — ele disse.
— Alex pediu o divórcio? — Minha voz quase não saiu
devido ao choque.
Charlotte ter tomado aquela atitude não me surpreendia. Ela
era infantil e mimada ao ponto de pedir a separação. Mas Alex…
Ah, droga! Levantei com pressa, levando junto o celular.
— O que vai fazer?
— Como o que vou fazer? Vou ligar para Charlotte!
— Miranda… — Patrício levantou, caminhando em minha
direção. — Se Charlotte já tivesse recebido o documento, teria
entrado em contato, não acha?
— Então ela… ele… então algo ainda pode ser feito.
— Não! — Foi categórico, segurando o telefone para que eu
não realizasse a ligação. — Não faça isso! Não faça como Peter. Se
Alex enviou o pedido, então ele quer que Charlotte o receba desta
forma. Você não pode se intrometer na vida deles!
— Mas…
— Não, Miranda! — A maneira como ele falou, me
impactou. — Charlotte e Alex merecem este direito. Eles precisam
ter a chance de resolverem isso sozinhos.
— Patrício…
— Por favor!
— Mas ela vai pôr tudo a perder!
— Então que assim seja. Está na hora de deixar Charlotte
aprender com os próprios erros.
Frustrada, deixei que ele tirasse meu celular das minhas
mãos. Patrício tinha razão. Além do mais, o que eu poderia fazer?
Alertar Charlotte não mudaria nada, só levaria o sofrimento antes
do tempo. Alex havia tomado uma decisão, Charlotte não
demonstrava interesse para modificar o rumo da sua vida. Então,
por mais que me doesse e preocupasse, eu precisava deixar
Charlotte aprender.
CAPÍTULO 14

“Para escancarar eu te dou meu emaranhado de ondas


Pois me solto só enroscada.”
Camadas - Céu

— E essa é a suíte principal.


A mulher, corretora de imóveis, mantinha um sorriso
amigável nos lábios, mas seus olhos corriam de mim para Patrício,
com ansiedade, e eu reconhecia que aquela tensão começou no
instante em que me apresentei. Meu sobrenome pesou. Como
profissional da área, ela, com certeza, estava ciente do meu peso no
meio imobiliário, afinal de contas, até mesmo uma imobiliária
precisei comprar para administrar meus imóveis.
— Amplo, climatizado, o closet é um espetáculo à parte.
Olhou para mim com esperança, enquanto Patrício andava
pelo espaço sem o mesmo interesse que demonstrou pelos outros
cômodos. Eu podia até mesmo desenhar os seus pensamentos. Só
não fazia ideia de como ele manteria aquilo tudo escondido dos
pais.
— O apartamento do lado está disponível? — perguntei,
iniciando uma nova ideia.
— Ah… — A mulher ficou aflita. — Não que esteja a nossa
disposição, mas posso verificar…
— O apartamento ao lado? — Patrício arqueou uma
sobrancelha com curiosidade.
— Esse não agradou? — A mulher quicava no lugar. Tive
vontade de oferecer um ansiolítico a ela. Quanta ansiedade!
— Só uma ideia. — Olhei com efeito para Patrício, que
mordeu o lábio sem compreender. — Poderia nos dar alguns
minutos?
A corretora tossiu, coçou o pescoço, olhou para os lados e,
concordando com um simples gesto, deixou a suíte.
— No que está pensando? — meu namorado perguntou.
— Em uma forma de fazermos tudo o que queremos, sem
atrair a atenção da sua família.
— Miranda…
Coloquei um dedo nos lábios de Patrício, impedindo-o de
continuar.
— O que pretendemos fazer não é fácil de esconder —
sussurrei, olhando para a porta para me certificar de que a mulher
não nos ouvia.
— Mas… dois desse? — Ele abriu os braços com certo
pânico, o que me fez rir.
— Se você aceitasse a minha ajuda…
— Não! — Rebateu fingindo estar ofendido.
— Então teremos que abrir mão de alguns ambientes. Dá
para fazer algumas coisas aqui… se a planta deixar, é claro…
mas…
— Ah, Miranda! — Suspirou derrotado. — Ok! O que você
pretende? — Bati palmas adorando o fato de que ele não me
impediria de agir.
— Não precisa ser esse. Podemos encontrar outro mais em
conta.
— Fala logo!
— Um apartamento para você, e outro para nossas
brincadeiras. Com uma entrada secreta. — Pisquei divertida.
— E para quê eu vou morar em um lugar tão grande?
Patrício enlaçou minha cintura, me puxando para perto. Os
lábios alcançando meu pescoço com facilidade.
— Eu disse que poderíamos encontrar algo mais simples.
— E eu acho que nós poderíamos analisar aquele banheiro —
sussurrou em meu ouvido, tentando me conduzir.
Apesar de todo o frisson que se instalava em meu estômago
quando Patrício me pegava daquela forma e sussurrava com a voz
rouca, eu não conseguia pensar em sexo.
Durante todo o nosso dia, depois que descobri sobre o
divórcio, não consegui deixar meus pensamentos longe de
Charlotte, mesmo com o pedido justo do meu namorado. Ele tinha
razão em desejar que aquele problema se restringisse aos nossos
irmãos, contudo, relaxar e esquecer tornava-se impossível.
— É melhor voltarmos para casa.
— Miranda? — ele resmungou.
— Não vou transar aqui, com aquela coitada do lado de fora,
aguardando! — Ele riu e me deixou passar.
— Você é engraçada quando o assunto é pudor.
— Sobrevivi até hoje porque soube manter os dois lados
separados. Extremos. Entendeu?
Patrício piscou, descarado, e abriu a porta do quarto. Um
sorriso travesso brincava em seus lábios.
— Dois apartamentos então?
— É um bom plano — falei ao passar por ele.
— Menores.
— De plantas diferentes, ou… com algumas alterações.
— E então? — A mulher se aproximou com um sorriso
nervoso no rosto.
— Vamos pensar a respeito — Patrício anunciou, e eu não
pude deixar de me solidarizar com a corretora, que não conseguiu
esconder a decepção.
— Eu tenho outros imóveis, se vocês quiserem. — Ela
aguardou, como nada falamos, continuou, cada vez mais ansiosa.
— Posso enviar algumas sugestões para o e-mail.
— Claro! — falei, compadecida. — Mudamos de plano, e…
estamos pensando em comprar dois apartamentos. De preferência,
ou prédios com um por andar, ou então, dois por andar e nós
ficamos com todo o espaço.
— Ah, sim, claro! — Um pouco de ânimo para a pobre
coitada. — E quanto ao orçamento?
— Esqueça o orçamento — determinei. Patrício balançou a
cabeça, resignado, ainda assim, nada confortável. — Vamos
aguardar o e-mail.
— Certo. Obrigada! Por aqui. — Com um sorriso revelador,
a mulher nos conduziu para fora do apartamento.
Assim seguimos para a minha casa. Patrício empolgado com
os planos, eu… não posso dizer que não fiquei empolgada. A
animação do meu namorado contagiava qualquer pessoa, e só de
idealizar o que conseguiríamos fazer… apesar disso, aquele peso
nas costas, a sensação estranha no estômago, não colaboravam para
o meu estado de espírito.
Por muitas vezes tive vontade de ficar sozinha e burlar a
minha própria promessa de que não me intrometeria. E eu o faria,
possuía esta certeza. Por isso quando meu namorado sugeriu passar
a noite em meu apartamento, aceitei. Pelo menos me manteria na
linha.
Implorei mentalmente para que a noite passasse rápido e
Charlotte me ligasse nas primeiras horas da manhã.
Porém, toda a minha programação mental, o que deveria
fazer estando eu no meu papel de irmã, me ajustando para dar o
ombro para Charlotte quando tudo, enfim, acontecesse, caiu por
terra assim que a porta do elevador abriu e eu dei de cara com Vítor
na entrada do meu apartamento, fazendo algo que não consegui
identificar de imediato, na porta.
Estranhando, me aproximei identificando que a mesma
estava aberta e que o informante do padrinho, mexia na maçaneta.
— O que está fazendo?
O homem se endireitou com pressa, meio constrangido por
nos ver, meio ansioso para completar qualquer que tivesse sido a
ordem do padrinho.
— Srta. Miranda? Hum! Eu… boa noite!
— O que está fazendo? — repeti, dispensando a boa
educação.
— Trocando a fechadura — Johnny respondeu de algum
lugar de dentro do apartamento.
— Johnny?
Espantada, entrei procurando pelo meu irmão.
Sentado no sofá, de forma confortável, meu irmão
equilibrava um prato com um sanduíche imenso, e um copo de
suco tão grande quanto. Ele sorriu, a boca cheia. Urgh!
— O que está acontecendo aqui? Tire os pés do sofá!
— E aí, Patrício! — Meu irmão me ignorou,
cumprimentando meu namorado, esquecido completamente por
mim. Patrício riu. Ele sempre ria quando presenciava as minhas
intrigas com Johnny. — Passeando?
— Eu não te devo satisfações — rebati, rebelde, fazendo-o
rir.
— Como estão as coisas? — Patrício perguntou, sentando na
outra extremidade do sofá.
— Cansativas. Como se não bastasse a faculdade, o estágio,
todas as exigências do padrinho, tenho que cuidar da vida das
meninas.
— Da minha mesmo não. O que é isso tudo? O padrinho vai
me trancar em casa agora?
Johnny depositou a comida sobre a mesinha, limpou a mão
engordurada, no jeans, mastigou com pressa e pegou o celular com
legítimo interesse.
— Não, você não. Na verdade… — começou a mexer no
aparelho. — A ideia não é trancar do lado de dentro, e sim, evitar
que alguém entre.
Patrício se ajustou no sofá, interessado. Eu fiz o mesmo,
afinal de contas, por qual motivo o padrinho trocaria a fechadura
para impedir que alguém entrasse? Com certeza ele não planejava
impedir que Patrício frequentasse a casa, e não seria ingênuo
acreditando que só mudar o segredo faria com que meu namorado
não dormisse lá.
Havia outro motivo. Um mais importante. Algo que o
motivasse de fato a agir. Algo como… Ah, Deus! Será que o
padrinho… não! Como ele descobriria sobre meu pai? Não, não
havia como. Então…
— Charlotte está voltando — Johnny revelou, me arrancando
do meu devaneio.
— Charlotte? — perguntamos, Patrício e eu, ao mesmo
tempo.
— Como assim? — falei, eufórica.
— Quando? — Patrício me interrompeu.
— O padrinho quer falar com você — Johnny avisou, me
passando o telefone dele, com a chamada realizada.
— Mas…
Meu irmão resgatou o prato e levantou, puxando Patrício
com ele. Olhei os dois sem crer que resolveriam aquilo daquela
forma.
— Johnny? — o padrinho falou, do outro lado da linha.
— Sou eu.
— Ah, Miranda! Como vai?
— Charlotte está voltando? Mas…
— Preciso que faça uma coisa por mim… por mim, não, por
ela — ele disse apressado.
— Qualquer coisa, padrinho, mas…
— Não abra a porta para Charlotte.
— O quê? — quase gritei. — Padrinho…
— Ela voltou, mas não podemos permitir que sua irmã meta
os pés pelas mãos.
— E o que ela vai fazer? Alex…
— Ela vai para a casa dela. A casa dela com o marido. É isso
o que tem que ser feito.
— Mas ele…
— Estou tentando falar com Alex, mas o telefone dele só dá
caixa. De qualquer forma, não deixe que ela entre, entendeu?
— Não posso deixar Charlotte na rua! — rebati cansada
demais de receber ordens. Ele riu.
— Ela não vai ficar na rua. Confie em mim.
— Isso não vai dar certo — resmunguei.
— Vai dar, sim. E se não der, eu assumo a culpa — brincou.
— Pode apostar nisso.
— Fique tranquila, filha.
Sentei no sofá, desistindo de tentar argumentar. Ele sempre
conseguia me convencer quando me chamava daquela forma.
— Tudo bem! — suspirei derrotada.
— Como estão as coisas? Recebi uma mensagem de um
amigo pedindo desculpas por não conseguir atender a minha filha
como deveria. Ele disse que não sabia que você buscava novos
imóveis. Algum problema com a imobiliária?
Ah, merda!
— Não. Eu só gostaria de um pouco de privacidade neste
mundo — resmunguei fazendo-o rir. — Patrício está procurando
um apartamento, eu só fiz acompanhá-lo.
— Ora, ora!
Eu podia ouvir a máquina girando as peças na cabeça do
padrinho.
— E não, nós não estamos planejando um casamento.
Desista. — Desta vez ele riu com vontade.
— Por que não oferece um dos seus? Ou, por que não usa os
serviços da sua própria imobiliária?
Olhei para o lado, me certificando que meu namorado não
prestava atenção na conversa. Ele se mantinha entretido com meu
irmão, o que me deu um grande alívio.
— Hum! Eu não… bem… ele não sabe deste detalhe.
— Entendi. Isso é um problema entre vocês?
— Não! Claro que não! — Eu me apressei em desfazer a
ideia, entretanto, a verdade era que poderia, sim, ser um problema
entre mim e meu namorado.
— Sendo assim, se eu puder ajudar em algo…
— Ah, não! Ele consegue se virar.
E fiz uma anotação mental para excluir a imobiliária da nossa
lista de possibilidades. Precisaríamos recomeçar. Constatei com
frustração.

Indo contra tudo o que prometi naquele dia, burlei as regras e


tentei falar com Charlotte a noite toda, sem qualquer sucesso.
Então mudei a estratégia e tentei convencer Patrício a ir para casa,
o que ele não fez. Por isso incluí meu namorado em meus planos,
contra a sua vontade, devo confessar, e passamos a noite no sofá.
Eu abriria a porta para a minha irmã, assumindo todas as
consequências, e teria uma conversa com ela sobre a importância
de não abrir mão de um amor como o que ela sentia por Alex. Ele
ficaria me devendo essa. Mais essa.
Lutei contra o sono. Puxei assunto, evitei que meu namorado
me distraísse com sexo, assisti alguns vídeos engraçados e me
mantive firme até mesmo quando Patrício começou a roncar ao
meu lado, largado no sofá.
Mas o sono me tragou sem me dar sinais de que fazia isso.
Acordei assustada, o sol à pino, as mãos do meu namorado em
mim, me puxando para o seu lado. Meu pescoço doeu na hora.
— Ah, droga! — resmunguei quando ele conseguiu me
deitar.
— Você dormiu sentada — ele falou, a voz rouca, carregada
de sono, o rosto enfiado em meu cabelo, as mãos me encaixando
em seu corpo. — E eu estou puto da vida com você.
— Não parece. — Só de pirraça, me esfreguei em sua ereção.
— É de vontade de mijar. — Suas mãos me apertaram com
mais desejo. Eu ri.
— É melhor se acalmar, porque se você emporcalhar
qualquer banheiro desta casa, eu te capo. — E, para provar, passei
minha mão em sua ereção e apertei.
— Nem brinque com isso, Morena! — Meu namorado
afastou minha mão, deixando que seu riso rouco me animasse. —
O que será que aconteceu com Charlotte? — perguntou, traçando
uma trilha de beijos em meu ombro.
No mesmo instante minha atenção perdeu o foco,
relembrando o motivo para estarmos ali, e me dando conta de que
eu havia dormido quando deveria estar atenta para abrir a porta
para minha irmã, empurrei Patrício, derrubando-o do sofá, passei
por cima dele e corri para a porta.
— Merda!
Abri a porta dando de cara com um corredor vazio.
— Ela não veio, Miranda — Patrício resmungou.
Fechei a porta decepcionada e preocupada ao mesmo tempo.
— Se Charlotte tivesse chegado até aqui, uma fechadura não
a impediria de entrar.
— Do que está falando?
— No mínimo, ela tocaria a campainha. Bateria na porta. E
nós ouviríamos.
— Com seus roncos? Duvido muito.
Patrício fez um biquinho lindo, e inclinou a cabeça para o
lado, exibindo uma expressão divertida.
— Você nunca reclamou do meu ronco. Agora estou me
sentindo casado. — E fez uma careta engraçada.
— Cala a boca! — Revirei os olhos e fui em busca do meu
celular.
— O que vai fazer?
—Telefonar para o Alex. Se ela não veio para cá, então ele
tem que saber de alguma coisa. — Patrício suspirou e conseguiu
pegar meu celular primeiro. — Pare com isso!
— Se Charlotte foi para a casa de Alex, não acha que eles
merecem esse tempo?
— Eu só preciso saber se ela chegou! — Tentei resgatar o
celular, sem qualquer sucesso.
— Você precisa se acalmar! Charlotte não é nenhuma
criança, Miranda. E você está tornando tudo muito mais difícil. —
Parei no mesmo instante, me dando conta de que, de fato, eu
parecia uma louca.
— Ela veio no avião do pai. De certo alguém a levou até a
casa do Alex. Peter continua tendo tudo sob controle. — Soltei o ar
com calma.
— Tudo bem. Eu só fico preocupada. Você sabe como
Charlotte reagiu quando descobriu a doença da madrinha. Agora
com o pedido de divórcio…
— Ah, Morena! — Ele me puxou para o seu colo. — Alex
ama Charlotte! Se o pedido de divórcio serviu para trazê-la de
volta, então tudo está resolvido.
— Tem razão. Desculpe! Acho que estou ficando meio
paranóica com Charlotte. — Ele sorriu, e acariciou meu cabelo.
— É clichê, mas eu sempre tenho razão — pirraçou.
— Eu adoro clichês, seu garoto abusado.
Meu namorado me beijou com carinho e me deitou de volta
no sofá, recomeçando as carícias. Os beijos carinhosos aquecendo
minha pele, as mãos quentes se apossando de mim. E então, sem
que esperássemos por isso, o celular dele tocou.
No primeiro momento empurrei Patrício, sem muito sucesso,
fato, acreditando ser o meu celular, e, lógico, voltando a pensar em
Charlotte. Patrício se afastou com tédio, cansado de tantas
interrupções, e pegou o aparelho para verificar a chamada. Suas
sobrancelhas se uniram em confusão, demonstrando surpresa com o
que havia na tela.
— Aline? — disse em voz alta, antes de atender.
— Aline? Quem é Aline? — resmunguei. Ele ergueu um
dedo, me impedindo de continuar.
— Alô? — E um sorriso imenso tomou conta do seu rosto.
— Deusa! Que honra acordar com a sua ligação. Mudou de ideia?
— Ele riu, divertido, me deixando aborrecida.
— Deusa? — Muito rápido eu me endireitei no sofá, atenta a
conversa. Patrício se afastou, nada voltado para mim. — Quem é
Deusa? — Ele fez sinal para que eu parasse de falar, ouvindo com
atenção a conversa.
— Foi mesmo? — Uma risada alta e irritante preencheu o
espaço.
— Patrício?
— Ah, eu acredito, sim! Pode ter certeza de que eu acredito
nisso. — Mais risada, mais intimidade desnecessária, e mais raiva
prestes a explodir em mim. — E você? Ah não! Tenho certeza de
que você não se interessaria. — Desdenhou de algo.
— Patrício? — Outra vez ele mandou eu me calar ao levantar
a mão.
— E ele? Caralho, eu queria estar presente para ver isso.
Você ficou toda animada, não? Porra, eu adoro a sua animação.
Foi demais para mim. Empurrei a mão de Patrício, ainda
suspensa, me obrigando a permanecer calada. Ele me encarou,
confuso, enquanto dizia “não, você é maravilhosa” para a tal Aline,
ou deusa, como o cretino havia dito.
Com raiva, descontrolada, e sem pensar em algo mais digno
para fazer, acertei o braço de Patrício com alguns tapas.
— Ai! Merda! Miranda, o que… droga! — resmungou,
deixando o telefone de lado para me conter. — O que você está
fazendo?
— Quem é a deusa? — rosnei baixinho, sem querer que a tal
Aline me ouvisse.
— O quê? Minha amiga! Ela está falando de Charlotte.
— Charlotte? — No mesmo minuto parei de tentar agredi-lo.
Patrício revirou os olhos e pegou o aparelho outra vez.
— Oi! Pois é, não é apenas Charlotte que é maluca. Parece
um mal de família. Ai! — Gemeu quando o acertei com um soco
certeiro no braço. — Merda, Miranda! Não! Não, Aline… — Um
sorriso escroto brotou em seus lábios. — Pois é. — E começou a
rir.
Levantei, irritada demais para ficar ao seu lado.
— Ah, não sei. Ela deve ter enviado alguma mensagem. Mas
sim, podemos ir. Vou adorar te dar uns amassos.
Olhei para meu namorado, ele me encarava com um olhar
afiado, provocativo. Escroto! Peguei a almofada do outro sofá e
atirei nele, que se esquivou, rindo como uma hiena idiota.
— Beijão, gata!
— Gata? Beijão? — resmunguei. Ele continuou rindo.
— Aline esteve com Charlotte.
— Quem infernos é essa Aline? — Ele me deu aquele sorriso
sacana, de canto dos lábios.
— Achei que Charlotte era o seu foco.
— Patricio, vá se… — Parei no último instante. Ele
aguardava, se divertindo com o meu ciúme.
— Como vamos fazer essa coisa do clube dar certo se você
sente ciúme de todas as garotas que eu conheço?
— Não de todas. E essa merda de clube vai ser a nossa ruína.
Vá escrevendo. Quem é Aline? Mais uma garota com quem se
relacionou? — Ele riu livre, adorando a minha cena.
— Você é incrível, Morena!
— Quem é essa garota que você combinou de dar uns
amassos?
— Ah, ela até deixaria, se você estivesse envolvida na
história — anunciou com diversão.
— O quê?
— Aline é lésbica, gata!
— Lésbica?
— Sabe que Charlotte teve a mesma reação?
— Charlotte? Patrício você… — balancei a cabeça, confusa.
O que Charlotte tinha a ver com uma garota lésbica por quem meu
namorado tinha em maior conta?
— Tá! Vamos ao fato. Aline é uma amiga de longas datas.
Amiga do Alex, mas, de certa forma, muito amiga minha e da Lana
também, apesar do João detestar essa amizade.
— O joão o quê? Patrício, isso está ficando cada vez mais
confuso.
— Eu sei. — Ele sorriu daquele jeito moleque que me
encantava. — Mas adoro te ver assim, sem entender as coisas.
— Ah, Deus! Se eu não enlouquecer agora, não sei quando
conseguirei.
— Miranda… — começou, sério, concentrado. Preciso que
me responda uma coisa. — Aguardei, ansiosa. — Qual a diferença
entre a lagoa e a padaria?
— Lagoa? Patrício… — Meu namorado ergueu o dedo outra
vez e eu tive ímpeto de quebrá-lo. — Qual é a bobagem da vez?
— Você não respondeu. — Arqueou uma sobrancelha, me
encarando como se eu fosse a idiota da história.
— Tá legal! Você é o imbecil que tenta me enlouquecer a
todo custo.
— A resposta, gata!
— Não sei! A lagoa é molhada? — Patrício balançou a
cabeça, não acreditando na minha resposta. — Então qual é?
— Não sei como pude me apaixonar por uma mulher que não
entende nenhuma piada.
— Eu poderia rebater, mas sei que essa droga não vai
terminar até você responder. Qual a diferença? — Ele deu de
ombros, pensando no assunto.
— Tá bom. Aline estava fora, morando em algum lugar longe
do Brasil. Ela retornou, foi encontrar o Alex na praia, e quando
voltaram para casa Charlotte, estava lá. Levando em conta a sua
reação por uma ligação inocente…
— Inocente? — Ele levantou o dedo para me calar. Eu
deveria reconsiderar o que sentia por aquele garoto.
— Inocente. Então, você deve imaginar de que forma a sua
irmã reagiu.
— Puta merda! — Deixei-me cair no sofá. Cansada,
preocupada e sem conseguir acompanhar toda a história de uma só
vez. — Então Charlotte esteve na casa do Alex e eles brigaram?
— Aline disse que saiu deixando-os sozinhos. Se eles
brigaram… — Deu de ombros, desinteressado.
— Ah, droga! Precisamos…
— Ficar aqui, e aguardar.
— Não!
— Eles, com certeza, estão transando agora.
— Patrício!
— Eles estão transando, Morena! Coisa que nós também
deveríamos estar fazendo. Vem cá!
— Não! — rebati com veemência. — Como pode pensar em
sexo em um momento como este? — Patrício revirou os olhos e se
encostou no sofá, derrotado.
— Nós não somos casados, não somos psicólogos, e nossa
vida sexual entrou em colapso por causa da vida dos outros.
— Nossos irmãos. Seja mais coerente.
— Nossos irmãos. Ok! Ainda assim, não era para influenciar
tanto.
— Ah, Patrício, você não entende! — Gemi desgostosa,
colocando o rosto entre as mãos.
— Porra, gata! Eu entendo. Mas, de verdade, você deveria
procurar um tratamento para acabar com essa síndrome de… sei lá!
Bicho de estimação?
— Ah, cala a boca! — Levantei irritada. Ele me
acompanhou.
— Charlotte não é sua responsabilidade, Miranda!
— Ela é minha irmã!
— E Alex é meu irmão. Eu o amo! Nem por isso fico
ajustando a vida dele. Lutar pela minha já é um peso muito grande.
Relaxe!
Entretanto, eu não conseguia. E… por Deus! Eu bem que
tentava. Patrício tinha razão. Eu ainda me sentia como o bichinho
de estimação de Charlotte, pronta para atendê-la quando precisasse,
e isso não era algo fácil de parar. Estava em mim, em minha
personalidade, na maneira como fui criada.
Parte de mim queria se rebelar e deixar Charlotte a própria
sorte, mas a outra parte me recriminava, apontava em minha
direção com horror, demonstrando o quanto eu era egoísta e
ingrata. Por isso eu não conseguia. Não podia pensar em mim como
alguém que virava as costas para as pessoas que me acolheram e
me deram uma vida de princesa, mesmo com todos os sapos que
precisei engolir.
— Desculpe! Eu não consigo — sussurrei abatida.
— Eu sei.
Seus braços me envolveram, me puxando para um lugar
menos sofrido, mais acolhedor. O seu abraço. Patrício beijou o topo
da minha cabeça e afagou minhas costas.
— Mas precisa deixar Charlotte voar. Ela vai conseguir,
Morena. — Gemi algo que nem eu mesmo consegui discernir. Ele
riu.
— Qual é a diferença? — resmunguei.
— Diferença?
— Sim. Entre a lagoa e a padaria? — Meu namorado
balançou a cabeça rindo.
— Uma há sapinhos, na outra assa pão. Entendeu?
— Às vezes eu queria saber porque meu cérebro bugou ao
ponto de permitir que eu me apaixonasse por você. — Rindo,
Patrício me abraçou e me acalentou.
— Bom, já que não vamos transar, podemos ao menos comer
alguma coisa enquanto aguardamos por notícias?
Eu ri, porque era isso o que Patrício fazia. Ele me puxava
para uma realidade, a qual não me sentia preparada para encarar, e
em seguida, deixava tudo mais leve. Mais um ponto na minha lista
de razões para amar aquele garoto abusado.
CAPÍTULO 15

“Se você chega, tudo incendeia, põe tudo em jogo, tudo


clareia...
O sal no afago. O tris de tristeza. O sexo fogo
Sem gentileza...”
Mil Razões - Tiago Iorc

Nós seguíamos em silêncio para a casa dos pais de Patrício,


que inventaram um jantar de última hora, com a desculpa de que
deveriam comemorar a participação da editora na Feira do livro de
Frankfurt, quando na verdade, todos ansiavam por colocar os olhos
em Charlotte e Alex, e se certificarem de que finalmente aquela
tortura havia acabado.
Deus! Depois de tanto tempo eu finalmente podia respirar
aliviada. Charlotte voltou, salvou seu casamento, Patrício
continuava ao meu lado, sendo paciente, e a vida começava a
seguir um curso muito melhor. Até mesmo nosso planejamento do
que seria o nosso clube privado, seguia seu rumo a todo embalo.
E, para ser honesta, a possibilidade de rever Charlotte me
animava mais do que qualquer outro ponto daquela noite. Eu podia
assimilar que minha irmã possuía capacidade para tocar a vida sem
a minha intromissão, porém, este detalhe não anulava a falta que eu
sentia dela.
Não dava para ignorar tanto tempo afastadas, quando
passamos a vida inteira coladas. E, por mais irritante que Charlotte
fosse, eu a amava e estava morta de saudade.
Por isso, quando Patrício desceu do carro e segurou em
minha mão, me guiando para o elevador, eu não conseguia me
conter de tanta ansiedade.
— Será que Charlotte já chegou? — perguntei animada.
Patrício revirou os olhos e suspirou.
— Você falou com ela, não foi? Viu que está tudo bem.
Então porque essa ansiedade?
— Porque sim! — Eu me limitei a responder, conferindo
meu vestido simples no espelho e a maquiagem que eu adorava
usar quando prendia meu cabelo. Revelava meus olhos.
— Você podia ser como as outras garotas, sabe? Quando
atacada pela ansiedade, comem quilos de chocolate, fazem yoga,
mantras e o caralho a quatro — pirraçou.
— Eu transo, Patrício — rebati sem perder o humor. Nada
naquela noite me deixaria incomodada. Principalmente depois do
início de noite que tivemos. Meu namorado me observou através do
espelho e sorriu.
— Verdade.
— Mas se estiver te incomodando, posso trocar pelo
chocolate.
Patrício, puxando o ar com efeito, se aproximou de mim
cheio de segundas intenções, tocando os lábios em meu pescoço
para sussurrar.
— Conheço algumas brincadeiras que permitem chocolate e
sexo.
— Ah, é? — colaborei, enlaçando meus braços em seu
pescoço e colando nossos corpos.
— Senti falta dessa animação, Morena.
— Eu também — revelei. — Agora que não temos com o
que nos preocupar, podemos começar a ensaiar como fazer com o
nosso clube privê.
— Privê? — Ele riu. — Gostei disso.
— Eu sabia que ia gostar.
A porta do elevador abriu e Patrício me deu um selinho
delicado, antes de me conduzir para fora. Paramos por alguns
segundos na porta do apartamento, enquanto Patrício usava a sua
chave para adentrar o local. Antes de tornar a nossa entrada algo
notável, ele se virou para mim, enlaçou a minha cintura e me beijou
mais uma vez.
— Você está linda! — Sussurrou com carinho.
— Sempre — pirracei, lisonjeada.
— Sempre. Hoje muito mais.
— Você me ama, Patrício. Não conta.
— Acho que você precisa rever o seu conceito, Morena.
Porque o fato de eu te amar deveria contar mais do que a opinião
de qualquer outra pessoa.
— Até da minha? — Ele ampliou o sorriso, apaixonado.
— Acredite, sou egoísta o suficiente para dizer que sim, até
mesmo da sua, mas… — tocou a ponta do meu nariz. — Você
jamais levaria a opinião de alguém mais a sério do que a sua
própria, então… — deu de ombros. — Eu me contento com o
segundo lugar.
Ele abriu a porta e todo um cenário se desenhou a nossa
frente. Na entrada, Dana, Adriano e João conversavam.
— Até que em fim! — A mãe do meu namorado se
aproximou, me abraçando com carinho.
— O trânsito estava uma porcaria — Patrício informou. —
João? Pensei que não te veria hoje.
Pelo tom do meu namorado pude sentir que rumo seguiria
aquela conversa. Apesar da curiosidade, em particular, depois da
cara aborrecida do cunhado de Patrício, meus olhos percorreram a
casa em busca de Charlotte.
— Vou lembrar disso quando Aline colocar os olhos em
Miranda — resmungou João Pedro, mas todos riram, deixando-o
desconfortável.
Foi fácil deduzir que Aline não deveria ser fácil. Se João não
se sentia seguro com a garota em relação à esposa, era porque algo
havia acontecido.
— Vou providenciar isso agora — Patrício anunciou. —
Vamos, Morena, Charlotte está na varanda.
A palavra mágica, capaz de me arrancar de qualquer
pensamento. Fui levada pela mão, com passos ansiosos até que
encontrei a minha irmã, abraçada ao marido, o olhar com a mesma
emoção que os meus refletiam. Não consegui pensar em mais nada.
Passando à frente de Patrício, reduzi a distância e abracei Charlotte
como se um ano tivesse se passado desde o nosso último encontro.
E foi ali, nos braços da minha irmã, que eu senti meu mundo
voltar ao seu eixo, e pude constatar que estava tudo bem de
verdade.
Mas então Patrício estragou tudo.
— Deusa! — Meu namorado gritou ao passar por mim.
Fiquei tensa na mesma hora. Charlotte percebeu e se afastou
de mim com um olhar condescendente, as mãos nos meus braços.
Juntas olhamos para a tal mulher que atiçava o meu namorado.
Meu primeiro pensamento foi: “puta que pariu!”. Aline era
linda. Linda até demais para minha capacidade de me tornar
superior e suportar aquela amizade. E isso só porque conferi seu
rosto.
Seus olhos castanhos, pintados com perfeição, eram imensos,
impactantes, cheios de expressões. O nariz fino tornava seu sorriso
amplo mais notável. Os lábios cheios eram desejáveis. A pele
bronzeada parecia acender, emoldurada pelo cabelo também
castanho, liso, longo.
Conferi seus seios fartos, seu corpo esguio, as curvas exatas,
chamativas, e… putz! Mesmo de posse da informação de que Aline
era lésbica, eu me sentia ameaçada. Até que nos encaramos e o que
vi nos olhos dela me fizeram temer. Não mais pelo meu namorado,
ou, quem sabe, ainda mais por ele. A mulher me encarou com
desejo, aprovando o que via, além da minha inspeção.
Ela era uma predadora. Não havia como negar.
— Não acredito que ficou mesmo nesse caminho. — Patrício
beijou o rosto da tal mulher, que só deixou de me olhar quando
meu namorado se afastou, voltando-se para uma segunda mulher,
asiática, também bonita, ao seu lado. — Com todo o respeito.
Patrício beijou a mão da outra mulher, que deduzi ser a noiva
de Aline, conforme meu namorado fez questão de comunicar antes,
quando questionei o motivo para a sua volta repentina para o
Brasil.
— Digamos que seria complicado ficar em um
relacionamento tão cheio de competição — Aline falou sem se
importar em disfarçar a maneira como me olhou.
Apesar de Patrício e Lana rirem, de Charlotte ter esboçado
um sorriso educado, foi a reação de Alex a que ganhou a minha
atenção. Ele me encarou por parcos segundos, contudo, cheios de
significados. Sim, meu cunhado lembrava daquele dia no clube,
quando me viu em ação com outra garota, que depois descobri ser a
Clara.
Não sei explicar porque me senti desconfortável. O
julgamento de Alex, sendo tão hipócrita, não deveria me aborrecer.
Mas aborreceu.
Ele também pareceu incomodado, pois se agitou, puxando
Charlotte para perto e tratando de encontrar uma desculpa para
afastá-la. Desviei o olhar, assim como a atenção. Não poderia me
permitir ficar incomodada por Alex levar Charlotte para longe de
mim. Entretanto, fiquei.
— Essa é Miranda, Aline! — Patrício me puxou, sem se dar
conta do clima esquisito que o irmão deixou. — Não é linda?
— Linda até demais! — Se Patrício entendeu o significado
daquelas palavras eu não poderia afirmar, no entanto, se manteve
tranquilo. — Essa é minha noiva, Sayuri.
A asiática apertou minha mão. Eu sequer conseguia restaurar
minha voz. Meus olhos seguiram para onde Charlotte havia saído
com Alex. Eles conversavam com Dana, na sala.
— Então Patrício foi fisgado? — Aline falou alto,
conquistando a minha atenção. Sorri sem graça.
— E tem como não ser fisgado? Miranda não é o tipo de
mulher que passa despercebida — meu namorado provocou.
— Não é mesmo — Aline correspondeu. Olhei aflita para
Patrício, que mantinha-se impassível.
— Eu queria que João tivesse um pouco da tranquilidade do
meu irmão — Lana se intrometeu. Aline riu e acariciou as costas da
irmã do meu namorado.
— João não sabe competir — brincou. Lana não pareceu se
incomodar.
Comecei a me conformar com a ideia de que aquela era a
brincadeira pessoal deles, porém, sem conseguir relaxar. Era
diferente a maneira como Aline me olhava. Havia um desejo real
na garota, e, admito, mexia comigo. Não que eu chegasse a cogitar
a ideia. Relacionamentos envolvendo o sexo oposto só era
aprovado em situações que não envolvessem sentimentos. Era sexo
puro, e apenas isso.
Entretanto, reconhecia a verdade: Aline seria uma garota que
eu escolheria como parceira para uma noite no clube. No clube…
olhei aflita para Patrício. Não. Ele não podia supor que envolveria
uma pessoa do seu ciclo de amizade, em nossos planos. Por mais
atraente que Aline fosse.
Olhei outra vez para Charlotte e Dana, querendo expulsar da
minha cabeça as ideias. Além do mais, Aline deveria me
incomodar. Patrício, mesmo que por brincadeira, demonstrava
interesse por ela, e isso, por si só, deveria me induzir a anular a
garota da minha lista de possibilidades. Não foi como fiz com
Clara? Não deveria seguir a mesma linha com Aline?
Mas, não, não seguia. E por quê?
— Vamos jantar, crianças? — Dana chamou da porta da
varanda.
— Ah, graças a Deus! — Aline resmungou, chamando a
minha atenção. — Eu estava mesmo morta de vontade.
E me deu aquele olhar que me calava de uma forma estranha.
O que acontecia comigo? Patrício riu baixinho, abraçando a minha
cintura para me conduzir.

— Você já transou com ela — acusei quando ficamos


sozinhos, no quarto dele.
Patrício havia me convencido a dormir em sua casa, mesmo
sendo algo constrangedor para mim, mas ele queria beber um
pouco e não aceitou muito bem a ideia que eu fosse sozinha para
casa, tarde da noite. Sua insistência, e minha anuência, me levou a
passar horas ao lado dos convidados de Dana, o que me rendeu
uma grande dose de tensão.
O único lado positivo foi poder ficar com Charlotte e
conversar sobre o seu retorno. Porém minha irmã não demorou a
alegar cansaço e ir embora, por isso fiquei outra vez lutando contra
a sensação estranha que Aline me causava.
E foi por este motivo que quando Sayuri insistiu para ir
embora, já que Aline parecia determinada a ficar até o último
segundo, respirei aliviada, e, para minha consternação, João Pedro
também. Ele me lançou um olhar amigável quando se despediu
logo após a amiga da esposa deixar o apartamento com a noiva.
— Com Aline? — Enxugou o cabelo, desfilando apenas de
cueca pelo quarto.
— Não! Com Lana — revirei os olhos diante da sua
perplexidade. — Claro que é com Aline!
— Não — ele respondeu sem qualquer ênfase, o que só me
encheu de curiosidade.
— Então você quer isso.
— Transar com Aline?
— Ah, Deus! Essa conversa não vai para lugar nenhum —
reclamei, me deixando cair na cama. Patrício sentou ao meu lado,
me olhando com atenção.
— Aline é uma gata, Miranda. — E não teve qualquer
cuidado em dizer aquelas palavras, o que me aborreceu. — Mas ela
nunca quis nada comigo.
— Por que ela é lésbica?
— Não. Eu acho que não. — Acabei sorrindo com certa
satisfação. — Porque ela transava com Alex quando éramos mais
novos.
— Puta merda!
— E ela tem alguns princípios, sabe?
— Porra, Patrício, ela transava com Alex? Você não disse
que ela é lésbica?
— Ela é! — rebateu firme. — Não sei como funcionava para
os dois. Alex e Aline disputavam as garotas por diversão, e, muitas
vezes, nessa brincadeira, dividiam as conquistas. Alex não gosta de
conversar sobre a intimidade dele, por isso eu nunca soube
exatamente o que acontecia quando os dois se envolviam com a
mesma pessoa.
— Ah, merda! Charlotte sabe disso? — perguntei mais para
mim do que para o meu namorado.
— Ah, eu duvido. Ela não estaria tão tranquila ao lado de
Aline se soubesse do passado dela com o marido.
— Isso é uma droga!
— Não é, não. Aline é muito amiga de Alex. Eles eram
solteiros, se divertiam como queriam. E não está muito longe do
que você busca para sua vida. — Levantei com pressa, encarando
Patrício com rancor.
— É muito diferente! Eu não vou para a cama com pessoas
que fazem parte do meu meio social.
Ele sorriu de forma amistosa, sem querer levar aquilo para o
lado pesado, e afagou minhas costas.
— Além do mais, pelo que sei, é o que você busca para você
também.
Sim, é. — Franziu o rosto, pensando no assunto. — Como
diversão, Morena. Uma vez ou outra não vai fazer mal a nossa
relação.
— Nós vamos comprar um apartamento para esta finalidade,
Patrício.
— Eu sei. — Sua mão ficou atrevida. — Mas vamos nos
divertir sozinhos também. Meu foco é você, minha morena linda!
Meu namorado levantou o corpo, beijando meu ombro e me
deitando sobre a cama outra vez. Patrício se inclinou sobre mim,
ficando um pouco acima, sem impor o seu peso. No mesmo
instante seus lábios desceram pelo meu busto, buscando meus seios
em sua camisa folgada, que peguei emprestada para dormir.
— Sabe que você fica deliciosa usando uma camisa minha?
— Pensei que você me preferia sem nada.
— Eu prefiro você — falou de forma enfática. — Com ou
sem roupa, cansada ou desperta, aborrecida ou calma… Eu só
prefiro você. De todas as formas e maneiras que você consegue se
apresentar.
— Pode ser — falei pensativa. — Mas não deixa de ficar
ansioso com os possíveis acréscimos. — Ele riu, o hálito
aquecendo minha clavícula.
— Os acréscimos serão todos bem-vindos, gata. Porém, serão
todos com e por você. Sempre desta forma.
— Será?
— Você tem dúvidas?
— Depois de hoje? — Outra vez ele riu.
— Nenhuma mulher se compara a você, Miranda. E eu te
amo! Será sempre você, com ou sem outra pessoa, com ou sem o
nosso clube, é você quem eu quero e isso não vai mudar. Eu te
amo!
— Ah, Patrício!
Gemi deliciada com a sua declaração. Meus dedos invadindo
seu cabelo, adentrando seus cachos, se apossando dos seus
movimentos. Meu namorado, pairando sobre mim, percorria minha
pele com os lábios, traçando uma trilha quente e estimulante, e
assim, eu perdia o controle do meu próprio corpo.
Apesar disso, me permitia continuar. Era incrivelmente
satisfatório não ter controle de nada quando me via nas mãos de
Patrício.
Ele brincou com um seio, depois o outro, mordiscando,
chupando, provocando com a ponta da língua. Eu me limitava a
gemidos baixos e respiração desencontrada, uma vez que
estávamos na casa dos pais dele, e a privacidade que nos fazia
acreditar nos proteger, era na verdade falsa. Nós dois sabíamos que
as finas paredes daquela casa nos entregariam com facilidade.
Bom, eu sabia e me concentrava em não criar uma situação
constrangedora com os pais do meu namorado, já Patrício... meu
namorado não podia ser comparado a um exemplo de serenidade e
discrição. E como prova, se empenhava para me fazer perder o
foco, esquecer as paredes, seus pais, o mundo.
Patrício era sempre bom de cama, porém, quando alimentado
pelo desafio, ele se tornava incrivelmente bom. O que não
considerava como algo interessante, diante dos fatos e das
condições. Ele me pirraçava, se demorava em meus pontos frágeis,
me estimulava como só ele sabia fazer, com seus lábios macios e
sua língua tentadora em todos os lugares que, reconheço, me
conduzia ao limite.
Enquanto eu me obrigava a engolir os gritos, as palavras que
ansiavam por sair de forma urgente, ele não demonstrava qualquer
vontade de disfarçar o que acontecia naquele quarto. E eu não me
atrevia a censurá-lo, pois só o atiçaria a continuar, ou piorar a
situação.
Entretanto, quando meu namorado, com a boca entre as
minhas pernas e os braços me mantendo firme no lugar, impedindo
o movimentos dos meus quadris, começou a me lamber, bem
naquele ponto sensível, de forma espaçada, dura, lenta e
provocativa, foi que entendi que aquele era um jogo perdido.
Patrício queria me enlouquecer, e conseguiu.
— Ah, meu Deus!
Gemi alto, mordendo as costas da mão, impedida de rebolar
em sua língua, com o orgasmo vibrando no centro entre as minhas
pernas, se concentrando cada vez mais, e impedido de explodir. Eu
podia sentir minhas células se chocando, ensandecidas, minha
carne se contraindo, ansiando para ser preenchida até o seu limite.
— Quer que eu pare? — Provocou.
— Não! — gritei, elevando o tronco, decidida a impedi-lo de
parar.
Patrício me encarou daquela forma safada, um sorriso
perfeito de satisfação, se congratulando por me fazer perder aquela
luta contra a discrição. Os dois braços pesando sobre minhas coxas
abertas, me deixando exposta. Então, sem tirar os olhos dos meus,
ele me lambeu outra vez. Sem pressa, sem qualquer intenção de
fazer algo diferente. Meu corpo tremeu, meu ponto de prazer
vibrou, e um calor latente ameaçava se espalhar a qualquer
momento, queimando meu sexo.
— Quer que eu continue? — continuou a tortura.
— Patrício… — ele me lambeu antes que eu pudesse falar
algo agressivo. O orgasmo, ou a falta deste, me levava ao limite da
paciência.
— Preciso saber o que você quer, Morena! Converse comigo.
Puta merda!
Ele sequer esperou pela minha resposta. Dois dedos
adentraram em mim, ao mesmo tempo ele me chupou com
precisão. Gritei admirada com a minha entrega, com a facilidade
como ele me deixava no ponto, e me mantinha estimulada até que
não me restasse outra opção que não fosse gozar.
Seus dedos roçaram minha carne sem a velocidade que eu
desejava. Patrício sabia o que fazia. Não me deixaria gozar rápido,
mesmo conhecendo a minha capacidade de me recuperar para uma
próxima rodada. Ele intentava o meu descontrole.
— Você me quer aqui? — Seus dedos se afundaram em
minha entrada molhada.
— Sim! — falei ofegante. Patrício retirou os dedos, e seus
lábios voltaram a me atormentar.
Para a sua satisfação, meus gemidos aumentaram.
— Ou você me quer aqui?
Dois dedos se afundaram em minha bunda, e… porra!
Patrício sabia o que fazia. Ele me deixava tão molhada, excitada e
ansiosa, que eu sequer entendia a minha própria necessidade. Eu o
queria nos dois lugares ao mesmo tempo. Duro, intenso, forte.
Foi neste momento que a imagem se formou sem que eu
intentasse tal coisa. Minha mente flutuou me levando para um
quarto só nosso, uma cama imensa, um homem sem rosto definido
deitado nela, eu por cima, de costas para ele, e Patrício a minha
frente. Ambos me penetrando, me possuindo, me estimulando de
uma forma que eu não suportava.
Meu sexo inchou, minha carne pulsou, meus olhos
desfocaram e meus gemidos ficaram descontrolados.
Ciente do meu estado, Patrício me puxou para seu colo, as
pernas fora da cama, as minhas entrelaçadas em seu tronco. Sem
aguardar, o coloquei em mim, segurando seu cabelo com força.
Quando me preencheu, sua mão me segurou, me impedindo de
cavalgar, e seus dedos voltaram a entrar em mim, pelo outro ponto.
— Oh! — gritei, jogando a cabeça para trás.
Meu seio foi abocanhado enquanto sua outra mão me
incentivava a me movimentar, subindo e descendo, sentindo-o me
preencher por completo, em todos os lugares, arrancando meu
equilíbrio, minha capacidade de discernir, tornando meus gemidos
intensos, minhas palavras desconexas, nossos corpos ansiosos.
Sem qualquer noção do que meu corpo exigia, meu sexo se
contraiu de forma involuntária, apertando e soltando Patrício,
mamando-o, arrancando dele a sua entrega.
O pompoar era algo que eu dominava e sempre foi a minha
arma, contudo, naquele momento, aconteceu sem que eu tivesse
planejado, ou até mesmo, sem que eu tivesse controle.
Simplesmente aconteceu, me surpreendendo, ao mesmo tempo que
me extasiava ao assistir a redenção de Patrício.
Ele se apertou a mim, os olhos suplicando a minha entrega, a
respiração ofegante, os sons mais altos, os dedos implacáveis, a
mão se fechando sem piedade em meu cabelo, me puxando, me
querendo, exigindo e implorando ao mesmo tempo.
— Ah, Miranda! Meu Deus! Eu…
Gemi forte e em uma fração de segundo explodi. O prazer
comparado a várias bombas explodindo em pontos diferentes, sua
intensidade se espalhando com facilidade, estremecendo minha
carne, deixando tudo sensível e dormente, se apossando de mim,
me impediu de ver, ou entender o que acontecia naquele quarto.
E quando voltei a mim, abri meus olhos e me permiti voltar à
terra, descendo aos poucos, sentindo a gravidade, a entrega
deliciosa, foi que vi outra vez Patrício, lindo, ofegante, me
encarando com atenção, um sorriso maravilhoso nos lábios e toda a
satisfação transbordando.
Ele era a satisfação encarnada.
CAPÍTULO 16

“Se for preciso, eu crio alguma máquina


Mais rápida que a dúvida, mais súbita que a lágrima
Viajo a toda força, e num instante de saudade e dor
Eu chego pra dizer que eu vim te ver.”
Partilhar - Anavitória, Rubel

Com uma imensa satisfação, desci na frente do hospital


naquele dia. Tudo evoluia com perfeição. Patrício conseguia me
animar com a possibilidade de encontrarmos os apartamentos o
quanto antes. Eu iniciava minha trajetória como preparadora
técnica de livro, e, enfim, encontrava paz para retornar à minha
rotina de atividades sociais, herança da madrinha. O homem que se
dizia meu pai, não mais me procurou, o que colaborava para o meu
equilíbrio interior, e Charlotte estava em paz em seu casamento.
Além disso, minha irmã estava na Alemanha, com a sua
primeira atividade profissional como escritora. Viajou ao lado de
Alex, Lana e João Pedro, representando a editora. Seu trabalho
seria apresentado para o mundo. O orgulho que eu alimentava por
aquela garota me deixava agitada, e acreditava, com fervor, que
nada mais seria capaz de abalar a minha família e aqueles que
amávamos.
Ledo engano.
Assim, eu estava no hospital naquele fatídico dia. Era o meu
retorno ao grupo de caridade, que contava histórias para as crianças
na ala pública e particular. Meu estado de humor atingia um nível
excelente. Patrício me encontraria no final do dia para mais uma
“reunião” a respeito do nosso plano.
Encontramos na internet um motel próximo à casa dele, que
disponibilizava uma suíte com o tal cavalo de madeira, e meu
namorado ficou tão interessado! Testaríamos o aparelho, quer
dizer, Patrício testaria, eu, por outro lado, já estava familiarizada
com a peça.
Adentrei o corredor, acenando para alguns funcionários.
Intentava encontrar o grupo na sala que o padrinho reservava para
as reuniões filantrópicas, porém, quando saí do elevador e virei na
direção em que deveria seguir, dei de cara com o padrinho.
A surpresa pelo encontro ficou estampada no rosto dos dois,
no entanto, apesar de jamais cogitar encontrá-lo, quando havíamos
nos falado no dia anterior, e ele permanecia na Inglaterra, sem
qualquer alteração de planos, minha surpresa não passou disso. Já o
padrinho, bom… ele não esperava me encontrar, isso era nítido,
mas além desta emoção, havia nele também um leve
constrangimento.
— Padrinho? O que… — olhei para os lados, tentando me
situar.
— Miranda!
Ele aceitou meu abraço, mesmo sem saber como lidar com o
nosso encontro. Fiquei confusa.
— O que faz aqui? Por que não me contou que estaria de
volta?
— Ah, foi um problema de última hora.
— Um problema? Que espécie de problema?
— Nada de mais! — Segurou em meu braço me conduzindo
para o lado oposto. — E você, o que faz aqui?
— Eu… bem… vou naquela direção. — Apontei para o lado
que deveria seguir. O padrinho focou os olhos em mim, assustado,
constrangido ou… sei lá! Foi estranho.
— Para lá?
— Sim, vou encontrar com o grupo que conta histórias. —
Avaliei seu rosto, conferindo sua reação.
— Você voltou para o projeto? — Enfim um pouco de
animação em sua voz, permitindo que voltasse a ser o homem que
eu conhecia.
— Hoje. Estou retornando hoje.
— Que bom, minha filha! — Ele me abraçou, desta vez com
mais emoção. — Tenho certeza que sua madrinha ficaria
orgulhosa.
— É… hum… — emocionada e constrangida, me afastei
dele um passo. — E o problema que fez o senhor voltar?
— Ah… foi… — Ele coçou a cabeça, evitando me olhar,
voltando a ganhar um tom vermelho na face. — Uma bobagem.
— Uma bobagem?
Arqueei uma sobrancelha, ciente de que o padrinho evitava
me contar sobre o ocorrido, o que só me deixava mais intrigada.
Essas idas e vindas repentinas aconteceram quando… Oh, Deus,
não!
— Padrinho… — Sufoquei. — O senhor… por favor…
— Miranda! O que houve? Você está pálida!
Ele tentou me levar até um banco, no entanto eu não queria
sentar. Não queria ser dissuadida a não perguntar ou investigar.
Não queria ser pega de surpresa outra vez. Nunca mais.
— O senhor está doente? — Fui direta. — O senhor…
— Não! — Desta vez eu senti a verdade em sua resposta.
— Por favor, não minta pra mim!
— Ah, Miranda! — Ele me envolveu em seus braços e me
senti uma garotinha assustada. — Eu estou bem! Não é nada disso.
Só vim avaliar o Johnathan. Por isso não avisei.
— Jura? Não vai mentir para mim? — O tom de vermelho
em seu rosto e a maneira como ele engolia, como se algo o
incomodasse, me alertou.
— Não estou doente. Não estou morrendo nem nada
parecido.
Encarando o padrinho eu entendi que sua resposta servia de
esquivo para a minha pergunta. Se, por um lado, ele aliviava a
minha dor, me garantindo que não passaríamos outra vez por
aquele desespero, por outro, atiçava a sensação de que algo ruim o
pressionava, uma vez que não disse que não mentiria para mim, e
sim, apenas, que não estava doente.
— Agora vá para o seu projeto! — Tentou colocar alegria em
suas palavras, o que soou para mim como desespero.
— Ah… sim… Johnny está por aqui?
— Na lanchonete. Você não disse que ia para a reunião do
grupo?
Encarei o padrinho pensando em uma desculpa sólida, afinal
de contas, assim como ele, não prometi que não mentiria.
— Combinei que o encontraria antes de me reunir com o
grupo.
— Combinou? — Estreitou os olhos enquanto me avaliava.
— Sim. Não nos vemos com frequência. Johnny está sempre
ocupado. Já que eu estaria aqui, combinei de tomarmos um café.
— Hum! Ok! Vejo você mais tarde?
— Com certeza. — Forcei um sorriso confiante e saí em
busca do meu irmão.

— Eu não sei! — Johnny falou sem paciência, repetindo as


palavras pela quinta vez.
Sentados ao fundo da lanchonete, em um espaço discreto,
conseguíamos conversar sem chamarmos tanta atenção.
— Você não disse que ia participar da apresentação de hoje?
— Não quer contar, tudo bem, mas pode ter certeza de que
quando a merda estourar não terei pena de você. Aliás, ninguém
terá, porque todos vão saber que você é cúmplice!
— Você está louca?
Cruzei os braços encarando meu irmão, aguardando até que
ele cansasse e revelasse a droga do segredo.
— Miranda… merda! Não quero conversar sobre isso.
Ele empurrou a cadeira para trás. Meu coração acelerou. Eu
não podia deixar Johnny sair sem me contar o que acontecia.
— Johnny, por favor!
Segurei sua mão por cima da mesa e deixei que meus olhos
ficassem lacrimejados. Essa era a única forma de fazer meu irmão
falar.
— Ele está doente? Vocês vão esconder a verdade da gente
outra vez? — Deu certo. Johnny voltou a se inclinar sobre a mesa,
a mão envolvendo a minha, me acalentando.
— Ei, não é nada disso!
— Então o que é? Por que vocês fazem isso? Não confiam
em mim? Se é um problema da nossa família, eu tenho direito de…
— É complicado, Miranda. Não sabemos a verdade ainda.
— Que verdade? — Coloquei minha outra mão sobre a dele e
intensifiquei meu sofrimento. Johnny olhou para os lados e
suspirou derrotado.
— Antes me prometa que não vai enlouquecer e sair
procurando confusão.
— Merda! Anita aprontou, não foi? Eu sabia! Essa vaca não
ficaria quieta. O que ela fez desta vez? Não! Espere. É sobre a
formatura? Mas nós já formamos, ela não pode modificar nada!
— Pelo amor de Deus! Anita está limpa nesta história e tão
assustada quanto eu.
— Sei! — Tirei minha mão da dele. — É incrível a fé que
você tem naquela vaca.
— Se é assim… — Meu irmão fez menção de que levantaria.
Desesperada, segurei sua mão outra vez, fazendo-o recuar.
— Vou ficar calada.
— Ótimo! Porque a situação é mais grave do que a sua
cabeça confusa consegue imaginar.
— Johnny…
— Nem mais uma palavra! — rosnou. Apertei os lábios, me
obrigando a ficar calada.
— Anita me procurou para contar que Tiffany foi para a
Alemanha. — Arqueei a sobrancelha querendo entender de que
forma aquilo poderia ser ruim.
Tudo bem que Tiffany na Alemanha seria uma dor de cabeça
para Charlotte e Alex, No entanto, ela era autora da casa, a
sensação no mundo literário, reconhecida em diversos lugares do
mundo. O que havia de terrível no fato de aquela doida ir para uma
feira do livro?
Johnny pareceu ainda mais zangado com a minha
indiferença, mas, sinceramente, era muita onda para pouca água.
Além do mais, Alex teria que aprender a manter Tiffany na linha
e…
— Eles transaram — Johnny anunciou.
Levei alguns segundos para me dar conta do que meu irmão
me dizia. E quando isso aconteceu, levou junto toda e qualquer
reação minha. Fiquei petrificada, escandalizada, impactada.
— Pelo menos foi o que ela contou a Anita. Não podemos
saber se é verdade.
Ele aguardou. Eu sequer conseguia encontrar o controle do
meu rosto e das minhas cordas vocais, para expressar qualquer
coisa.
— Entenda. Tiffany contou a Anita que ela e Alex transaram
quando Charlotte estava longe. Consegue perceber a gravidade da
situação?
Nada falei. Não reagi. Minha mente parecia congelada.
— Miranda? Fale alguma coisa, pelo amor de Deus! Eu ainda
nem contei a pior parte.
Pior parte? Puta merda!
— Qual a chance de ser mentira? — falei por fim.
Johnny me encarou, abriu e fechou a boca algumas vezes,
depois desistiu, me encarando. Reconheci o seu sofrimento e
entendi que era pior do que ele era capaz de me contar.
Era mentira de Tiffany. Aquela maluca havia inventado a
situação. Eu podia apostar que se certificou de arrumar uma
maneira de forjar provas, de insinuar a situação e decidiu que
queria infernizar a vida de Charlotte.
Era mentira!
Não podia ser verdade.
Então por que doía em mim como se a traída fosse eu?
— Johnny…
— Ela está grávida — ele falou e meu coração errou uma
batida. Fechei os olhos sem conseguir respirar. — Pelo menos ela
tem um exame que indica a gravidez. Se é do Alex…
Levantei de uma vez, a cadeira caindo atrás de mim.
— Miranda?
— Eu tenho que… eu…
— Pare! — Johnny me segurou, olhando para os lados. Em
seguida seu braço passou pelos meus ombros e ele me levou dali.
— Você não pode fazer nada.
— Como não! Charlotte está lá e Tiffany...
— Ninguém sabe se é verdade. Tentei falar com Alex e não
consegui. Não podemos jogar essa bomba no colo de Charlotte
assim. Alex vai saber o que fazer.
— Alex vai… — fechei as mãos com raiva. — Olha, Johnny,
se essa merda for verdade, eu mesma vou matar o Alex, entendeu?
— Entendi. Mas pode não ser verdade. Pensei bem. Tiffany
nunca se conformou com o casamento deles, ela vai tentar de tudo.
Vamos esperar até que o padrinho consiga falar com Alex.
— O padrinho? Puta merda! Puta merda!
— Fique calma.
— Como? Diga como posso ficar calma com uma maluca
ameaçando a felicidade da minha irmã? Eu não posso! Não sei ficar
quieta aguardando. Não sei não fazer nada e esperar que Charlotte
volte despedaçada desta viagem. Não sei!
— E o que você quer fazer? Não podemos ligar para
Charlotte contando, porque sequer sabemos se é verdade. E se for?
E se Tiffany ou Alex contar a verdade a ela? Acha mesmo que
consegue chegar a Alemanha a tempo? Nós não podemos fazer
nada, Miranda. Nada!
— Eu quero falar com o padrinho.
— E sua apresentação?
— Que droga de apresentação, Johnny? Se vocês dois estão
pensando que eu vou sentar e esperar, estão muito enganados.
— Tudo bem. — Ele suspirou derrotado e me fez entrar no
elevador.
Seguimos juntos para a sala do padrinho. Tantas vezes estive
ali, por tantos motivos diferentes, que começava a acreditar que
não seria capaz de enxergar aquele hospital como antes.
O padrinho nos fez esperar alguns minutos do lado de fora.
Eu sequer conseguia sentar. Caminhei de uma lado para o outro,
me sentindo péssima, pequena, incapaz. Tudo em mim vibrava de
raiva do Alex, da Tiffany e da própria Charlotte. Como aquela
merda só tendia a piorar? Por que ninguém conseguia fazer
funcionar como o restante do mundo? Era uma desgraça atrás da
outra, um sofrimento sem fim.
Johnny não tirava os olhos da tela do computador,
escrevendo sem parar. De vez em quando, voltava a sua atenção
para mim e para os meus incansáveis passos, mas nada dizia, e,
cansado, dirigia os olhos outra vez para a tela.
Até que a porta abriu e o padrinho nos mandou entrar.
— Eu deveria prever que você não conseguiria manter
Miranda longe disso, Johnny — acusou, nada satisfeito com o
desenrolar da situação.
— Não é justo vocês me manterem de fora de tudo o que
acontece nesta família — resmunguei. Johnny balançou a cabeça
negando alguma pergunta silenciosa do padrinho, e este suspirou
cansado.
— Vocês acham mesmo que não perceberia que a volta
repentina do padrinho estava associada a algo horrível? Foram três
meses pesando sobre o casamento de Charlotte e nem assim o
senhor voltou, então como consegue explicar o seu retorno sem que
eu desconfie de algo do tipo?
Eles se entreolharam. Johnny abaixou a cabeça e deixou por
conta do padrinho.
— Você tem razão. Eu não esperava te encontrar, Miranda. Ia
manter minha volta escondida pelo tempo necessário para resolver
essa confusão.
— Posso saber por que o senhor não foi direto para a
Alemanha? — questionei sem conseguir encaixar as peças.
— Ela me ligou. Tiffany. Uns dois dias após o retorno de
Charlotte ela entrou em contato comigo. Mandou a foto do exame
de gravidez. Eu sabia que Charlotte estava prestes a ir para a
Alemanha, então combinei um encontro com Tiffany, para que ela
pudesse me explicar melhor a situação. Na verdade… — ele
suspirou outra vez, parecendo mais velho. — Eu queria tirá-la de
perto da minha filha, nem que fosse para prorrogar a sua paz, ou
para encontrar uma solução. Não sei, acho quis acreditar que não
seria do Alex, que ela tentava mais uma vez destruir o casamento
deles. A garota combinou que me encontraria, e, para a minha
surpresa, assim que cheguei, Johnny foi alertado por Anita, sobre a
viagem da prima. Desde então estou tentando falar com Alex, sem
qualquer sucesso.
— Que dia o senhor chegou?
— Ontem. Desculpe! Eu não queria te alertar sem ter
qualquer prova do que acontecia. Agora nós estamos aqui e Tiffany
está na Alemanha com Charlotte. Não sei o que fazer. O jeito é
esperar o desenrolar, ou acreditar que Alex vai retornar quando
receber as notificações das minhas ligações.
— Esperar? Meu Deus! — resmunguei me deixando cair no
sofá.
— Qual a sua sugestão?
— Vamos para a Alemanha. O senhor tem um avião! Só
vamos!
— Não é tão simples. Além do mais, corremos o risco de
Charlotte descobrir antes de chegarmos. Já pensou como será?
Não. Eu não havia parado para raciocinar. Não conseguia
pensar em nada que não fosse encontrar Charlotte e abraçá-la até
que todo aquele horror desaparecesse. Desanimada, desisti de
encontrar uma saída, e fiquei naquele sofá esperando por notícias,
ou que o mundo acabasse antes que as notícias chegassem.
CAPÍTULO 17

“Eu ainda estou aqui


Perdido em mil versões irreais de mim
Estou aqui por trás de todo o caos
Em que a vida se fez.”
Me espera - Sandy

Acho que fiquei presa em meus próprios pensamentos, no


silêncio daquela sala. Johnny não parava de digitar mensagens. O
padrinho ligava o tempo todo para Alex, sem qualquer sucesso.
Também ligou para Tiffany, mas esta derrubava as ligações sem
qualquer medo de demonstrar seus intentos.
As horas passaram se arrastando. Cada segundo sem notícias
me corroía por dentro. Mandei algumas mensagens para Charlotte,
perguntando como ela estava e como foi o evento, mas ela sequer
visualizou.
Ao mesmo tempo eu me perguntava o que poderia dizer caso
ela respondesse como se nada tivesse acontecido. Se Charlotte
começasse a me escrever contando sobre o quanto estava
maravilhada com a feira, e relatasse as alegrias de estar casada com
o homem que amava, e… putz! Eu não saberia o que dizer.
E Alex? Eu poderia tentar falar com ele, enviar alguma
mensagem, qualquer coisa. Mas, ao mesmo tempo que me
imaginava entrando em contato com ele, me via gritando e
xingando de uma forma tão baixa que até eu me assustava.
E Patrício? Porra, Patrício sabia? Escondeu de mim o que o
filho da puta do irmão aprontou? Ou era tão inocente quanto eu
naquela confusão?
No mesmo instante que meus pensamentos me levaram a ele,
meu telefone vibrou com uma mensagem do meu namorado.

“Já no estacionamento, gata! Prontinho para você”

— Prontinho para mim! Urgh! — resmunguei, atraindo a


atenção dos outros dois componentes daquela bolha que criamos.
— Patrício chegou. Tenho que ir. — Levantei recolhendo minha
bolsa. — Vou para casa — informei.
O padrinho me encarou com atenção, arqueando uma
sobrancelha, em seguida aquiesceu. Ele tinha coisas mais
importantes para fazer do que tentar controlar a minha vida sexual
com Patrício.
— Liguem se tiverem novidade. — Os dois concordaram.
Deixei a sala e segui em direção ao meu namorado. E, à
medida que meus passos se aproximavam do local, minha raiva
crescia. Eu queria matar Patrício. Matar qualquer um que estivesse
envolvido com aquela traição escrota. E queria chorar também.
Queria me trancar em meu banheiro e chorar até conseguir me
reerguer outra vez, para enfrentar a tempestade que se aproximava.
— E aí, Morena linda! — gracejou.
— Você sabia?
Patrício piscou assustado com a minha ferocidade.
Demonstrava uma inocência genuína, mas, diante dos fatos, eu não
sabia em quem confiar.
— Sabia que Alex traiu Charlotte com Tiffany? — continue.
Ele se afastou confuso.
— De onde tirou isso?
— Sabia ou não?
— Não! — rebateu com ênfase. — E não sei qual é o
problema, mas Alex jamais se envolveria com Tiffany outra vez. O
que aconteceu? Ela deve ter inventado, Miranda. Você conhece
Tiffany e não…
— Ela está grávida! — anunciei pegando-o de surpresa.
Patrício se calou, refletiu e então deu de ombros.
— Não duvido. Tiffany é capaz de tudo.
— Então você confirma?
Incapaz de me controlar, disparei sobre meu namorado,
batendo em seu braço com toda raiva que me consumia.
— Ei! Calma, Miranda! — Tentou me segurar em vão. —
Pare com isso!
— Você sabia! Você sabia, seu… seu… seu…
— Eu disse que não duvidava que ela fosse capaz de inventar
algo do tipo — falou capturando minhas mãos. — Droga! O que
deu em você?
— Ela está grávida! — minhas primeiras lágrimas rolaram.
— Entende o que estou te dizendo? Tiffany está grávida do Alex.
— Claro que não está! — rebateu, incrédulo. — Ela está
blefando e você caiu na conversa dela.
— Tiffany tem um exame que comprova a gravidez. Viajou
para a Alemanha para contar a Charlotte. — Seus olhos ficaram
imensos quando se deu conta do tamanho do problema.
— Fique calma, Morena — falou sem conseguir me olhar
diretamente. — Vou tentar falar com Alex.
— Boa sorte! O cretino sumiu! Ninguém consegue contato
com ele. Nem com Charlotte! E Tiffany faz questão de deixar claro
que não nos atenderá.
— Ah, droga!
Patrício se voltou para a frente, colocou as mãos no volante,
fechou os olhos e abaixou a cabeça. Ele ficou imóvel, no entanto,
seus dedos apertavam com força o volante, e eu podia ver as veias
engrossando pelo braço. Cogitei a ideia de seu descontrole o fazer
quebrar o carro, ou perder a capacidade de se acalmar.
Senti medo, e, ao mesmo tempo, algo em mim dizia que ele
não seria capaz de me machucar. Então me calei e aguardei,
contando os segundos até que seus dedos perdessem a força e sua
respiração ficasse estável.
— Não acredito em Tiffany, Miranda, mas não posso garantir
a fidelidade do meu irmão — falou por fim. — Alex e Charlotte
ficaram separados por três meses.
— Isso não invalida a escrotidão dele.
— Não vou defender ninguém. Não faço nem ideia do que
está acontecendo de verdade. Alex precisa se pronunciar. Entender
o que Tiffany está aprontando, se ela estiver grávida, o filho pode
nem ser do Alex!
Encarei meu namorado sem acreditar.
— Vou deixar uma coisa bem clara, Patrício. Com filho ou
sem filho, se Alex comeu Tiffany, ele é um filho da puta, cretino,
escroto do caralho! — gritei. Patrício voltou a fechar os olhos,
apertando-os como se precisasse disso para manter a sanidade.
— Tudo bem — respondeu baixinho. — Só que eu não sou o
Alex. Não sei nada sobre esta história e só posso afirmar qualquer
coisa quando meu irmão aparecer para se defender. Por enquanto,
vou aguardar por notícias.
— Ok! — rebati com raiva, cruzando os braços na frente do
peito e encarando o estacionamento do hospital, de onde, sequer,
havíamos saído.
— Peter já sabe?
— Ele está aqui.
— Aqui? — confirmei sem nada dizer. Patrício puxou o ar
com força. — Tudo bem. O que quer fazer? — olhei para ele sem
compreender o que poderia dizer. — Que não seja me socar ou
gritar comigo — declarou.
Eu ri.
Ri de desespero, de tristeza, de medo, e de não conseguir
conceber uma forma de encarar aquilo tudo. Novas lágrimas
desceram, deixando clara a minha fragilidade. Patrício enlaçou
minha cintura e me puxou para perto.
— Ah, Morena! Isso é muito ruim mesmo — falou afagando
meu braço e me deixando chorar. — Alex vai resolver tudo. Depois
disso teremos que arrumar uma forma de conter Tiffany. Um
processo, quem sabe.
O celular dele tocou. Patrício o puxou de dentro do acessório
para carro. E, ao olhar a tela, se afastou um pouco, ficando tenso de
imediato.
— Lana — falou sem qualquer entonação. — O que
aconteceu?
Eu não conseguia ouvir a conversa. Encarei meu namorado
imaginando se meu coração pararia antes de saber o que a irmã
dele queria. Nem por um segundo perdia a atenção no que eles
diziam, rezando em silêncio para que a tempestade não nos
atingisse.
— Merda! — ele disse, me encarando como se estivesse se
preparando para me conter. — Mas por que isso?
Outra vez o silêncio. Eu queria arrancar o telefone da mão
dele e falar com Lana. Fazer as minhas próprias perguntas, xingar o
quanto me desse vontade, acusar todos os quais conseguisse. No
entanto, nada fiz. Outra vez congelei, encarando Patrício e
aguardando pelo pior.
— Alex não explicou? E você aceitou? Eu sei, Lana! —
Suspirou com pesar. — E Charlotte? Ela não falou mais nada? —
Fez silêncio. Nossos olhos conectados. — Eu estou com Miranda.
Vou falar com ela e com… — Engoliu com dificuldade. — Peter.
Sim, ele voltou. Não sei. Alex tem que telefonar para ele ou atender
a merda do celular — falou um pouco mais nervoso. — Vou dizer
o que está acontecendo. Tiffany está grávida e afirmando que é do
Alex — Patrício afastou o telefone da orelha e fechou os olhos com
força outra vez.
— Não grite! — rosnou. — Eu não sei. Ele não deveria
deixar Charlotte voltar sozinha. E agora, como saberemos… Não,
Lana! Como eu vou saber? Pelo que você está me contando…
Desesperada, tomei o celular da mão de Patrício. Não dava
para ouvir que Charlotte já sabia de tudo e regressava sozinha para
casa, despedaçada, e me manter passiva. Eu me resolveria com ele
depois. Patrício largou o aparelho, resmungando algo pelo qual não
me interessei por saber.
— Lana? É Miranda!
— Ah, Miranda! Eu sinto muito! Eu não sabia. Quando Alex
me ligou e avisou que Charlotte estava indo embora eu não
imaginei que… Céus!
— Ela está voltando?
Preferi pular a parte que gritava e xingava Alex e ir direto
para a minha irmã.
— Voltando ou indo para qualquer outro lugar — Lana
informou com desespero. — Eu não imaginava… Alex só me pediu
para ajudá-la e nada mais.
— O que você quer dizer com isso? — Minha voz saiu feroz.
— Que não faço ideia do destino de Charlotte.
— Mas…
— Ela não me deixou fazer nada além de chamar um táxi,
Miranda. Eu tentei. Charlotte foi irredutível. Gritou, afirmando que
não queria ficar com ninguém. Chamamos a atenção do hotel.
— Droga!
Foi a minha vez de fechar os olhos. Eu queria gritar com
Lana, acusando-a de irresponsabilidade por ter deixando Charlotte
sozinha, mas até mesmo eu sabia que lutar contra minha irmã era
impossível. Além de Charlotte ser maior de idade.
Minha garganta se fechou de desespero. Onde ela estava? O
que sentia? Como reagia àquela informação?
Patrício tirou o celular da minha mão. Não lutei contra.
Minha mente começou a traçar vários cenários possíveis, locais
para onde Charlotte poderia fugir, o que ela fazia quando perdia o
controle da vida?
Mal ouvi Patrício finalizando a ligação. Meu celular tocou
em seguida. Era Johnny.
— Tem notícias? — Fui direto ao ponto.
— Onde você está?
— No estacionamento, Johnny. Lana acabou de ligar para
Patrício.
— Aqui no hospital? Pode subir aqui?
— Se você quer me contar que Charlotte sumiu, eu já estou
sabendo — falei sem paciência. — Porém, se quiser me incluir no
plano de resgate eu posso subir.
— Ah, Miranda! — suspirou com um lamento. — Alex
ligou.
— Ligou? E...
— É melhor você subir.
— É melhor você contar logo o que ele falou — ameacei.
Patrício colocou a mão na minha coxa, me alertando sobre minha
inconstância emocional.
— Bom, basicamente confirmou.
— Confirmou? Aquele filho da puta… — gritei, mas Johnny
me interrompeu.
— Nosso objetivo agora é encontrar Charlotte. O padrinho
está fazendo alguns contatos. Você pode subir?
— Já estou chegando. — Desliguei o celular e encarei
Patrício. — O escroto do seu irmão confirmou o caso com Tiffany.
Com os lábios comprimidos e a emoção presa, Patrício
balançou a cabeça concordando.
— O que vamos fazer? — ele disse com a sua falsa calma.
— Procurar Charlotte. E depois, matar Alex.
Concordou mais uma vez, em seguida, abriu a porta do carro
e desceu, decidido a não me deixar enfrentar aquilo sozinha.
Apesar de toda angústia que me assolava, havia certa paz em
saber que enfim aconteceu. Não como se eu ficasse satisfeita pela
ruína do casamento da minha irmã. Fazia parte da minha
personalidade sofrer mais pelo que não fora previsto, do que pelo
que já estava em seu curso.
Quase enlouqueci com a possibilidade de Tiffany estar na
Alemanha, com a ideia de causar dor a Charlotte. Depois sofri
ainda mais por descobrir que Alex era um traidor, cretino, covarde,
e Charlotte não desconfiava de nada. Temi pela sua descoberta,
mas quando enfim aconteceu, comecei a me sentir, como dizer…
em casa? Talvez não seja o termo mais adequado, porém consegue
passar a minha ideia.
Charlotte possuía um padrão. Quando algo de ruim, ou que
ela julgava ruim, acontecia, minha irmã se escondia em algum
lugar para resgatar a sua paz. Às vezes duravam horas sem que
alguém voltasse a colocar os olhos em Charlotte, mas às vezes,
como aconteceu no caso da madrinha, ela sumia por dias.
E, lógico, havia a tensão de não fazermos ideia de onde ela
poderia estar, e se precisava de algo. Verdade seja dita, Charlotte
nunca fez qualquer besteira que nos levasse ao ponto de cogitar que
tentaria contra a própria vida. E eu queria acreditar, tomando como
base a minha própria dor, e minha forma de encarar a vida, que se
ela não morreu por causa da perda da mãe, não seria o fracasso de
um casamento que a derrubaria.
Por isso, caminhando pelos corredores do hospital, com
Patrício ao meu encalço, me senti relaxada. Charlotte na certa se
refugiou na Inglaterra, ou em qualquer outro lugar que tivéssemos
casa. Bastaria procurar da forma certa e aguardar até que ela
entrasse em contato, ou aparecesse.
Contudo, devo admitir, que apesar de não mais me desesperar
como a poucos minutos, ainda pesava o fato de minha irmã estar
só, sofrendo, humilhada e desesperada, em algum lugar do planeta.
Porque me acostumei a estar ao seu lado, e dividir o peso da sua
dor. Por isso, saber que Charlotte se refugiava em algum lugar, sem
a minha presença, fazia com que eu pensasse que, de certa forma,
não conseguia recompensar o que aquela família havia feito por
mim.
E foi com essa sensação ruim, de derrota, que entrei no
elevador e apertei o último andar. O que mais eu poderia fazer que
não fosse me colocar à disposição?
— E agora? — Patrício perguntou, ao meu lado, manso,
muito quieto para o meu gosto. Olhei para ele, querendo descobrir
o que não tinha coragem de externar.
— Ela pode estar em qualquer lugar. Pode estar voltando ou
indo para casa. — Ele franziu o cenho, em seguida entendeu que
casa, diante daquela confusão, seria a Inglaterra.
Sem pensar duas vezes, digitei uma mensagem rápida para
Charlotte. Uma que não invadiria o seu espaço, ou exigiria alguma
atitude. Escrevi apenas “estou aqui para o que você precisar, e
estarei aí quando me chamar”. Enviei, percebendo que ela sequer
havia recebido.
— O que você vai fazer? — Ele insistiu.
— Como posso saber, Patrício? — Suspirei derrotada. — É
provável que eu vá encontrá-la. Se ela assim quiser. — Ele
concordou sem nada dizer.
Havia algo na maneira como Patrício se continha, que
despertava a minha atenção. Entretanto, eu já estava saturada, com
tantos problemas que optei por deixar aquele para outro momento.
Charlotte precisava mais de mim do que Patrício. Mesmo que
minha irmã sequer tenha expressado essa necessidade.
Não importava.
Quando Charlotte aparecesse, eu precisava estar pronta para
atendê-la. O que significava que, mais cedo ou mais tarde, eu teria
que sacrificar o meu relacionamento com Patrício.
CAPÍTULO 18

“É só isso
Não tem mais jeito
Acabou, boa sorte.”
Boa Sorte - Vanessa da Mata

Quatro dias se passaram.


Quatro dias e tudo o que sabíamos era que Charlotte
embarcou em um voo para a Suíça, e na noite anterior, viajou para
Nova York. Informação esta conseguida de forma escusa, através
de um funcionário do padrinho, que tinha um primo que trabalhava
no aeroporto em questão, e que conseguiu o feito em troca de uma
promoção.
E, lógico, o padrinho ficou aborrecido com a troca, contudo,
diante da situação, nada fez para impedir que assim fosse. Charlotte
era a sua prioridade. O restante do tempo ficamos ao telefone,
aguardando por alguma resposta, entrando em contato com pessoas
que poderiam nos alertar caso ela aparecesse, como o porteiro do
prédio onde tínhamos um apartamento, no Central Park.
E aguardamos. Aguardamos. Aguardamos.
O tempo parecia transcorrer. A angústia nos sufocava. O
padrinho se fazia de forte, seguro, mas eu sabia, e Johnny também,
que ele agia assim para não nos aterrorizar. Ele dizia que Charlotte
precisava deste tempo e que entraria em contato quando precisasse
de nós. Apesar disso, se mantinha em vigília, aguardando,
investigando e tentando encontrá-la.
E ninguém, nem mesmo eu, levou em consideração o fato de
Charlotte detestar Nova York, o que, para mim, significava o seu
nível de desespero. Com certeza foi a primeira passagem
disponível que encontrou e aceitou, devido a sua necessidade de
fugir da Alemanha enquanto havia tempo.
Ela fugia de Alex, e eu o odiava por isso.
Fechei os olhos mais uma vez e coloquei a cabeça entre as
pernas, evitando que a náusea causada por tanta irritação, me
consumisse.
Eu pensava em tanta coisa que cogitava arrumar uma forma
de apagar por alguns instantes. Mas desisti, como uma covarde, ao
concluir que talvez um remédio, me fizesse ficar presa ao pesadelo.
Então era melhor continuar acordada.
Pensar em como eu me culpava por ter colocado Alex na vida
de Charlotte, não me ajudaria. Até porque, reconhecia a
imaturidade dos pensamentos. Alex podia ser um cínico e hipócrita,
mas ele amava Charlotte, e isso nem eu conseguiria dizer o
contrário.
Já a traição… bom, não posso defendê-lo. Jamais faria algo
do tipo. Porém, a sua versão, mesmo que irritante e absurda, fazia
bastante sentido para mim. Quem era eu para julgar uma pessoa
que buscava o sexo como forma de extrapolar as emoções? E
aquele não era Alex, o cara que foi para o clube com Tiffany para
simular um estupro?
Puta merda!
Nós éramos tão parecidos que eu me sentia abalar a cada
segundo que tentava odiá-lo. Recriminá-lo, seria o mesmo que me
condenar pelos meus atos. E, ainda assim, eu o condenava, odiava,
julgava e me torturava.
O telefone tocou ao meu lado. Olhei o visor com esperança,
reconhecendo não apenas o nome que piscava na tela, mas a
música selecionada para tal contato. Patrício. Suspirei desgostosa.
Aquele era outro ponto no qual eu não queria pensar.
E não era justo, mesmo assim, não conseguia encará-lo.
Com meu namorado funcionava da mesma forma. Há dois
dias não nos víamos. Ele ligava, eu não atendia a maioria das
vezes, e quando o fazia, parecia ser um ato errado. Pela maneira
como nos falávamos eu captava que ele também se sentia da
mesma forma.
Patrício não tinha culpa, eu também não, entretanto, nossas
posições cobravam atitudes que não favoreciam o relacionamento.
Ele era irmão do homem que havia traído a minha irmã, e
machucado-a ao ponto de obrigá-la a sumir no mundo. Eu era irmã
da garota que havia sido traída pelo irmão do meu namorado.
Gemi me sentindo cada vez pior.
No dia anterior, à noite, ele telefonou, eu atendi, o clima
ficou estranho. Avisava que Alex voltava ao país. Quando
comuniquei meu intento de estar com a minha família enquanto
aguardávamos notícias de Charlotte, e não senti qualquer remorso
por estar escondendo as informações que conseguimos obter, uma
vez que, para mim, manter Alex longe de Charlotte, ao menos
enquanto ela não dissesse que desejava o contrário, tornava-se
imprescindível, ele respondeu que não poderia comparecer pois
estava com o trabalho acumulado.
Nós dois reconhecíamos a mentira. Patrício se reservava o
direito ficar ao lado do irmão, da mesma forma, eu ao da minha
irmã.
E assim seguia o barco. Para qual direção, nem eu mesma
sabia responder.
O telefone parou de tocar, o que me deixou inquieta e
aliviada. Então três coisas aconteceram ao mesmo tempo: o
padrinho abriu a porta do escritório, meu celular voltou a tocar e
Johnny entrou em casa, esbaforido.
Atordoada, não sabia para qual das situações poderia dar
atenção. Ignorei o celular, ciente de ser Patrício outra vez, e me
concentrei no Johnny quando vi o padrinho fazer um gesto de
permissão para ele.
— E ai? — ele disse, fingindo animação.
— Tudo igual. E você, novidade?
— Ah, não! — Ele coçou a cabeça. — Vamos dar uma volta?
Estreitei os olhos. Aquele era o gesto pelo qual meu irmão
indicava não saber o que fazer. Ele estava estranho. E o padrinho
também, o que significava que ambos escondiam alguma coisa de
mim. Levantei de supetão. Com raiva. Com mágoa.
— O que os dois estão escondendo?
Confirmei minhas suspeitas com a troca de olhar entre eles,
logo depois meu celular tocou. Não me dei ao trabalho de
confirmar quem era. Na verdade, tremi um pouco. Tanto cuidado
só poderia ser por um motivo: Charlotte estava em perigo.
— O que aconteceu? Onde está Charlotte? — Johnny
abaixou a cabeça e o padrinho me olhou com ternura.
— Alex está vindo conversar comigo, Miranda — anunciou.
— E eu preferia que você não estivesse em casa.
Não sei se senti alívio ou raiva, ou os dois ao mesmo tempo.
Mas foi este sentimento que me fez continuar de pé.
— Eu vou ficar — determinei.
— Miranda… — Johnny tentou.
— Vou ficar! Quero olhar nos olhos daquele filho da puta.
— Miranda! — o padrinho me recriminou com a voz
cansada.
— Ah, não venham com essa agora! Vocês não vão passar a
mão na cabeça do Alex. Não vão! Por causa dele Charlotte está
desaparecida.
O padrinho suspirou, desistindo de me dobrar. Era naqueles
momentos que eu percebia o quanto aquela história o abalou.
— Não acho que nem eu nem você temos direito de fazer
nada. — Fui pega de surpresa com a sua afirmação. Aquele não era
o seu comportamento normal. — Nós nem sabemos o que
aconteceu de verdade.
— E o que o senhor quer? Que ele te conte os detalhes sobre
como engravidou Tiffany?
— Miranda! — Desta vez foi Johnny quem me censurou.
— O que vocês acham que pode justificar isso? No que
acreditam que Alex pode dizer que alivie o fato de ele ter
engravidado outra mulher enquanto ainda estava casado com minha
irmã?
— Ele pediu o divórcio — o padrinho falou, me fazendo
recuar com aquela verdade. — E acreditou que Charlotte o tinha
assinado.
— Mas…
— E nós, apesar de tudo, não podemos determinar como
Charlotte vai reagir ao Alex.
— Claro que não. Ela está desaparecida — rebati sendo
perversa.
Não queria brigar com o padrinho, nem causar mais
problemas. Contudo, apesar de todas as justificativas, de eu mesma
ter pensado no quanto Charlotte fora infantil, permissiva e até
mesmo leviana ao ficar longe por três meses, tendo um casamento
tão recente, e concretizado de forma rápida, não conseguia
inocentar Alex.
Talvez eu nunca conseguisse. Porque ele sempre soube quem
era Charlotte e, ainda assim, jurou amor eterno e se casou com ela.
Nada justificava a sua traição.
— Você não vai ficar aqui, Miranda — o padrinho
determinou, sem deixar espaço para discussões.
Engoli tudo o que eu poderia dizer para ganhar tempo, mas a
campainha soou, e todos nós soubemos que era tarde demais.
Odete abriu a porta. Nós três nos calamos, encarando a
entrada do apartamento, e então, Patrício entrou na frente, fazendo
meu coração acelerar. Em seguida, Alex.
A angústia que senti ao ver meu namorado entrando e
confirmando que eu não o atendia por pura opção, foi camuflada
pela que me abateu ao ver Alex. Toda a sua postura superior havia
desaparecido. A minha frente se apresentava um homem destruído,
partido em muitos pedaços, desfeito.
Engoli com dificuldade, buscando dentro de mim a raiva
inicial para aquele confronto, enquanto os olhos dele passavam de
forma lenta, da figura do meu irmão para mim. Tentei demonstrar
qualquer insatisfação, encontrar as palavras, expressar o que havia
me consumido durante aqueles dias, mas nada consegui.
Então, cansada, confusa, e sem saber o que acontecia comigo,
dei as costas e fui embora. Não exatamente embora. Subi para o
meu quarto, deixando a sala e toda aquela sensação angustiante.
Corri escada acima e não parei até fechar a porta atrás de
mim, até me sentir segura no calor da minha cama, onde lutei
contra as lágrimas, respirando fundo, me obrigando a manter o
equilíbrio. Inconformada procurei pelo celular, me dando conta de
que o havia deixado no sofá, onde todos estavam naquele
momento.
Gemi desgostosa, abraçando um travesseiro e fechando os
olhos. Querendo expulsar da minha mente tudo o que me
confundia. Foi neste momento que ouvi a batida fraca. Não abri os
olhos, muito menos permiti que alguém entrasse, assim mesmo
alguém entrou, seus passos se aproximaram da cama, e em seguida
seu peso no colchão foi sentido. Quando seus dedos tocaram meu
cabelo, acariciando meus cachos com cuidado, não precisei de mais
nada para saber quem era.
Patrício, apesar de se manter em silêncio, permaneceu
comigo, respeitando a minha dor. Não sei mensurar o tempo que
passou até que cansei de lutar e sentei na cama encarando meu
namorado. Ele me encarou de volta, com receio. Sim, aquela
conversa não seria saudável para nenhum dos dois. Então colocou
meu celular ao meu lado, olhei o aparelho, culpada por ter ignorado
todas as suas ligações.
— Você esqueceu lá embaixo.
— Obrigada!
— Quer saber o que Alex me disse? — falou com a voz
branda.
— Vai mudar alguma coisa? — provoquei. Patrício deu de
ombros.
— Toda história possui no mínimo duas versões, Miranda.
— bufei, ofendida.
— E qual é a versão dele? De que forma Alex vai conseguir
justificar ter engravidado Tiffany?
— Olha, gata, independente do que ele diga, do que
aconteceu, e da tristeza que abala as nossas famílias, nós não
podemos cobrar nada de Alex, nem de Charlotte — acrescentou
rápido. — Eu venho te dizendo há tempo, eles são maduros, são
adultos, podem cuidar dos próprios problemas.
— Se você quer continuar aqui é melhor ficar calado —
rebati com raiva, voltando a deitar e a esconder o rosto. Patrício riu
baixinho, afagando minhas costas.
— Alex me contou o que aconteceu.
— Engraçado é você precisar que seu irmão mais velho lhe
explique como fazer um filho. — Ele riu outra vez, sem tanta
vontade.
— Ele estava bêbado. Havia enviado o divórcio, como
sabíamos. Peter confundiu tudo quando disse a Alex que Charlotte
estava ciente e de acordo.
— O padrinho sabia do divórcio? — Sentei outra vez na
cama, prestando atenção no que meu namorado falava.
— Agora sabemos que não. — Patrício suspirou com tristeza.
— Foi uma confusão, Miranda. Peter acabou fazendo Alex
acreditar que Charlotte assinou o divórcio. Alex ficou arrasado,
bebeu muito, Tiffany apareceu e… — riu desconfortável.
— O quê?
— Você vai contestar, mas… nem eu sei se consigo assimilar
esta parte.
— Fale logo, Patrício! — Ele mordeu as bochechas por um
tempo, e sem olhar para mim, disparou.
— Alex jura que pensou que era Charlotte.
— Charlotte? — Minha voz saiu alta e aborrecida. — Que
filho da puta!
— Minha mãe não tem nada a ver com isso, Morena. —
rebateu sem emoção, tão cansado quanto todos os outros. — Ele
disse que Tiffany apareceu e a mente dele ficou confusa. Quando
ele a viu e pensou ser Charlotte…
— Já chega! Pelo amor de Deus! O cretino poderia se
justificar até com o porre que tomou, mas comparar Tiffany e
Charlotte? Nem com toda a bebida do mundo!
Ele nada disse, mas estava claro que concordava comigo.
— Puta que pariu!
— E Charlotte? Deu notícias?
Balancei a cabeça, negando. Não era totalmente mentira,
ainda assim, não consegui encará-lo.
— Ela vai aparecer — eu disse. Ele concordou.
O silêncio voltou a ocupar todo o espaço entre nós. Patrício
parecia determinado a encontrar uma forma de voltar a me
alcançar, no entanto, por mais incrível que parecesse, a traição de
Alex, de alguma forma, nos desconectou. E eu o sentia cada vez
mais distante de mim, ou, sem perceber, me distanciava cada vez
mais dele.
— Alex está muito mal — disse como se não suportasse o
silêncio.
— Eu o odiaria ainda mais se não fosse assim.
— Ah, Miranda! — suspirou. — Não posso te censurar. Nem
sei o que dizer. Não consigo defender meu irmão, assim como não
consigo parar de pensar que Charlotte provocou isso tudo.
— Argh!
Foi só o que eu consegui dizer, porque corroborava o que eu
pensava, e não tinha coragem de dizer em voz alta. Não podia
culpar minha irmã. Não podia.
— Não sei quanto tempo isso vai durar, mas… não vejo a
hora da poeira começar a baixar.
Seus dedos tocaram os meus e eu entendi o que Patrício
queria dizer. Um bolo se formou em minha garganta, porque eu não
conseguia garantir que passaria, nem que voltaríamos a viver como
antes.
Eu simplesmente não conseguia.
Patrício e Alex foram embora algum tempo depois. Não tive
coragem de descer, de encarar o padrinho e Johnny. Não queria
saber de que maneira eles arrumariam a desculpa perfeita para
perdoar Alex. Pouco me importava se acreditou que Charlotte
concordava com o divórcio, muito menos se havia bebido ao ponto
de aceitar Tiffany em sua cama outra vez.

Eu não o perdoaria.
Nunca!
Suspirei derrotada.
Meu telefone tocou quando me deitei, desistindo até mesmo
de comer. O toque era o tradicional, ou seja, ninguém especial.
Pensei em ignorar, ou até mesmo, em atirar o aparelho na parede.
Porém, me vi encarando a tela do celular, espantada com o número
internacional.
Estremeci.
Charlotte!
Temerosa, atendi a ligação e aguardei. Então a voz dela fez
todo o meu corpo enfraquecer.
— Miranda?
Era ela. Sua voz fraca, distante e sofrida, não fora o
suficiente para me confundir.
— Charlotte! — coloquei toda a minha emoção e desespero
naquela palavra. — Onde você está?
— Está sozinha? — Sua voz ofegante, como se fizesse um
imenso esforço para falar, ganhou a minha atenção.
— Estou. Quer dizer… o padrinho e Johnny estão lá
embaixo.
— Ouça! Não posso demorar. Preciso de você.
— Charlotte! — gemi angustiada. — Onde você está?
— Não entre em desespero. Eu… eu… preciso de você.
— Claro! Eu vou te encontrar. Só diga aonde.
— Preste atenção. Eu não quero que ele… ele… — Ela não
conseguia esconder a dor que sentia ao tentar pronunciar o nome do
marido.
— Não vou dizer uma palavra a ele, Charlotte. Eu prometo.
— Obrigada! — sussurrou parecendo ainda mais cansada.
— Para onde devo ir?
— Nova York — ela disse, confirmando as informações que
tínhamos. — Eu… — Minha irmã soluçou, se esforçando para não
deixar o choro atrapalhar suas palavras. — Eu estou doente.
— Charlotte? — Levantei alarmada, como se me colocar de
pé pudesse me levar até ela mais rápido. — Doente como?
— Estou internada. Preciso de você aqui.
E o meu mundo virou de pernas para o ar.
CAPÍTULO 19

“E se tropeçar
Do chão não vai passar
Quem sete vezes cai, levanta oito.”
Um dia após o outro - Tiago Iorc

Johnny me ajudou com a mala que consegui arrumar. O


padrinho aguardava por mim, andando de um lado para o outro
pela sala, tentando descobrir como fazer para obter mais
informações a respeito de Charlotte, uma vez que a mesma não
procurou um hospital que pertencesse a nossa família.
Algo me dizia que Charlotte tentou esconder de nós o que
havia acontecido, e, como não houve jeito, entrou em contato. E
toda aquela história me levou de volta aos meus quinze anos,
quando precisei ligar para Johnny pedindo ajuda.
Mordi o lábio com força, empurrando as lembranças para
longe, querendo esquecer tudo que não estivesse ligado a minha
irmã e a sua saúde.
Johnny me olhou com cautela.
— Avisou a Patrício? — Neguei com a cabeça. — Miranda!
— Não sei o que dizer. Não posso revelar onde Charlotte
está, não posso dizer que ela está doente e nem nada que possa
facilitar que Alex a encontre.
— Isso está errado — ele resmungou.
— Não vou ser hipócrita e mentir que Alex deveria ser
avisado. Por mim ele nunca mais terá notícias de Charlotte. — Meu
irmão me lançou um olhar estranho.
— Espero que você tenha noção do que está desejando. —
Estremeci.
A única maneira de cortar de vez os laços entre minha irmã e
meu cunhado seria me separando de Patrício. Eu não conseguia
sequer pensar a respeito. Mas a verdade é que eu não sabia de que
forma resolver aquilo. Patrício era irmão de Alex, e ansiava por
estar ao seu lado, já eu, queria distância daquele… dele.
Por outro lado, Charlotte não almejava que Alex tivesse
notícias dela, então como fazer meu namoro funcionar se eu estava
partindo, sem noção de por quanto tempo, e proibida de contar a
Patrício sobre o meu destino.
— É melhor você ligar para ele.
— Johnny…
— Não é justo, Miranda. Você não pode partir sem que
Patrício saiba.
— Mas…
— Você está parecendo Charlotte.
Foi o suficiente. Olhei feio para meu irmão, porém, ciente de
que ele tinha razão. Eu não podia partir sem que Patrício soubesse
que precisávamos dar um tempo. Mais um tempo. E, apenas a
ideia, estraçalhava o meu coração.
— Vamos? — O padrinho chamou. — Consegui ajustar o
voo. — Johnny me encarou, deixando claro que não havia mais
tempo.
— Vou descendo com as malas, padrinho.
— E você, Miranda? Tudo pronto?
— Eu… preciso avisar ao Patrício.
Ele compreendeu a minha angústia, e com um leve aceno,
permitiu que eu me retirasse.
Fui para a varanda encarando o celular em minhas mãos, sem
ter qualquer noção de como iniciar aquela conversa. Respirei fundo
e digitei o contato. Patrício atendeu mais rápido do que eu podia
esperar. Eu me senti despreparada para aquela conversa.
— Oi! — Sua voz surpresa me desestruturou. Em dois dias
aquela era a primeira vez que eu ligava.
— Oi! Está em casa?
— Hum! Sim. Está tudo bem?
Engoli com dificuldade. Por que era tão difícil ser honesta
com ele? Por que eu não conseguia dizer tudo o que me engasgava?
— Preciso te pedir um favor.
— Um favor” — repetiu, inseguro. — Claro. O que deseja?
— A sua promessa — sussurrei. O pânico crescendo dentro
de mim.
— Do que você está falando, gata?
— Charlotte ligou — fui direto ao ponto. Patrício emudeceu.
Eu podia jurar que até mesmo respirar tornou-se complicado para
ele. Quando voltei a falar minhas palavras não passavam de
sussurro. — Preciso que me prometa que não vai contar ao Alex.
— Miranda…
— Só por agora. Neste primeiro momento.
— Porra, gata! Como posso fazer isso? Ele é meu irmão!
— E eu sou sua namorada, Patrício. Se não pudermos fazer
isso não sei como funcionará — adverti. Minhas mãos ficaram
úmidas. Patrício suspirou, fez muxoxo, soltou o ar de forma
ruidosa, e por fim, falou:
— Tudo bem. Não vou falar. Neste primeiro momento —
salientou.
— Estou indo encontrá-la — anunciei.
— Onde?
— Não posso dizer.
— Miranda!
— Não posso. Me perdoe, mas não posso.
Fechei os olhos imaginando o quanto aquela conversa era
difícil para ele também.
— Certo.— Havia um leve esforço na voz. — E quando
volta?
— Não sei — gemi as palavras. O bolo em minha garganta se
formando com violência. Eu não queria chorar. Não queria entrar
em desespero por estar me despedindo dele.
— Gata! — Patrício colocou toda a sua dor naquelas
palavras. — Você está indo embora?
— Eu… eu…
Não conseguia dizer as palavras. Não conseguia sequer
pensar nelas.
Queria poder dizer que não e lhe assegurar que voltaria em
breve, mas não podia. Não era justo com Patrício. Nunca seria.
— Miranda?
— Não sei. Charlotte precisa de mim — falei por fim.
— E eu? Eu também preciso de você!
— Patrício…
— Por que eu tenho que ser punido pelo erro deles?
— Não estou te punindo, só… meu Deus! Por que não me
ajuda a fazer isso?
— Te ajudar a terminar comigo?
— Patrício… — gemi seu nome, sofrendo por ouvir aquilo, o
fim do nosso namoro quando tínhamos tantos planos. — Eu só
preciso de um tempo.
— Tempo? Puta que pariu!
— Tenho que cuidar de Charlotte! Não é justo!
— Ah, gata! Não é justo mesmo.
Fiquei em silêncio, mordendo o lábio para que o choro não
conseguisse me dominar e assim atrasar ainda mais a minha
partida.
— Preciso ir.
— Miranda?
— Não posso demorar. Eles estão me esperando. Desculpe!
— Você… você vai embora agora? Mas…
— Charlotte precisa de mim. Não há porque esperar.
Eu não mentia, apenas escondia de Patrício o fato de que
Charlotte estava doente, internada e precisando de ajuda.
— Tudo bem.
Suas palavras saíram duras, frias e secas. Doeu em mim, mas
talvez, em algum tempo, eu acreditaria que foi melhor assim. Por
enquanto não. Por enquanto eu apenas sofria em silêncio, deixando
meu coração sangrar.
— Tchau.
Desliguei antes que ele pudesse se despedir. Ainda olhei para
o céu começando a escurecer, engoli o choro, ciente de que em
algum momento aquilo explodiria, e voltei a sala. O padrinho
aguardava por mim.
— Está tudo bem? — perguntou desconfiado.
— Não. Mas vai ficar.
Ele concordou, e me deu passagem para enfim irmos ao
encontro de Charlotte.
Se da nossa casa até o aeroporto foi demorado, angustiante e
cansativo, eu já entrava em desespero só de precisar aguardar até
chegarmos a Nova York. Não conseguia ficar parada, sentada,
vendo o mundo passar pela janela. Precisava de ação, de espaço, de
qualquer coisa que me fizesse esquecer que havia me despedido do
homem que eu amava.

Olhei para Johnny. Ele digitava sem parar, atento ao celular.


E então, como se soubesse que o observava, meu irmão me
encarou. Uma expressão perdida no rosto. Então olhou para o
padrinho, depois para mim, e por fim sussurrou.
— Você terminou com Patrício?
Desviei o olhar, encarando a Avenida Brasil, que passava
logo abaixo da gente.
— Não — respondi. — Não sei.
— Miranda!
Johnny revirou os olhos com impaciência, depois voltou toda
a sua atenção para o celular outra vez. Suspirei. Em breve nenhum
deles perderia tempo pensando em mim e Patrício, e todos nós
poderíamos voltar a nossa atenção para Charlotte. O que seria
ótimo, uma vez que eu preferia sofrer sozinha.
Não falei mais durante o restante do percurso. Vez ou outra,
Johnny e o padrinho trocavam alguma informação, falavam sobre o
voo, o horário em que chegaríamos, se haveria alguém nos
aguardando, se o apartamento estava pronto para nos receber. Eu só
fechei os olhos e me esforcei para não sufocar de tanta dor.
No aeroporto, segui meu padrinho até que chegamos na sala
privada, preparada para voos particulares. Sentei em uma das
muitas poltronas, neguei tudo o que me foi ofertado e conferi meu
celular muitas e muitas vezes, sem encontrar qualquer coisa que me
fizesse sentir melhor. Nem mesmo uma mensagem da minha irmã,
o que, com certeza, me faria não pensar em Patrício por… dois
minutos?
Aquilo é uma droga.
Johnny, ainda atento ao seu celular, levantou de supetão,
chamando a minha atenção.
— O que foi? Já vamos?
— Ah… não! Aguarde aqui, preciso resolver uma coisa.
Ele saiu e o padrinho me olhou intrigado. Peter levantou, foi
até a porta por onde Johnny tinha acabado de sair, então soltou um
suspiro pesado e voltou a sentar.
— Algum problema? — perguntei. Ele pegou o celular,
voltando sua atenção para a tela, antes de me responder.
— Me diga você.
— Padrinho…
E foi então que eu o vi. Johnny entrou na sala com pressa, em
seguida Patrício apareceu atrás dele. Sem entender como encontrei
forças, levantei com o corpo todo tremendo, ofegante sem sequer
ter feito esforço.
Ele me encarava fixamente, decidido, concentrado.
— Patrício, o que…
Não tive tempo de completar a frase. Patrício segurou meu
rosto e me tomou em um beijo desesperado, apaixonado, sofrido.
Gemi antes de corresponder, ciente de que aquele beijo derrubaria
todas as barreiras que levantei nos minutos que se passaram entre o
nosso adeus e aquele reencontro.
Minhas mãos foram para seu rosto, tocando-o como se
precisasse me certificar de que era ele mesmo ali, comigo, me
implorando sem palavras, para não ir.
E eu confesso que minha versão egoísta queria ficar. Porque
eu não conseguia imaginar minha vida sem aquele garoto atrevido,
e foi isso o que fez com que as primeiras lágrimas descessem. Ele
interrompeu o beijo, tão triste quanto eu.
— Não me deixe! — sussurrou, partindo meu coração em
pedaços.
— Não faça isso — implorei.
— Não me deixe, Miranda! — repetiu em dor.
— Patrício! Eu… — funguei limpando as lágrimas.
— Eu amo você! — ele disse sem me dar chance de pensar.
— Também amo você! — respondi com carinho, e quase
sorri quando seus ombros relaxaram.
Patrício era tão bobo que conseguia acreditar que eu podia
não amá-lo. Sua inocência me desarmou na hora.
— Não faço ideia de quanto tempo ficarei fora, de como
Charlotte precisará de mim, eu simplesmente… não sei como fazer
funcionar.
— Eu sei — determinou. — Eu sei como fazer funcionar.
— Como?
— Case comigo.
Dei um passo para trás, querendo captar o motivo por trás
daquele segundo pedido em tão pouco tempo. E, lógico, sem deixar
de me emocionar. Patrício era incrível. Ímpar.
— Você não quer casar, Patrício — alertei-o com carinho,
livrando-o daquela obrigação. Ele me puxou outra vez para seus
braços.
— Eu quero! — Sua voz demonstrava a mais pura urgência.
— Eu quero casar, Morena. Quero casar com você!
Acariciei seu rosto, aproveitei aqueles últimos momentos em
seus braços para colocar meus pensamentos no lugar certo. Como
Patrício podia acreditar que casar comigo ajustaria as nossas vidas?
Como podia estar tão desesperado ao ponto de mudar todo o seu
conceito de vida só para fazer dar certo?
Eu não podia deixá-lo acreditar que casar solucionaria todos
os nossos problemas. Charlotte e Alex eram a prova de que não
deveríamos agir da mesma forma.
Porém, depois de acreditar que era o fim, de tentar me
conformar de que não havia solução, de me esconder como uma
covarde e anular meus sentimentos, me fadando ao sofrimento, ter
Patrício ali, lutando pelo meu amor, sendo mais corajoso e decidido
do que eu fui, deixando claro que não desistiria de forma tão
rápida, mudou tudo dentro de mim.
Eu amava tanto aquele menino que não conseguia enxergar
um outro caminho. E então entendi que não importava como,
quantos sacrifícios eu teria que fazer, de que forma teria que me
impor, mas não podia abrir mão dele. Assim como Patrício não
abriu mão de mim.
Ele aguardava, ansioso, sofrido.
— Você quer ficar comigo — sussurrei com cuidado.
— Ah, Miranda! Não faça isso. Case comigo!
— Não. — Fui firme, mas sorri com doçura ao assistir o seu
medo. — Nós não precisamos de uma casamento para fazer dar
certo. — Acariciei seu rosto. — Eu amo você!
— Eu também.
Patrício fechou os olhos e encostou a testa na minha, a
respiração cortada.
— Então como…
— Eu vou voltar.
— Quando?
— Não sei. Mas nós vamos encontrar uma forma. Só deixe…
deixe eu chegar até Charlotte, entender a situação, e então…
traçamos um plano.
— Tem certeza? — Eu sorri.
— Tenho sim. Espere por mim — supliquei.
— Ah, Morena! Sempre!
Outra vez nos beijamos. O desespero ainda nos consumia, a
saudade já apertava, a vontade de encontrar outra forma, outra
maneira, só para não precisar deixá-lo. Patrício me beijou com
amor, demonstrando o quanto me queria, e reafirmando, sem
palavras, a sua promessa de que me esperaria.
E eu voltaria para ele. Não importava quanto tempo eu
precisasse ficar fora. Eu voltaria para Patrício. E aí então, quem
sabe, poderíamos pensar na ideia de casamento.
CAPÍTULO 20

“Porque eu te amo
E não consigo me ver sem ser o teu amor por anos
Não é acaso, é só amor
Não existe engano
Que me carregue pra longe...”
Porque eu te amo - Anavitória

Entramos no hospital com passos apressados. Não era


nenhuma unidade das nossas redes, mas, graças a Deus, e a
influência do padrinho, um funcionário nos aguardava no heliporto
e nos guiou diretamente para o local onde Charlotte permanecia
internada.
Não consegui nenhuma informação a respeito do estado de
saúde da minha irmã, pois o padrinho saiu na frente com o rapaz, e
Johnny fez questão de me manter atrás, dando espaço para o que
quer que eles estivessem conversando.
— O que você acha que aconteceu? — perguntei aflita.
— Não faço ideia — ele disse, seco, atento aos passos do
padrinho. — Mas ela não nos chamaria se fosse por uma dor de
barriga, ou um pé quebrado.
— Eu sei — rosnei enfurecida. — Você acha que ela pode…
— engoli em seco, a dúvida que me consumiu a viagem toda,
ardendo em minha garganta, me fazendo tremer.
— Não! — Johnny debochou,sem nenhum resquício de
humor em sua recusa.
Então deduzi que ele também chegou a pensar na mesma
possibilidade, e que me tirava de tempo como uma defesa e não
como uma certeza.
Entramos no elevador, descemos poucos andares e logo
estávamos em um corredor limpo e silencioso. Ninguém
perambulava pelo local, nem mesmo enfermeiras. Só o silêncio e as
luzes fracas. Uma cena típica de filmes de terror.
Então, quando nos aproximávamos da última porta, o
padrinho virou em minha direção.
— Você fica aqui — anunciou.
— Mas… padrinho?
— Charlotte precisa de um tempo, Miranda. Eu vou entrar
primeiro, conversar, saber como ela está se sentindo. Depois disso
você pode entrar.
— Mas…
— Johnny, você pode seguir com o Bruce. Ele está cuidando
da transferência para a nossa unidade.
Instruiu meu irmão sem me dar a chance de argumentar. Em
seguida, me lançou um olhar de advertência e entrou no quarto. Eu
fiquei sozinha, sem informações e sem qualquer paciência.
Sentei em um sofá que ficava em uma sala em frente ao
quarto onde minha irmã estava. Minha cabeça não parava de
argumentar sobre as diversas possibilidades para aquele chamado.
Com a reação do padrinho eu não conseguia pensar no melhor.
Como acreditar que alguém como Charlotte, que acabara de
perder a mãe, descobriu que o marido a traiu e engravidou a
amante, não atentaria contra a própria vida?
A frustração me consumia. Imagens de Charlotte se
entupindo de remédios, pulando de uma janela, cortando os
próprios pulsos, me levou às lágrimas sem que conseguisse impedi-
las.
Não. Ela não faria algo do tipo. Aquela não era a minha
Charlotte.
Mas então, o quê?
Eu não fazia a mínima ideia.
Um câncer? Sim, um câncer seria possível, não? A mãe
morrera assim, e ainda havia a possibilidade da genética colaborar
neste fator, Charlotte podia ter descoberto um câncer em algum
exame de rotina.
Não! Meu Deus, Miranda! Você está tão absurda! Como eu
podia acreditar que Charlotte, no meio do furacão, faria exames de
rotina?
Levantei, andei, encarei a porta por mais tempo do que
conseguia imaginar. Nada acontecia. O padrinho não saía para me
dizer que eu podia ver Charlotte, nenhum som podia ser ouvido, e
eu me encontrava a ponto de gritar só para saber se alguma coisa
acontecia.
Até que Johnny voltou.
Meu irmão caminhou em minha direção, sustentando um
aspecto muito diferente do que exibia quando saiu. Johnny
encarava o chão, os ombros curvados e a pele pálida. Precisei me
concentrar em respirar.
— E então?
— Hum! Tudo certo. A papelada já estava preparada, eu só
fiz assinar. Precisei solicitar o helicóptero ambulância para a
transferência.
— O helicóptero? Então…
Ele sentou ao meu lado. Na verdade, Johnny se jogou no
sofá, como se o peso dos seus ombros o obrigasse a sentar.
— Johnny. O que aconteceu com Charlotte?
— Ela… — Encarou a porta fechada, por onde o padrinho
não saía.
— Fala de uma vez — rosnei.
— Ela perdeu um… teve um…
— Johnny!
— Foi um aborto, Miranda. Um aborto espontâneo. — Ele
suspirou quando acabou de dizer. Mas as palavras ecoaram em
minha cabeça.
— Um… aborto.
— Espontâneo. Não foi nada parecido com o que você viveu.
Engoli em eco. As palavras descuidadas do meu irmão,
mesmo que sem malícia, me machucaram. Escolhi focar em
Charlotte e no seu… aborto. Céus! Como podia? As palavras
embolavam em minha garganta, sem me deixar expressar nada
além de dor.
Que ironia horrível do destino era aquela? Enquanto minha
irmã perdia o que deveria ser a maior alegria do seu casamento,
Alex amargurava o desprazer de enfrentar uma gravidez com uma
mulher que sequer amava. Aquele sim era um drama digno de
novela mexicana, ou turca, sei lá. Mas não deixava de ser terrível,
sofrido e triste.
Despertava em mim uma raiva que eu mal conseguia
dominar. Por quê? Por que Charlotte perdeu o filho do marido e
Tiffany desfilaria uma gravidez que Alex não desejou? Por que
minha irmã precisaria amargurar mais aquela decepção enquanto
uma pessoa como Tiffany, conseguia o seu intento, que era separar
Alex de Charlotte?
Por quê?
Não havia explicação, mas matava um pouco a minha fé.
O padrinho abriu a porta do quarto. Arrasado. Puxou o ar
com força antes de erguer as vistas e me encarar. Com um gesto
silencioso, mandou eu entrar. Enxuguei as lágrimas, revitalizei a
força de dentro de mim, e dei aqueles primeiros passos, inseguros,
o peito cheio de mágoa, a dor pungente.
Passei por ele sem coragem de encarar o seu sofrimento.
Segurei a porta e parei meus últimos segundos antes de enxergar a
minha irmã.
Charlotte estava recostada na cama. A pele pálida indicava o
seu nível de abatimento, além das olheiras profundas e… a
inexistência de qualquer brilho em seu semblante. Ela me encarou
sem emoção, aguardando que eu me aproximasse. Minhas pernas
tremeram, apesar disso, me obriguei a dar aqueles passos.
— Charlotte? — sussurrei. Não apenas porque minhas
palavras pareciam arranhar minha garganta, mas também porque
tinha a impressão de que qualquer barulho a partiria ao meio.
Ao me aproximar pude ver melhor seus olhos inchados e
vermelhos, revelando o choro recente. Também estavam úmidos,
prontos para derramarem novas lágrimas. Charlotte ergueu o
queixo e me encarou, querendo parecer forte.
— Como aconteceu? — Analisei seu rosto, as feições
fechadas e duras.
— Os médicos disseram que é normal nos primeiros meses.
— Sua voz saiu firme, contudo, sofrida. Ela fazia um esforço
anormal para segurar as lágrimas que ansiavam por descer.
— Eu sei. — Toquei sua mão de leve e minha irmã puxou os
dedos para longe dos meus. Ela não queria a minha piedade,
percebi. — Você sabia…
— Não. — Houve um leve tremor no tom utilizado.
— Como você está se sentindo? Digo… por dentro…
como…
— Eu estou bem — rebateu empinando ainda mais o queixo.
— Charlotte…
— Foi melhor assim. Como seria se esta criança vingasse?
Eu seria atormentada pelo resto da vida pela presença do…
Ela se calou, e ali eu soube o quanto a traição do Alex havia
destruído a minha irmã.
Charlotte virou o rosto para a outra direção, escondendo de
mim a sua dor.
— Charlotte… — tentei outra vez, esticando os dedos para
alcançar sua mão sobre a cama.
— Eu estou bem, Miranda!
— Não precisa ser forte — supliquei. Minha garganta doía
com a vontade de chorar e eu só conseguia pensar no quanto doía
nela.
— Preciso! — Foi rude. — Não mais por ele ou todo o mal
que me causou, mas por mim mesma.
— Haverá tempo para pensar melhor. Digerir essa confusão.
— Não importa mais. — Sua voz ficava mais dura a cada
tentativa minha. — Não vou dedicar nem um segundo da minha
vida, nenhum pensamento meu, a esta… sujeira — cuspiu a palavra
com nojo.
Seria mais difícil do que eu imaginava.
— Tudo bem. Só descanse. O padrinho quer te transferir
daqui. Johnny chamou o helicóptero ambulância.
Ela sorriu um pouco. Só um pouco. Nada como a Charlotte
de antes. Meu coração ficou pequeno e cheio de tristeza.
— Ele me disse.
Fiquei parada ao seu lado, sem saber o que falar. Por que eu
não conseguia dizer nada a ela? Por que não conseguia confortar a
minha irmã? A verdade era que ficar ao lado de Charlotte me
machucava tanto quanto não estar. Observar minha irmã desviar os
olhos dos meus, se esquivar do meu toque, evitar o desabafo… não
estava correto.
— Vou sair para que Johnny possa entrar — falei me
sentindo uma cretina medrosa.
— Espere!
Ela finalmente voltou a me encarar, porém, seu rosto, pálido,
assumiu um tom ainda mais branco. Charlotte fez esforço para me
impedir de sair, e então, ofegante e tentando conter a dor, se
recostou e fechou os olhos.
— Charlotte?
Voltei rápido para a minha irmã. Ela espremeu os lábios um
no outro, como se precisasse disso para não gritar, e então abriu a
boca, puxando o ar.
— O que foi? — falei angustiada. — O que está sentindo?
Vou chamar uma enfermeira…
— Não. Eu estou bem. Fique comigo.
— Claro! — Concordei com pressa, sem querer contrariá-la.
— Claro — repeti, como se precisasse me convencer de que ficar
era mesmo necessário.
— Eu preciso… — Puxou o ar com força, a cor voltando
minimamente ao seu rosto. — Preciso que nenhuma palavra seja
dita.
Franzi o rosto, sem entender o que de fato ela me pedia.
Charlotte percebeu, fechou os olhos e umedeceu os lábios, se
preparando para se enxergar outra vez naquela história.
— A ele… Não quero que nada seja dito a… ele.
— Ah!
Charlotte não queria que Alex soubesse da existência da
criança que ela perdeu, ou havia algo além disso? Não era justo
guardar segredo quanto ao aborto, uma vez que ele era o pai, e,
para ser sincera, merecia passar por aquela dor. Saber que a sua
traição causou a morte do seu filho.
Porra!
Não, Miranda! Não seja tão má assim.
Mas a verdade era que Alex tinha direito de saber o que
aconteceu. Não como uma vingança, apesar de ser bastante
tentador, mas como… como… ora, como o pai da criança, como
marido de Charlotte, ainda que por pouco tempo.
— Prometa — ela disse.
— Charlotte… — Minha irmã segurou minha mão com
força, me pegando de surpresa.
— Prometa, Miranda.
— Não sou eu que vou contar nada a Alex, pronto. — Ela se
encolheu quando pronunciei o nome do marido.
— A ninguém.
— Ah!
— Prometa!
— Por que?
— Porque eu quero. — Seu queixo voltou a ficar empinado.
— Alex tem direito… — Ela se encolheu outra vez.
— Ele não tem direito algum! — Rosnou.
— Charlotte, não vamos conversar agora, tá bom? Descanse.
Você terá tempo para pensar em tudo e tomar as suas decisões.
Foram muitos acontecimentos e nós...
— Não posso mais engravidar.
Revelou de vez. A voz carregada de mágoas. A raiva contida
em seus dentes cerrados para que nada além daquela informação
fosse revelado.
— O quê?
— Não posso ter filhos, Miranda.
— Mas… como… o quê?
— O nome é trombofilia.
— Você não… você não tem trombofilia, Charlotte! O
padrinho saberia. — Precisei me afastar dela para conseguir
respirar.
— Pois é o que eu tenho — rebateu.
— Quem te disse isso? Fizeram exames? Comprovaram?
— O que acha? Que eu aceitaria um diagnóstico sem
questionar? Claro que comprovaram!
— Tá! Tudo bem! — Comecei a caminhar pelo quarto
minúsculo. — Isso não significa que não pode engravidar.
— Não, claro que não. — Sua voz mansa, contudo, ácida, me
atingia com força. — Significa apenas que eu vou perdê-los antes
de tê-los em meus braços. Em qualquer estágio da gestação. De
uma hora para a outra. Eu simplesmente vou assistir meus filhos
morrerem porque meu corpo não consegue sustentá-los.
— Por Deus, Charlotte! Não fale assim! Muitas mulheres…
— Eu sei como funciona, está bem? Sei que existe um
tratamento que aumenta as chances da criança sobreviver. Uma
injeção diária, aplicada na barriga, por quarenta semanas.
— Então?
— E ainda assim a criança pode morrer. Você sabe como é
isso, Miranda? Sabe como é ter um filho, aqui… — Suas mãos
foram para a barriga e duas lágrimas desceram. — Dentro de
você… — As minhas próprias lágrimas desceram. — E
simplesmente… acabou. Ele não existe mais.
Sim, eu sabia. Entendia a sua dor em silêncio, sem poder
revelar a minha própria história. Nós duas passavámos pela mesma
coisa, a diferença era que Alex a amava, e desejaria aquela criança
mais do que a própria vida, enquanto Thomas… Thomas preferia
me ver morta a ter um filho comigo.
— Não posso fazer isso — disse quase sufocando com a
ideia. — Não posso contar os minutos, ficar preocupada o tempo
todo, comprar roupas, arrumar um quarto para… para enterrar meu
filho. Eu não posso!
— Tudo bem! — falei rápido, ansiosa para fazê-la parar. —
Tudo bem, Charlotte! Você não precisa pensar em nada disso
agora.
— Eu não quero que ele saiba! — determinou. — Não quero
que ninguém saiba.
— Certo. Não vou contar. Fique calma.
— Prometa!
— Eu prometo, Charlotte! — Suspirei cansada e desanimada.
— Eu prometo.
CAPÍTULO 21
PATRÍCIO

“Me fiz em mil pedaços pra você juntar


E queria sempre achar explicação pra o que eu sentia
Como um anjo caído, fiz questão de esquecer
Que mentir pra si mesmo é sempre a pior mentira.”
Quase sem querer - Renato Russo

Alex não queria conversar, ainda assim, por insistência da


minha mãe, confesso, eu estava lá, na casa dele, bebendo cerveja
com João Pedro e curtindo o “velório” da vida do meu irmão.
— Lana não vai conseguir trabalhar como gostaria. — João
Pedro tentou emplacar uma conversa saudável com Alex. — Uma
gravidez já exige demais da mulher, de gêmeos então.
E ali estava o assunto errado.
E depois eu que era o sem noção.
Alex levantou as vistas, encarando meu cunhado, e em
seguida permitiu que a névoa de tristeza o envolvesse novamente.
— Ah, desculpe, cara! — João falou. — É só que… Você vai
precisar se dedicar outra vez a editora e com Charlotte fora…
— Ok, João! Todos entendemos — acabei dando um basta
naquilo. Era tortura demais.
— Não, tudo bem. — Alex apaziguou. — Está na hora de
encarar a verdade de frente. Voltar a me dedicar ao trabalho pode
ser uma boa maneira de não pensar nela.
Eu e João trocamos um olhar confidente. Pensávamos que a
receita ideal seria fazer Alex superar tendo outras coisas para
pensar, mas, com certeza, não seria no trabalho, acompanhando o
lançamento do livro de Charlotte e vendo tudo o que planejou, ser
deixado para trás.
— Tem mais um detalhe. — Suspirou com tristeza ao nos
encarar por poucos segundos, concentrando-se nas próprias mãos
sobre o balcão. — Resolvi deixar Charlotte em paz.
Aguardamos em silêncio. Qualquer interrupção faria com que
Alex não colocasse para fora o que precisava dizer.
— Peter tem razão. Ela não vai suportar a minha
aproximação. Não por agora. — Passou a mão no rosto, espantando
a própria angústia. — Machuquei Charlotte demais. Pode não ter
sido esta a intenção, mas, ainda assim, foi algo imperdoável.
— Ela também te machucou — João argumentou. Alex
sequer o olhou, fazendo uma careta de dor.
— É diferente, João! Eu tinha a opção de estar ou não com
ela. Se a escolha de Charlotte fosse demais para mim, eu podia ter
caído fora sem ser escroto. No entanto, o que eu fiz?
— Alex, você não pode se culpar desta forma. Foi uma
mistura de tanta merda que só poderia dar nisso, uma grande
merda. Você errou, Charlotte errou, e agora nenhum dos dois pode
carregar 100% da culpa. Ela vai entender.
— Não. Não vai — meu irmão afirmou com convicção.
— E Tiffany? — perguntei. Alex bufou com ironia.
— Não faço a mínima ideia. Ela se recusa a fazer um DNA.
Não quer prejudicar o feto, como se isso fosse verdade.
— E você não consegue esse direito na justiça? — João
perguntou. — Já pensou se esse filho não for seu?
— Sinceramente? Não preciso deste desgaste. E não
consertará nada. Charlotte não vai voltar se essa criança não for
minha, porque a dor dela está no fato de eu ter transado com
Tiffany. Com filho ou sem filho, não muda nada.
— Verdade — eu disse. — E Charlotte é muito nova. Não
consegue lidar com situações extremas. Fica perdida quando algo
sai do planejado.
João e Alex me olharam de uma forma estranha.
— O que foi? — perguntei.
— Estamos falando de Charlotte, Patrício — João ironizou.
— E não de você.
Apesar de ficar aborrecido, vi um leve sorriso no rosto do
meu irmão, que não chegava nem perto de ser algo feliz, mas era
um bom começo.
— Bom, vai ver ela também tem a mesma síndrome que eu.
— Eu acho que você não tem nada, Patrício — Alex falou.
— Você não se encaixa em nenhum diagnóstico.
— Entretanto, fui diagnosticado.
— Ainda assim — ele finalizou, dando de ombros.
Eu poderia me aprofundar no assunto, demonstrar,
novamente, o motivo do meu diagnóstico, explicar porque eu não
achava estar errado, contudo, apesar de acreditar que discorrer
sobre a psicologia e a ciência faria com que Alex se afastasse dos
próprios problemas, não quis me aprofundar.
Pouco me importava se estavam certos ou errados. Eu não
fazia a mínima questão de saber. Vivi situações simples que me
tiraram da linha, situações esdrúxulas que sequer me abalaram.
Também não queria narrar como me senti quando Miranda
telefonou se despedindo. Foi como se meu mundo tivesse virado de
cabeça para baixo e ao invés de me derrubar, me fez gravitar sem
qualquer controle.
Como um empurrão em pleno espaço sideral. E eu fiquei ali,
girando, girando e girando, sem conseguir relembrar como respirar,
como fazer parar, como me segurar.
Eles não sabiam, nem mesmo a minha namorada sabia, mas
naquele dia achei que teria outra crise, que perderia o foco e nunca
mais me encontraria.
Outras vezes dissemos adeus, todavia, por motivos nossos,
por situações que criamos e não suportamos. Aquela vez foi
diferente. Não havia nada de errado com o nosso relacionamento,
exceto o fato de sermos irmãos de Alex e Charlotte. Ela me disse
adeus porque Charlotte disse o mesmo a Alex. Aquela ideia roubou
o meu equilíbrio.
E se Miranda tivesse dito sim ao meu pedido de casamento,
eu teria casado dentro do avião, mas não deixaria que ela partisse
nunca mais.
No entanto, eu estava ali, no balcão da cozinha do meu
irmão, bebendo cerveja com meu cunhado, já que Alex determinou
que nunca mais beberia na vida, ouvindo as suas lamentações, e
sem notícias da minha garota.
— E Miranda? — João perguntou, como se conseguisse ler
meus pensamentos. — Como estão as coisas?
Dei de ombros, em vista do olhar curioso do meu irmão.
— Ela está cuidando da irmã. Justo, não?
— Com certeza — João bateu a garrafa dele na minha e,
brincando, fez um brinde para Alex, que revirou os olhos.
Meu celular tocou nesta hora, quando riamos da cara do
Alex. Dei um último gole na cerveja e conferi a chamada.
Miranda.
— Com licença!
Caminhei até a sala, atendendo a ligação na metade do
percurso.
— Morena!
Minha voz saiu repleta de saudade. Não consegui esconder.
Dois dias que Miranda foi embora e tudo o que ela fazia era enviar
mensagens dizendo que estava bem, cuidando de Charlotte, sem
poder me dar maiores explicações. Nenhuma ligação foi feita. Ela
não queria que Charlotte a visse conversando com o irmão do
marido, ou ex-marido. E seguíamos com todas as limitações.
— Olá! — Sua voz baixa me abalou, me deixando repleto de
saudade. — Como estão as coisas por aí?
— Difíceis. E aí?
— Também. — Ouvi o seu suspiro e senti vontade de abraçá-
la. — Onde você está?
— Hum! Na casa do Alex.
Olhei para trás, me certificando se me observavam. Apesar
do meu irmão conversar com João, ele me lançou um olhar
interessado, apesar de tentar disfarçar.
— Minha mãe me obrigou — brinquei.
— Acho melhor eu ligar em outro momento.
— Não. Relaxe, Morena! Estou na sala. Alex e João estão na
cozinha.
— Hum!
Mesmo sem querer, acabei sorrindo. A maneira como
Miranda evitava expor sua insegurança, e ainda assim, dava todos
os indícios desta, aquecia o meu coração.
— Reunião dos rapazes? Só falta você me dizer que Tiffany e
Anita foram convidadas.
— Não faça isso. Alex não quer ver a cara da Tiffany.
— Ele não terá esta escolha, não é mesmo? Afinal de contas
eles serão pais.
— É verdade.
Mordi os lábios, evitando entrar em um confronto com ela.
— E você? Onde está?
O silêncio me deixou ansioso. Voltei a olhar para Alex, ele
fingiu não prestar atenção em mim.
— Desculpe, garotão! — ela sussurrou.
— Tudo bem.
— Eu queria te contar. Queria poder contar tudo. Porque é
tão difícil carregar isso sozinha.
— Eu sei — sorri um pouco. — E você já carrega peso
demais, não é mesmo?
— Sim. — Outro suspiro triste e cansado. Se eu pudesse
arrancaria dela todo o sofrimento. — Mas eu não posso.
Charlotte…
— Tranquilo, Morena! Também acho que você não deveria
me contar nada que Charlotte não queira que Alex saiba.
— Mesmo?
— Alex é meu irmão, Miranda. Não posso esconder nada
dele. Sobretudo quando o assunto é Charlotte. Não é o correto. Eu
devo lealdade a ele, assim como você deve a sua irmã. Então
prefiro que não me conte nada que eu não possa revelar.
— Ah! Hum! Certo!
Seu desconforto me deixou em alerta. Havia algo que
Miranda gostaria de me contar, mas que não o faria por causa da
minha declaração. Isso ficou bastante nítido para mim. Por um
segundo me peguei imaginando o que poderia ser. O que de tão
ruim e escandaloso poderia acontecer, que se sobrepunha a todo o
escândalo já vivenciado? O que ela intentava me dizer, que Alex
não poderia saber de forma alguma?
— Alex tem conversado com Peter — anunciei, tão logo me
dei conta de que havia algo de estranho naquela conversa.
— Ah é?
— Ele contou sobre a internação de Charlotte em Nova York.
— Contou? — Ficou alarmada. — Mas…
— Colapso nervoso. Não foi isso? Peter disse a Alex que
Charlotte teve uma crise nervosa e precisou ser hospitalizada.
Como ela está?
— Ah… bem… — falou rápido demais. — Bem — e em
seguida de forma pensativa. — Por que o padrinho contaria ao
Alex onde estávamos? Espere um pouco! Por que você me
perguntou como se não soubesse? — acabei rindo.
— Porque você poderia estar em qualquer lugar de Nova
York, Morena. Qualquer lugar bem mais interessante de onde
estou.
— Ah!
— E Peter tem conversado com Alex, porque meu irmão é
insistente, mas parece que as coisas vão acalmar por agora.
— Vão? Por quê?
— Porque Peter avisou que ele teria que deixar Charlotte em
paz. Que ela não poderia vivenciar isso agora, por causa dos
nervos, você sabe — testei.
— Claro, claro! Ela está muito sensível e… raivosa… Não
seria nada bom Alex insistir em se aproximar.
— Ele não fará isso. Pode ficar tranquila.
— Isso é bom.
Entretanto, não havia alívio em sua voz. A Miranda que
jurara matar o meu irmão antes de deixar o país, não mais se
apresentava naquela conversa. Pelo contrário. Eu podia até apostar
que ela gostaria de que nossos irmãos se reconciliassem.
— Ele a ama, você sabe — testei. — E está despedaçado.
— Imagino. — Outra vez aquele suspiro triste me alertou. —
Não está nada fácil aqui também. Charlotte não corresponde a
nada. Ela se entregou ao ostracismo. Fica a maior parte do tempo
calada. Proibiu-nos de falar dele. Em momento algum e por
nenhum motivo. Ela não chora — confidenciou esta última parte de
forma assustada. — E isso me preocupa.
— Alex chora — revelei. — O tempo todo, para dizer a
verdade. Isso também me preocupa. — Minha namorada deu um
risinho baixo e reconfortante. — Eles vão superar.
— Eu acho que não, garoto — sussurrou com uma tristeza
que não consegui entender. — É coisa demais para alguém como
Charlotte.
— Você superaria?
— Uma traição? — perguntou, espantada, e levou tempo
demais para responder. — Acho que não. Mas eu acho que penso
assim pela natureza do nosso relacionamento. E… pelo que
planejamos tornar.
— Eu entendo. Precisa de muita confiança para entrar em um
mundo como o seu, Morena. Eu te entendo e acho que penso da
mesma forma.
— Mas Alex e Charlotte… — ouvi um gemido baixo,
angustiado.
— O que foi?
— Odeio admitir isso, mas... eles foram feitos um para o
outro. Como encarar esta situação e aceitar que acabou?
— Você está pensando em fazer alguma coisa? — Olhei para
trás, me questionando se naquela vez, eu concordaria em deixar
que Miranda se intrometesse na vida deles.
— Acredite, eu faria, se houvesse algo que pudesse ser feito.
Charlotte está machucada demais e… — Fez um silêncio
preocupante.
— E?
— E a vida pegou esses dois de jeito, Patrício. Quanto mais
eu penso, menos consigo acreditar.
— Do que você está falando?
— Desculpe!
Suspirei derrotado. Eu não queria saber nada que precisasse
esconder do Alex, ao mesmo tempo, confirmava a ideia de que
havia algo que meu irmão deveria saber.
— Tudo bem.
— Sinto a sua falta — ela disse. Foi o suficiente para me
deixar feliz.
— Eu também, Morena! As coisas estão complicadas. A
editora precisa de todas as mãos possíveis, e você tem que cuidar
da sua irmã, então… — dei de ombros.
— Eu sei. E é por isso que dói — revelou. — Tenho medo de
como será.
Eu também tinha. Uma relação à distância não era o meu
ideal de vida. Seria complicado se estivéssemos em estados
diferentes, em continentes diferentes fazia toda a diferença. Mas
aquela era Miranda, a mulher da minha vida, e eu lutaria para fazer
dar certo.
— Não tenha medo. Eu estarei bem aqui por você.
— Como Alex esteve por Charlotte?
Ah, droga!
— Não faça isso!
— Desculpe! É só… desculpe!
— Tudo bem.
— Ligo amanhã. Tá bom?
— Está ótimo!
— Certo.
— Eu amo você, Miranda! — declarei, ela soltou o ar com
cuidado.
— Eu também! Muito!
E eu desliguei um pouco mais tranquilo.
CAPÍTULO 22

“Até saudade, até saudade pode ser meu fim”


Quatro pedacinhos - Gilberto Gil

Demorou para que o padrinho aceitasse que Charlotte


encontrava-se bem o suficiente para deixar o hospital. Seu
diagnóstico, para a nossa infelicidade, foi confirmado.
Eu fiz de tudo, pesquisei sobre o assunto, procurei
especialistas pelo mundo, qualquer coisa que fizesse com que
minha irmã se permitisse um pouco de esperança. Ela poderia
reconstruir a sua vida, ser mãe e feliz. De nada adiantou.
Irredutível, ou traumatizada o suficiente para não se permitir voltar
a sonhar, Charlotte se fechou em seu mundo.
Engravidar nunca deixaria de ser um risco. Ela poderia se
magoar a cada tentativa e perda. Porém, existiam chances reais, não
sem sacrifícios, de que a gestação pudesse dar certo.
Depois de quase quarenta dias, de volta a Inglaterra, eu não
sabia mais se Charlotte não queria pensar no assunto por medo, ou
por não suportar se imaginando seguindo uma vida sem Alex. E
esse era o ponto que mais doía.
Se ele soubesse, se imaginasse a gravidade da situação, teria
corrido atrás da esposa e, quem sabe, colocado, se não um ponto
final, um ponto e vírgula naquele sofrimento.
Só que Alex não sabia. Patrício não sabia. Ninguém, além do
padrinho, Johnny, os médicos e eu, sabia sobre o aborto e a doença.
E todos, sem tirar qualquer um desses, foram estritamente
proibidos de divulgar a situação. Não podíamos nem mesmo
comentar sobre.
Por falar em Charlotte, tornou-se difícil descrever como ela
reagia. Minha irmã levantava todas as manhãs, se alimentava e
cumpria com suas obrigações de higiene. E, apesar de nunca a
vermos reclamando ou se lamentando, Charlotte não passava de
uma casca oca, um nada, um corpo sem vida.
Percebíamos em todas as suas atitudes. Quando ela sentava
com um livro para ler, mas passava as páginas de forma
automática, como se contasse os segundos considerados normais
para uma pessoa comum, ler uma página inteira. E quando se
alimentava, parecia fazê-lo apenas para que ninguém contestasse a
sua falta de apetite. Até mesmo quando escolhia o que vestir, não
era a minha irmã que estava ali.
Acompanhei tudo de perto, sem permissão para dar uma
palavra sequer. Fingindo que acreditava na sua recuperação e, até
mesmo, que Alex não existia. Não, não que ele não existisse para
ela, mas se comparava ao próprio demônio, então, como bons
anglicanos, ou católicos, que era o que assumíamos no Brasil,
evitávamos até mesmo pensar nele.
Charlotte evitava. Eu? Eu pensava no coitado o tempo todo.
E, confesso, odiava-o com a mesma força com a qual me
compadecia. Por culpa dele completava-se trinta e oito dias longe
de Patrício e convivendo com uma boneca sem vida, que era a
minha irmã.
Suspirei com pesar pela milionésima vez, não conseguindo
me concentrar no livro, o que escolhi na imensa biblioteca, o qual
eu não sabia sequer o título, mas fingia lê-lo, pois era a única forma
de acompanhar a minha irmã sem parecer que me empenhava em
fiscalizar os seus passos.
— Você deveria ir embora — anunciou, pegando-me de
surpresa.
Depois de tantos dias, finalmente Charlotte falou algo que
não fosse “certo”, “tudo bem”, “um lindo dia hoje, não?”, “eu estou
ótima” e “como quiser”. Abaixei o livro com cuidado, encontrando
seus olhos fixos em mim. Não posso dizer que o azul perfeito da
sua íris havia se apagado, porque não seria verdade, e eu abusaria
da licença poética que ninguém jamais me concedeu, mas posso
enfatizar que mesmo mantendo seu azul claro raso, não havia
qualquer vida neles.
— Estou te incomodando? — Ela arqueou uma sobrancelha,
e então, para minha total surpresa, deixou que um sorriso torto,
muito parecido com o do Alex, se apresentasse.
— Tirando os suspiros teatrais, seu olhar perdido e
apaixonado, as conversas por telefone sussurradas pelos cantos da
casa… — deu de ombros. — Não. Você não me incomoda.
Bom, aquela era a primeira vez, depois de toda a nossa
conversa no hospital, que Charlotte se expressava de forma livre
e… genuína. Fechei o livro, deixando-o sobre meu colo.
— Então… por qual motivo está me mandando embora?
— Está mais do que óbvio que você está morta de saudade do
Patrício, Miranda.
— E daí? — Ela virou para o lado, não acreditando em
minha resposta.
— E daí que você não precisa ficar aqui! Eu estou bem.
— Eu também estou bem, obrigada! — Peguei outra vez o
livro, abrindo-o sem fazer ideia sobre qual a última página havia
fechado.
— Miranda?
— Eu não vou embora — respondi sem me dar ao trabalho
de olhá-la.
— Patrício sente a sua falta também. — Dei de ombros,
entretanto, uma leve pontada no peito quase me entregou.
— Ele vai sobreviver. — Charlotte riu.
Abaixei o livro outra vez só para encará-la enquanto ela ria.
Deus, como senti saudade daquele riso.
— Eu estou bem. É sério — expressou com cuidado,
deixando transparecer a sua verdade. — Não vou me perdoar caso
seu relacionamento acabe por causa dessa confusão.
— Ah, Charlotte!
Suspirando, levantei da poltrona e fui me acomodar ao lado
dela. Charlotte também deixou o livro de lado, sentando-se de
forma a nos dar mais intimidade.
— Patrício está bem. — Segurei em sua mão. — E eu só
quero ficar um pouco com você.
— Trinta e oito dias? Você chama isso de pouco?
Ela se calou e eu entendi o seu motivo. Para Charlotte era
uma eternidade. Foram tantas coisas tiradas dela ao mesmo tempo
que eu sufocava só de pensar no assunto. E, ainda assim, ela estava
lá, sorrindo, mesmo sem qualquer verdade, decidida a, se não de
uma forma verídica, pelo menos superficial, continuar.
— É que… não quero fazer isso — confessei.
— Não quer voltar para Patrício? — Sorri sem qualquer
alegria.
— Não quero te abandonar outra vez. Não quero ir embora
como fiz quando perdemos a madrinha.
Nós duas nos encolhemos com a menção ao fato. Charlotte
acariciou minha mão com o polegar, tomando o cuidado de não
aparentar tão frágil com a minha confissão.
— Pelo menos desta vez o padrinho não está me obrigando a
ir.
— Não, ele não está. — Suspirou triste. — Olha, Miranda.
Eu, mais do que qualquer outro, sei que não é fácil. Não posso ser
injusta com vocês e manter todos aqui, cuidando de mim, quando
não há nada que possa ser feito. Eu não vou voltar — anunciou,
empregando o tom mais decidido que a ouvi aplicar desde que a
encontramos naquele hospital em Nova York. — Nunca mais. —
Desta vez sua voz saiu baixa e cheia de remorso. Charlotte
pigarreou, se esforçando para se manter firme. — A minha vida é
aqui, mas a sua não precisa ser. A de ninguém. Você ama um
homem que está no Brasil. Lá é o seu lugar.
Mordi o lábio me obrigando a não jogar na cara da minha
irmã que me dizia exatamente o que não fez, e o que, admito contra
a minha vontade, contribuiu para aquela desgraça toda.
— Nós estamos bem. — Não havia qualquer convicção em
minha voz. — Estamos procurando brechas na agenda para que ele
possa vir me visitar.
Percebi de imediato que a ideia não agradava a Charlotte.
Não porque ela não gostava de Patrício, e sim porque a sua
presença seria uma lembrança direta de quem ela não queria
lembrar.
— Nada por agora — me apressei a dizer. — E ele não ficará
aqui.
— Não tem problema, Miranda. Claro que Patrício pode ficar
aqui. A casa é sua também.
— Bom… assunto resolvido. Acho que podemos voltar a
fingir que estamos bastante interessadas nesses livros. — Charlotte
voltou a rir.
— Na verdade, existe outro assunto que eu gostaria de
conversar com você.
Encarei minha irmã, interessada em qualquer coisa que ela
estivesse disposta a conversar, afinal de contas, era algo que não
acontecia há um bom tempo.
— Eu estive pensando. Meu livro está para ser lançado… —
Ela fez uma careta, como se não soubesse como o tempo havia
passado. — Não abri minha conta de e-mail, nem conferi o celular.
Não faço ideia de como está esta situação.
— Hum! Patrício me disse que Lana está aguardando por
você. Ela precisa saber sobre as suas intenções, e… — Foi a minha
vez de fazer uma careta. — Que não terá problema se optar por
quebrar o contrato. — Apertei meus dedos nos seus, passando-lhe
força.
— Não. Eu não quero quebrar o contrato. A editora é a
melhor que eu poderia escolher, e, além disso, sequer sabemos
como o livro repercutirá.
A maneira como ela falou me fez estranhar. Charlotte se
distanciava da realidade dos seus problemas, e tratava tudo de
forma seca, profissional, sem qualquer envolvimento emocional, o
que, convenhamos, era o contrário do que esperávamos dela.
— Tudo bem. — Apertei outra vez seus dedos. — Se você
quiser posso conversar com Lana sobre isso.
— Sim, é o que eu quero. Não… — Charlotte levantou,
caminhou até o final da biblioteca, olhou pela janela que dava para
o jardim da madrinha por alguns segundos, e se voltou para mim,
determinada. — Na verdade, Miranda. O que eu preciso de você
vai além deste recado.
Meu coração acelerou. Eu não sabia dizer ao certo o motivo
daquela reação, mas entendia, com muita certeza, que ali Charlotte
recomeçava a vida dela. Se seria com ou sem Alex, eu não podia
afirmar. Mas minha irmã fazia planos, e para mim, esta seria
festejado como uma grande vitória.
— Eu preciso… — ela continuou. — Não! — Balançou a
cabeça, reorganizando os pensamentos. — Eu quero, Miranda, que
você seja a minha agente.
— A sua… o quê?
Foi minha vez de ficar confusa. Alex era o agente dela, e,
lógico, não havia como aquilo dar certo. Mas daí Charlotte me
escolher para aquele papel…
— Você é perfeita! — Deu alguns passos em minha direção,
como se quisesse me convencer.
— Não, não sou!
— É claro que é! É a solução perfeita, Miranda! Não
consegue enxergar?
— É para ser honesta? Não. Estou bem cega aqui.
— Você vai poder voltar para o Brasil, me ajudar com minha
carreira e ficar com Patrício sem essa culpa descabida.
— Ah, pelo amor de Deus, Charlotte! — Levantei e me
afastei. — Você vai jogar a sua carreira no lixo só para me fazer
voltar ao Brasil? Não tem, cabimento!
— Miranda, você é a pessoa certa.
— Não sou!
— É claro que é! Você consegue betar um livro como
ninguém. Entende como funciona todo o processo. É inteligente,
conhece as leis e contratos, sabe negociar como nunca vi ninguém
conseguindo. Você é forte, destemida, determinada e…
— Pode parar! — Ela se impediu de continuar, engolindo
todos os elogios que faria até me convencer. — Eu não faço ideia
do trabalho de um agente, Charlotte. Além do mais, você já tem
uma editora. Qual seria a minha função?
Charlotte ergueu o queixo, determinada, e eu soube que não
conseguiria dissuadi-la.
— Bom… você vai cuidar de tudo o que me disser respeito
dentro e fora da editora. Eu não estarei no Brasil, logo, precisarei
de alguém para me representar. Se vou pagar a uma pessoa que não
conheço, não sei se é honesta e se vai mesmo me projetar, prefiro
pagar a você.
— Eu não quero o seu dinheiro!
— Doe-o então! Mas preciso que esteja à frente da minha
carreira. Não posso fazer tudo sozinha. Preciso de uma equipe. De
pessoas para trabalharem a divulgação, de assessoria de imprensa,
de… de… de…
— De mim?
— Isso! De você!
Eu soube, só de encará-la, que ela me venceria. Não apenas
porque estava certa quanto aos seus argumentos, mas porque eu
jamais seria capaz de recusar qualquer coisa quando podia assistir a
vida voltar a sua face.
— Ah, obrigada! — Ela se atirou em meu pescoço.
— Mas eu não disse nada!
— Eu sei que já aceitou.
Minha irmã me deu um beijo no rosto, pegou seu livro de
volta e o colocou na prateleira. Não era muito o que eu havia
acabado de vivenciar, porém era Charlotte se reerguendo, e eu não
tinha como ficar de fora disso.
Eu estava pronta. Havia tomado banho, usado hidratante no
corpo todo, arrumado meus cachos, escolhido a camisola, e tudo
isso para ninguém. Para mim. Para a minha cama. Para a saudade
que eu sentia todos os dias do meu garoto abusado.

Havia alívio em precisar vigiar Charlotte durante todo o meu


dia. Eu não pensava em sexo quando me concentrava em seus
cuidados. Meus pensamentos se voltavam para o sofrimento da
minha irmã, a necessidade de ajudá-la a superar, a obrigação de ser
sutil nesta ajuda, além da observação constante quanto ao seu
comportamento. Não sobrava tempo para pensar nos beijos do
Patrício, nem mesmo para me deparar com a falta que eu sentia das
suas mãos.
Mas quando o dia acabava, a noite chegava e Charlotte se
recolhia, só me restava pensar nele. Com a diferença de três horas,
nossas conversas quase nunca eram privadas, pelo menos não como
eu gostaria. E naquela noite em especial, Patrício se despediu por
mensagem, no seu horário habitual, deixando-me com uma longa
noite pela frente.
Deitei na cama, alisando o lençol. Não sabia porque naquela
noite eu me sentia diferente. Era provável que a proposta de
Charlotte tenha me deixado mais consciente de mim, e a novidade
fazia meu corpo vibrar com uma animação viva, obrigando minha
mente a me levar até ele.
Patrício.
Talvez porque aceitar ser agente da minha irmã me levaria de
volta aos braços dele. Ou talvez porque trinta e oito dias somava
um tempo inadmissível sem tê-lo. Eu não sabia explicar, porém
reconhecia que seria difícil adormecer sem esgotar o meu corpo.
Olhei para o lado, em direção ao closet, onde meu cofre
ficava e guardava os brinquedinhos secretos. Hesitei. Não que
houvesse pudor em utilizá-los. Eu os adorava! Mas havia em mim
uma necessidade de ter um pouco dele, nem que fosse apenas a sua
voz.
Sorri travessa, e antes de tomar qualquer decisão, uma batida
na porta me alertou.
— Entre! — sentei na cama, aguardando.
O padrinho abriu a porta e sorriu ao me ver pronta para
dormir.
— Veio me dar boa noite? — brinquei.
— Também. — Sem muito jeito, como ficava quando
invadia a minha privacidade, ele entrou, mas não sentou ao meu
lado. — Fiquei ocupado hoje e acabei perdendo o jantar com vocês.
— Ah! Bom… eu achei Charlotte mais animada hoje.
— Verdade? — Ele se aproximou, interessado.
Pensei duas vezes sobre revelar ou não a proposta de
Charlotte e resolvi que não deveria antecipar a minha decisão. Eu
pretendia fazer algo que não me agradava nem um pouco, mas que
era minha obrigação moral. Conversar com Alex e saber a sua
reação.
— Ela riu, conversou, falou de trabalho…
— Trabalho? — Ele sorriu animado. — Ela vai continuar
com a editora?
— Pelo menos foi muito convincente quanto a esta decisão.
— Isso é ótimo, Miranda!
— Eu não ficaria tão animada. Charlotte continua sem querer
qualquer contato com Alex, e, devido às circunstâncias, é melhor
assim. — O padrinho arqueou uma sobrancelha, me questionando.
— Ele vai ter um filho com a Tiffany. Não há como inserir
Charlotte nesta história, padrinho.
— Eu sei. — Ficou desanimado no mesmo instante. — Alex
é um bom rapaz. Eu nem sei o que pensar disso tudo. Deveria odiá-
lo por ter magoado a minha filha. Deveria ter atirado nele. —
Sorriu travesso, me obrigando a fazer o mesmo.
— Deveria mesmo.
— Mas eu não posso. É difícil culpá-lo vendo-o tão
destruído.
— É. Eu sei. — Fiz uma careta.
Detestava ser a favor de Alex. Odiava o que ele fez, mas,
assim como o padrinho, eu queria que houvesse uma chance para
consertar as coisas e devolver a felicidade para eles dois.
— Bom, pelo menos estamos tendo progresso com ela, não é
mesmo? — Ele disse já se afastando. — Obrigado por ter ficado,
Miranda. Eu sei que é difícil para você e Patrício. Sua presença
torna tudo mais fácil.
— Ah… Obrigada! — Sorri sem graça. Eu nunca sabia como
agir diante de elogios como aquele.
— Já ia esquecendo. Conversei com Vítor. Saímos com tanta
pressa que não pensei nas correspondências. Ele disse que
chegaram muitas para você. Pedi ao Johnny que buscasse.
Correspondências? Para mim?
Um frio assustador fez minha pele arrepiar.
— Eu posso pedir ao Patrício. Johnny está sobrecarregado.
Patrício coloca tudo em uma caixa e envia para mim.
— Se prefere assim. — Deu de ombros. — Boa noite, filha.
— Boa noite, padrinho.
Assim que a porta fechou, levantei, agitada demais para
permanecer sentada, aguardando meu mundo desmoronar. Ainda
mais. Caminhei de um lado para o outro, tentando lembrar se
algum pedido que fiz havia deixado de ser entregue antes de
abandonar o Brasil e socorrer a minha irmã.
E, quanto mais entendia que não havia qualquer encomenda,
que minhas contas eram todas pagas no débito automático, e que
ninguém deixaria nada para mim na portaria do flat, sem me
comunicar, mais desesperada eu ficava, porque a resposta estava
clara, óbvia, para ser ignorada.
Eu precisava dar um basta naquela situação.
E tinha que ser logo.
CAPÍTULO 23

“Sem contar os dias que me faz morrer


Sem saber de ti, jogado à solidão
Mas se quer saber se eu quero outra vida
Não, não!”
Eu te devoro - Djavan

Não pensei duas vezes antes de digitar o número dele, assim


como ele não demorou a me atender.
— Gata? Pensei que estivesse dormindo. — disse com ironia.
— Preciso de você.
— Oh, sim! Eu também preciso muito de você, Morena.
Precisei encarar o celular, meus olhos estreitos, não
acreditando na facilidade que ele teve para deturpar a intenção da
minha ligação. Depois desisti de tentar encontrar alguma lógica
naquilo, afinal de contas, era Patrício.
— Não assim, Patrício. Preciso realmente de você.
— Ah, é? Hum!
A decepção em sua voz me fez rir, libertando a tensão que
enrijecia meu corpo.
— Onde você está? — perguntei curiosa.
No meu quarto. Acabei de chegar em casa. Estava quase
entrando no banho. E você?
— Acabou de chegar em casa? — conferi o horário. Ok! Três
horas de diferença. Balancei a cabeça recuperando minha atenção.
— Certo. Eu preciso que passe lá no flat e pegue algumas coisas
que chegaram para mim.
— No flat? Tem certeza?
— Se for com essa má vontade, não. — Ele riu.
— Ah, gata! É que as coisas estão complicadas por aqui e
Alex está tirando o meu fôlego. O advogado entrou em contato
hoje. Você sabe… o divórcio.
— Ah…
Claro, porque não pensei nisso. Charlotte utilizou os
advogados da família para tratar do divórcio por ela. Seria uma
burocracia. Sequer sabíamos se Alex assinaria. Ou seja, teríamos
mais alguns dias, ou meses, de tensão em casa.
— Tudo bem. Eu peço para Johnny.
— Eu posso ir, Morena! Só não com urgência. É algo
importante?
— Na verdade… é sobre aquele assunto.
— Qual?
— Aquele! — Enfatizei, querendo não precisar mencionar
em voz alta.
— Tá difícil, gata. São tantos assuntos.
— Puta merda, Patrício! Sobre aquela pessoa que está me
procurando e sobre a qual eu não quero falar. — Ele riu. — Isso
não tem graça!
— É que você parece aqueles detetives que estão em busca
de pistas. — Riu outra vez, deixando-me furiosa.
— Boa noite, Patrício!
— Ah, Morena! Desculpe! Não vou rir.
Revirei os olhos.
— O cara tem deixado correspondências para você? Quer que
eu cuide disso? Eu posso encontrá-lo e…
— Não. Por enquanto só quero que ele desista de mim. Que
perceba que não há nada para ser dito.
— Tem certeza?
— Absoluta.
— Tudo bem.
Ele aguardou. Eu aguardei. O silêncio parecia fazer o ar ao
meu redor se mover de forma diferente.
— Coloco tudo em uma caixa e espero que você chegue, ou
envio?
E aquele era o ponto. Havia uma chance muito grande de
resolvermos aquele problema, mas antes eu precisava ter a tal
conversa com Alex.
— Deixe com você — eu me limitei a dizer. Sem criar
esperanças ou desesperanças. Ficaria subentendido.
— Tudo bem. — Ele repetiu.
Outra vez o silêncio. Aquilo começava a me incomodar.
— E aí? Como foi hoje? — puxei assunto, deitando na cama.
— Cansativo. Aborrecido. Horrível.
— Só reclamações? — provoquei.
— Se você estivesse aqui eu poderia fazer algo diferente de
reclamar.
— Patrício…
— E você? O que fez hoje?
Mordi o lábio buscando algo que eu pudesse contar. Então
sorri.
— Embalei caldo de carne em papel colorido.
— O quê? — ele disse espantado. Dei de ombros.
— Amanhã é o Halloween.
— Sim, mas… Ah, porra, Morena! Me diga que não está
pensando em…
— Doces e travessuras, Patrício. Vai dizer que a travessura
não é muito melhor do que o doce.
— Puta que pariu! — Começou a rir. — São crianças,
Miranda!
— Vai ser bem interessante.
— Não consigo acreditar que Peter concorde com isso.
— Ele não sabe. Ninguém sabe. Misturei com os doces que
Charlotte fez questão de separar em pequenas embalagens.
— Ah, não! Por que você é má? — Sua risada me fazia sorrir
largamente.
— Não sou má! É o dia das bruxas!
— É uma brincadeira. Tinha que ser algo saudável!
— Bom… ninguém pode dizer que vai esquecer esse dia.
— Ah, meu Deus!
Patrício gargalhou, me fazendo rir junto.
— Só assim para eu rir hoje. — anunciou.
— Será sempre uma honra e um prazer servir de palhaça para
você.
— Ah, gata! Eu sinto tanto a sua falta.
E a emoção colocada naquelas palavras, me comoveu.
Respirei fundo, obrigando meu coração a não ser tão bobo e se
derreter só por causa daquela declaração.
— Você não ia tomar banho?
— Na verdade estava pensando em algo melhor.
— E o que seria?
— Algo que envolvesse você.
— Ou seja, algo impossível, já que estamos em continentes
diferentes.
— Morena, você já foi mais criativa — provocou.
— Ah!
Mordi o lábio, olhando outra vez na direção do closet, mais
especificamente, para onde o cofre ficava, e, sendo ainda mais
detalhista, o meu brinquedinho mais querido.
— No que está pensando? — ele perguntou.
— Como sabe que estou pensando em algo?
— Você ficou em silêncio, o que me leva a acreditar que está
bolando um plano. — Ri. Patrício era inacreditável.
— E eu tenho — admiti.
— Posso saber qual é?
— Pode. Se me contar qual é o seu.
— Gata, não há muito o que fazer do meu lado que não
envolva uma mão e a imaginação.
— Isso me leva a acreditar que preciso te apresentar a um
sexy shop. — Ele riu alto.
— Vamos pensar nisso. Por enquanto, do que você precisa?
— Hum! Trancar a porta e buscar um amiguinho.
— Amiguinho?
— Na verdade… dois.
— Miranda!
— Um que precise de pilha — completei.
— Ah… certo.
— De quanto tempo você precisa?
— Nenhum, gata! Já estou pronto pra você.
Um frio gostoso em meu estômago, quase me fez pular da
cama. Tranquei a porta, entrei no closet e destravei o cofre. Retirei
de trás das caixas de joias, uma caixa grande. Dentro dela, peguei
meu vibrador preferido e um estimulador clitoriano. Não que eu
precisasse de algo além dos meus dedos, mas seria ótimo brincar
com alguns apetrechos.
Voltei para a cama, pulei sobre ela, tirei a calcinha e me
acomodei nos travesseiros. Vesti o estimulador, que era uma
espécie de calcinha, com uma abertura no meio e uma pequena
elevação que vibrava deliciosamente sobre meu clitóris. Só então
peguei o celular outra vez.
— Pronta, Morena?
— Sempre — desafiei. Ele riu.
Apaguei a luz do quarto, deixando apenas as pequenas
lâmpadas que adornavam a parede atrás de mim. Patrício soltou o
ar de forma audível. Minha pele ficou arrepiada de imediato.
— O que você está usando?
— Uma camisola… sem calcinha — acrescentei, adorando o
gemido baixinho que ele deixou escapar. — E você?
— Nada.
Lambi os lábios relembrando seu corpo, seus músculos
torneados, a maneira como seu abdômen se contraía quando
estávamos no ato. A forma rija e firme como seu pau ficava antes
mesmo de eu fazer qualquer coisa.
— O que você foi buscar para a nossa brincadeira, foi um
vibrador?
— Também. — Rocei meus dedos de forma leve pelo decote
da camisola.
— E o que mais?
— Um estimulador clitoriano.
— Ah, Morena! Porra!
Meu estômago se contorceu com a sua demonstração de
desejo tão desesperado.
— É para lembrar da sua língua atrevida — pirracei.
— Puta que pariu! — rosnou. — Você nem imagina o que
minha língua seria capaz de fazer com seu corpo agora.
— Por que não me diz? — Ele suspirou alto.
— Eu demoraria um bom tempo só lambendo seus lábios,
Morena.
— Meus lábios? — ri.
— Vaginais.
O ar ficou retido em meus pulmões. A lembrança de como
Patrício conseguia serpentear a língua em meus pontos mais
sensíveis, começava a fazer meu sexo formigar, implorar por
atenção. Ansiosa, desci a mão até o centro entre as minhas pernas,
conferindo a umidade.
— Eu adoro o seu gosto, Miranda. Adoro sentir sua pele
vibrando de prazer quando mordo de leve e depois chupo. — Gemi
baixinho, passando os dedos pelos meus lábios vaginais, buscando
na memória a sensação de ter Patrício entre as minhas pernas. —
Você gosta disso, não é?
— Sim — gemi, roçando os dedos, causando uma fricção
maravilhosa.
— Eu enfiaria minha língua em você. Lamberia suas paredes.
Roçaria a ponta da língua o mais fundo que eu conseguisse.
Ah, droga! Eu sentia tanta falta dele, de estar ao seu lado, de
rir das suas piadas fora de hora, de sentir sua mão na minha e dos
seus abraços quando percebia que eu estava prestes a me espatifar.
Entretanto, naquele momento, a falta que eu sentia do sexo com
Patrício, de sentir o seu corpo sobre o meu, das suas mãos me
agarrando firme, das suas investidas e da maneira atrevida como a
sua língua se apossava de mim, parecia superar todo e qualquer
sentimento suportado durante aqueles trinta e oito dias.
Acionei o estimulador, que começou a vibrar no mesmo
instante, fazendo-me arfar. Meu corpo ficou rígido, atirei minha
cabeça para trás e gemi um pouco mais alto. Então ouvi seu risinho
rouco.
— Ah, ainda não, gata!
— Porra, eu queria muito você aqui — admiti.
— E eu queria você aqui. Mas por enquanto… — Um
suspiro delicioso chegou ao meu ouvido. — Por enquanto você vai
me ajudar a te foder assim, à distância.
— Ah, Deus!
— Isso! Pode apelar para quem desejar, porque hoje, eu
quero te foder gostoso.
— Patrício! — Gemi ouvindo o barulhinho inconfundível do
movimento da sua mão.
— Agora você vai fazer uma coisa por mim — determinou.
— Você vai fazer, não vai, Morena?
— Faço.
— Ótimo! Pegue esse seu amiguinho de borracha e enfie ele
na boca como se estivesse enfiando meu próprio pau. Vai chupar
como você me chupa. Mas faça isso de uma forma que eu possa
ouvir.
— Não prefere uma ligação de vídeo?
— Podemos pensar nisso para outro dia. Agora eu quero
apenas brincar com a imaginação.
E, porra! Patrício tinha um jeito todo especial de fazer a
minha imaginação ganhar força. Bastou ele me pedir para colocar
aquele vibrador na boca, para que meu corpo inteiro
correspondesse como se eu pudesse, de fato, chupá-lo. Segurei o
material emborrachado, com texturas de veias contornando o pênis
muito bem detalhado, e não consegui me conter.
— Vou passar minha língua no seu pau — sussurrei. — Vou
fazer isso começando das suas bolas, até atingir a cabeça.
— Porra! — ele gemeu, me atiçando.
Fiz o que prometi e saboreei o material como se ali estivesse
o pau do meu namorado.
— Ah, Morena! Você faz isso tão bem! — suas palavras
vacilantes me diziam que ele também cumpria com a promessa, e
se deixava influenciar pela imaginação.
— Agora eu vou te enfiar em minha boca. Mas não de vez.
— Ele soltou o ar com um rosnado. — Vou chupar bem gostoso a
cabeça. — Deixei que meus lábios brincassem com o brinquedo,
fazendo barulhos gostosos para contribuir com a sua fantasia. — E
agora, vou descer bem devagar meus lábios por toda a sua
extensão.
Antes que eu terminasse de falar, Patrício deixou escapar um
gemido tão visceral que me fez estremecer. Eu estava pronta para
ele. O estimulador vibrando em meu ponto de prazer, fazendo com
que a sensação deliciosa de masturbação me empurrasse cada vez
mais para a nuvem de desejo que começava a amortecer minha
mente.
Deliciada, empurrei o membro rijo, revestido de borracha,
delicadamente, até que ele estivesse quase todo em minha boca. Eu
sabia que poderia mais, se assim quisesse, mas o meu desejo,
naquele momento, era de enfiá-lo em mim e acabar com o
tormento, a ânsia pelo prazer. Ao mesmo passo que me sentia
tentada, a cada segundo, pela extensão do momento, ampliando a
sensação gostosa.
Com um gemido de pura satisfação, retirei o vibrador da
boca, e me arrepiei com o exalar de Patrício.
— Morena! — sussurrou perdido de desejo. — Não posso
esperar.
— Nem eu! — confessei ansiosa.
— Então me coloque dentro de você, Miranda — falou
arfante.
Liguei o aparelho, que vibrava e acionava um sistema dentro
dele, que o fazia movimentar elevações delicadas em determinadas
partes, atingindo pontos que me levavam ao máximo prazer.
— Vou te colocar dentro de mim. Agora — anunciei,
levando o vibrador para o meio entre as minhas pernas.
— Faça isso, gata!
Sem pressa, posicionei o aparelho em minha entrada e
comecei a introduzi-lo. A junção da vibração deste, junto com o do
estimulador arrancou de mim um gemido carnal, saído do meu
íntimo e sem qualquer controle.
Patrício gemeu junto, sussurrando comandos. Quanto mais
ele falava, mais eu me motivava a continuar, enfiando o aparelho
em mim, simulando a penetração, me permitindo desejar, arfar,
ansiar. Deixando que o prazer me consumisse como bem quisesse,
como chamas líquidas, se apossando do meu ventre.
— Ah, Morena, que saudade! — sussurrou entregue.
Gemi mais alto, desconectada do mundo, deixando a cabeça
pender para trás e estocando o vibrador em mim. Minhas paredes
eram tocadas em diversos lugares ao mesmo tempo, causando um
comichão, um formigamento gostoso, que se espalhava como um
incêndio.
E, como uma bomba atômica, senti a explosão entre minhas
pernas, e a força desta se espalhando sem qualquer cuidado, por
minha pele. Arfei, estremecendo com violência, o grito abafado,
preso na garganta, pela intensidade do momento. Meu corpo
contorcido pelos espasmos, se recusando a permitir o seu fim.
Ouvi, distante, o chamado de Patrício, e me dei conta de que
havia largado o celular no auge do meu prazer. O mesmo
encontrava-se no travesseiro, no emaranhado do meu cabelo. Soltei
um suspiro que aliviou minha tensão, tirei o vibrador, umedeci os
lábios e só então capturei o aparelho outra vez.
— Oi! — sussurrei. Ele riu baixinho.
— Como sempre, muito intensa, Morena!
— Saudade de você também.
Respondi tardiamente.
— Percebi.
— Hum! — Mordi o lábio, insegura. — Perdi o seu
momento?
— Perdeu, gata! Mas amanhã podemos tentar outra vez.
Sua voz, cheia do mais delicioso tesão, me deixou animada.
— É uma promessa?
Com toda certeza.
— Boa noite, Patrício!
Boa noite, meu amor!
CAPÍTULO 24

“Tô louca pra te ver chegar. Tô louca pra te ter nas mãos.
Deitar no teu abraço, retomar o pedaço que falta no meu
coração”
Fico assim sem você - Claudinho e Buchecha

Três dias depois, pressionada por Charlotte, e, assim como


pelo padrinho, uma vez que ele foi comunicado da decisão tomada
pela filha, e a apoiava, resolvi que não conseguiria mais adiar a
conversa com Alex. Não que minha irmã achasse correto. A mágoa
a impedia até mesmo de achar justa a minha escolha de repassar ao
seu marido a sua decisão.
Mas eu não me sentiria confortável se não fosse desta forma.
O padrinho concordou comigo. Por isso, naquela tarde, deixei o
escritório pela porta que o ligava ao jardim, e caminhei para o mais
distante possível com o celular na mão, o coração disparado, e
muito insegura quanto aquela ligação.
Não porque acreditasse que Alex deveria continuar como
agente de Charlotte. Jamais poderia acreditar nesta possibilidade,
diante de fatos incontestáveis. O que pesava naquela ligação era o
meu desconforto quanto ao sofrimento dele, alguém por quem, até
pouco tempo, tinha de mim apenas o respeito por ser marido da
minha irmã, e, obviamente, o irmão do meu namorado.
Todas as vezes que imaginava iniciando aquela conversa,
minha mente me traía enviando imagens do homem destruído que
deixamos no Brasil. Uma droga!
Respirei fundo, me enchendo de coragem para, enfim, apertar
o botão que completaria a ligação. E os segundos que se passaram
antes de ele me atender, foram angustiantes. Sufocantes, eu poderia
dizer. Dei as costas para a janela do quarto da minha irmã, que
ficava no primeiro andar, logo acima da saída do escritório, e fingi
não perceber que ela se escondia atrás das cortinas, atenta aos meus
passos.
— Miranda?
A voz de Alex ao me atender fez meus ossos gelarem. Um
milhão de imagens em minha cabeça me faziam recuar.
— Hum! Como vai, Alex?
— Aconteceu alguma coisa?
— Não!
Não deveria me surpreender com a maneira como ele me
recepcionou. Eu nunca ligava para Alex. Nunca! Não havia
qualquer motivo para aquele passo entre nós dois, mesmo com
todos os ajustes feitos pelas nossas escolhas. Existia uma
cordialidade forçada que envolvia a nossa relação, e apenas isso.
Com o casamento fracassado, restava a minha ligação com
Patrício, mas, sejamos francos, não havia qualquer exigência das
partes envolvidas, o que me deixava, de certa forma, livre daquela
relação.
Ainda assim, não deixou de me entristecer reconhecer a
ansiedade na voz do meu cunhado, ou até mesmo esperança, a
mesma que eu eliminaria no segundo instante daquela conversa.
— Na verdade... — continuei. — Eu preciso conversar com
você.
— O que houve?
— Vou ser direta, Alex.
Mesmo anunciando sem qualquer cuidado, hesitei, busquei
ânimo dentro de mim, e quando falei minha voz não continha nada
da coragem que me imaginei tendo.
— Charlotte me pediu para assumir o seu lugar como agente
dela — disparei.
O silêncio do outro lado da linha me fez prender a respiração.
O que aconteceria dali em diante, eu não conseguia prever.
Também não me preparei para qualquer reação que conseguisse por
parte dele. Mordi o lábio e chutei a grama perfeita, enquanto cada
segundo que passava parecia pesar em meus ombros.
— Você sabe o que está fazendo? — ele enfim falou, a voz
fria, séria, cortante. Senti cada pedacinho de mim gelar com a sua
acusação.
— Ela escolheu assim, Alex. Para ser sincera, não fazia parte
dos meus planos, mas...
— Não, Miranda! Não é nada disso. Desculpe! — Soltou o ar
dos pulmões de forma audível, o que me deixou bastante surpresa.
— Desculpe! — repetiu, me desarmando. — É que hoje é um dia
difícil. Recebi o divórcio. Não entenda como algo pessoal, é só
que… — Desta vez puxou o ar e foi como se estivesse sugando o
meu. — O que eu quis dizer foi se você tem alguma ideia do que
fazer como agente dela.
Engoli com dificuldade. A tristeza dele me abalando de uma
forma que nem eu entendia. Que merda de dia escolhi para levar
aquela notícia!
— Imagino que seja analisar os contratos, resolver os
interesses dela junto a editora e outras coisas relacionadas a estes
pontos.
— Ela merece mais, Miranda.
— Eu sei — gemi desgostosa.
Em qualquer outra ocasião eu encararia as palavras dele
como uma ofensa, mas não naquele instante, não diante de tudo o
que vivíamos. Alex tinha razão. Charlotte merecia mais quando o
assunto era o seu maior sonho, o seu livro, afinal de contas
chegamos até ali por causa deste objetivo de vida, não foi mesmo?
— Não sei o que fazer, Alex. Não posso deixar que Charlotte
entregue o trabalho da vida dela a alguém que sequer tem noção da
sua importância.
— Eu te entendo.
— Ela está decidida a tirar isso de você. — Minha voz saiu
como se eu precisasse me desculpar pela atitude de Charlotte.
— Não posso discordar — ele disse. — Mas posso te ajudar.
— Ah, não sei, Alex.
— Charlotte não precisa saber. Eu te oriento até que você
esteja habituada com a função. É o mínimo que posso fazer por ela.
E o que eu podia fazer? A verdade era que eu não sabia nem
por onde começar. Alex fazia parte do mercado há mais tempo, era
o editor de uma editora de sucesso. Conhecia todos os trâmites, os
passos e me ajudaria a conduzir Charlotte até onde ela merecia
estar.
— Tudo bem. Mas Charlotte não pode saber.
— Ela não saberá — prometeu.
E assim firmamos uma parceria improvável. Era nítido o
quanto nos incomodávamos um com a presença do outro, então,
dividirmos, mesmo que por pouco tempo, aquele trabalho, tornava
claro o único motivo pelo qual seríamos capazes de nos unir, o
amor pela minha irmã.
Alex amava Charlotte. Amava tanto que aceitava ficar atrás
das cortinas para que ela pudesse crescer. Como um amor deste
poderia ser posto à prova?
E por falar em cortina, olhei para cima, percebendo o
farfalhar das do quarto dela. Respirei fundo e voltei para a casa,
com passos lentos, me perguntando em quanto tempo minha irmã
me alcançaria.
De pirraça, entrei pela sala, dando a volta, fazendo o maior
percurso. Charlotte me alcançou quando eu subia as escadas em
direção ao meu quarto. Precisava digerir aquela história o quanto
antes.
— Ah, Miranda? — ela disse, fingindo não estar me
procurando. — Conseguiu o que queria? — Cruzou os braços
diante do corpo, e tentou impor suavidade na voz, como se não
estivesse de fato curiosa sobre a minha conversa com seu marido.
— O que você queria? Sim, consegui. Alex concordou.
— Como se eu precisasse pedir permissão.
— Exatamente o que ele falou — pirracei.
— Ah… foi? — Minha resposta a desarmou.
— Sim.
Minha irmã me encarou, aguardando por mais. Eu nada falei,
e sequer entendia o porquê daquela necessidade de fazê-la pensar
no assunto, quando nem eu seria capaz de perdoar uma traição.
Talvez o sofrimento do Alex estivesse me abalando mais do que
deveria.
— Com licença! — A empregada, uma jovem que havia sido
contratada há pouco tempo, nos interrompeu. — O Sr. Thomas
Ulric está aqui — anunciou.
Estremeci no mesmo instante.
Charlotte me encarou suplicando.
Durante aqueles dias, minha irmã se recusou a atender
qualquer pessoa que aparecia na casa, sabendo da presença do
padrinho. E, lógico, a sua presença foi confirmada por Lilian Ulric,
mãe de Thomas, que ambicionava a qualquer custo, unir as
famílias, mais diretamente, Thomas e Charlotte. Porém, a minha
irmã se recusava a atender as pessoas, a falar sobre o assunto, e,
receber visitas que, lógico, levantariam as perguntas que ela não
estava disposta a responder.
Não podia condená-la. Como obrigar Charlotte a falar sobre
algo que ainda doía? Como fazer com que ela contasse aquela
história sem lhe dar o peso que carregava?
Suspirei cansada, ciente de que seria eu a única a resolver
aquele problema.
— Suba. Eu cuido do Thomas. — Desci os degraus sem
qualquer vontade de estragar um pouco mais o meu dia.
— Obrigada!
Charlotte me alcançou, abraçando-me. Seu corpo tremia.
Fechei meus braços ao seu redor, lhe garantindo que ela não
precisava enfrentar aquilo. Eu estava lá e cuidaria de tudo.
Aquele, definitivamente, não era um bom dia. Para começar,
Charlotte havia contado ao padrinho sobre a proposta que havia me
feito para assumir o lugar do Alex em sua carreira, mesmo ciente
de que eu nada entendia sobre tal atividade. Então o padrinho, sem
me deixar entender o porquê da sua aceitação, achou a ideia
maravilhosa. Juntos, usaram de todo o poder de persuasão para me
fazer telefonar para Alex.

E, mesmo com um final surpreendente, eu me sentia horrível,


angustiada e com vontade de vomitar, só de relembrar o seu tom de
voz, não decepcionado, mas, com uma tristeza genuína. A conversa
com Alex havia me abalado de uma forma que começava a me
questionar se deveria mesmo ter sido tão contra aquele
relacionamento. Se eu não deveria ter retornado à Inglaterra,
agarrado Charlotte pelos braços, e a obrigando a voltar para casa,
para o seu marido.
A força daquele pensamento me fazia sofrer com a culpa. Por
que aceitei que as pessoas me convencessem que não deveria me
intrometer, quando eu conhecia Charlotte como ninguém. Quando
havia em mim a certeza de que não agir nos levaria àquele ponto, a
mágoa, a traição e a infelicidade tão profunda que me fazia
questionar se havia alguma maneira de curar a ferida.
E não havia.
Poderíamos confiar no tempo, já que ele era o remédio para
todos os males. Contudo, só um ser muito espiritualizado
conseguiria seguir a vida sem a angústia que sufocava pela
percepção de cada segundo passado. Para quem ama, como
Charlotte amava o Alex e o Alex amava a Charlotte, um dia não
ameniza o outro. Pelo contrário. A ferida vai crescendo até que
você se acostume com a dor, com a sua presença. Até que ela se
torne parte da sua vida, que seu cérebro, enfim, para de pensar nela
como algo anormal.
A ferida, a mágoa, a dor, tornam-se parte do seu ser, e nunca
mais vão embora. Nunca mais.
Por isso, os passos que dei em direção a sala reservada as
visitas, para aquele encontro com Thomas, me abalava mais do que
eu era capaz de admitir. O que um dia chamei de amor, não existia,
porém, a dor, a humilhação, a derrota e o peso de tudo o que
precisei fazer, funcionavam como uma pedra em meu peito, me
impedindo de manter a respiração em um nível saudável.
Precisei me vestir com todas as minhas máscaras para encarar
Thomas outra vez. Com ele eu seria sempre a mulher fria,
debochada e sarcástica, a qual não o valorizava por nenhuma
atitude. Eu seria a estampa das suas atitudes. Nunca permitiria que
a cobrança do que me fez, deixasse o meu olhar, apesar de jamais
lhe dirigir qualquer palavra a respeito.
E quando cheguei à sala, encarando suas costas, precisei
engolir todo o repúdio e demonstrar a educação que recebi.
— Boa tarde! — anunciei a minha chegada.
Thomas se virou com pressa, admirado com a minha
presença. Seus olhos foram para as minhas costas, aguardando por
ela, Charlotte. Tentei sentir prazer em assistir o momento em que
percebeu que ninguém apareceria, que a minha irmã o ignorava
tanto quanto eu. Mas tudo o que senti foi incômodo.
Não deveria, entretanto, foi o que senti ao perceber o quanto
ele insistia naquele interesse infundável. A não ser que… não! Será
que o padrinho? Não!
— Miranda? Como vai? — foi cortês, colocando um sorriso
educado nos lábios.
Admirei Thomas antes de responder. Bem vestido, porém,
confesso que nunca o vi de outra forma. Estar sempre bem
apresentável era uma das exigências da sua mãe desde criança. Pelo
visto ele ainda se encontrava nas amarras da bruxa da Lilian, a
incrível rabugenta e ambiciosa Sra. Ulric.
— Charlotte está indisposta. Não poderá atendê-lo.
Pensei que minha frieza o desarmaria, ou o tornaria
desconfortável. Não foi o que ocorreu. Thomas sorriu, deu um
passo seguro para frente e me encarou com atenção.
— Eu não vim visitar, Charlotte — anunciou.
— Bom… o padrinho também não está em casa.
— Eu sei.
Ok. Ele queria me enfurecer. Queria me tirar do sério ao
ponto de derrubá-lo, como o fiz no enterro da madrinha. Que
cretino!
— Neste caso, não há nada para fazer aqui, Thomas.
— Miranda… — outro passo em minha direção, e eu fiquei
tensa. Pronta para atacá-lo. — Por favor, espere.
— O que veio fazer?
— Conversar.
— Comigo? — Desta vez minha voz saiu forte e com
repugnância.
— Por favor!
Encarei aquele homem à minha frente. Não havia arrogância
em Thomas, pelo contrário. Com a mão estendida a sua frente,
como se pudesse me impedir de partir, ou até mesmo, se defender
de um ataque meu, ele demonstrava mais medo do que certezas.
— Não há nada para conversar — anunciei.
— Você sabe que há.
— Bom, então vou reformular a minha resposta. Não há nada
que eu queira conversar com você, Thomas.
— Miranda!
— Se já dissemos tudo… Comecei a me virar quando ele me
surpreendeu fazendo algo que eu jamais me imaginei assistir,
partindo de quem partia. Thomas se ajoelhou à minha frente, a
cabeça baixa, a respiração pesada.
— Miranda, por favor! Se não há nada que deseje me dizer,
apesar de ser seu direito me xingar, me bater, me humilhar e até
mesmo me enxotar desta casa, eu te peço… não, eu te imploro! —
Respirou fundo. — Deixe-me pelo menos dizer tudo o que me
atormenta. Depois disso, faça o que achar melhor.
Impactada, sem esperar por algo do tipo, fui incapaz de
responder como deveria. Porque a verdade era que eu deveria pegar
aquele rapaz pela orelha e puxá-lo para fora da casa, de forma a
fazê-lo entender que nunca mais deveria dirigir a palavra a mim. Só
que eu não consegui. E não foi pela curiosidade, ou pelo desejo
mórbido de assisti-lo se humilhar. Meu corpo travou e minha mente
bugou, me congelando no lugar.
Foi o suficiente para que Thomas continuasse.
— Miranda eu errei com você. Eu errei!
Fechei os olhos percebendo que a raiva que se formava em
meu peito me faria atacá-lo a qualquer momento. O que não seria
nada legal, diante das circunstâncias.
— Por favor, só me escute.
Dei as costas e fui até a janela mais próxima, onde fechei
meus dedos no parapeito, como uma maneira de me lembrar que
não podia partir o pescoço dele em dois.
— Eu fui infantil! Não consigo acreditar que fui infantil deste
jeito. — Meus dedos se fecharam com mais força. — Eu não
deveria ter te abandonado, mas eu era uma criança e estava com
medo. Meu Deus, como eu senti medo quando você me contou
que…
— Cale a boca! — rosnei, fazendo-o entender que aquele
assunto me arrancaria a capacidade de não reagir.
— Fui um idiota.
— Você é um idiota, Thomas! — Virei em sua direção
encarando-o com fúria.
— Eu sei o quanto foi difícil para você. Não pense que foi
fácil para mim. Todos os dias penso em como poderia ter sido.
Eu… — Ele se afastou, atormentado. — Lembro da data, faço as
contas, penso em quantos anos ele…
— Chega!
— Eu só quero que saiba que nunca foi fácil para mim e que
me sinto um merda por ter deixado acontecer daquela forma.
— Você tem alguma noção do que está dizendo? Consegue
recordar tudo o que me disse naquele dia? Tem alguma dimensão
do quanto me machucou?
— Se eu dissesse que não, assinaria meu atestado de idiota.
Você me bateu na última vez em que nos encontramos. Isso é mais
do que um aviso do quanto ainda dói em você.
— Você não sabe de nada, Thomas! Eu te desprezo! — Ele
recuou.
— Eu mereço isso.
— Merece.
— Não posso mudar o que aconteceu, Miranda. Foi muito
ruim, no entanto, não há nada que eu possa fazer que não seja te
provar que mudei, que estou disposto a fazer tudo diferente.
— Claro! Agora você precisa disso para que Charlotte o
aceite, não é mesmo? — Ele puxou a respiração com força, os
olhos arregalados. — Precisa que eu lhe perdoe para que tenha a
minha bênção no que acredita ser o seu futuro com a minha irmã?
Meu celular tocou no mesmo instante. Olhei para a tela
apenas porque imaginei que Alex comentou algo com Patrício e
que meu namorado poderia querer falar comigo. Entretanto, apesar
do número ser do Brasil, eu não o reconhecia. Preferi ignorar.
— Miranda… eu…
— Pois eu vou te dizer, fique longe de Charlotte. Ela nunca
soube o que aconteceu e é apenas por isso que suporta a sua
amizade, mas se eu imaginar que algo aconteceu, se ela me contar
qualquer coisa a seu respeito que me leve a acreditar que a está
seduzindo, não exitarei em revelar toda a verdade a Charlotte.
— Miranda, por favor!
O celular voltou a tocar, o mesmo número, insistindo. Com a
cabeça atormentada com tantos problemas, a conversa com Alex,
Thomas na minha frente insistindo em se desculpar pelos erros do
nosso passado.... Eu não suportava. Desliguei sem atender.
— Acredite em mim, Thomas. Nada faria com que Charlotte
o repudiasse mais do que a nossa história.
— Eu nunca machucaria Charlotte! — disse assustado.
— Ah, claro!
— Miranda, você não entende?
— Não, eu não entendo. Se veio pedir o meu perdão, eu não
o dou. Se veio pedir permissão para ter Charlotte, eu prometo,
Thomas, que acabarei com você no primeiro instante.
— Você está entendendo tudo errado. — Deu um passo em
minha direção, a mão estendida para me tocar, mas desistiu no
último segundo, ciente de que eu o derrubaria na primeira
oportunidade.
— Vai ver é porque não existe nada de certo em você.
O aparelho vibrou em minha mão e a mensagem acendeu no
visor. Olhei horrorizada para a tela, capturando as palavras que
saltavam aos meus olhos.

“Filha, quando você volta ao Brasil?


Tenho tentado contato. Fui até a sua casa e não te
encontrei.
Precisamos conversar.
Você tem que ouvir a minha história.
Dê essa chance ao seu pai.”

Senti o sangue fugindo do meu rosto, minhas mãos


tremeram, a respiração ficou acelerada, meu estômago embrulhou.
— Algum problema? — Thomas se aproximou. — Você
ficou pálida.
— Não é nada! — falei na defensiva, me afastando o máximo
que consegui, mesmo com as pernas tremendo. — É melhor você ir
embora.
— Você não está bem. — Ele deu um passo que quase me
alcançou. — Deixe-me ajudá-la! É algo com Charlotte? Com
Peter?
— Me deixe em paz! — rosnei, me sentindo acuada,
pressionada demais para manter a postura.
— Miranda…
— Vá embora! A conversa acabou.
Dei as costas deixando-o sozinho. Dentro de mim um vulcão
prestes a explodir, de pura raiva, rancor e mágoa. A melhor coisa
que eu poderia fazer, era ir para longe, antes que alguém fosse
atingido com o meu passado.
CAPÍTULO 25

“O vazio é difícil acostumar


Ainda bem que não hesitei em te abraçar
O nó afrouxa até a mão querer soltar
Mas da tua mão eu não larguei até voltar
Pra direção da tua calma”
Pra me refazer - Sandy

Desembarcar no Brasil foi como um grito de alerta em minha


cara. O bafo quente, que me fazia arrancar casaco e tudo o mais
que usei para me proteger da temperatura de Londres, agia como
um despertador barulhento, gritando em meu ouvido. Como se não
bastasse o próprio barulho da cidade. Seus carros, as conversas
altas, pessoas vendendo um pouco de tudo nas janelas dos carros.
Fechei os olhos encostando a cabeça no banco do táxi e sorri.
Aquele era o meu país. Eu estava em casa.
Vinte dias antes, eu discutia com o padrinho a necessidade da
minha volta. Charlotte apesar de deixar toda a sua fragilidade
aparente, não foi contra a minha decisão. Eu queria voltar, tanto
quanto ansiava por me esconder.
Depois daquela mensagem, de ter precisado enfrentar Alex e
em seguida Thomas, já não sabia mais o que era necessário encarar
e o que precisaria esconder. Uma coisa era certa, não dava para
ficar na Inglaterra vendo tudo acontecer sem tomar qualquer
atitude. Ainda assim me escondi, ou observei, como gostava de
pensar, por vinte dias, até que as certezas estivessem firmadas.
Patrício estava em posse das correspondências e estas podiam
conter algo importante. Assinei o contrato com Charlotte, Alex
havia enviado um e-mail com uma espécie de roteiro que todo
agente deveria seguir, então, a minha presença na editora tornou-se
essencial para definir o destino de Charlotte.
Thomas manteve-se em segundo plano após a minha ameaça.
Pelo menos com a recusa da minha irmã em receber as pessoas e a
certeza dele de que eu contaria a verdade a Charlotte, eu havia
ganhado certo fôlego para fazer aquela viagem sem receios.
E ainda enfrentávamos mais um problema. Charlotte recebeu
o divórcio assinado por Alex e a separação fora legalizada. Era
oficial, o casal Charlotte Middleton e Alex Frankli não existia
mais. E, desta forma, como não podia deixar de ser, ganhamos a
atenção da imprensa, o que jogou Charlotte em uma nova onda de
tristeza.
Ela não saía de casa, depois disso então, não colocava a cara
na janela.
Conversamos bastante, uma vez que estávamos prestes a
lançar o livro dela no Brasil, e lá era onde o problema morava.
Charlotte não queria fazer uma declaração. Sequer cogitou uma
nota oficial. Ela só queria esquecer, e todos nós trabalhamos firmes
para lhe ajudar a ter seu pedido atendido.
Mas, vinte dias depois, desembarquei no Brasil sem grandes
acontecimentos. Não avisei a Patrício, pois não queria uma grande
cena. Não houve qualquer informação a respeito da minha volta ao
país, muito menos da decisão da minha irmã em me ter como sua
agente. Prevenida, usei óculos escuros e boné, além de roupas
discretas, e peguei o primeiro táxi disponível.
Não fui para o meu apartamento. Sim, tive medo do que
poderia encontrar por lá. O carro me deixou na entrada do hotel que
escolhi sem fazer reserva e, após toda a questão burocrática,
gentilmente resolvida pelo concierge, atirei a bolsa sobre a cama
confortável da suíte com vista para o mar, do Belmonte
Copacabana Palace.
Abri as portas da varanda e respirei o ar salgado do Rio de
Janeiro. Era delicioso voltar em alto e magnífico luxo. Olhei para a
cama confortável e relembrei a viagem cansativa. Meus ossos
pareciam querer estalar.
Não havia tempo para muita coisa, por isso, no closet, escolhi
uma calça preta, amarrada na cintura e presa no calcanhar, além de
uma camisa branca de manga curta, que me ajudaria com o calor. O
conjunto me deixaria elegante, profissional e atraente, já que
encontraria meu namorado, quase cinquenta dias após a minha
partida. Não podia aparecer de qualquer jeito. Suspirei, triste por
ter deixado os brincos perfeitos no flat.
Ainda não era hora de voltar para casa.
Também lamentei não poder me debruçar sobre a banheira
convidativa e me permitir descansar. Não havia combinado um
horário, sequer sabia se Alex e Lana conseguiriam me atender, mas
estava certa de que Patrício estaria lá, e seria um encontro
magnífico.
Por isso optei por um banho, uma camada toda especial de
hidratante, uma maquiagem leve, contudo, impecável, e em pouco
mais de uma hora, um carro de aluguel aguardava por mim na saída
do hotel. Sorri para a pasta de couro discreta e bastante feminina,
que consegui incorporar a vestimenta, o que me fazia assumir o
papel de mulher de negócios provocante e desejável, além de
possuir a elegância no ponto certo.
Sim, eu de fato estava satisfeita comigo.
Fiz o dever de casa. Estudei tudo o que Alex me passou.
Pesquisei, abordei algumas agências, contactei profissionais e
elaborei um plano de marketing que, na minha concepção, estava
excelente. Como Alex disse: Charlotte merecia o melhor, então que
começássemos a fazer isso por ela.
Desci na frente da editora, percebendo de cara a presença de
um repórter. Mantive os óculos escuros enquanto ele conversava
com a garota da recepção. Por sorte o segurança me reconheceu e
antes mesmo que eu precisasse dizer qualquer coisa, liberou a
minha passagem.
Entrei no elevador com um sorriso de triunfo, contudo, com
um leve tremor no corpo, o que não consegui identificar se por
causa da presença de um repórter, o que poderia ser devido a
inúmeros fatores, e não necessariamente ao divórcio da minha
irmã, ou se me sentia daquela forma por precisar encarar Alex pela
primeira vez desde que abandonei o país, ou até mesmo se era por
causa da emoção por reencontrar meu namorado depois de tanto
tempo.
Eu deveria ter avisado. Pelo menos ele deveria saber que eu
estava no país. Isso pouparia nós dois de inconvenientes. Respirei
fundo quando o elevador abriu a porta no segundo andar e algumas
pessoas entraram. Entre eles João Pedro, que, entretido em uma
conversa com um rapaz com uma expressão concentrada, não
percebeu a minha presença no fundo do elevador.
Tirei os óculos escuros, evitando demonstrar interesse na
conversa, mas sem conseguir me desligar dela, e os guardei na
bolsa.
— Não importa se vamos gastar mais com o verniz da capa.
É assim que Lana quer. O comercial concordou que o verniz vai
dar impacto a capa, e é disso que estamos precisando. — João
falava. — Alex e Lana querem que ele ganhe o destaque que
merece.
— Será feito, João — o rapaz disse demonstrando
contrariedade. — Só não vejo vantagem em investir em uma autora
amadora. Não sabemos de que forma o público reagirá ao livro
dela.
— Quanto a isso pode ficar tranquilo. Estamos com vendas
certas. O trabalho realizado será o melhor. — O rapaz deu uma
risada irônica. O que fez com que João se aprumasse, como se
estivesse incomodado.
— Eu pensei que a separação reduziria os gastos da editora
em relação a novata — provocou. Puxei o ar com força.
— Meta-se com a sua vida, Cabral! Você não é pago para ter
essa ocupação.
— Desculpe! — O rapaz ficou inquieto. — Vamos fazer
como querem. Pode deixar.
— Ótimo!
O elevador chegou enfim ao meu andar de destino. Aguardei
que João saísse, em seguida me deixei revelar.
— Miranda? — Ele falou espantado, sem saber ao certo se
deveria se animar com a minha volta ou se preocupar. Pelo visto
todos sabiam o motivo da minha presença naquela empresa. —
Quando voltou?
— Acabei de chegar.
— É mesmo? Ninguém avisou. Lana não…
— Ninguém sabia — anunciei, conferindo o corredor que me
levaria a sala do meu namorado.
— Hum! Que azar então.
— Lana não está na casa? — João piscou, confuso.
— Lana? Está sim. Hoje estamos com a conferência de
algumas capas. E Alex também está por aqui.
Ele tentou disfarçar, mas seus olhos fizeram questão de
demonstrar o desconforto da presença do cunhado no mesmo
instante em que eu estaria no local para ocupar o seu lugar na
carreira da minha irmã.
— Que ótimo! Precisava mesmo conversar com os dois. —
Comecei a andar pelo corredor, me adiantando para que pudesse
ser anunciada e conseguir agendar um horário. — Por que disse
que eu estava com azar?
— Patrício está na rua — ele disse e eu parei na mesma hora.
— Está?
— Ele tinha três reuniões externas e desmarcou os
compromissos da tarde.
— Ah foi?
Não consegui evitar meu tom irônico e aborrecido. E, mesmo
que eu conseguisse, a minha postura me entregaria. Patrício
confirmou que passaria o dia na editora, ou seja, mentiu para mim.
— Você o avisou que vinha? — João perguntou
constrangido.
— Não. Não avisei a ninguém.
— Ah, deve ter sido por isso.
— João eu… — indiquei na direção do corredor.
— Ah, claro! Vou avisar que você está aqui.
Ele caminhou me guiando em direção a sala, que deveria ser
a de Lana, e me fez esperar enquanto entrava para anunciar a minha
presença. Permaneci de pé, ansiosa e angustiada. Para onde Patrício
poderia ter ido? E que reuniões eram essas que ele sequer me
informou que teria? E por qual motivo desfez a agenda da tarde?
Inferno!
— Você não pode agir assim comigo!
Fechei os olhos no instante em que aquela voz chegou aos
meus ouvidos. Tiffany. Era só o que me faltava.
— Por que não me deixa em paz? — Alex rosnou em algum
lugar próximo de onde eu estava. A secretária me olhou
constrangida e fingiu prestar atenção no computador a sua frente.
— Eu sou a mãe do seu filho! — ela disse mais alto.
— Isso nós só saberemos quando fizermos um exame de
DNA — A arrogância utilizada pelo meu cunhado me deixou em
alerta. — Por enquanto você é mãe solteira.
Sem que eu pudesse imaginar, um estalo fez com que tanto
eu quanto a secretária, olhássemos na direção. Ao fundo do
corredor, vazio, graças a Deus, estava Alex com o rosto virado,
típico de quem havia acabado de levar um tapa, e Tiffany se
distanciando, a mão encolhida como se estivesse arrependida. O
olhar sofrido e perdido.
— Alex? — Ela disse com voz chorosa.
— Vá embora. — Foi o que imaginei ter ouvido ele dizer, já
que sua voz saiu baixa e, devo enfatizar, bastante ameaçadora.
— Alex, não… eu não queria… eu…
Tiffany tentou tocá-lo sem conseguir. Alex, mais ágil e
enfurecido, desviou do seu toque e saiu da sua frente caminhando
em minha direção. Foi assim que ele me flagrou, assistindo toda
aquela cena desagradável.
— Miranda? — Foi só com o movimento dos lábios, sem
voz, que para mim não havia qualquer engano.
A mulher atrás dele também me viu, e a sua reação foi muito
pior. Erguendo a cabeça, ela me encarou e colocou a mão na
barriga, salientando a gravidez. Deus, quanto tempo havia se
passado? Tiffany estava ainda mais magra do que o habitual e a sua
barriga, mesmo que ainda muito pequena, conseguia se destacar no
vestido justo.
Ela estava horrível! E eu não pensava aquilo como uma
forma de feri-la, mas por ser a verdade. Seu cabelo, antes tão bem
cuidado, se apresentava sem brilho e bagunçado. No rosto, a
expressão sofrida, na pele, a cor de quem enjoava constantemente.
— Como vai, Alex? — Fiz questão de ignorar a mulher,
como eu sempre fazia desde que perdi a paciência com as suas
investidas.
— Eu não… eu… — ele passou os dedos pelo cabelo,
recuperando a compostura. — Quando chegou?
— Hoje. Recebi seus e-mails. Obrigada!
Com satisfação percebi que Tiffany não gostava nem um
pouco da nossa conversa. Será que havia perdão para quem
atormentava mulheres grávidas?
— Vamos…
Indicou a direção da sua sala e no mesmo instante a porta por
onde João Pedro entrou, foi aberta. Lana saiu de lá radiante. A
diferença entre as duas gestantes era gritante. Enquanto Lana exibia
uma barriga muito maior do que a de Tiffany, um rosto iluminado,
um sorriso encantador, cabelo impecável, brilhante e um ar de
quem respirava felicidade, a outra… bom… Tiffany não poderia
estar pior.
— Miranda! — Lana me saudou com alegria, me abraçando
de uma forma que me deixava, de certa forma, desconfortável. —
Por que não avisou que viria? E Charlotte?
João se mexeu incomodado, Alex ficou mais atento e
Tiffany… parecia querer vomitar. Céus!
— Eu vim conversar sobre o lançamento dela, e acertar
alguns detalhes — anunciei. — Alex, eu adoraria ouvir a sua
opinião. — Fui o mais agradável possível, me certificando do meu
lugar no inferno por deixar Tiffany pior.
Só quando falei com Alex que Lana pareceu perceber a
presença do irmão e da mulher que havia destruído o seu
casamento. Quer dizer… não é nada justo isentar o homem da
traição, afinal de contas, se Alex participou ao ponto de fazer um
filho em Tiffany, era tão escroto quanto ela, contudo… enfim…
não havia como gostar de uma mulher que se atirou para o marido
da minha irmã, que fez de tudo para destruir o casamento deles, e
perdoá-la da culpa.
— Ah! Como vai Tiffany? — Lana falou de forma polida.
João olhou para a escritora e Alex desviou o rosto para longe dela.
Mas Tiffany sorriu e se aproximou de Lana com carinho.
— Você está linda, Lana! — Passou a mão na barriga da
minha cunhada, como se ambas fossem melhores amigas. — Não é
maravilhoso que nossos filhos nascerão quase ao mesmo tempo?
— Ah… — Lana olhou para João, pedindo ajuda, e depois
para Alex, que, irritado, entrou na sala sem querer participar da
conversa. — Claro! Será… interessante.
Interessante?
Pensei no assunto e acabei sorrindo. De fato seria
interessante aquela interação.
— Serão como irmãos.
Ok! Aquilo parecia um filme macabro, e eu não estava nada a
fim e assisti-los.
— Lana, se não se importa… — comentei.
— Claro! Claro!
A energia posta em suas palavras quase me fez rir. Lana
também queria se livrar de Tiffany.
— Por aqui.
Entrei na sala sem me importar com as desculpas que dariam
à outra escritora. Porém, ao me livrar de um problema, fiquei de
cara com outro.
Alex aguardava, encostado à mesa de Lana, a postura tensa.
Quando entrei, ele levantou as vistas e me encarou com firmeza.
Ah droga!
— Como ela está? —Foi direto ao ponto.
— Alex, eu… — Respirei fundo e sentei em uma das
cadeiras. — Olha, isso tudo é complicado. Vamos deixar as coisas
como elas devem ser.
— Eu estou fazendo o que prometi. Estou deixando Charlotte
em paz, Miranda, mas não posso cruzar os braços sabendo que ela
teve um colapso nervoso e não me permitir ao menos saber como
ela está.
Tenho certeza que meus ombros caíram e toda a minha
postura altiva se desfez. Eu nunca, em nenhum momento da minha
vida, me acostumaria com o sofrimento daquele homem. Nunca
conseguiria olhá-lo tão destruído e achar normal.
— Ela está bem. Recebeu o divórcio e não foi tão mal quanto
esperávamos. — Ele soltou o ar dos pulmões, com força, e abraçou
o próprio corpo como se precisasse disso para se manter firme. —
Vi que está com problemas com Tiffany.
— Ela é… — Exalou, passando a mão pelo cabelo. —
Cansativa.
— Imagino. Então não vai rolar essa coisa de família feliz?
Seu olhar gélido e ameaçador quase me fez temer. Mas
aquele ainda era Alex e eu não tinha medo dele.
Lana entrou na sala no exato momento em que Alex rebateria
a minha fala. Sorri diabólica, porque não havia como não ser
vingativa quando a minha frente estava o homem que traiu a minha
irmã depois de jurar amor eterno.
— Miranda! — Lana voltou a falar com alegria. — Desculpe
por isso. Apesar de Tiffany ser uma presença constante… — Olhou
discretamente para Alex. — Eu não imaginava encontrá-la assim.
— E desta vez o olhar para o irmão foi cheio de acusação. —
Como estão as coisas? Charlotte está ansiosa para o lançamento?
Ela vem, não vem?
— Ah… é sobre isso que precisamos conversar — comecei.
— Charlotte não vem.
Todos me olharam sem acreditarem em minhas palavras.
— Sinto muito, mas… — dei de ombros. — Vocês
entendem.
Lana desabou na cadeira, João foi para o seu lado e começou
a massagear os ombros da esposa e Alex foi para a janela, as mãos
no bolso da calça e o olhar distante.
— Mas eu fiz uma estratégia de marketing que acredito que
vai deixar essa questão ainda melhor. Estou com a proposta de uma
agência de marketing, indicação do Alex, e adorei o que
conseguimos bolar para a Charlotte neste momento inicial.
Peguei meu notebook da bolsa e iniciei o trabalho, deixando
que as questões pessoais fossem esquecidas. Alex não se
posicionou, apesar de ouvir tudo com atenção. Lana, mesmo sem as
sessões de autógrafo, ficou empolgada com a maneira como
estávamos dispostos a investir na carreira de Charlotte e no final da
reunião já falávamos em maneiras de conseguirmos fechar com
uma editora estrangeira.
Com o inglês como língua nativa de Charlotte seria muito
fácil a tradução. Alex me passou alguns contatos de editoras
parceiras e, sem qualquer problema, me ensinou a melhor maneira
de abordá-los. Inclusive se comprometeu a digitar uma carta de
sugestão de publicação.
E no final das contas, a reunião gerou frutos. Mesmo o
incômodo notável do Alex, e a maneira nada sutil como Lana
tratava a situação do irmão com a ex-esposa. No final,
sobrevivemos todos.
CAPÍTULO 26

“Quer saber? Já tô desapegando de você. Já tô me


acostumando sem você. Reaprendendo a viver
Quer saber? Eu tô morrendo de saudade de você
Esquece o seu orgulho e vem me ver
Vem me ver”
Ioiô - Dilsinho

Saí do banho, depois de quase uma hora dentro da banheira e


mais meia hora desfazendo a pele enrugada, hidratando e
massageando, tentando ao máximo me livrar da tensão da reunião
da tarde.
Não falei com Patrício. Em parte porque não tinha qualquer
clima para aquele reencontro tão esperado, depois de encarar
Tiffany dando um tapa no rosto de Alex, e ele afirmando que ela
seria mãe solteira. Não queria encontrar Patrício e ao invés de me
deixar perder em seus braços, iniciar uma conversa sobre o que
seria do Alex.
Não. Eu precisava de tempo. Precisava colocar todo aquele
estresse para fora e só reencontrar meu namorado quando me
sentisse pronta para ser só dele.
E, claro, não seria tão fácil quanto me permiti acreditar
enquanto meditava naquela banheira maravilhosa, com sais
fantásticos e uma música relaxante. Também me enganei mais um
pouco quando fiz o pedido do serviço de quarto e determinei que
seria melhor passar aquela noite sozinha.
Porque quando deixei o closet, vestindo apenas um roupão e
uma toalha enrolando meu cabelo para tirar o excesso da água, a
campainha soou indicando a chegada do meu jantar.
Com as mãos ainda empapadas com creme para os cotovelos,
fui até a porta decidida a não me demorar para voltar ao meu
momento relaxante, e dei de cara com meu namorado.
Patrício, com as duas mãos apoiadas no batente da porta, me
encarava com cara de poucos amigos. Dei dois passos para trás,
nada aborrecida com a sua presença, tão pouco com a expressão
emburrada. Na minha frente estava o homem da minha vida, lindo
em uma camisa de algodão branca, manga comprida puxada até o
antebraço, uma bermuda esverdeada de bolsos dos lados e
sandálias de borracha. Simples e maravilhoso!
Simples.
Como se tivesse deixado a casa assim que soube que eu
estava no Brasil.
Ah, droga!
— Estou pensando em quem eu devo processar por permitir
visitas ao meu quarto sem que eu aceitasse — provoquei.
Seus olhos ficaram estreitos. Patrício entrou, fechou a porta
atrás de si e caminhou em minha direção, fazendo-me recuar.
— Como conseguiu subir?
— Por que está me evitando? — Ele foi direto ao ponto.
— Eu não estou fazendo isso.
— É claro que está!
— Não, não estou.
Ok! Precisei dar mais alguns passos para trás, me
perguntando porque fui idiota ao ponto de acreditar que seria
melhor não encontrá-lo naquela noite. Eu estava… eu… Deus! Eu
estava tão louca de saudade que mal conseguia pensar no que dizer.
— Se Lana não tivesse ido a minha casa, eu continuaria
acreditando que você estava na Inglaterra, que foi onde me disse
que estava na última vez em que nos falamos — acusou.
— Eu pretendia fazer uma surpresa, mas você tinha outros
planos para a sua tarde.
— Não faça isso, Miranda! Não jogue a culpa para cima de
mim. Por que está aqui? Por que não foi para sua casa? E por que
inferno não me contou que estava no Brasil?
— Porque…
A campainha tocou me impedindo de falar. Patrício olhou
para trás, sem qualquer paciência, depois de volta para mim.
— O jantar — anunciei, dando de ombros.
Contrariado, ele voltou a porta para receber o meu pedido,
mas ficou tão surpreso quanto eu ao encontrar Alex parado,
esperando ser recepcionado por mim.
— Alex? — Patrício falou, confuso o suficiente para sair da
frente.
— Alex? — Ecoei a surpresa do meu namorado. — O que há
de errado com este hotel? Ninguém é anunciado antes de subir? —
reclamei, indignada.
— Desculpe! — Alex falou, visivelmente constrangido,
olhando do irmão para mim e de mim para o irmão. — Eu não fazia
ideia de que atrapalharia.
— Não está atrapalhando. — Patrício cruzou os braços na
altura do peito ao falar. — O que aconteceu? — Alex me olhou
inseguro, constrangido de uma forma como nunca vi antes. —
Como soube que eu estava aqui?
— Na verdade… Patrício… — Mordeu o lábio antes de
tomar coragem. — Eu vim conversar com Miranda.
— Com Miranda? — Patrício se abismou com aquele
argumento, e, após me lançar um olhar acusador, falou: — Você
tinha um encontro com o meu irmão?
— Não! — Dissemos Alex e eu, ao mesmo tempo.
— Pelo amor de Deus! O que você tem na cabeça? — acusei.
— Não quero causar nenhum problema. Eu só… — Alex
tentou.
— Desculpe! — Patrício o interrompeu, envergonhado pela
acusação. — Não está sendo fácil essa conversa. — Ele sentou no
sofá, soltando o ar. Alex me olhou preocupado, sem saber como
pedir privacidade ao irmão.
— Eu posso voltar depois. Quem sabe amanhã… um café —
Alex disse.
— Não, Alex! Tudo bem. Eu sei que você e Miranda
precisam conversar. Ela é a agente da Charlotte. Desculpe, eu não
quis insinuar que…
— Na verdade era só uma conversa… eu queria esclarecer…
— Nós precisamos de privacidade — falei de uma vez por
todas. Aqueles dois começavam a me dar nos nervos. Patrício me
olhou sem acreditar e Alex parecia querer sumir dali.
— Bom… então eu vou… — Meu namorado levantou do
sofá.
— Você fica! — Fui firme, fazendo-o parar no lugar. —
Alex, vamos para a varanda. O jantar vai chegar, Patrício. Pelo
amor de Deus, faça com que apenas a comida entre neste quarto. E
amanhã mesmo estarei deixando este hotel. Não é possível que eu
não tenha nem direito a privacidade — resmunguei enquanto
caminhava em direção a varanda sem me importar se Alex me
seguia.
Encostei no parapeito e fechei melhor o roupão no meu
corpo, afinal de contas, eu estava nua por baixo da toalha felpuda.
Alex se aproximou com cuidado, parando ao meu lado,
encarando a imagem de Copacabana à noite. Deixei que levasse o
tempo necessário para iniciar a conversa que eu não queria ter.
Porque eu conhecia o assunto: Charlotte. E me sentia cansada de
tentar equilibrar aquele peso na balança.
— Desculpe ter vindo sem avisar — ele começou.
— E por que veio? — Minha falta de tato o fez recuar.
— Por causa do que você disse.
— Do que eu disse? — Encarei meu cunhado, sem entender
o que eu poderia ter dito para que ele se aventurasse até o meu
quarto do hotel.
— Sobre eu e Tiffany formamos uma família feliz.
Ah, merda! Não consegui evitar o gemido de insatisfação que
escapou dos meus lábios.
— Eu não estou com Tiffany — informou.
— Deu para perceber.
— Miranda, eu sei que nunca fomos bons nisso. Tenho meus
motivos para não confiar em você e…
— E agora eu tenho mais alguns para não confiar em você,
em especial, com a minha irmã — rebati. — O que você quer,
Alex? Não é para mim que você tem que dar qualquer satisfação.
— Eu sei. — Demonstrando cansaço, voltou a olhar em
direção à praia. — Não sei o que estou fazendo. Não posso me
desculpar com Charlotte. Não há nada que eu diga que amenize a
situação… não sei o que estou fazendo, Miranda. Só queria de
alguma forma, conseguir aliviar a acusação nos olhos de alguém.
— E porque achou que seria nos meus? — perguntei,
indignada.
— Não sei. Ou sei. — Colocou as mãos nos bolsos e encarou
os tênis. — O que aconteceu com Tiffany foi um erro. Um
momento infeliz e de fraqueza. A culpa foi minha. Não aceito
colocá-la na conta de ninguém. Só que isso não me faz adorar a
ideia de ter um filho com a mulher que destruiu o meu casamento.
Pra falar a verdade, não faço ideia de como fazer isso funcionar.
Quero dizer… como ter um filho com alguém que você detesta?
— Não sei — sussurrei.
Não deveria me abalar com aquela conversa, porém, Alex
demonstrava o quanto detestava a ideia de ter um filho com Tiffany
e lamentava a separação com Charlotte, e eu me pegava pensando
no quanto aquela situação se parecia com a minha. Thomas não
suportou ter um filho comigo, pois Charlotte era o seu objetivo.
Fechei os olhos com força, me obrigando a não fazer associações,
sem conseguir grande sucesso.
Porra, eu odiava Tiffany. Odiava tudo o que ela fez a minha
irmã e odiava o fato de ela estar grávida, quando Charlotte se
recuperava de um aborto complicado e se conformava com o fato
de nunca poder ter filhos. Eu tinha todo o direito de odiar Tiffany,
contudo, naquele momento, vendo o quanto Alex a desprezava, eu
me via nela e me perguntava se o desprezo de Alex faria com que
Tiffany fraquejasse, e desistisse do filho.
Mordi o lábio não querendo festejar aquela possibilidade. Era
pavoroso. Um peso que eu nunca desejaria para nenhuma mulher.
E então as palavras de Alex, a sua acusação para Tiffany, “Você é
uma mãe solteira”, me causou repulsa.
— Você não deveria detestá-la, Alex. Tiffany te serviu
quando estava em sua cama, ao invés de ser posta para fora dela.
Além do mais, ela não engravidou sozinha. Não é justo que se
torne uma mãe solteira, e você não pode ser irresponsável ao ponto
de deixá-la abortar.
Esperei pela sua raiva, pela explosão ou até mesmo, pela
desistência em tentar me explicar, no entanto, contrariando tudo o
que eu imaginava, Alex deitou o rosto nas mãos.
— Eu jamais pediria algo do tipo — resmungou com a voz
abafada. Com um gesto afetado, ergueu o rosto e soltou o ar com
força. — Eu não sei o que aconteceu, Miranda. Sei que não planejei
isso, não desejei Tiffany em minha cama, eu estava bêbado! Eu sei,
eu sei, não dá para acreditar em algo do tipo. E não estou querendo
arrumar desculpas para o que fiz. Isso destruiu o meu casamento e
não há uma forma de organizar a bagunça que ficou no lugar, eu
só… só queria que alguém, qualquer pessoa, entendesse que não
busquei isso. Não estou fugindo da minha responsabilidade como
possível pai do filho dela, é que Tiffany está… ela está me
enlouquecendo.
— Imagino.
O fato de imaginar a capacidade que aquela mulher tinha de
enlouquecer até mesmo Alex, o homem mais cheio de si que já
conheci, não aliviava a maneira como passei a vê-lo.
— Mas ela é um fardo seu agora. — Ele fez uma careta.
— Se esse filho for meu, terei responsabilidades com a
criança, não com Tiffany.
— Lamento te informar, Alex, mas durante muito tempo, eles
dois serão uma coisa só.
Aquilo pareceu enfurecê-lo. Alex mordeu o lábio, ficou
agitado, apesar de parecer buscar a todo custo o controle. Pude
perceber seus olhos úmidos e a maneira como a sua garganta
engolia sem parar, o que demonstrava que faltava pouco para que
aquele homem desmoronasse a minha frente.
E, por mais egoísta que pudesse parecer, eu não desejava a
cena.
— Eu amo Charlotte, Miranda — sussurrou de uma forma
que não consegui sequer encará-lo. — Amo Charlotte como nunca
amei ninguém em toda a minha vida.
— Eu sei. — Suspirei, cansada. — E lamento por tudo o que
aconteceu.
E por Alex não fazer nem ideia do quanto aquela história
havia roubado deles. Imaginar Charlotte e Alex curtindo a
gravidez, a certeza do amor que ele lhe daria, a fantasia de família
comercial de margarina, fez com que meus olhos ficassem
molhados. Charlotte merecia aquele sonho, não Tiffany e toda a
sua loucura.
— Eu também — ele disse cheio de tristeza. — Aconteceu e
agora não há nada que eu possa fazer. Não vou atrás dela, Miranda.
Não posso condenar Charlotte desta forma. Se este filho for meu,
será… um inferno que ela não merece viver. Era isso que eu queria
te dizer. Charlotte pode voltar ao Brasil, ou continuar na Inglaterra.
Seja qual for a decisão, quero que ela saiba que não me encontrará
no caminho. Ela pode vir para o lançamento do livro, ou seguir o
que planejou com você. Não vou me impor, não vou forçá-la a
conviver comigo e não vou, por mais que me doa, tentar restaurar o
nosso casamento. Hoje você teve uma amostra do que eu tenho
vivido. Eu não desejo isso para ninguém. E como a culpa é minha,
vou assumi-la sozinho. Não como você insinuou. Charlotte é a
mulher que eu amo e ninguém vai ocupar o lugar dela. Nem
Tiffany, nem qualquer outra mulher. Ninguém.
— É uma decisão difícil, mas eu te parabenizo por ela —
falei com sinceridade. — E eu sei que não serve de consolo, mas
Charlotte também te ama. — Vi o abalo que minhas palavras
causaram nele, porém, não havia como ser diferente. — E é por
isso que ela não vai voltar. Não importa se você estará fisicamente
presente ou não, Alex. Você sempre estará lá.
— Eu entendo. — Sua voz embargada me emocionou. — E
sinto muito. Queria que ela soubesse que eu sinto muito.
— Desculpe, mas da minha parte, Charlotte nunca saberá que
conversamos. — Ele concordou sem nada dizer. — E tenha
paciência com Tiffany. — Ele me deu um sorriso triste.
— Acredite, eu estou tendo. É melhor eu ir. Desculpe por
atrapalhar seu reencontro com o meu irmão.
Alex saiu, mas eu não o acompanhei. Precisava digerir aquela
conversa tão sofrida. Por isso permaneci na varanda pelo máximo
de tempo que consegui, até ouvir os passos de Patrício. Não
precisei olhar para trás para me certificar da sua presença. Eu o
reconhecia mesmo sem precisar abrir os olhos, sem precisar do
olfato ou do tato. Patrício agia diretamente em minhas células, na
minha composição química, como a lua, interferindo na reação do
meu corpo.
Preparei-me para mais um round. Ele permaneceu quieto, na
entrada da varanda. Eu até podia imaginá-lo, encostado na porta de
vidro, as mãos nos bolsos da bermuda, uma expressão confusa e
ressentida.
— Eu não avisei que estava voltando porque não queria que
as pessoas estivessem preparadas para me receber — comecei. —
Não queria que Alex aguardasse por mim e por informações, nem
que Tiffany se sentisse ameaçada, nem mesmo que a imprensa me
encontrasse. Eu não estava pronta para encarar meus problemas.
Aquele homem… ele sabe os meus passos, insiste em me
encontrar.
— Foi por isso que não foi para a sua casa? — Concordei em
silêncio. — E não poderia me avisar?
— Eu não queria uma cena, Patrício.
— Uma cena? O que você acha que eu faria? Que correria
para o aeroporto com cartaz e flores? — Tive que rir. — Ah, tudo
bem! Eu dei motivos para você acreditar que eu faria algo do tipo.
Virei em sua direção, encarando-o por fim. Ele retribuiu o
olhar, sério, taciturno, me analisando.
— Desculpe, garotão! — sussurrei. — As coisas não estão
fáceis nos últimos tempos.
— Não estão, mas eu estou aqui, do seu lado, te apoiando.
— Eu sei.
— Se não queria me ver era só avisar, Miranda.
— Para você me pedir em casamento outra vez? — brinquei,
abrindo um sorriso escroto. Ele estreitou os olhos, mas sorriu
também.
— Isso não faria você ficar.
— Não, mas me deixaria… excitada — sussurrei, quebrando
o clima tenso.
— Porra, Morena! Faz alguma ideia do quanto estou furioso?
— Faço.
Ele ajustou o corpo, as pernas separadas e os braços cruzados
no peito. No rosto, a expressão de quem não sabia como agir.
— E agora? — ele disse.
Olhei para os lados, procurando por bisbilhoteiros e passei os
dedos entre o roupão, tocando o decote e descendo até o meu
umbigo. Patrício acompanhou minha ação com atenção.
— Agora? Você pode começar me pedindo em casamento —
provoquei.
— Você não quer casar — devolveu com o mesmo
argumento que eu utilizava para negar seus apelos.
— Não quero, mas me excita saber que seria capaz de um ato
como este, só para estar comigo.
— E então você some, e quando aparece, não faz questão de
me encontrar. Não, Morena! Não é assim que funciona.
— Que pena! — Abri um pouco o roupão, revelando meus
seios nus. Ele mordeu o lábio inferior, mas não se moveu. — O que
posso fazer para ser perdoada?
— Vai querer resolver desta forma mesmo? Com sexo?
Suas palavras me impactaram. Contrariada abri um pouco
mais o roupão, deixando que minha nudez fosse vista por ele, e abri
os braços me apoiando no parapeito, de costas para a rua e toda
voltada para Patrício.
— Não é sempre assim? Não é como resolvemos os nossos
conflitos?
Ele riu sem qualquer vontade, desviando os olhos do meu
corpo.
— Não desta vez. Boa noite, Miranda.
Patrício me deu as costas e foi embora.
Fiquei parada na varanda, o frio atingindo meu corpo exposto
e alcançando a minha alma.
Que merda!
O que eu estava fazendo?
CAPÍTULO 27

“Hum, que vontade de ter você


Que vontade de perguntar
Se ainda é cedo
Hum, que vontade de merecer
Um cantinho do seu olhar
Mas tenho medo”
Espelhos D’água - Patrícia Max

Desci do táxi e encarei a fachada do prédio. A noite do Rio


de Janeiro estava quente, e ainda assim, meus ossos gelavam
quando caminhei em direção à portaria.
Queria ter a mesma facilidade que os irmãos Frankli tinham
para conseguir acesso ilimitado sem precisar serem anunciados.
Mas eu não o tinha, por isso, não podia contar com o fator surpresa,
e precisei ser anunciada, correndo o risco de ser enxotada dali
mesmo.
Para a minha surpresa, o porteiro liberou a minha passagem
depois de me anunciar. Pelo menos não estava tudo perdido. Se eu
podia subir, então Patrício não estava aborrecido ao ponto de me
expulsar da sua vida.
O elevador pareceu levar uma eternidade até alcançar o meu
andar de destino e, assim que a porta abriu, dei de cara com meu
namorado, me esperando na entrada do apartamento, encostado à
porta, com a mesma postura relaxada de antes.
— Ora ora — ele disse com deboche.
— Então aqui você quer conversar? — provoquei.
— Pelo menos aqui você não vai tirar a roupa para me
ludibriar.
— Não duvide de nada, Patrício — ele abriu um sorriso
lindo, que me amoleceu.
— Seria interessante, Miranda, já que meus pais estão na sala
aguardando por você.
— Por mim?
— Talvez seja difícil para você compreender, mas as pessoas
se interessam pela sua vida, e sentem a sua falta.
— Desculpe, garoto! — sussurrei, me sentindo péssima.
— Tudo bem. — Estendeu a mão para mim como um
convite.
E eu sabia, que no instante em que minha mão tocasse a dele,
tudo estaria resolvido. Não era o sexo, como cheguei a insinuar, no
auge da minha insegurança e sofrimento. Era a confiança que ele
depositava em mim, o seu companheirismo, a sua amizade e o seu
amor, que não impunha limites ou barreiras. Era isso o que
impulsionava aquele relacionamento e era daquela forma que
resolveríamos e superaríamos tudo.
Depositei não apenas a minha mão na dele, mas todos os
meus sentimentos. Todos. Amor, medo, tristeza, raiva… entreguei
a Patrício e senti meus ombros relaxarem no momento em que ele
me puxou para os seus braços, cheio de saudade, e beijou meus
lábios.
Fui arrematada pelo sentimento certo, o amor, a certeza de
que era com ele que eu deveria estar, e que me esconder era errado,
quando sabia que apenas ali, em seus braços, eu encontraria força
para lutar. Patrício era vida, era ar, era calor. E eu o amava como
nunca fui capaz de amar antes.
Seus lábios tocaram os meus com saudade, desejo e paixão.
Ele me manteve perto, uma mão em minha cintura, me prendendo
ao seu corpo, e a outra em meu rosto, como se precisasse disso para
se certificar de que era real, que eu estava ali mesmo.
— Que saudade! — sussurrou sem conseguir se afastar.
Aprofundei o beijo, enfiando os dedos pelos seus fios
cacheados e tocando, com a outra mão, seu peitoral. Eu sentia tanta
falta dele que doía.
— Me perdoe! Eu fui uma idiota — falei assim que ele
separou nossos lábios.
— Eu não entendo porque você vive arrumando maneiras de
fugir de mim, Morena.
— Não estou tentando fugir de você — admiti. — Talvez do
mundo, mas de você não. — Ele riu e, me abraçando, beijou o topo
da minha cabeça.
— Venha, meus pais querem te ver.
Entrei no apartamento me dando conta do clima romântico.
As luzes principais estavam apagadas, mas na área da varanda
gourmet, pequenas lâmpadas de decoração, acompanhadas de velas
espalhadas pelos cantos, davam ao ambiente um aspecto delicioso.
— É a noite deles — Patrício sussurrou, revirando os olhos.
— Noite deles? — seus dedos entrelaçaram os meus.
— Um artifício para manter a chama acesa. Essas coisas.
— Ah, Patrício, nós não deveríamos…
— Eles querem te ver.
Continuamos andando em direção a varanda. Eu já podia ver
os pais do meu namorado, sentados no sofá que ficava de costas
para a sala, juntos. Dana descansava a cabeça no ombro do marido
e parecia tão… nossa! Eles eram lindos demais juntos. Como o
Padrinho e a madrinha.
— Por favor, não se beijem — Patrício suplicou ao entrar na
varanda me levando junto.
— Patrício! — sussurrei, repreendendo-o.
— Eles se beijam o tempo todo. — Seus pais riram.
— Não tanto quanto gostaríamos. — Dana declarou ao
levantar e me envolver com seus braços. — Quer uma taça de
vinho?
— Ah, não! Obrigada!
— Como você está? E Charlotte? — Adriano também
levantou para me cumprimentar, e, claro, o assunto seria Charlotte.
— Se recuperando. Tentando seguir em frente. — Eles
fizeram uma cara triste e eu percebi que mudei o clima romântico
com a carga da minha presença. — Legal isso aqui. Ficou bem
bonito. Gostei da ideia. — Tentei desfazer a sensação ruim.
— Ah, é só uma coisinha que fazemos para não deixar o
tempo transformar nosso casamento em trabalho, preocupação com
filhos e problemas — ela disse.
— Preocupação com os filhos, principalmente. — Adriano
lançou um olhar para Patrício, que abriu um sorriso imenso.
— Não vamos atrapalhar vocês. — Meu namorado me puxou
um pouco para trás. — Eu e Miranda também precisamos fazer
com que o relacionamento não seja só trabalho e problemas com os
irmãos.
— Patrício! — resmunguei.
— O quê? Não é verdade?
— Ora, Patrício! Não seja egoísta — Dana bradou. Meu
namorado pouco se importou.
— Vou levar minha namorada agora, antes que ela precise
ver vocês se beijando — brincou, enquanto me puxava para fora da
varanda.
— Desculpe! — sussurrei envergonhada pela atitude infantil
do meu namorado. — Você é terrível, Patrício!
— Eles gostam de mim assim.
— Para onde vamos?
— Pro meu quarto — anunciou sem se importar com a minha
parada brusca.
— Seus pais estão em casa!
— E daí? Eles estão namorando. Nós vamos fazer o mesmo.
— Enlaçou a minha cintura, roubando um beijo travesso.
— Patrício!
— É só você gemer baixinho, Morena! — sussurrou em meu
ouvido. Meu rosto esquentou, o que não era algo normal para
alguém como eu.
— Meu Deus! Você não tem jeito.
— Não tenho.
Sem esperar, fui içada em seus braços e levada escada acima
como uma boneca de colo.
Eu não sabia mensurar o horário. A casa silenciosa e
nenhuma luz além da que entrava pela janela do quarto, indicava a
ausência de alguém acordado. Não sentia sono, pelo contrário.
Fazer amor com Patrício me deixou desperta, como se minha mente
tivesse ganhado fôlego, e então começasse a trabalhar a todo vapor.

Eu me aconcheguei mais um pouco nos braços do meu


namorado, que se não fosse pelo leve roçar dos dedos em meu
braço, acreditaria que estava dormindo, e beijei seu peitoral mais
uma vez. Como eu podia sentir tanta falta daquele corpo? Como
podia amar tanto ao ponto de não desejar nada que não o
envolvesse?
— Você deveria dormir um pouco, gata — ronronou, a voz
sedosa, caminhando para o sono.
— Não consigo — revelei, procurando seus olhos mesmo na
parca luminosidade.
— Por causa do Alex, de mim ou da sua nova
responsabilidade? — brincou.
— Um pouco de tudo.
— Alex não está nada bem, Morena. — Patrício se mexeu,
me puxando melhor para seus braços e depositando um beijo em
meus lábios. — E Tiffany não facilita as coisas.
— Eu vi. Ela deu um tapa no rosto dele.
— Foi mesmo? Na editora? E ninguém fez nada?
— Hum! O que poderiam fazer? Ninguém vai pegá-la pelo
braço e jogá-la na rua. Ela está grávida, e grávida do Alex.
— É o que acreditamos, não é mesmo? — Sua voz irônica
me deixou desconfortável.
— Por que vocês dizem isso? Acha mesmo que Tiffany
arriscaria tanto com um filho de outro homem?
— Não. Não acho. Só é estranho ela se negar a fazer o DNA.
Bom, ele tinha razão, ainda assim…
— Ela está horrível — comentei.
— Parece que está com problemas com a gestação. Essas
coisas hormonais ou qualquer coisa do tipo. Tiffany não para.
Atormenta Alex o tempo todo. Deve fazer mal a ela também essa
rejeição. Alex não relaxa. Eu sei que é difícil, mas… sei lá. Ele
poderia mentir um pouco, ou fazer qualquer coisa para deixá-la
mais tranquila. Depois, quando a criança nascesse, ele alegava que
ela não tinha condições de criar, e tomava a guarda na justiça.
Acertei Patrício com um tapa. Ele gritou, não pela dor, mas
para me constranger. Em seguida começou a rir.
— Você é ridículo! — Ele riu ainda mais. — Não faça piada
com essa situação, Patrício. Nossos irmãos estão sofrendo.
— Verdade. É muito mais fácil para Charlotte. Ela está longe
de tudo isso. Aqui nós estamos o tempo todo pisando em ovos,
porque Tiffany está em todos os lugares. Parece uma assombração.
Acredita que ela apareceu aqui em casa? Disse que queria que
minha mãe fosse mais próxima do neto. Um pesadelo.
— Nossa! Que desagradável.
— E minha mãe, apesar de tudo, não consegue gostar dela.
— E quem consegue gostar?
— Ela já foi legal.
— Hum! — Deitei em seu ombro sem querer continuar o
assunto. — Por que você desmarcou toda a sua agenda da tarde? O
que foi fazer?
— Deixa eu pensar… — Pirraçou. Belisquei seu ombro e
Patrício se encolheu. — Eu vou gritar tão alto que meu pai vai
derrubar a porta para me salvar.
— Seus pais devem estar transando.
— Caralho, Morena! Você sabe ser brochante.
— Seus pais transam, Patrício! Encare a realidade.
— É lógico que eles transam, só que eu não preciso pensar
nisso.
Rolei para cima dele, me encaixando em seus quadris. Meus
seios nus ganhando a sua atenção. Patrício se remexeu embaixo de
mim, gostando da iniciativa.
— No que você não gostaria de pensar? Que sua mãe gosta
de ficar por cima? — pirracei. Ele colocou as mãos em minha
cintura e apertou.
— Definitivamente, você é broxante.
— Ou que seu pai adora passar a língua entre as pernas de
Dana.
Com um movimento rápido fui tirada do seu colo e
depositada no colchão. Patrício se posicionou por cima de mim e
tapou minha boca.
— Eu vou te amordaçar se você fizer mais uma piadinha. —
tentei rir sem muito sucesso. — Caladinha, Miranda, ou além de te
amordaçar, vou amarrar seus braços e bater na sua bunda. —
Balbuciei umas bobagens para que ele tirasse a mão da minha boca.
— Se você me prometer que fará isso, eu posso pensar em
mais umas duas ou três sacanagens que seu pai faz com a sua mãe.
— Morena…
E lá estava aquele sorriso abusado que tanto me atiçava.
— O que fez esta tarde de tão importante que precisou
desmarcar toda a agenda?
— Eu acho… — ele se abaixou e mordiscou o bico do meu
peito. — Que já passou da hora de eu morar sozinho. — Sua língua
me provocou, me fazendo gemer baixinho. — Gosto de ouvir seus
gemidos, gata.
— Posso competir com Dana se você quiser. — Patrício
resmungou e mordeu minha carne com mais vontade.
— Não existe competição para você. E pare de tentar fazer
meu pau descer.
— Seu pau desceria só porque descobriu que sua mãe sabe
ser safada?
— Miranda…
— Ah, tá bom!! — resmunguei, mas abri um sorriso imenso.
Eu amava aquele garoto. — Vai me contar ou não?
— Vou. — Afirmou saindo de cima de mim e levantando da
cama. — Primeiro, achei o apartamento.
— Achou?
— Achei.
Patrício foi até a gaveta da sua cômoda e retirou de lá um
envelope e uma sacolinha de papel. Então voltou para cama e
sentou ao meu lado.
— Não reclame — avisou. — Encontrei o apartamento
perfeito. Ele tem tudo o que precisamos e consegui ficar com um
andar inteiro.
— Hum! Isso quer dizer que você já decidiu?
Sentei na cama, puxando o lençol para cobrir meu corpo. Não
sabia se o leve desconforto em meu estômago era devido ao fato de
Patrício ter feito aquilo tudo sozinho, sem conversar comigo, ou se
pelo fato de eu não ter podido dar andamento aos nossos planos por
precisar me dedicar a minha irmã. De qualquer forma, o assunto me
incomodou.
— O prédio está em construção.
— Construção? Na planta ainda? — protestei.
— Sim. Mas já está bem avançado, o valor estava ótimo, o
local é muito bom para mim e o melhor de tudo, vamos poder fazer
todas as mudanças que desejamos.
— Então você comprou? — resmunguei.
— Comprei. Paguei um à vista e o outro financiei.
— Patrício! Nós concordamos que eu entraria nisso também.
— Eu sei, Morena, e sou muito grato por sua generosidade.
Mas preferi fazer assim. Não vou me importar se você quiser
decorar, definir a reforma, quebrar paredes para deixar o closet
imenso…
Acabei rindo. Como ficar aborrecida quando aquele homem
na minha frente não demonstrava qualquer incômodo em me ter
participando daquela nova etapa da sua vida? Era a primeira vez
que Patrício teria a liberdade de morar sozinho e ele fazia isso me
dando amplos poderes para interferir.
— Não fique aborrecida — pediu.
Avancei sobre ele, derrubando-o no colchão. Patrício riu,
envolvendo a minha cintura com os braços.
— Estou perdoado?
— Eu estou tão orgulhosa de você, garoto!
— Está é? — Suas mãos foram para a minha bunda.
— Então você passou a tarde resolvendo isso?
— Não. Na verdade passei a semana ajustando a parte
burocrática. A venda mesmo aconteceu ontem. Hoje eu saí para
providenciar algumas coisas.
— Ah é?
— Sim. Quer saber antes ou depois de fazer amor comigo?
— ronronou me puxando ainda mais para a sua ereção.
— Antes — ele fez muxoxo. — Estou curiosa!
— Ok. Comprei quatro coisas importantes. Coisas que decidi
que seriam fundamentais para esse começo.
— Ah, meu Deus! — Sentei sobre seus quadris, aguardando
pela bomba. — Está nessa sacolinha?
— Apenas duas.
Patrício me encarou, sério, mordendo o lábio inferior, como
se não soubesse como me revelar as suas compras, o que me
causou receio. Ele sentou na cama, me ajustando em seu colo.
— As duas primeiras coisas... — começou. — Comprei um
fliperama. — Ergui uma sobrancelha sem acreditar. — Uma
máquina de jogo. Você sabe, dessas que…
— Quantos anos você tem? — Ele esticou os lábios em um
sorriso torto perfeito.
— Minha mãe nunca me deixou ter um.
— Sempre achei Dana muito sensata. O próximo.
— Comprei uma cervejeira.
— Uma cervejeira?
— Sim, tipo uma adega, mas para cerveja.
— Por que será que estou acreditando que a compra três e
quatro vão me assustar muito?
— Porque vai.
— Ah, Deus!
— A cervejeira vai ser legal, Miranda. Vamos ter uma
varanda imensa e eu quero fazer com que o apartamento que vamos
morar fique equipado para recebermos os amigos da forma certa.
— Isso não é nada bom, mas… você disse, vamos?
— Isso nos leva a minha terceira compra.
Ele pegou a sacolinha e retirou de dentro dela uma
embalagem pequena. Demonstrando um pouco de
constrangimento, colocou em minha mão e aguardou.
— O que é isso?
— Abra.
— Estou com medo.
Patrício revirou os olhos e pegou a embalagem da minha
mão, retirando de dentro dela um chaveiro lindo, em formato de
elefante e todo brilhante. Então o colocou na palma da minha mão.
— O apartamento é nosso, então… — Meus olhos ficaram
cheios de lágrimas e precisei de toda a minha força para conter a
emoção. — Para quando recebermos as chaves.
— Certo — falei com a voz embargada. — E a quarta
compra?
Meu namorado retirou uma caixinha de dentro da sacola.
Reconheci de imediato a logomarca da loja e meu coração
disparou. Desta vez ele não colocou a caixa na minha mão, mas a
abriu e tirou de lá de dentro duas alianças de ouro branco. O ar
ficou petrificado em meus pulmões.
— Case comigo — falou com leve receio.
Encarei o par de alianças em sua mão, procurando minha
voz. Eu sequer conseguia pensar.
— Miranda?
— Você não quer casar. — Repeti a mesma desculpa de
antes, só que desta vez, uma lágrima escorreu pelo meu rosto, a
qual limpei no mesmo instante.
— Eu não queria. Todas as vezes que te pedi em casamento
foi pelo medo de te perder, ou por não saber como fazer funcionar
algo que eu não queria perder. Agora eu sei. Eu amo você, Morena!
E amo o suficiente para desejar passar a minha vida ao seu lado.
— Patrício… — solucei, deixando outras lágrimas caírem,
triste pelo que teria que dizer, mas ele não me deixou terminar.
— Calma! — Meu namorado secou minhas lágrimas e beijou
meu rosto em vários pontos, com um carinho e cuidado que me
comoveu ainda mais. — Eu sei que não é o melhor momento.
Também sei que é impossível definir alguma coisa agora, com toda
a situação dos nossos irmãos. Porém, você precisa saber que eu
quero casar com você. Quando e como você quiser. Eu comprei os
apartamentos, vou entrar nesse mundo com você, e quero que seja
da forma certa, com o compromisso que já existe em meu coração.
Essa aliança é de compromisso. — Ele segurou meu dedo,
deslizando a joia. — Para que você nunca esqueça da minha
intenção e da minha vontade. Só vai virar um noivado quando você
quiser. Quando estiver preparada.
— Ah, Patrício!
Busquei seus lábios, chorando e rindo ao mesmo tempo.
Porque onde antes só havia insegurança e incertezas, passou a
existir apenas a paz que eu tanto buscava. Não era hora de
casarmos, mas eu me sentia segura o suficiente para seguir ao seu
lado, ciente do caminho que trilharíamos.
Aquela aliança em meu dedo me fortaleceu de uma forma
que eu não imaginava ser capaz.
Patrício me virou na cama, deitando sobre mim, e assim
recomeçamos a nossa noite.
CAPÍTULO 28
PATRÍCIO

“Eu não preciso te olhar


Pra te ter em meu mundo
Porque aonde quer que eu vá
Você está em tudo
Tudo, tudo que eu preciso
Te vivo”
Te vivo - Luan Santana

Chovia um pouco quando estacionei no aeroporto para


esperar por Miranda. Já fazia dois meses longe, e quatro desde que
concordamos que pensaríamos em casamento. A bagunça na nossa
rotina sempre me deixava ansioso além do que deveria. Aliás,
desde que Miranda precisou dividir a sua vida entre o Brasil e a
Inglaterra, eu apresentava picos de ansiedade que me obrigaram a
voltar a medicação.
Admito que aquele pequeno comprimido descia em minha
garganta como uma derrota. Eu o detestava. Engoli-lo tinha o
mesmo significado que ceder a doença, ou me render a ela. Mas
Dra. Leila tinha razão, se eu queria me manter firme em meus
propósitos e não deixar que nenhuma crise abalasse tudo o que
planejava ao lado de Miranda, o remédio só ajudaria.
Ainda assim, a revolta em meu peito dificultava o processo.
Sem contar que Miranda não fazia ideia de como a minha cabeça
andava. Eu não queria que ela se preocupasse com mais isso. Como
se não bastasse a separação dos nossos irmãos, o sofrimento de
Charlotte, que a obrigava a voltar para a Inglaterra mais vezes do
que eu desejava, a convivência constante com Thomas e a
abordagem, mesmo espaçada, do homem que se dizia seu pai
biológico.
Esse eu tive o cuidado de tentar investigar. Passei semanas na
frente do flat aguardando por alguém que pudesse estar ali em
busca de informações sobre a minha namorada. Mas o cara sumiu.
A estratégia dele era estranha. Aparecia sem se apresentar, deixava
recados, insinuava almejar a aproximação, e então desaparecia por
bastante tempo.
Por fim, Miranda voltava ao Brasil, a saudade fazia meu
corpo vibrar e escondia todas as demais preocupações.
Cheguei ao saguão com alguns minutos de antecedência e me
certifiquei se a aeronave já havia pousado. Com um pouco mais de
tempo, aproveitei para responder algumas mensagens. Lana
festejava o sucesso de vendas do livro de Charlotte e eu me
perguntava de que forma isso atingia Alex.
Meu irmão escolheu não participar do processo, acreditando
que assim a ex-esposa se sentiria mais à vontade. Na verdade, Alex
não conseguia se dedicar a nada com Tiffany sempre no seu pé,
cobrando, ameaçando, enchendo a paciência. Eu não sabia como
ele suportava aquela situação. Eu já teria ido embora, sei lá, passar
um tempo fora do país, até que Tiffany não pudesse mais
atormentá-lo.
Mas Alex queria ficar no Brasil, e, com uma força que eu não
sabia de onde tirava, suportava Tiffany.
Lana me parabenizava pelas ações que consegui com as
livrarias e pela apresentação do livro. Chegávamos ao fim da pré-
venda e já podíamos contar com o nome de Charlotte na lista dos
mais vendidos. E tudo isso porque as pessoas se sentiam curiosas
por causa do iminente divórcio. Verdade seja dita, Charlotte não
teria tanto destaque se seu breve casamento não fosse noticiado
com tanta ênfase, e no Brasil, fofoca e escândalo era o que definia
uma boa venda.
Assim, tínhamos uma nova escritora destaque e se Miranda e
a equipe que havia contratado para cuidar da imagem da irmã,
trabalhassem certinho, Charlotte chegaria longe.
Respondi a Lana com uma carinha feliz, o que eu sabia que
irritaria a minha irmã, e, enquanto aguardava ela digitar, braços que
eu adorava, me envolveram cheios de saudade. Na mesma hora
minha atenção ganhou apenas um foco.
Virei em direção a minha namorada, envolvendo a sua
cintura deliciosa, e puxando-a para meus lábios. E beijar Miranda
era como a cura para todos os meus pesadelos. Com ela por perto
nada mais fazia sentido, o remédio, Dra. Leila, a ansiedade… nada.
Porque ela estava ali, e meu corpo enfim se encontrava completo,
perfeito.
— Saudades, garotão? — Provocou com um sorriso de tirar o
fôlego.
— Só um pouco. — Peguei o carrinho de sua mão e comecei
a conduzi-la em direção ao estacionamento. — Como foi a viagem?
— Cansativa. — Miranda envolveu o braço no meu e
caminhou ao meu lado. Parecia leve, feliz. — Vi as fotos que me
mandou. Os livros ficaram perfeitos naquela pira.
— Você nem imagina o quanto custa fazer aquele tipo de
divulgação dentro de uma livraria.
— Eu sei. Charlotte está bastante feliz.
— E essa felicidade pode fazer com que ela perdoe o meu
irmão? Porque para ficar melhor só eles dois se acertando.
— Ah, Patrício! Você ainda não perdeu a esperança?
— E você, já? — devolvi a pergunta. Miranda me olhou com
pesar e negou com a cabeça.
— Só não sei como será possível.
— Com o tempo, gata. O que quer fazer? — Ela abriu um
sorriso revelador, que mexeu comigo de uma forma única. Só
Miranda conseguia me deixar excitado daquela forma.
Como estava chovendo pensei em tirar o paletó para auxiliar
minha namorada, entretanto, assim que a ideia se formou em minha
cabeça, ela já havia saído, sem se importar com a chuva.
— Definitivamente você não precisa de um príncipe —
resmunguei. Ela me olhou através da chuva e sorriu com uma
sinceridade genuína.
— Eu sei. — E me segurou para um beijo delicioso.
Embalado pela saudade que sentia daquele corpo, desenhado
em uma calça justa, botas de cano alto e uma camisa que destacava
suas curvas, encostei minha namorada no carro e aprofundei o
beijo, matando a vontade de tê-la em meus braços mais uma vez.
Miranda gemeu e roçou, de forma discreta, o pé em minha
panturrilha, o que por si só me deixava louco.
— Eu sempre quis transar na chuva — ela revelou assim que
nossos lábios se afastaram.
— Que bom — ronronei, movendo meus lábios para o seu
pescoço. — Porque tenho planos para este fim de semana.
— Ah tem?
— Vamos para petrópolis — informei. — Sem ninguém para
me impedir de realizar seus desejos. O que acha?
— Perfeito. Mas vamos assim? — Ela olhou para ela mesma,
vestida com roupas de quem havia acabado de chegar da Europa.
— Quer passar em casa antes?
— Pelo menos para deixar uma parte das malas e pegar
algumas coisinhas — pirraçou, me deixando ouriçado.
— Tudo bem, Morena! Você é quem manda aqui.
Entramos no carro e seguimos em direção ao flat. O horário
não era o mais favorável e a chuva dificultava o trânsito. Ainda
assim, só de estarmos juntos, eu me sentia tranquilo e não me
importava com a lentidão do percurso, nem com a chuva que
engrossava cada vez mais e que, era provável, alagaria alguns
pontos da cidade.
Miranda colocou a mão em minha coxa, o corpo todo voltado
para o meu, me encarando com um sorriso discreto nos lábios. Na
outra mão, a nossa aliança parecia brilhar mais do que qualquer
outra joia que ela usava, o que me dava segurança.
No espaço reduzido do carro parecia caber todo o nosso
mundo. A música baixa combinava tanto com o clima que eu me
sentia como se pudesse assistir toda a cena de fora, só analisando e
curtindo a maneira como conseguíamos interagir. Sentada ao meu
lado, falando sem qualquer receio, Miranda não era nem a sobra da
mulher que um dia foi, a que era cheia de reservas, mistérios, que
fugia ao invés de se entregar.
E eu era louco por aquela garota. Amava tudo nela, tudo o
que vinha dela. Era fácil rir das suas loucuras e me animar com os
seus planos. Miranda, a garota que se julgava tão imperfeita, era
perfeita para mim ao ponto de me obrigar a ser sempre mais.
Porque era isso o que ela merecia de mim, ser sempre mais e
melhor.
E assim seguimos, em meio a risadas, brincadeiras,
confissões, saudade e desejo, cortamos uma boa parte das ruas do
Rio de Janeiro, animados com os planos de pegar a estrada mesmo
com o tempo nada favorável, ou com o avançar das horas, e o que
perdíamos com o congestionamento. Seguíamos felizes sem fazer
ideia do que estava por vir.
Foi quando Miranda resolveu trocar a música. Meu celular
tocou, sincronizado com o som do carro e ela acabou atendendo.
No mesmo instante ouvi a voz de João Pedro ao fundo,
resmungando algo com Lana, e depois minha irmã entrando na
chamada.
— Alô? — Ela disse com pressa.
— Lana? O que foi? — Troquei um olhar rápido com
Miranda, nós dois já tensos com o que podia acontecer envolvendo
os nossos irmãos.
— Onde você está?
— Quase na rua de Miranda, por quê?
— Preciso de você. É urgente” — João assumiu o seu lugar
na ligação.
— Patrício, preciso que você encontre o Alex. Não posso
deixar Lana sair desse jeito. — Minha irmã protestou sem que o
marido lhe desse atenção.
— O que houve? — Comecei a ficar apreensivo. — O que
Alex aprontou?
— Alex? Nada. O problema é a Tiffany. — Outra vez
trocamos um olhar cheio de significados. — Ela tentou se matar.
— O quê? — Falamos alto, Miranda e eu, ao mesmo tempo.
— Merda! Onde Alex está?
— Esse é o problema! Ninguém consegue falar com ele.
— E como vocês ficaram sabendo? — Miranda perguntou
enquanto eu entrava na sua rua com pressa. — Patrício, eu não vou
ficar em casa! — Avisou aborrecida.
— Anita ligou. Ela encontrou Tiffany. Segundo ela, o
porteiro falou que Alex tinha acabado de deixar o apartamento.
— Ah, droga! Droga! — Manobrei, parando em frente ao
flat. — Eu vou até a casa dele. Merda, João! Quais as chances de
Alex ter feito uma bobagem?
— Ela cortou os pulsos, idiota! — Lana gritou nervosa e eu
ouvi João mandando ela se acalmar.
— Certo! Vamos manter a calma. Eu vou até a casa do Alex.
— Ótimo! E eu vou sedar Lana até ela entender que está
grávida e não pode se alterar desse jeito. — João ameaçou a
esposa. — Ligue para nos dar notícias.
Desliguei e encarei Miranda. Ela me olhava assustada.
— Desculpe, gata! Vamos adiar um pouco nossos planos.
— Não vou ficar em casa aguardando por notícias, Patrício!
— E o que quer fazer? Eu vou rodar a cidade procurando por
ele, depois… sei lá, acho que vou para o hospital. Você sequer
gosta de Tiffany, então não tem o que fazer lá. Por favor, Miranda.
Não dá para ficar aqui discutindo. — Ela cruzou os braços na frente
do peito, depois descruzou e soltou o ar, conformada.
— Tá certo. Mas mande notícias.
— Mando sim.
Minha namorada segurou meu rosto me puxando em sua
direção, alcançando meus lábios com facilidade.
— De dez em dez minutos, Patrício.
— Não posso prometer.
— Patrício!
— Trinta minutos, é o que eu consigo agora.
— Que merda! Tiffany é tão absurda que consegue melar até
mesmo nossos reencontros. — Sorri me sentindo abatido. Miranda
tinha razão, mas eu nunca admitiria isso.
— Vejo você em breve.
Ela saiu, pegou a mala e ficou me observando ir embora,
parada nas escadas do flat. E eu não conseguia parar de pensar no
quanto os problemas do meu irmão conseguiam me atrapalhar.
Meu pai se aproximou, sentou ao lado do Alex e lhe entregou
outro copo com café. Alex nada falava, só olhava para o chão,
pensativo.
Encontrei meu irmão em casa, puto da vida, nervoso por ter
brigado com Tiffany depois de tentar fazê-la entender que eles
teriam apenas um filho juntos e nada mais. Alex estava
transtornado, mas sua raiva se transformou em pavor quando lhe
contei o que havia acontecido. Desde então, não conseguia
reconhecer meu irmão naquela feição de fracasso que ele exibia.
Eu o levei ao hospital, liguei para meu pai e contei sobre o
ocorrido. Por sorte, Tiffany foi levada para um hospital onde ele
trabalhou durante anos, e tinha muitos conhecidos. Foi mais fácil
acompanhar a situação com ele por perto.
De acordo com as informações que tínhamos, Tiffany cortou
os pulsos. Anita a encontrou caída na cozinha, desacordada, quase
sem vida. Foi por muito pouco, assim como por pouco a criança
não resistia. E essa foi a primeira vez que vi meu irmão com medo
de perder aquele filho. Mesmo ele sendo filho de quem era e
entendendo que aquela criança o ligaria a vida inteira a uma mulher
desequilibrada que tornaria seus dias um inferno.
— O bebê é forte — meu pai disse, tentando puxar conversa.
Alex continuava encarando o chão. — Mas Tiffany está muito
debilitada. Ela precisa ser acompanhada de perto — acrescentou
com a voz baixa, como se soubesse que tal informação pressionaria
ainda mais o meu irmão.
— Podemos contratar enfermeiras — eu falei. Queria de
alguma forma ser útil. — Tiffany precisa ser vigiada dia e noite.
— Eu vou ajudar — Anita se prontificou, encostada na
parede, distante da gente.
Não parecia em nada a mulher decidida a acabar com o
casamento do Alex. Pelo contrário. Anita demonstrava medo e
apreensão. Sua camisa azul continha manchas grossas do sangue da
prima.
— Eu vou fazer o que Tiffany quer — Alex falou finalmente,
a voz rouca de quem segurava o choro. — Se o bebê sobreviver,
vou fazer como ela quer.
Com uma expressão sofrida meu pai afagou as costas do meu
irmão, como se não enxergasse outra saída também, afinal de
contas, ninguém queria aquele peso em suas costas, e pelo que nos
foi demonstrado, Tiffany seria capaz de qualquer coisa para ter
Alex. Até mesmo tirar a vida do próprio filho.
Aquilo me revoltou de uma forma que nem sei explicar.
Levantei agitado, me afastando deles, pronto para explodir. Será
que ninguém enxergava que Tiffany não tinha aquele direito? Que
Alex não tinha que ceder para que ela mantivesse o filho vivo?
Será que só eu conseguia ver as coisas como elas eram? E era tão
simples resolver. Bastava uma ligação e conseguiríamos internar
Tiffany, protegendo-a dela mesma, até que a criança nascesse e nos
livrasse do problema.
— O que quer dizer com isso, Alex? — Anita fez a pergunta
que me estrangulava.
— Vou ficar com ela. Dar a família que ela tanto deseja —
afirmou derrotado.
— Ah, mas não vai mesmo! — Explodi, sentindo todos os
meus músculos retesarem.
— Não seja tolo, Alex! — Anita foi mais calma do que eu.
— Não será o suficiente para Tiffany. O que ela quer você não
pode dar e ela não vai se contentar com menos do que isso.
— E o que quer que eu faça? Que deixe ela matar meu filho?
— Vamos interná-la. É isso! Vamos manter Tiffany
internada. Nós podemos bancar uma boa clínica, não? Aí quando a
criança nascer, você alega na justiça que Tiffany é incapaz e fica
com a guarda. — Explanei meu plano.
— Você não pode fazer isso! — Anita rebateu, se
aproximando do grupo. — Não pode tirar o filho dela, Alex.
— É claro que pode. Veja o que sua prima fez, quase tirou a
própria vida. Qualquer juiz dará a guarda a Alex.
— Se vocês tirarem a criança dela, ela enlouquece de vez. —
Ela tentou.
— Problema dela — fui firme. — Ninguém tem que passar a
mão na cabeça da louca da sua prima. E quer saber? Você tem
participação nesta loucura. Se não ficasse colocando bobagens na
cabeça dela, tentando atrapalhar a todo custo o casamento do meu
irmão, nada disso teria acontecido.
— Por que não pergunta ao Alex as circunstâncias dessa
gravidez? — ela rebateu com raiva. — Por que não procura saber
como Tiffany engravidou? O que Alex fez para que chegassem a
este ponto?
— Vocês vão me deixar mais louco do que ela está
conseguindo! — Meu irmão levantou, aborrecido, caminhando para
longe.
— É melhor pensarmos em outra solução — meu pai atenuou
a conversa. — Patrício tem razão quando diz que você não pode se
sacrificar desta forma, Alex. Seu filho precisa de você, mas não ao
ponto de te fazer ficar com Tiffany. Todos nós podemos trabalhar
juntos para que ela entenda que não pode forçar a relação. Vamos
todos cuidar dela.
— Não posso sacrificar vocês também — Alex lamentou. —
Tiffany já é um peso muito grande para mim. Não posso envolvê-
los nisso.
— Alex… — Anita se aproximou do meu irmão, segurando a
sua mão. — Falta pouco agora. Vamos contratar enfermeiras para
se revezarem nos turnos. E eu… eu… eu vou morar com Tiffany,
assim a manteremos segura.
— Tem certeza?
— Tenho. Ela é minha prima. Sei o quanto está sendo difícil
para você. Eu posso ajudar.
Alex olhou para mim e para meu pai, sem saber ao certo se
deveria mesmo confiar naquela oferta, depois, abatido, e sem
opção, acabou concordando.
— Tudo bem. — Ele se afastou, caminhando até a janela.
— Você também precisa relaxar — Anita continuou. —
Quanto mais demonstra seu desprezo pela situação, mais ela se
desespera.
— Não sei agir diferente, Anita. Minha vida está destruída.
A amargura em sua voz fez um nó se formar em minha
garganta. Merda! Se houvesse uma forma de consertar aquilo tudo,
uma única chance, eu lutaria por ela, mas a verdade era que
Miranda nunca me dava uma palavra de esperança. Charlotte
continuava sem querer ouvir falar do meu irmão, Alex permanecia
se distanciando, dando espaço para que Charlotte se projetasse e se
afundando cada vez mais naquela tristeza.
— Alex… — Anita se aproximou outra vez, a mão no ombro
dele, o que me alertou um pouco. — Tiffany não tem culpa do que
aconteceu e você sabe disso. Então não seja tão duro com ela.
Pense que uma criança está se formando e que ela é sua também.
Tiffany precisa de paz. Se você conseguir, será mais fácil para todo
mundo.
Observei meu irmão concordar e então, sua mão cobrir a de
Anita, que sorriu satisfeita. Não sei dizer se eu estava sendo duro
demais, porque aquela oferta me parecia mais cara do que todos
conseguiam enxergar. Contudo, ao ver meu irmão aceitar e relaxar
um pouco mais, preferi me calar.
Mas uma coisa eu sabia: Anita não dava ponto sem nó, e o
que ela pretendia, só o tempo poderia nos dizer.
CAPÍTULO 29

“Aquilo que eu sinto por você


Parece ser maior
Que o destino que me passa e te passa
E há de ser um só”
Algo Parecido - Skank

A chuva continuava caindo quando Patrício arrancou me


deixando nas escadas do flat. Eu não me importava em me molhar.
Pra dizer a verdade, ficar ensopada era o menor dos meus
problemas. Porque parada naqueles degraus, olhando o carro do
meu namorado sumir, eu tentava encontrar uma forma de me
repreender pelo pensamento horrível que me dominou tão logo a
notícia sobre Tiffany chegou.
Ok! Eu não desejava a morte dela, e jamais seria capaz de
celebrar a morte de um bebê, ainda que nem tivesse nascido.
Assisti a dor da minha irmã por ter perdido um filho que sequer
sabia da existência, e reconhecia a minha própria dor, então não
desejava o mesmo para ninguém.
No entanto, sempre haveria aquela voz lá no fundo, que faria
com que eu me questionasse sobre o quanto mais fácil seria se
Tiffany simplesmente desaparecesse. E era este o ponto que me
mantinha na chuva. Tinha total consciência do quão ruim aquele
pensamento soava, e ainda assim, me peguei pensando no quanto a
minha vida seria mais fácil.
Sem Tiffany para infernizar Alex, Patrício não viveria tão
atolado de trabalho. Sem Tiffany para atormentar as nossas vidas,
seria mais fácil um dia, quem sabe, Charlotte perdoar a traição do
Alex, e então, tudo voltaria ao seu eixo, e eu me sentiria bem até
mesmo para usar aquela aliança na frente da minha irmã. Sem
Tiffany em nossas vidas seria… uma vida de verdade, essa é a
questão.
Porque a verdade exibia uma mágoa tão grande corroendo a
minha irmã, que não tive coragem de contar sobre o compromisso
que assumi com Patrício. Não achei correto esfregar a minha
felicidade enquanto ela seguia sem nenhuma.
Com um suspiro cansado, e frustrada, desisti de ficar ali,
olhando para uma rua molhada e vazia. Ouvi os passos atrás de
mim, então abaixei para pegar a mala menor enquanto esperava que
Vítor pegasse a mala maior, mas quando levantei dei de cara com
um homem que eu não conhecia.
Ele segurava o guarda-chuva com uma mão, e com a outra a
mala pequena, a mesma que eu segurava, como se assim pudesse
me manter no lugar. E conseguiu. Porque olhá-lo me fez tremer dos
pés à cabeça, como se de alguma forma eu pudesse reconhecê-lo. O
desespero me desestabilizou.
— Finalmente você voltou — ele disse de forma amável, um
sorriso simples nos lábios.
Encarei aquele homem, a pele mais clara do que a minha, as
feições deixando evidente as suas raízes, o nariz achatado e os
lábios grossos. Seu cabelo crespo não tinha o corte tradicional, mas
ostentava uma elevação, algo que o arremetia aos anos 70, dois
dedos acima do couro cabeludo.
Suas roupas eram simples, uma camisa polo desbotada e uma
calça jeans um pouco suja. Era ele. Eu sabia que era ele. E só por
saber, petrifiquei.
— Você não sabe quantas vezes fiquei aqui, te esperando,
filha.
Aquela palavra me fez tremer o corpo todo outra vez. Eu
buscava qualquer reação em mim, enquanto meus olhos varriam
seu rosto, tentando encontrar as semelhanças. Onde estavam? Eram
os olhos? O formato da sobrancelha? As orelhas?
Entretanto, quanto mais eu o encarava, mais ouvia minha
mãe dizendo que nada em mim lembrava o meu pai. Que, por graça
divina, eu tinha saído para o lado dela, com exceção da pele mais
clara, porém, não tão clara quanto a dele.
— Vamos sair da chuva?
Fez menção de me tocar, então saí do meu estado inerte e dei
um passo para trás, recusando o seu toque.
— Quem é você? — falei horrorizada, sem conseguir
acreditar naquela história. — O que você quer?
— Filha? Não precisa ter medo. Não sei o que essa gente
colocou em sua cabeça, mas…
— Fique longe de mim! Eu não te conheço! — falei um
pouco mais alto, ansiosa para que ele fosse embora, para que me
deixasse em paz.
O homem me deu um olhar triste, decepcionado. Sua mão,
até então estendida para me tocar, caiu ao seu lado com frustração.
— Sua mãe conseguiu mesmo, não foi? Ela te arrancou de
mim como prometeu que faria.
— Não fale da minha mãe! — Avancei, agressiva. — Não
fale dela! Você não tem moral para falar da minha mãe, entendeu?
— O que ela te disse, filha?
— Não me chame assim! Eu não sou sua filha!
— E é filha de quem? Dos granfinos que convenceram sua
mãe a te vender para eles? Eles são os seus pais?
— Você não sabe do que está falando.
— Não, Miranda! Você não conhece a sua própria história e
não está me dando a chance de desfazer essa mentira que contaram
a meu respeito. — Tentou mais uma vez me tocar. Recuei, enojada,
desesperada.
— Que mentira? Quem é você? Heim? O que faz aqui depois
de todos esses anos? Por que não me deixa em paz?
— Margarida cresceu os olhos quando recebeu a proposta
deles. O patrão, Peter, queria uma criança para brincar com a filha
deles e a gravidez da esposa era de risco, então ele não queria
arriscar ter mais filhos.
— Mentira! Cale a boca!
— Eles compraram você, filha. Ofereceram dinheiro a sua
mãe e Margarida… ela… eu não queria. Você era minha filha. Mas
sua mãe pensava no dinheiro, então ela aceitou. Foi embora no
meio da noite e levou você junto.
— Como consegue ser tão mentiroso? Minha mãe foi
acolhida na casa dos meus padrinhos quando você a espancou e
quase fez com que me perdesse. — Ele riu.
— Foi isso o que te contaram? Não achou essa história
estranha?
— Eu não quero conversar com você. Vou chamar a polícia!
— Quase gritei, rezando para que Vitor aparecesse logo. Onde
aquele intrometido estava?
— E eu vou contar para a polícia que você é a filha que foi
tirada de mim ainda bebê. Vou contar e exigir que a verdade seja
dita — bradou, os olhos tristes, as feições sofridas. Recuei outra
vez. — Você nasceu na Bahia, Miranda. Sua mãe tirou você de
mim seis meses após o seu nascimento.
— É mentira!
— Não é! Eu tenho o seu registro. Enviei uma cópia para
você. Eles inventaram essa mentira para encobrir que te compraram
e agora são o que seus? Padrinhos? Foi para isso que te tiraram de
mim, para serem seus padrinhos?
— Eu sou uma Middleton! — Falei com o queixo erguido,
contudo, sem qualquer confiança naquelas palavras. Ele me lançou
um olhar de pena, que quase me fez chorar.
— Não é, minha filha — discordou com a voz baixa, triste.
— Eles só queriam alguém para ajudar a cuidar da filha deles. E
eles mentiram. Você não tem a idade que tem, não nasceu no dia
que eles disseram, não é nada do que te contaram até aqui.
Minhas pernas fraquejaram, um soluço escapou da minha
garganta e as lágrimas se juntaram as gotas de chuva.
— Deixe eu te mostrar a verdade, Miranda.
Enfraquecida e desesperada, não consegui evitar que ele me
tocasse. O homem, meu pai, segurou meus ombros e me puxou
para perto, fazendo com que minha cabeça descansasse em seu
ombro. Eu não conseguia pensar direito. Era tudo tão confuso!
Porque, apesar da minha vontade de negar com toda a minha
força, havia uma diferença gritante entre mim e Charlotte, o que
sempre me fez questionar o motivo de eu parecer mais velha. E
sempre foi assim. Eu falei primeiro, compreendia coisas que
Charlotte sequer tinha noção, durante boa parte da nossa infância
eu era maior do que ela. Meu corpo desenvolveu mais rápido e eu
menstruei um ano antes da minha irmã. Ainda assim acreditava que
tínhamos a mesma idade e que a minha genética nos fazia
diferentes.
E ainda tinha o nome dos padrinhos na minha certidão de
nascimento, coisa que só me dei conta após a morte da minha mãe.
Eles disseram que haviam providenciado a adoção para que eu não
precisasse ir embora, e como eu não queria mesmo ir, aceitei e fui
grata.
Poderia ser tudo mentira? Aquele homem… o meu pai,
falava a verdade?
Então lembrei da minha mãe contando o homem horrível que
ele foi e no mesmo instante as lembranças dos padrinhos, sempre
amorosos, cuidadosos, fez com que eu me afastasse de vez.
— Não! — gritei. — Fique longe de mim!
— Miranda?
— Você não é meu pai! Você não é nada meu!
Desesperada, puxei minha mala, deixando a maior ainda na
escada, e subi correndo. Quando as portas se abriram, Vítor já se
adiantava, andando em minha direção.
— Srta. Miranda? A senhorita está…
— Minha mala ficou no degrau.
Passei por ele como um foguete e corri em direção as escadas
do prédio. Eu só queria fugir dali. Então subi correndo e só parei
quando estava de frente para a porta da minha casa. Aquilo
precisava acabar. Eu teria que colocar um fim naquela confusão. O
padrinho… Ah, Deus! Aquilo não podia ser verdade.
Minhas mãos tremiam tanto que eu mal conseguia encontrar
as chaves dentro da bolsa. Quando as achei, não tive equilíbrio para
colocá-la na fechadura. O choro me dominou ali mesmo, diante da
porta fechada, deixando o desespero me sacudir.
Então a porta abriu, para o meu espanto, e Johnny me
encarou assustado.
— Miranda?
Não consegui falar. Abracei meu irmão e deixei que o
desespero me dominasse.
Johnny aguardava por mim, deitado em minha cama.

Depois que consegui me controlar e relatar, por alto, o que


havia me deixado naquele estado, ele me convenceu a tomar um
banho quente e pediu uma pizza, a qual eu não sabia se conseguiria
comer.
Após a explosão de choro e a exposição a chuva, meu corpo
doía como se eu tivesse executado duas horas de pole dance. E olha
que há muito eu não praticava a modalidade.
— Melhor? — Johnny perguntou assim que me sentei ao seu
lado. Neguei com a cabeça e ele beijou a minha testa. — Vai
melhorar quando a pizza chegar.
— Eu não sou como você, Johnny. Não melhoro entupindo
meu estômago até vomitar.
— Que sorte a minha. Vai sobrar pizza! — Eu não ri, e ele
me abraçou com mais força. — Vamos lá. Quais as chances dessa
história ser verdade?
— Argh! — Gemi de desgosto e deitei de costas na cama.
— Você acha que os padrinhos mentiriam para você?
Nem precisei responder, bastou um olhar para Johnny
relembrar todas as mentiras contadas durante as nossas vidas. Uma
delas ainda doía, a doença da madrinha, que eles entenderam que
nos protegiam ao esconder a verdade.
— Isso é muito sério para ser escondido, Miranda. Não
estamos falando de uma doença, mas de uma vida. A tia Margarida
não abriu mão de ser sua mãe. Vocês moraram na casa dos
empregados até ela morrer.
— Eu sei.
— Então isso anula a história de que ela te vendeu para os
padrinhos.
— Eu quero acreditar nisso, Johnny. Quero muito! —
Abracei meu travesseiro e fechei os olhos. — Tudo o que sempre
soube sobre aquele homem está relacionado a uma personalidade
horrível, agressiva. Ele batia em minha mãe e ela fugiu para não
acabar me perdendo.
— Essa é a versão que todos conhecemos. Se fosse mentira já
teríamos percebido alguma falha. E por que ele te procurou justo
agora, depois de tantos anos, se você mora no Brasil já faz um bom
tempo?
Gemi mais uma vez. Quanto mais eu tentava entender, mais a
minha cabeça doía e meu estômago embrulhava.
— Por que não conversa com o padrinho? — Meu irmão
levantou da cama, ficando de frente para mim.
— Eu nem sei se aquele homem é mesmo o meu pai.
— E por isso mesmo deveria perguntar ao padrinho,
Miranda. Ele pode ser um oportunista, um mentiroso, ou até
mesmo o seu pai. E se ele for o seu pai, pode estar atrás de dinheiro
e não da filha desaparecida.
— Pois de mim ele não vai receber nem um centavo.
— Olha, não consigo acreditar que a madrinha concordaria
com algo do tipo, então tudo me leva a crer que esse cara está
mentindo.
Não respondi. Dentro de mim havia tanta vontade de que
aquele homem desaparecesse que eu me esforçava para continuar
segura na vida que levava. Entretanto, reconhecia que as mentiras
contadas me abalaram ao ponto de me fragilizar. Eu não era uma
Middleton, eu não era ninguém, uma pessoa que não tinha certeza
de nada da sua vida.
Se a intenção daquele homem era me desestabilizar, então ele
conseguiu.
— Eu vou cuidar disso para você, está bem? Vou pedir as
filmagens de hoje e contratar um detetive para descobrir sobre esse
cara.
— Não vá se meter em problemas, Johnny.
— Não se preocupe. Tenho um amigo que pode me ajudar a
fazer tudo de forma discreta. E, por enquanto, podemos manter essa
história longe do padrinho. Pelo menos até descobrirmos o que esse
cara quer de verdade.
— Tudo bem.
— Onde está Patrício?
— Ah… eu esqueci de conferir as mensagens. Ele deve estar
no hospital com Alex.
Levantei da cama para pegar a bolsa que deixei jogada no
closet quando subi abalada, para o meu quarto.
— Hospital? Aconteceu alguma coisa? — Meu irmão me
acompanhou, interessado no assunto. Eu suspirei cansada. Aquela
volta ao Brasil poderia ser comparada a um apocalipse.
— Tiffany... — falei. — Tentou se matar.
— Puta que pariu!
— Pois é. Parece que alguém pegou o meu mundo e virou de
cabeça para baixo.
Peguei o celular, conferindo as diversas mensagens de
Patrício, algumas de Charlotte e apenas uma do padrinho. Optei por
ler primeiro as do meu namorado.
Dizia estar preocupado porque eu não respondia e nem
visualizava, e contava que Tiffany estava bem, Alex muito abalado
e que a criança sobreviveria. Digitei uma mensagem rápida,
perguntando quando ele estaria liberado. Então passei para a
mensagem do padrinho, que já sabia o que havia acontecido, e me
pedia para não contar a Charlotte. Revirei os olhos.
— O que foi? — Johnny perguntou.
— O padrinho não cansa de tentar manter Charlotte em uma
redoma. — Meu irmão sorriu preocupado. — Tiffany é conhecida
no mundo todo. Claro que a notícia vai se espalhar e lógico que
Charlotte vai saber.
— Talvez isso a ajude. — Encarei meu irmão sem entender.
— Talvez faça bem a Charlotte saber que Tiffany se sente tão
miserável ao ponto de atentar contra a própria vida.
— Johnny isso foi…
— Muito ruim. Eu sei. — Ele riu, coçando a cabeça. — Mas
não consigo evitar pensamentos ruins quando esses são
relacionados a Tiffany.
— Eu também. — Nós nos encaramos solidários. — Não
deixa de ser horrível.
— Tem razão. Vamos comer?
— Não estou com fome.
Mesmo assim acompanhei meu irmão e aceitei a pizza,
enquanto aguardava meu namorado chegar.
CAPÍTULO 30

“Não há pedra em teu caminho


Não há ondas no teu mar
Não há vento ou tempestade
Que te impeçam de voar”
Dona - Roupa Nova

— Aqui, Morena! — Patrício me passou uma caneca de


chocolate quente com um pouco de vodka, o que, segundo ele, me
ajudaria a relaxar.
Fomos para Petrópolis naquela mesma noite. Quando Patrício
chegou e eu comecei a chorar outra vez, narrando o ocorrido, ele
decidiu que o momento merecia uma fuga. E ele tinha razão. Já
estávamos há tempos presos em problemas. Escapar, ainda que por
poucos dias, para ficarmos só nós dois, cairia bem.
Por isso colocamos as malas no carro e fomos embora.
Choveu durante o caminho todo, e nem assim desistimos. Pelo
contrário, recordamos quando eu estive naquele rancho pela
primeira vez, da chuva que deixou Charlotte presa do outro lado do
rio, de como Alex se desesperou para salvá-la e no casamento que
resultou daquela enchente.
E quando chegamos, Patrício acendeu a lareira, me cobriu
com um cobertor delicioso, e providenciou nossas bebidas, já que
nenhum empregado esperava por nós dois. Sentamos abraçados, na
sala, cobertos, nos esquentando um no outro e em nossas bebidas.
Combinamos que não conversaríamos sobre problemas.
Deixaríamos para o dia seguinte.
— Falta pouco para a entrega do nosso apartamento — ele
disse ao deixar a caneca de lado e acariciar meu rosto. — Em breve
você não precisará mais voltar para o flat.
— Não seja bobo. Não posso morar com você.
— E porque não? — Seus lábios desceram para o meu
pescoço.
O clima estava tão bom, a chuva do lado de fora deixava à
noite gostosa, o frio nos obrigava a ficarmos agarrados, e eu
começava a deixar os problemas para trás e a me concentrar em
meu namorado.
— Porque o padrinho nunca vai concordar com isso. —
Patrício suspirou.
— Peter precisa entender que você cresceu.
— Por isso mesmo. Ele quer casar as filhas dele.
Tentei não fazer uma careta, no entanto pensar em mim como
filha de Peter Middleton acabou me levando para um lado do qual
eu não gostaria de relembrar.
— Nós vamos casar, Miranda. — Meu namorado mordeu
minha orelha, depois me deu uma pequena e leve lambida.
— Um dia — provoquei. — Por enquanto, vamos apenas
curtir esse momento.
— Puta merda! Nunca me solidarizei tanto com Alex.
— Por que?
— Quando ele estava desesperado para casar com Charlotte.
Eu não entendia, mas agora…
— Você não está desesperado para casar comigo, Patrício. E
Alex… ele queria que a madrinha participasse do casamento. Nós
não temos porque fazer assim.
Sua mão foi para meu queixo e puxou meu rosto em sua
direção, me obrigando a encará-lo.
— Alex casou porque amava Charlotte, Miranda. Ele faria
qualquer sacrifício para tê-la. Assim como eu faria por você.
Então seus lábios tocaram os meus. A princípio de forma
terna, depois conquistando mais espaço, mais força, até que meu
corpo começou a esquecer o frio que fazia fora da coberta. Suas
mãos em minha cintura me puxavam para perto.
— Não suporto mais essa distância, Morena — ronronou. —
Não suporto ficar tanto tempo sem você. — Outra vez seus lábios
se fecharam nos meus, uma mão espalmada subia e descia em
minha coxa, querendo ultrapassar a barreira da calça montador que
eu usava.
— Tenha paciência.
— Mais?
— Mais.
Avancei sobre ele, montando em seu colo. Suas mãos foram
para minha bunda no mesmo instante. Intensifiquei o beijo,
rebolando sobre a sua ereção. Aqueles dois meses onde nos
divertimos com sexo por telefone, ou chamadas de vídeo, não
foram o suficiente para me impedir de desejá-lo com ferocidade.
Não havia nada como o conjunto dos beijos dele, as mãos e o corpo
fundido ao meu. Eu o queria. E o teria.
— Então case comigo — afastando minha boca da dele.
— Outra vez? — Levantei o dedo indicando a aliança, ele me
deu um sorriso torto perfeito.
— Case comigo de verdade. Venha para casa, estabeleça uma
rotina de marido e mulher.
Acariciei seu rosto, contemplando a forma apaixonada como
ele me pedia para ficar.
— Você não suportaria uma rotina de marido e mulher.
— Nem você — provocou.
— Então…
— Nós nunca fomos tradicionais, Miranda. Por que seríamos
depois do casamento?
— Então a sua ansiedade não é para casar comigo e sim para
dar início aos nossos planos.
Patrício me puxou para si e mordiscou meu decote. Suas
mãos espalmadas na base da minha coluna me obrigavam a me
pressionar sobre a sua ereção.
— Qualquer plano com você me deixa ansioso, Morena.
— Não sei, não — forcei meu corpo para trás e me afastei o
suficiente para encará-lo. — Você não reagiu bem quando me viu
com outro homem.
Ele me encarou, procurando argumentos, sem encontrá-los.
— Viu?
— E é tão importante para você que outros homens
participem? Uma garota, uma vez ou outra não seria o suficiente?
— Não. Poderia ser, mas nossos direitos são iguais.
— Miranda… — Patrício me afastou do seu colo, me
colocando sentada outra vez no sofá, e se virou para mim. — Você
já transou pra valer com outra mulher? — Seu rosto sério indicava
que a conversa não teria qualquer teor bobo, ou de curiosidade.
— Sim. — Confirmei com cuidado.
— E foi bom? — Analisei o seu rosto, querendo captar o tipo
de armadilha em que ele me prenderia.
— Sim.
Patrício mordeu o lábio inferior e desviou o olhar, pensando
em alguma coisa que não quis compartilhar.
— Por que?
— Porque se o sexo com uma garota é algo prazeroso para
você, de qual forma eu estaria tirando o seu direito se optássemos
por começar apenas com outras mulheres?
Eu ia responder. Cheguei a abrir a boca e fechar várias vezes,
querendo encontrar argumentos, e desistia de todos os que
chegavam a minha mente antes de alcançarem meus lábios. Tudo
isso por um motivo: Patrício tinha razão.
Não haveria qualquer sacrifício da minha parte dividirmos
uma garota. Para falar a verdade, colocando o ciúmes de lado, eu
até me divertiria. Por outro lado, se outro cara fosse inserido,
Patrício não se sentiria à vontade, o que exigiria dele certo
sacrifício.
Também não era um argumento forte o suficiente para me
impedir de querer viver o outro lado da moeda, mas eu podia
esperar. Havia tanto para ser vivido ao lado dele, tanto para meu
namorado conhecer. Além do mais, as coisas poderiam acontecer
aos poucos, sem pressão, sem nada esquematizado. Como uma
brincadeira de adultos, um encontro entre amigos.
— Miranda?
Pisquei aturdida percebendo que o comentário levou a minha
imaginação além. Então sorri.
— Tem mais alguém aqui? — perguntei com um sorriso
diabólico nos lábios.
— Que eu saiba não.
— Então porque você não se concentra apenas em mim?
Ele me presenteou com aquele sorriso debochado, cheio de
segundas intenções.
— Claro, gata! Faz um favor então?
Pensei a respeito, imaginando como Patrício conseguia ser
idiota ao ponto de quebrar o clima com um pedido.
— Diz aí!
— Tira a roupa para mim?
— O quê? — E o riso escapou leve, como só ele sabia me
fazer ficar.
— Vai lá. Bem ali — apontou para o espaço entre a lareira e
o sofá. — E tire a roupa para mim.
— E se alguém aparecer? Nós estamos no meio da noite, em
um rancho vazio. Aqui pode ter… sei lá… um assaltante,
estuprador. — Ele riu.
— Eu tenho uma arma.
— E por um acaso você sabe atirar, Patrício?
O sorriso que ele escancarou fez minhas pernas tremerem.
— Eu não, mas minha namorada atira como ninguém. —
Então ele avançou, capturando meus lábios, as mãos em meus
quadris, me puxando para fora do sofá. — Agora — sua mão
estalou em minha bunda. — Fica nua para mim, Morena.
Levantei e andei virada para ele. Meu corpo todo eletrizado,
desejando me exibir, me expor para o homem que eu amava.
— Sabe o que andei pensando? — Ele se endireitou no sofá e
aguardou. — Que tal instalarmos uma barra de pole dance na suíte
que será só nossa, no lado pervertido da nossa casa?
— Lado pervertido? — ele riu. — Uma barra de pole dance
seria legal. Ainda penso em você naquele dia, gata. Subiu com
tanta facilidade e rebolou tão gostoso que eu só conseguia pensar
em você no meu pau.
— A ideia era essa, Patrício. Aqui está bom?
— Está ótimo! Agora, dance para mim.
— Sem música? — pirracei. Ele arqueou a sobrancelha e se
acomodou melhor no sofá, aguardando. — Ok!
Sem pensar duas vezes, virei de costas e comecei a dançar.
Com passos lentos e sensuais deixei minha mente brincar um
pouco, buscando alguma música que me provocava. Percorri meu
corpo com as mãos, de olhos fechados, como se Patrício não
estivesse ali, me provocando.
Rebolei quando passei minhas mãos pelos quadris, e então,
com o movimento certo, abaixei, alongando a coluna, as pernas
retas e abertas, a bunda voltada para ele. Desafivelei uma bota,
depois a outra e levantei lento, sem olhá-lo.
Quando me livrei das botas e meus pés tocaram o chão,
percebi o quanto estava frio. Olhei para Patrício e ele riu, captando
a situação. Filho da puta! Preferi ignorar a temperatura, decidida a
fazê-la subir de forma a ficar absurda naquele ambiente. Então,
comecei a abrir os botões da camisa, deixando que minha cintura e
o umbigo aparecesse primeiro, mas não fui até o final.
Olhando para o meu namorado, ciente do seu desejo,
provoquei um pouco mais, alisando meu pescoço, depois descendo
as mãos até a calça, onde abri o primeiro botão. Ele me encarava
com atenção e demonstrava satisfação pelos meus gestos, então,
com jeito, desci a calça colada, rebolando da forma certa, até que
eu estivesse apenas de calcinha, uma bem pequena, como ele
gostava, e a camisa que me cobria até os quadris e revelava a
cintura.
Meu corpo iluminado pela claridade da lareira, deixava meu
espectro ainda mais sensual. Eu podia assistir minhas sombras
passearem pelo corpo do meu namorado. Eu estava excitada, e
adorando deixá-lo naquele estado. Com cuidado, me aproximei,
mexendo a cintura, simulando os movimentos certos para mexer
com a cabeça dele.
Quando cheguei bem perto, as mãos nos últimos botões que
me livrariam da camisa, Patrício me agarrou pela bunda e me
puxou para si, beijando minha barriga com desejo.
— Patrício!
Comecei a rir, tentando me livrar dele, mas fui deitada no
sofá e muito rápido o seu corpo se projetava sobre o meu. A camisa
perdeu os botões que ainda a mantinha fechada e em poucos
segundos as mãos e a boca quente do meu namorado, exploravam
meu busto, alcançando meus seios.
Auxiliei meu namorado, permitindo que ele conseguisse tirar
a camisa de mim e em seguida o sutiã, mas depois disso foi
complicado agir. Patrício me cercou com uma fome incomum, e
meu corpo foi atingido por um calor que parecia sufocar. A
maneira como ele me tocava, como seus lábios se fechavam em
meus seios, roubava de mim o juízo.
Permiti que ele brincasse comigo, adorando suas mordiscadas
e sua língua travessa esquentando minha pele exposta. Meus dedos
se fecharam em seus cachos, guiando seus lábios pelos caminhos
que eu desejava. Patrício entendeu o recado e tratou de traçar uma
linha de beijos e mordidas pelo meu ventre até que sua boca
estivesse em meu sexo, por cima da calcinha.
Então suas mãos se encaixaram em cada lado da peça íntima,
puxando-a para fora, deslizando por minhas pernas. Assim que
conseguiu me deixar livre dela, pensei que continuaria com os
beijos, mas meu namorado me segurou pelas mãos e me puxou
para seu colo.
— Levante — ordenou com a voz rouca, cheia de comando,
me atiçando de uma maneira deliciosa. — Fique em pé no sofá.
Ah. Meu. Deus.
Obedeci, ciente de que meu equilíbrio limitado não me
permitiria assimilar além do que me manter firme para não cair.
Ainda assim, meu ventre pareceu se contorcer com aquele pedido e
apenas a imagem do que faríamos me deixou molhada o suficiente
para não pensar duas vezes no assunto.
Nua, fiquei de frente para meu namorado. Patrício não me
atacou de imediato, pelo contrário, suas mãos subiram por minha
coxa, pressionando da forma certa, acariciando, até que seus dedos
roçaram levemente minha entrada. Um calafrio me fez estremecer.
Ele sorriu, ciente de que me torturava.
Então, sem qualquer pretensão, seus toques continuaram me
provocando. Patrício mantinha o olhar fixo ao meu, enquanto
percorria minha pele com a ponta dos dedos, em uma carícia lenta e
sensual, sem a urgência de antes. Eles iam até minha bunda, com
movimentos circulares, e desciam de volta, pela parte interna das
coxas, roçando vez ou outra, meu sexo.
Meu corpo formigava de expectativa e eu sabia que quando
sua boca me tocasse, minhas pernas perderiam a força.
Patrício, entendendo que precisaria me manter firme, segurou
na minha panturrilha esquerda e forçou para que eu movimentasse
de acordo com o seu desejo. Meu joelho foi parar no encosto do
sofá, me abrindo para o seu bel prazer. Meus dedos foram para seu
cabelo e no mesmo instante seus lábios iniciaram uma trilha de
beijos provocantes pela coxa exposta.
Enquanto ele se aproximava, sem qualquer pressa, minha
respiração parecia travar nos pulmões. Céus! Eu queria segurar a
cabeça de Patrício, posicionar no centro entre as minhas pernas, e
só deixá-lo sair de lá quando me levasse ao ápice. Ao mesmo
tempo, meu corpo curtia aquela angústia, a lentidão, a expectativa.
Eu me sentia prestes a explodir.
Ele continuou, seguindo o seu tempo, seu planejamento, me
matando de desejo, até que, enfim, sua língua chegou ao seu
destino. Não se impondo, apenas um pequeno toque, uma lambida
discreta, me testando, e minhas pernas cederam. Patrício me
segurou com força. Precisei apoiar minhas mãos no encosto do
sofá, ofegante. Ele riu, ainda lá, seu hálito alcançando minha carne
sensível.
Filho da puta.
Eu estava pronta para dizer algo que o obrigasse a não me
torturar tanto quando seus lábios me cercaram com propriedade.
Gemi alto, entregue, meu sexo latejando à medida que ele
avançava, me chupando e lambendo como só aquele menino
abusado sabia fazer.
Porra! Eu amava a boca do meu namorado, toda a sua
habilidade. Como uma mulher não se permitia entregar com uma
língua como aquela lhe provocando? E então, fácil como respirar, a
imagem se formou em minha cabeça. Eu, uma outra mulher, e
Patrício. Eu oferecendo a garota e assistindo-a perder toda a
compostura enquanto meu namorado a enlouquecia com a língua.
— Ah, Deus! — Gritei, assustada, excitada, ansiosa. Como
eu podia desejar aquilo? Mas eu desejava e a ideia começava a me
sufocar. — Patrício! — choraminguei.
Ele me chupou com mais força, minhas pernas tremeram,
meu corpo formigou, quando pensei que teria a minha redenção,
meu namorado me deitou outra vez no sofá.
— Patrício, o que…
— Shiiiii — Encostou um dedo em meus lábios e levantou o
corpo, puxando a camisa para se despir. — Você é tão gostosa,
minha Morena!
De pé, tirou a calça e os sapatos, ficando nu.
Maravilhosamente nu. Então voltou a se posicionar sobre mim.
— Eu amo quando você goza em minha boca, Miranda, mas
hoje, agora, eu quero que você goze junto comigo, em meu pau,
enquanto beijo seus lábios perfeitos.
Sem esperar por qualquer consentimento meu, Patrício
deslizou para dentro de mim, me preenchendo, roubando meu
juízo, me dominando como só ele sabia fazer. Ele se movimentou
até que não houvesse mais espaço para ser preenchido, gemendo de
uma maneira deliciosa, cheio de saudade.
Quando seu corpo já estava todo dentro do meu, seus lábios
me beijaram e ele começou a investir de forma lenta. Eu já me
encontrava tão excitada que não seria necessário esperar tanto.
Patrício dançou sobre mim, rebolando quando entrava,
aprofundando o beijo quando saía.
Eu me sentia envolta em uma nuvem de felicidade e prazer, o
desejo vibrando em todos os meus poros, transbordando. Eu o
apertava dentro de mim, causando uma fricção ainda mais
prazerosa. Patrício estremecia e me beijava, e avançava como se
nada mais pudesse nos separar.
E o orgasmo irrompeu de uma forma diferente, não se
concentrando em meu sexo, mas crescendo por toda a minha pele,
arqueando meu corpo, me puxando para um lugar só nosso, onde
nenhum problema nos alcançaria.
Patrício gemeu e explodiu dentro de mim, seu peso sendo
aceito pelo meu corpo, minhas pernas e braços o envolvendo, e eu
desejando que aquilo nunca acabasse, que ele nunca mais
precisasse deixar meus braços.
CAPÍTULO 31

“Sonhei que as pessoas eram boas


Em um mundo de amor
E acordei na terceira guerra mundial”
Dia Especial - Tiago Iorc

Uma semana depois eu estava de volta a Inglaterra. Não


posso dizer que não fiquei aliviada, mesmo precisando me despedir
do meu namorado mais cedo do que previa. O alívio se encontrava
em não ser obrigada a carregar a tensão nos meus ombros sempre
que resolvia sair de casa. O encontro com o homem que se dizia
meu pai, fez comigo algo que eu julgava impossível, me
enfraqueceu.
Desde então eu já não era a mesma Miranda. Não havia mais
tanta certeza quanto ao orgulho que ostentava quando lembrava a
mim mesma que eu era uma Middleton. A dúvida que ele
conseguiu instalar em meu peito chegava a me sufocar.
A incerteza quanto a quando ele reapareceria, limitava meus
passos. A coragem já não era mais um traço marcante em minha
personalidade, e me via refém daquele medo. Não saía mais
sozinha. Quando necessário, fazia questão de me certificar de que
nada estaria no caminho entre o táxi e eu.
Frustrante.
Mas a minha volta a Inglaterra se deu por um bom motivo, e,
na verdade, todos comemoramos o fato, apesar de precisar enxergar
a tristeza do Alex por não poder festejar como queria. Charlotte
havia recebido uma proposta para publicar seu livro pela maior
editora da Inglaterra. Parte disso, todos sabiam, se dava pelo fato
do seu sobrenome atrelado ao escândalo do seu casamento
relâmpago. Ainda assim, foi com felicidade que recebemos a
notícia.
E foi por este motivo que encarei o meu retorno como algo
bem-vindo, e abusei da felicidade para convencer a minha irmã a
comemorar em um pub conhecido, não muito longe de casa. Contei
com a presença do Johnny, que quase não via Charlotte desde o dia
que precisamos buscá-la em Nova York.
Não houve como Charlotte negar um pedido tão especial.
Assim, minha irmã cedeu, deixou que eu a produzisse e nos
acompanhou naquela noite.
Começamos devagar, um jantar leve em um restaurante que
ela adorava e após este, saímos em busca de diversão. O pub já fora
um ponto de encontro de amigos, no entanto, como há muito
morávamos no Brasil, não havia tantas pessoas que pudéssemos
encontrar.
Aventuramo-nos, mesmo Charlotte o tempo todo pretextando
um motivo para voltar para casa. Fosse pelo frio da noite, e suas
alegações de que usava um vestido nada adequado, ou até mesmo
pelo sapato que começou a incomodar. Ela tentou de tudo, mas
Johnny foi a força que eu precisava para manter Charlotte conosco.
Então, sem saída, minha irmã não mais reclamou. Ainda
assim, pude perceber todas as vezes que ela se encolhia quando
ouvia alguma música que ativasse suas lembranças, assim como
constatei que a bebida acabava mais rápido quando tais gatilhos
aconteciam.
— Aquela não é a Kelly? — Falei um pouco mais alto,
querendo que ela, de alguma forma, entrasse na conversa.
— Que Kelly? — Ela disse.
— Kelly Hughes — Johnny confirmou, abismado. — Ela não
era aquela garota muito magra, que vivia se escondendo pelos
cantos?
— Parece ser ela sim — Charlotte respondeu.
— Uau! Ela está… deliciosa! Será que ela lembra de mim?
— Meu Deus, Johnny! Você não deixa escapar uma? —
Charlotte o repreendeu e meu irmão começou a dissertar sobre
garotas, o tempo e uma série de coisas que muito rápido perdeu a
minha atenção.
Sem que eu percebesse o que fazia, observei o ambiente e
fixei meu olhar em uma mesa ao fundo, onde dois homens
conversavam de uma forma mais íntima. Não havia como afirmar
se eram um casal, ou um possível casal, todavia eu podia enxergar
no olhar dele, o que eu jamais seria capaz de esquecer, um brilho
especial, excitado, como o de um homem bastante interessado.
Thomas não havia notado a nossa presença, o que era
justificado pela iluminação ruim. Ainda assim, eu o reconheci de
imediato. Reconheceria mesmo se ele estivesse de costas para mim.
No mesmo instante minha mente ficou confusa. Tentei
compreender, sem encontrar qualquer significado entre o que havia
de lembrança em mim, e o que eu via naquele espaço. Balancei a
cabeça, rejeitando a ideia e sem entender porque me abalou tanto.
E se fosse verdade? E se não fosse? E se Thomas parecesse
mais comigo do que eu podia cogitar? Não seria hipocrisia da
minha parte sentir tanta repulsa ou censurá-lo?
— Miranda? — Johnny chamou a minha atenção. — Está
tudo bem?
— Sim — respondi no modo automático, desviando o olhar
dos dois homens, ao fundo.
— Você ficou estranha.
— Ela é estranha — Charlotte rebateu com a voz embargada
pelo uso abusivo do álcool.
— Não sou estranha!
— Você é! — Johnny entrou na brincadeira.
— Tem que ser para namorar alguém como o Patrício —
minha irmã acrescentou.
— E o que tem de errado com o meu namorado?
— É irmão de um patife — ela disse, e o silêncio carregou o
ambiente.
Troquei um olhar com Johnny, que fez uma careta engraçada
e tentou tirar o copo de Charlotte, no entanto, esta o capturou com
pressa e bebeu o restante do líquido quase que de vez.
— Ei, vá com calma! — Johnny a repreendeu.
— Quer saber? Eu deveria transar com o primeiro carinha
que aparecesse. — Charlotte varreu o pub com os olhos.
Praticamente me atirei à sua frente, protegendo Thomas e me
perguntando porque fazia aquilo.
— Você deveria tomar um porre homérico, com os seus
irmãos, e depois vomitar em casa. — Ela fez cara de nojo. —
Acredite, vai curtir muito mais uma ressaca do dia seguinte.
— Eu também tenho direito de transar! — Falou mais alto,
fazendo Johnny cuspir a bebida com um ataque de riso.
— Você tem, princesa, mas não bêbada. Aceite o conselho de
quem é mais experiente.
— Acho que preciso de mais um desse. — Charlotte
balançou o copo na cara do Johnny e foi a minha vez de rir.
— Eu cuido disso. — Deixei a mesa antes que Johnny
tentasse me impedir.
Meu objetivo ia além de conseguir mais bebidas. Na verdade,
fui movida por um prazer doentio de fazer com que Thomas me
visse. Eu queria encará-lo e desafiá-lo a desmentir o que eu via.
Mas o que aconteceu foi bem diferente disso.
Quando me aproximei da ponta mais distante do bar, disposta
a esbarrar no cara que acompanhava Thomas, uma mão me segurou
e me virou para outra direção. Estarrecida, puxei meu braço com
força e acabei me chocando contra quem eu jamais poderia cogitar
encontrar em Londres.
Moisés.
Meu coração perdeu uma batida ao encará-lo. Seu sorriso de
vitória fez meu estômago se contrair. Puxei meu braço mais uma
vez, forçando-o a me largar, mas sem sucesso. Moisés segurou meu
ombro com a outra mão, me puxando para perto.
— Ora ora, que feliz coincidência — ele disse.
— O que você está fazendo? — Tentei me livrar dele.
Quanto mais eu me debatia, mais ficava presa em seus braços. —
Tire as mãos de mim!
— Calma, Miranda!
— Não me obrigue a fazer uma cena. O que faz aqui? Está
me seguindo? — Ele riu com ironia.
— Esqueceu que sou espanhol? Faço parte da nação
europeia. Genuinamente.
A maneira como ele falou fez meu sangue gelar. Foi como se,
de alguma forma, Moisés soubesse o que o homem, o que se dizia
meu pai, havia revelado. Foi ruim. Foi perverso.
— Fique longe de mim! — rosnei ao empurrá-lo com mais
força, pronta para atacá-lo.
— Qual o problema, Miranda? Eu só estou conversando. Não
seja tão arredia. Nós já nos divertimos tanto juntos. Aposto que
ainda tem as joias que te dei.
A raiva subiu pela minha garganta, me fazendo engofar.
— Você lembra? Éramos ótimos juntos. — Acariciou meu
braço com a ponta dos dedos. — E aqui estamos longe de tudo.
Não há ninguém para nos censurar, para nos impedir. Só eu
conheço seu gosto, sei como alimentar o que existe dentro de você.
A sua necessidade, Miranda. — Sua voz saiu com mais força,
expressando um desejo que eu não correspondia. — Eu sei o que
você quer e posso te dar. Não aquele garoto.
Foi o suficiente para mim. Sem conseguir me segurar fiz o
que jamais me imaginei fazendo. Cuspi no rosto de Moisés. Ele
fechou os olhos com raiva.
— Eu tenho nojo de você!
Puxei meu braço com força suficiente para me soltar, e
consegui. Moisés não se deu por vencido e me agarrou com força.
E então aconteceu. Em um instante eu estava com aquele homem
horrível tentando me segura, e no outro fui jogada junto ao balcão e
uma confusão se instaurou.
Demorei para perceber o que havia ocorrido, no entanto, no
segundo em que identifiquei Thomas trocando socos com Moisés,
eu soube que o mundo não estava girando na sua rota certa.

— Não sei nem o que dizer, Thomas — tentei mais uma vez.
Ele sorriu, com o lábio superior partido e inchado.
— Já estou acostumado a ser expulso de bares, Miranda.
Relaxe.
Thomas e Moisés trocaram socos e chutes até que os
seguranças chegaram e expulsaram os dois do estabelecimento.
Desesperada, e me sentindo péssima por ter sido salva, mesmo sem
precisar, pois planejava acertar uma joelhada no meio das pernas
do meu agressor, por alguém que eu estava decidida a constranger.
Com a confusão controlada, me senti na obrigação de ir atrás
de Thomas para verificar se estava tudo bem, e foi assim que
aquele grupo que não se unia desde a nossa adolescência, acabou
vagando pelas ruas frias de Londres, até chegarmos no portão da
nossa casa.
Charlotte não havia entendido nada e Thomas apenas
justificou que o cara tentou me agarrar. Foi o suficiente para a
minha irmã, mas não para Johnny, que me encarou como se
quisesse deixar claro que eu teria que me explicar. E só isso foi o
suficiente para eu odiar ainda mais o Moisés.
— Argh, eu preciso da… do… ah, chegamos? — Charlotte
falou confusa, embriagada e amparada pelo nosso irmão.
— Chegamos. E você precisa da sua cama — Johnny
brincou. Olhei para Thomas, ainda mais constrangida.
— Quer entrar para colocar alguma coisa no machucado? —
O mínimo que eu poderia fazer era lhe oferecer um curativo.
— Não. É melhor eu ir para casa. Peter não vai gostar de me
encontrar na sua cozinha a essa hora da madrugada.
— Não vai mesmo — Charlotte falou. — Não sei porque as
pessoas não gostam de você, Thomas. Você é legal! — Ela riu, eu
revirei os olhos.
— É melhor levá-la para dentro — avisei a Johnny, que
entendeu o recado.
— Sim, vou fazer isso. Obrigada pela ajuda, Thomas.
— Tirando os socos, foi como nos velhos tempos.
Esperei que Johnny e Charlotte se afastassem o suficiente
para iniciar a conversa.
— Isso vai ficar feio amanhã — comecei. Ele fez um gesto
com a mão, não dando importância ao que eu falava.
— Eu não podia tolerar que aquele cara te agarrasse contra a
sua vontade.
— Mas eu sei me defender — rebati na defensiva.
— Eu sei.
— Desculpe! — Puxei o ar com força, meu corpo começando
a ceder ao frio, me obrigando a me abraçar. — Você foi muito
gentil me defendendo. Obrigada!
— Pensei que você ia dizer que era o mínimo que eu poderia
fazer — provocou. — E eu ia merecer.
— Digamos que o abalo causado pela confusão ainda não me
fez sentir a satisfação de te ver levar uns socos.
— Hum! Então amanhã será um dia bom para você.
— Acredito que sim. — Ele sorriu outra vez, a fissura
abrindo um pouco mais.
— Bom, pelo menos pude fazer algo por você.
— Não pense que isso apaga o que me fez, Thomas.
— Eu nunca te pediria isso, Miranda. O que eu te fiz não tem
perdão.
— Não tem!
Nós nos encaramos por um tempo, até que ele balançou a
cabeça concordando.
— É melhor eu ir embora. No meio da confusão acabei me
perdendo de um amigo.
— Amigo? — Fiquei bastante atenta a sua reação, querendo
confirmar as minhas suspeitas.
— Sim. — Thomas coçou a cabeça e me deu um sorriso
tímido.
— Você é gay?
Minha reação não foi exatamente a que eu pretendia ter.
Quando me imaginei arrancando a confissão dele, pensei que faria
de uma forma debochada. Como se pudesse feri-lo. Porém, na
primeira oportunidade que tive de falar aquilo em voz alta, saiu
como um choque, como se nem eu pudesse acreditar no que
acabava de falar.
— Você acha que eu sou gay? — revidou, como se estivesse
me desafiando.
— Não! Quer dizer… não sei. Mas a maneira como você
olhava para aquele rapaz... não era só por amizade. Eu te conheço,
Thomas. Sei como você olha para alguém que te interessa. — Essa
última parte saiu mais como uma acusação. Ele riu, e levou a mão
aos lábios, cuidando da ferida.
— Você é gay, Miranda? — E a sua pergunta deixava claro
que Thomas conhecia o meu segredo. Não respondi. Ele cruzou os
braços e me encarou com os olhos estreitos. — Sempre soube que
éramos mais parecidos do que aparentávamos.
— Não somos parecidos.
— Em muitos aspectos, não. Mas algumas peculiaridades,
como a liberdade entre quatro paredes…
— Você sabe que Charlotte nunca vai pertencer a este
mundo, não é mesmo? — ameacei.
— Sei, mas Charlotte é apenas uma boa amiga, o que daria
uma excelente esposa, segundo meus pais.
— E de acordo com os seus desejos — acusei.
— Não sei, Miranda. — Thomas puxou o ar com força e
passou a mão pelo cabelo outra vez. — Charlotte é uma espécie de
utopia para mim. Gosto de mantê-la por perto para me lembrar do
que poderia ser, se eu não tivesse conhecido isso que você chama
de “esse mundo”. Não existe força em Charlotte para uma vida
como esta. Já em você…
— Vá se foder! — Ele riu, e gemeu por ter esticado os lábios.
— Não me faça festejar os socos que aquele cretino te deu.
— Eu não podia perder a beleza que é o seu ódio, Miranda.
Você é linda amando, mas odiando… Engraçado como o ódio te
alimenta.
— Adeus, Thomas! Fique longe de Charlotte ou eu mesma
vou esmurrar você.
Dei as costas para ele sem acreditar naquela conversa, e
entrei em casa com toda a minha energia renovada. Thomas tinha
razão, odiar me mantinha forte.
CAPÍTULO 32

“Hoje eu admiti pra mim mesmo


Eu tenho um grande vício
Pra que mentir pro meu coração?
Tava cada dia mais difícil”
Nada se compara - Banda Malta

Decidi que a melhor forma de entrar sem precisar me


justificar ou responder as perguntas do meu irmão, seria pela
cozinha.
No escuro do corredor, o qual me levaria até o local, parei e
respirei fundo. Um pouco mais distante, iluminada pelas luzes de
segurança do espaço, eu podia ver a pequena casa onde vivi por
anos com minha mãe, e fui atingida por uma amargura que fazia
meu estômago doer.
Antes eu olhava aquela casa e sentia saudade. Costumava me
perguntar como seria caso ela não tivesse morrido. Os padrinhos
teriam feito o mesmo por mim? Ou eu seria a empregada criada
pela família? Eu nunca teria aquela resposta, assim como nunca
seria capaz de admitir em voz alta o porquê de tal pensamento me
incomodar tanto.
A verdade era que eu amava a minha mãe e sentia a sua falta.
Daria um braço para tê-la comigo, contudo, lá no fundo, sentia
medo de que as coisas não acontecessem para mim como
aconteceram. Eu teria lutado para ser alguém? Com toda certeza.
Reconhecia a força que havia em mim, e me impediria de ser uma
simples empregada da casa. Mas seria como era? Eu teria tanta
oportunidade que podia até mesmo optar por não fazer nada?
Jamais saberia.
Uma coisa era certa. Depois do encontro com aquele homem,
de ter ouvido as coisas que ele disse, contemplar aquela casa me
machucava ainda mais. Ela não estava mais ali para se defender,
para acalmar meu coração, para me abraçar e reforçar a ideia de
que meu pai era um bandido, um agressor de mulheres e que não
merecia a minha atenção.
Restava apenas a palavra dele contra o que eu conhecia da
minha história, o que, até ali, bastava para mim. Tornava-se
desesperador imaginar que tudo o que vivi naquela casa, não
passava de uma mentira. A minha vida era uma mentira. O meu
nome era uma mentira. Até mesmo o meu nascimento era uma
mentira. Como se não bastasse todas as mentiras que eu mesma
havia criado para mim, para caber naquela família que eu tanto
amava.
Então, sufocada, sofrendo e sem conseguir me livrar do peso,
encostei-me na parede, buscando apoio, querendo a todo custo
recuperar a força que precisava para prosseguir, sem encontrá-la.
E foi assim que Johnny me achou. Meu irmão surgiu não sei
de onde, nem porquê, e em segundos seus braços estavam ao meu
redor, me segurando, sem me deixar cair. Ele nada disse, mas me
deixou chorar desesperada, agarrada aos seus ombros, me
mantendo no escuro, me protegendo de possíveis olhares curiosos.
Como fazia todas as vezes que eu precisava de força, e não tinha
coragem de pedir.
Johnny era essa pessoa. Ele nunca me questionaria, nunca me
deixaria acreditar na fraqueza que ameaçava me dominar, nem
mesmo perceber o quanto ele, naquele momento, se tornava a
minha força. Porque Johnny sabia quem eu era, e do que eu
precisava, por isso nos amávamos tanto.
Quando me acalmei, ele apenas se afastou, me segurou pela
cintura e caminhou comigo para dentro de casa. Sem perguntas e
sem se importar se haveria respostas.
— E Charlotte? — perguntei quando começamos a subir as
escadas.
— Deve estar dormindo. Deixei ela quase apagada na cama.
— Obrigada, Johnny!
E ele sabia que minha gratidão ia além do fato de ele ter
cuidado da nossa irmã. Johnny afagou minhas costas com carinho.
— Aquele homem, o que tentou te agarrar lá no pub…
— Moisés — revelei.
Não queria esconder do meu irmão mais aquele problema.
Nascia em mim uma necessidade estranha de romper aquele véu,
de fazer com que as pessoas soubessem quem eu era e que
entendessem que a responsabilidade cabia, inteira e somente a
mim. Não havia mais porque simular ou mentir, quando uma
mentira corroía toda a minha história.
Eu queria ser eu e apenas eu. Porque se não havia verdade no
que fui até ali, cabia a mim recomeçar, me reformular, decidir
quem eu deveria ser de fato. Para tanto exigiria coragem, mas esse
não foi o sentimento que sempre me moveu? Não porque eu era
Miranda Middleton, mas porque eu era apenas eu, e isso deveria ser
o suficiente.
Sorri para Johnny me sentindo mais forte, decidida, como se
todos os tijolos que eu carregava nas costas, e que já formavam um
muro sólido e pesado, tivessem sido jogados ao chão. Passava da
hora de destruí-lo.
— Conheci Moisés no Brasil. Nós saímos algumas vezes. Ele
era casado e a maneira como tudo se desenvolveu me fez desistir.
— Ele não acatou a sua recusa — afirmou sem censura.
Concordei com um aceno de cabeça.
— Ele foi o motivo para Patrício romper comigo antes do
casamento de Charlotte com Alex. — Johnny ergueu uma
sobrancelha, um pouco surpreso com a declaração.
— Você traía o Patrício?
— Não. Primeiro que eu já saía com o Moisés quando
conheci o Patrício. Segundo que não havia compromisso com
nenhum dos dois. Mas a resposta correta é que deixei Moisés
quando Patrício ganhou importância na minha vida. Só que ele
descobriu o teor da relação e não aceitou muito bem.
— Eu não quero nem imaginar o teor da sua relação,
Miranda. — Johnny fez cara de assustado, o que me fez sorrir.
— Fará bem a sua sanidade.
— Puta que pariu! — rosnou baixinho.
— Enfim… Moisés surtou com a minha recusa, tentou forçar
a barra e Patrício deu um basta na situação. Nas duas, quero dizer.
— Mesmo assim o cara não desistiu.
— Ele sumiu por um tempo, e agora voltou a aparecer com
outra estratégia. Disse que estava cuidando de mim, que um dia eu
reconheceria e todas essas maluquices. — Suspirei pesado. —
Moisés é um incômodo chato demais para esse período já tão
conturbado.
— Imagino que sim. Ainda bem que Thomas apareceu, não?
Eu não estava prestando atenção em você porque Charlotte
começou a falar sobre sexo e traição… — deu uma risada escrota.
— Eu poderia me defender sozinha.
— Tenho certeza que sim, afinal de contas, você é Miranda
Middleton, e se basta. — Fiz uma careta com a sua menção, o que
não passou despercebido.
— Você é uma Middleton, Miranda. Nada vai mudar isso.
— Não tenho tanta certeza.
— Não pense nisso agora. — Outra vez acalentou meu braço
com seu toque amoroso. — Tome um banho quente e durma um
pouco. Com toda certeza amanhã o padrinho saberá que Thomas
defendeu a sua honra e você precisará de uma boa desculpa para
justificar tal ato.
— Na verdade, acho que está na hora do padrinho saber a
verdade. Essa família tem muitos esqueletos nos armários. Uma
faxina geral resolveria e restauraria a nossa paz.
Johnny sorriu, e pela primeira vez não era algo provocativo,
ou uma forma de deixar tudo mais leve. Johnny sorriu aprovando a
minha decisão. E foi assim que eu soube que precisávamos iniciar a
faxina.

Desliguei o chuveiro, escorri os cachos molhados, torcendo-


os com as mãos, e puxei a toalha para cobrir meu corpo. Foi
quando abri a porta do boxe, tomada pelo vapor, que a vi, e, lógico,
gritei.
— Puta que pariu! — Levei a mão ao peito. — O que faz
aqui? — Charlotte me olhava assustada e constrangida.
— Não conseguia dormir. Desculpe!
— Porra, Charlotte! E precisa entrar assim no banheiro, sem
avisar?
— A porta estava aberta, então… — Qual o problema? Já vi
você sem roupas mais vezes do que gostaria.
Respirei fundo, engolindo a chateação causada pelo susto.
— O problema é que banho é uma coisa íntima. Se eu
quisesse compartilhar com você teria te convidado! — Ela cruzou
os braços na frente dos peitos e me encarou cheia de si. — Eu
poderia estar me masturbando — pirracei. O rosto da minha irmã
ficou vermelho e seus olhos não conseguiam mais focar em nada.
— Da próxima vez tranque a porta — rebateu.
— Da próxima vez tenha mais educação.
Envolvi meu cabelo em uma toalha, peguei o hidratante e fui
para o closet.
— O que quer, Charlotte? São quase três da manhã, você está
bêbada. Deveria estar dormindo.
Ela não me olhava mais. Caminhava devagar pelo espaço do
closet, sem saber o que dizer.
— Não consigo dormir. É só isso. — Soltei o ar preso nos
pulmões. Eu sabia que Charlotte não me procuraria caso não
precisasse de mim, por isso relaxei e comecei a passar o hidratante.
— O que te incomoda tanto?
— Não sei. — Sua voz triste me alertou.
Escolhi uma calcinha, uma camisola qualquer e peguei minha
irmã pela mão para guiá-la até a cama. Ela não contestou. Deitamos
como fazíamos quando crianças, quando sentíamos medo.
Seguíamos este padrão até mesmo na fase adulta, não importando
as convenções. Ela precisava de mim e eu estaria sempre ali para
ela.
Charlotte ficou em silêncio por um tempo, encarando o teto,
segurando o edredom no corpo como se ele fosse a sua bóia de
salvação. Respeitei o seu momento e repensei todas as minhas
decisões, averiguando a melhor forma de incluir Charlotte nelas.
— Eu sei que não deveria — começou com a voz fraca, ainda
com receio. — Mas assinar o contrato com essa nova editora me
fez pensar muito no… nele.
— Imaginei.
— Ele não merece, mas eu fiquei pensando no quanto era
estranho festejar algo tão legal, que sonhamos juntos, sem que ele
estivesse por perto. — MInha irmã parou quando sua voz
embargou.
— Você sabe que ele não precisa estar distante, não é?
— Precisa sim — rebateu com toda a sua certeza. — Não
posso tê-lo por perto.
— Por que não resistiria ou por que não suportaria? —
Charlotte pensou na resposta e demorou mais tempo do que eu
pude mensurar.
— Eu acho que… pelos dois.
— Charlotte, Alex te ama.
— Ele me traiu! — Sua voz se elevou um pouco. A mágoa
pulsante.
— Essa é a grande merda da vida.
— Não posso suportar, Miranda. Você acha que a ideia de
aceitá-lo de volta não passa pela minha cabeça? Acredita que eu
sou tão difícil assim? Ele… — parou para respirar, e eu soube que
também foi para evitar o choro. — Não é só pela traição, mas por
tudo o que isso nos traz. Meu Deus, ele vai ser pai e isso… isso me
destrói.
— Eu sei — falei baixinho.
— Porque era para ser eu, entende? Era para eu estar me
olhando no espelho e verificando o quanto minha barriga havia
crescido, no entanto… acabou. Você tem ideia do que é presenciar
seu castelo desmoronar? Eu tinha tudo! Tinha uma vida
maravilhosa, o príncipe perfeito, a carreira que sempre sonhei e…
mesmo sem saber… eu tinha um filho. E então… acabou!
— Pode não parecer, mas eu bem sei o que é assistir seu
castelo desmoronar.
— Desculpe! — Sua mão procurou pela minha, por baixo do
edredom, e apertou meus dedos. — Às vezes eu sou tão egoísta que
esqueço que você tem os seus próprios problemas.
— Não tem problema. Eu te amo assim, egoísta e mimada —
ela riu, e também chorava. — Príncipes não existem, Charlotte.
Nem uma vida perfeita. E essa é a mágica de saber viver. Não
existe como desviar dos obstáculos. Coisas ruins acontecem o
tempo todo. Mas é muito mais fácil quando você percebe que as
pessoas erram, que são falhas e isso não as tornam ruins. Alex
errou e isso vai doer para sempre em você, no entanto ele não é
uma pessoa ruim, e te ama como homem nenhum vai te amar.
— Eu não quero pensar desta forma. Não quero criar nenhum
tipo de esperança. A vida já é bastante complicada sem ter Tiffany
com uma criança nos perseguindo.
Ela se encolheu, deitando em meu ombro e me abraçando.
— E depois do que ela fez… meu Deus! Eu não posso nem
cogitar me aproximar. Não suportaria esta culpa.
— Então, se não existisse mais Tiffany, ou a criança, haveria
uma chance para vocês?
— Não. — Sua voz saiu como um lamento, como se a ideia
doesse demais. — Não existe qualquer esperança para nós dois. E
não quero mais falar sobre isso.
Um nó se formou em minha garganta.
— Sobre o que quer falar?
— O que aconteceu hoje?
Engoli com dificuldade, porém, não queria mais viver
naquele mundo de fantasia, e havia determinado que ser eu mesma
seria a única coisa que me salvaria. Então, me movimentei, tirando
Charlotte do meu ombro, e a encarei.
— Aquele homem, o que tentou me agarrar, foi alguém com
quem me relacionei. Na época eu tinha uma leve ideia do quanto
ele era doente, porém, sem imaginar que poderia virar a sua
obsessão. Consegui arrancar ele da minha vida com a ajuda do
Patrício e foi por isso que terminamos daquela vez.
Minha irmã concordou, me encarando com atenção e
preocupação.
— Não sei como ele me encontrou aqui.
— Ele é perigoso? Podemos falar com…
— Ele não é perigoso. Vou ter mais cuidado. Pode deixar.
— Que bom que Thomas estava lá. Quer dizer… você não
gosta dele, mas...
— Charlotte, quando eu era adolescente, me envolvi com
Thomas, e ele não foi muito legal para mim. Por isso não gosto da
presença dele. — Charlotte ofegou, levando a mão a boca.
— Miranda eu… eu não…
— Nós éramos novos demais, então não pense nisso como
algo com que tivesse de se preocupar.
— Mas vocês… vocês…
— Foi coisa de adolescente. Thomas não merecia o que eu
sentia por ele, só isso.
— Sinto muito, Miranda!
Fiz um muxoxo com a boca, desfazendo do sentimento dela.
Eu podia alertar Charlotte sobre o grau do problema que tive com
Thomas. Poderia contar toda a verdade e fazê-la se afastar dele de
uma vez por todas. Entretanto, diante de tudo o que vivi nos
últimos dias, entendi que aquela história deveria ficar no passado.
Thomas nunca conseguiria arrastar Charlotte para o seu
mundo, e minha irmã, depois de saber daquela pequena parte da
minha história, saberia colocar Thomas em seu devido lugar. Era o
suficiente para o que eu pretendia. Então, me enchendo de
coragem, fiz o que de fato pretendia fazer.
— Eu quero te contar uma coisa… — comecei. Charlotte me
encarou em silêncio, atenta as minhas palavras. — Patrício me
pediu em casamento.
— Oh!
Ela sentou no colchão. Seus olhos ficaram imensos enquanto
ela continuava me encarando.
— Charlotte…
— Ah, meu Deus! Miranda! — Então ela me abraçou, cheia
de alegria, uma felicidade que eu não esperava. — Não acredito!
Não acredito!
— Calma! Você vai acordar o padrinho assim.
— Ele já sabe? E não me disse nada? Espere! E aliança? Ah,
meu Deus! Você aceitou, não foi?
— Sim e não. — Vi os ombros da minha irmã
desmoronarem.
— Miranda!
— Eu não sabia como lidar com um casamento em um
momento tão delicado. Além do mais… não tenho certeza quanto a
essa ideia.
— Mas vocês se amam! Você o ama, não é mesmo?
— Amo! — Sem pensar muito no assunto, abri um sorriso
imenso, recordando o pedido tão cheio de amor. — Sim, eu o amo.
— Então está decidido! — Ela me abraçou outra vez. Depois
me soltou como se tivesse sofrido um choque. — Você não aceitou
por minha causa?
— Eu disse que poderia ser um compromisso, e que mais
tarde pensaríamos no assunto.
— Ah, Miranda! Não! Não por minha causa!
— Você precisa de mim aqui, e Patrício está em outro
continente. Não há como fazer um casamento assim.
— Oh!
Ela soltou minha mão e se afastou um pouco. Estava escuro,
mas eu podia jurar que o rosto da minha irmã corou com
intensidade.
— Não é a hora, Charlotte. Além do mais, como vou
conseguir cuidar da sua carreira e organizar um casamento?
— Eu estou aqui e temos Dana e Lana, além do mais…
— Desculpe, minha irmã, mas não será assim. O meu
casamento vai acontecer da forma como eu desejar. Não quero
Dana, nem Lana, nem mesmo você decidindo por mim. Quando eu
casar, e se eu casar, será do meu jeito.
Apesar do que eu havia acabado de dizer, ela sorriu
concordando, e voltou a segurar minha mão, apertando meus
dedos.
— Não poderia ser diferente, Miranda Middleton. Você é a
pessoa que mais merece utilizar este sobrenome. Eu te entendo e
respeito. Faça disso algo seu e só seu. E eu tenho certeza que agora
ou em dez anos, vai ser perfeito.
Emocionada, e, pela primeira vez desde que o tal homem
apareceu, não senti o aperto ruim em meu estômago quando ela me
chamou pelo meu nome. Como se tudo estivesse em seu devido
lugar.
— Agora — ela disse completando. — Eu quero que você
volte para o Brasil.
— Mas…
— Você já fez o que precisava, Miranda. Eu estou bem e
você tem uma vida para construir ao lado do Patrício.
— E sua carreira? Está me despedindo? — Ela riu com
vontade.
— Não há nada que você não possa resolver de lá. E às
vezes, claro, me visitar.
— Você tem certeza?
— Absoluta — sussurrou. — Você me ajudou a construir a
história da minha vida. Agora é a sua vez. Vá e construa um lindo
final feliz para vocês dois.
Abracei Charlotte, me sentindo feliz e completa como há
muito não acontecia. E entendi que havia chegado a hora de
reconstruir a minha vida.
CAPÍTULO 33

“Pois só você que tem esse poder


Só você faz meu dia amanhecer
Só você faz minha estrela brilhar no céu
Vem acordar minha alma, me acalma”
Me acalma - Jorge & Mateus

Apesar da conversa que tive com Charlotte, não voltei ao


Brasil imediatamente. Muita coisa precisava ser ajustada para que
nada ficasse de lado quando eu não estivesse tão presente. Também
não me senti segura o suficiente para partir sem olhar para trás.
Estávamos naquele ritmo há um bom tempo, e eu não
pretendia casar como se o mundo fosse acabar no dia seguinte. Eu
sequer sabia se desejava mesmo um casamento. Então Patrício
poderia aguentar um pouco mais.
Também optei por não conversar com o padrinho, nem sobre
o pedido de Patrício, muito menos sobre o encontro com aquele
homem. Johnny havia conseguido ajuda, então preferi ter alguma
base antes de interrogar o padrinho, que me criou com bastante
amor, para ser bem justa.
Assim, Charlotte e eu passamos dias definindo a tradução
para o livro. O contrato com a editora do Alex previa a obrigação
da sua participação quanto as negociações, contudo Lana nos deu
carta branca, ficando para eles apenas a porcentagem acertada.
Apesar de termos sido alfabetizadas em inglês, Charlotte
preferiu contratar uma revisora particular, assim não deixaríamos
brechas. Então trabalhamos na tradução do texto, depois investimos
na revisão, e só quando esta estava conforme o gosto da minha
irmã, o original foi entregue a nova editora.
Enquanto isso, mantive a minha rotina. Fui ao Brasil apenas
duas vezes e por um período curto. Acertei mais um plano de
marketing para a divulgação desta nova versão, afinal de contas,
era um livro com pouco tempo de lançado no país, e que já havia
conseguido espaço no mercado internacional. Precisávamos
noticiar.
Contratei uma secretária para atuar em solo brasileiro e outra
para acompanhar Charlotte na Inglaterra. Assim minha irmã
ocuparia o seu tempo com a escrita, enquanto Isabella, a secretária
britânica, me manteria informada de cada passo.
E só depois de tudo ajustado, um pouco mais de dois meses
após tomarmos a decisão, desembarquei no Brasil, desta vez não
mais com passagem comprada para minha volta, e ainda
relembrando o abraço apertado da minha irmã e o seu pedido
emocionado “seja feliz”.
Então, quando avistei meu namorado, com aquele sorriso que
ainda roubava meu fôlego, esperando por mim no desembarque
internacional, me atirei em seus braços e me permiti desligar de
todos os problemas. Era hora de fazer como Charlotte me pediu, ser
feliz!
— Tenho duas notícias boas — ele disse quando conseguiu
me desgrudar dos seus lábios.
— A primeira: você está louco de saudade. — Mordi seu
queixo, me deixando contagiar pela alegria de estar com meu
namorado outra vez. — E a segunda: você está louco de tesão —
provoquei sussurrando em seu ouvido.
— Hum, então acho que tenho quatro notícias boas —
brincou roubando um beijo rápido. — A primeira: eu estou louco
de saudade, Morena! — Patrício me abraçou, salpicando beijos
pelo meu rosto. — A segunda: estou louco de tesão só de pensar na
sua conversa safada de ontem.
— Ah, eu sabia que você não esqueceria.
— Não esqueci, e vou cobrar. — Segurou meu rosto com as
duas mãos para deixar claro que falava sério. Meu corpo todo
esquentou.
Na noite anterior conversei bastante com Patrício sobre a
minha volta e como deveríamos por em prática os nossos planos.
Apimentei sua saudade falando sobre casas noturnas mais ousadas
e casas de massagens onde tudo podia acontecer.
— A terceira… — desconversei.
— Contei aos meus pais que comprei um apartamento e que
me mudarei em breve. — Meus olhos se abriram de espanto e meu
coração acelerou.
— Patrício! Mas você não falou…
— Nem do anexo e nem da minha proposta de casamento. —
Outra vez me puxou para perto, roubando um beijo que me passava
a ideia de tranquilidade. — Vai ser no seu tempo, Morena.
— Certo. E a quarta?
Patrício abriu um sorriso imenso. Seus olhos chegaram a
brilhar.
— Recebi as chaves, já mandei entregar algumas coisas,
contratei um engenheiro e um arquiteto e hoje vamos receber as
plantas para o apartamento que vamos morar. Vou deixar você
planejar a do outro como desejar.
— Nossa! Que dia você recebeu as chaves? — Precisei me
afastar para encará-lo. O sorriso do meu namorado se transformou
em algo travesso.
— Mais ou menos uns quinze dias.
— Patrício!
— Eu queria fazer uma surpresa, gata! Aliás, eu quero fazer
uma surpresa. Pronta?
— Mas você não disse que precisaria voltar para uma
reunião?
Ele puxou o carrinho e começou a se afastar. Precisei acelerar
os passos para acompanhá-lo.
— Patrício?
— Não foi exatamente uma mentira. Nós teremos uma
reunião com o engenheiro e a arquiteta.
— A arquiteta? — Parei no mesmo instante. Ele olhou para
trás e riu, continuando a andar. Voltei a correr para ficar ao seu
lado. — Você contratou uma arquiteta para trabalhar em nossa casa
e não me falou nada.
— Você vai gostar dela, não se preocupe. Vamos. Temos que
aproveitar. Esse é o melhor horário para pegarmos a Linha
Amarela. Não temos tempo a perder.
— Você está muito ansioso para este encontro —
resmunguei. Patrício parou de forma abrupta.
— Não, Morena — disse me puxando de volta para os seus
braços. — Estou muito ansioso por este encontro. — E me beijou
com aquela fome que fazia minhas pernas fraquejarem.
Ah, eu amava aqueles lábios!

Patrício tinha razão. O horário colaborou no nosso trajeto, e


muito rápido chegamos a portaria do nosso primeiro apartamento.
Olhei para cima, uma mistura gostosa de medo e excitação se
formando em meu ventre. Ali iniciávamos uma nova etapa das
nossas vidas. E tudo como eu gostava, escondido, desafiando a
sociedade, rindo da cara dos hipócritas enquanto transavamos sobre
suas cabeças.
E seria ainda melhor do que no clube, porque ali seriam as
minhas regras. Quer dizer, as do meu namorado também, mas no
geral nossas regras se fundiam. Então, mais uma vez, a imagem
que me assustava e excitava ao mesmo tempo, povoou a minha
mente, eu, Patrício e outra mulher. Eu permitindo e ele aceitando.
— Pronta? — ele disse, empolgado.
— Sim. Por que estacionamos aqui? No contrato não dizia
que tínhamos três garagens para cada apartamento?
— Ah, ninguém se mudou ainda, e achei melhor deixar você
ter esta vista. Na real, Morena? Seis vagas de garagem? O que
vamos fazer com tantas? Você sequer dirige.
— Receber convidados. — Arqueei uma sobrancelha
deixando o meu recado.
— Ah, claro! — Ficou sem graça, levando a mão à nuca e
apertando aqueles cachos que eu tanto amava. — Vamos?
Subimos de mãos dadas. Havíamos comprado as duas
coberturas da torre. Ajustamos a documentação, deixando uma no
nome de Patrício, assim ficaria muito mais fácil tanto para justificar
para a família, quanto para o seu imposto de renda, e a outra, a que
acomodaria o nosso clube particular, passamos para o meu nome, e
eu quitei na primeira oportunidade. Patrício protestou, no entanto
aceitou a desculpa de que o padrinho desconfiaria se eu financiasse
algum imóvel.
Apesar de que, um bom economista o convenceria que a
depender do investimento, valia mais pagar os juros do
financiamento e aplicar o dinheiro, do que comprar o imóvel e
deixar o dinheiro parado. Mas… optei por não precisar me
explicar.
O elevador chegou na cobertura, revelando uma pré-sala que
precisaria de um esforço extra para ficar aceitável. Patrício
aguardou a minha inspeção e só então ergueu a mão para que me
juntasse a ele na porta que nos daria acesso ao imóvel. Colocou a
chave, destrancando-a, mas parou para me olhar.
— Vamos trocar essa porta por algo mais moderno, certo? —
falei ganhando um lindo sorriso.
— Tudo o que você quiser, Morena!
Patrício me beijou quando empurrou a porta, ofuscando a
revelação do seu interior. E então, pegando-me de surpresa, fui
içada do chão e sustentada em seus braços. Dei um gritinho de
susto e excitação.
— Vamos seguir a tradição — ele disse.
— Nós não casamos e não vamos morar juntos. — Meu
namorado revirou os olhos e entrou na sala ampla com o pé direito.
— E você adora desfazer do meu romantismo. Não casamos,
porém, é a nossa primeira vez nesta casa, então, quero fazer da
forma certa.
— Ok!
Ainda em seus braços, percorri o local com os olhos,
averiguando o quanto o pé direito era alto, a divisão entre as
dependências e as salas, a varanda ampla, com uma paisagem linda
do mar ao fundo e a escada que nos levaria ao andar de cima, onde
ficavam os quartos. Tudo em um inapropriado tom branco, e se não
fossem pelos três grandes problemas instalados no meio da sala, eu
poderia dizer que o lugar era perfeito.
— O que é isso?
Forcei para que me deixasse descer. Patrício suspirou e me
deixou no chão.
— Legal, não?
— Não!
Olhei para a imensa mesa de sinuca, o futebol de mesa ao
lado do fliperama, e me perguntei em quanto tempo surtaria.
— Isso não vai ficar aqui na sala, não é mesmo? — Ele fixou
os olhos em mim e umedeceu os lábios.
— Não temos um ambiente grande o suficiente para caber os
três.
Olhei para a sala, para Patrício, para a varanda, querendo a
todo custo encontrar uma solução.
— Vamos derrubar uma parede — determinei.
— Miranda?
— Patrício! Não vamos ter uma casa de jogos. Pelo menos
não desse tipo de jogo, certo?
Derrotado, ele suspirou e concordou.
— Não quer conhecer o andar superior?
— É sério que acha o máximo termos essas três…
atrocidades no meio da sala?
— Pode parecer estranho, mas vi umas revistas de decoração
onde a mesa de sinuca fica bem legal como parte da sala.
— Não!
— Vamos esperar que a arquiteta traga as sugestões, certo?
— Não!
Subi os degraus me questionando de quanto tempo ele
precisaria para me convencer do contrário. O desânimo em seu
rosto começava a fazer com que me sentisse culpada. Por isso que
Patrício ainda morava com os pais. Bastava aquele garoto fazer
biquinho e qualquer pessoa se rendia as suas vontades.
Que droga!
Não! Não teríamos uma mesa de sinuca, um futebol de mesa
e muito menos um fliperama na sala. Estava decidido.
Alcancei o segundo andar e só então me dei conta de que
subi batendo os pés. Respirei fundo ignorando a sua risada irônica.
— Muito bem — eu disse. — Temos quatro quartos a nossa
disposição. Qual deles é o maior?
— O nosso. — Seu tom de voz deixava claro que meu
namorado estava prestes a dar o bote. Evitei morder o lábio ou
respirar mais ofegante.
— E o segundo?
— Hum! Acho que aquele — apontou para a porta que ficava
na outra extremidade.
— Vamos ter um quarto nosso, um para visitas e os outros
dois quebramos para fazer a sua sala de jogos — determinei já
sabendo que acabaria com todo o nosso plano. — Lá embaixo fica
o escritório e podemos transferir a biblioteca para lá também.
— Não é grande o suficiente — avisou.
— Tem que dar certo. Não vamos ter filhos, pelo menos por
enquanto, certo? — Ele concordou, meio assustado. — E nem
vamos trazer nosso mundo para este apartamento. — Outra vez ele
concordou, balançando a cabeça. — Então aqui a única coisa de
anormal será a sua sala de jogos insana.
— Você é absurdamente má — provocou. — Todo homem
joga. É legal. E eu preferia não ter uma sala de jogos aqui em cima,
vai invadir a nossa privacidade.
— E o que sugere, uma sala de jogos no lugar da nossa sala
de estar?
— O espaço é imenso, Miranda. Pedi a… arquiteta — Fez
uma pausa proposital. — Para fazer uma planta com sugestões de
como utilizar da melhor forma com o espaço lá de baixo, incluindo
a minha parte de jogos. E vamos quebrar um dos quartos para
ampliar o nosso e o closet, esqueceu?
— Argh! — rosnei lhe dando as costas. Fui até a porta onde
deveria ficar a nossa Suíte e parei assim que dei de cara com o seu
interior.
O quarto em si encontrava-se quase vazio, com exceção da
imensa cama, muito maior do que qualquer uma que pudesse ser
encontrada em lojas de móveis. Patrício teve o cuidado de pensar
naquele detalhe, na cama que dividiríamos, e que se exibia ali,
arrumada, com um jogo de cama maravilhoso, delicado, o que me
remeteu a madrinha e me emocionou.
Sobre a mesma, diversos travesseiros, como ele sabia que eu
gostava de dormir. Não havia rosas. Não fazia o seu tipo algo
assim, mas impregnava o quarto a delicadeza da sua atenção. A sua
imensa vontade de me fazer sentir em casa, mesmo que fosse
através de uma cama. Contavam os detalhes e a sua percepção. Era
isso o que me reafirmava o seu amor.
Assim eu soube, que onde ficaria a sala de jogos pouco
importava, porque Patrício havia definido o ponto mais importante,
o lugar onde moraria o nosso amor.
CAPÍTULO 34

“Você é a razão da minha felicidade


Não vá dizer que eu não sou sua cara-metade
Meu amor, por favor, vem viver comigo
No seu colo é o meu abrigo”
Meu abrigo - Melim

Sem dizer uma palavra, Patrício me carregou no colo outra


vez e me levou até a cama. Eu ainda me via perdida, arrebatada
pela demonstração tão cuidadosa do seu amor. Ele me deitou com
cuidado, porém, não se juntou a mim. Deixou que eu a sentisse,
que me acostumasse a sua textura, que me moldasse.
Enquanto isso meu namorado retirou meu sapato e
massageou meus pés. A sensação foi deliciosa. Depois de horas
dentro de um avião desconfortável, tirar os sapatos e receber uma
massagem chegava a ser glorioso. Gemi adorando a sua atitude.
Sem qualquer pressa, Patrício aguardou por mim, me
relaxando, trocando de pé quando entendeu ser a hora. Fechei os
olhos e aproveitei. Sentia o cheiro da roupa lavada, da tinta fresca,
o seu toque às vezes mais forte, às vezes suave. Meu corpo foi
entrando em uma letargia deliciosa. E quando o encarei, percebi
que me analisava, apreciando o que via.
Patrício era incrível! Ele sabia dominar e se submeter sem
nunca perder aquele poder que exercia sobre mim.
Fui tomada por um desejo que fez meu sexo vibrar. Enquanto
ele massageava meu pé, passei o outro pela sua ereção, conferindo
se meu namorado se encontrava no mesmo ritmo, e ali estava a
minha comprovação. Patrício encontrava prazer em me dar prazer,
e aquilo me deixava extasiada, sedenta por ele, pelo meu prazer,
pois só assim atingiria o meu objetivo, satisfazê-lo.
Com cuidado, se inclinou sobre mim, as mãos no cós da
minha calça justa. Um leve beijo foi depositado em meus lábios e
recuou quando tentei intensificá-lo. Patrício me avisou, sem nada
dizer, que não queria avançar. Que queria tudo no seu tempo, no
seu ritmo. Aceitei.
Puxou minha calça até que esta estivesse fora do meu corpo,
depois deixou que a mesma caísse pelo chão. Então voltou aos
meus pés, beijando um de cada vez com uma adoração que me
comovia. Correu os lábios pela minha pele, indo até minha coxa,
onde os beijos ficavam mais intensos, e neste ponto voltava,
trocando de perna, me enlouquecendo aos poucos.
Não tentei burlar as suas regras. Estava entregue, aceitando
dele o que quisesse me dar. Eu me entreguei e permiti que meu
namorado me consumisse como desejasse. Gemi com seus beijos
em minha pele, com seus lábios em minhas coxas, tão perto que me
fazia formigar, e se afastando ao ponto de causar calafrios.
Patrício avançou outra vez, puxando minha camisa para
cima, revelando meu sutiã. Só depois seu corpo se pronunciou
sobre o meu, sem me deixar ter o prazer de sentir seu peso, mas
sentando sobre minhas coxas.
Meu namorado, já descalço, servia como um aviso de que,
perdida em meu prazer, deixei passar suas ações, pelo menos as
quais não aconteciam em meu corpo. Ele puxou a camisa para
cima, deixando seu peitoral exposto. Depois se inclinou e me
beijou com mais vontade.
Gemi deliciada com o sabor da sua língua e agradecendo por
não precisar mais ficar tanto tempo longe. Eu podia beijar Patrício
por uma eternidade sem nunca enjoar, sem cansar, sem desejar algo
mais. Patrício beijava como um mestre, com propriedade. Cada
movimento dos seus lábios e língua pareciam estudados,
orquestrados, ensaiados para atingir o seu intento.
E eu sabia o que meu namorado tanto ansiava. Ele queria o
meu mundo. Eu só queria ser o mundo dele.
Por isso meu gemido de protesto quando afastou os lábios
dos meus e desenroscou minhas pernas da sua cintura. Eu já estava
pronta, excitada, molhada, ansiosa por ele. No entanto, Patrício
exibia um controle louvável. Ele levantou da cama para retirar a
calça, sorrindo para a minha pressa em tê-lo.
Quando voltou, exigiu meus lábios mais uma vez. Suas mãos
em meu corpo, sem pressa, explorando, apalpando com toques que
revezavam entre decididos e calmos. E quando seus lábios foram
para meu pescoço e sua mão para dentro da minha calcinha, pensei
que explodiria de tanto tesão.
Ele logo se afastou.
— Patrício! — arfei, sem acreditar naquela tortura. — O que
você está fazendo?
— Ei! Calma, gata!
Sua mão segurou meu rosto enquanto tentava manter seu
peso longe de mim, mesmo com minha perna enroscada na sua,
puxando-o para perto.
— Estou fazendo amor com você, Miranda — revelou me
deixando sem palavras. — É a nossa primeira vez aqui e quero que
seja apenas amor.
Meus olhos ficaram úmidos e um bolo se formou em minha
garganta. Ele percebeu e acariciou minha bochecha.
— Relaxe! — sussurrou voltando a me beijar.
Aceitei, mesmo com aquele formigamento me corroendo,
com o desejo latente, com a luxúria lambendo meu corpo
acompanhando suas mãos. Ele me tocava com cuidado, sabendo
que a minha sensibilidade alcançava o seu limite.
Patrício acariciava meus seios, apalpava, lambia, mordiscava
e chupava, tudo sem pressa, com um controle que me
desconcertava. Como conseguia? Enquanto isso, eu gemia e
arranhava a sua pele. Expulsava da minha mente a ideia de burlar
as regras e alcançar um orgasmo apenas roçando em seu corpo,
quando assim ele me permitia agir, mas me convencia de que não
seria justo e que quando acontecesse, nunca mais esqueceria.
Da forma como Patrício disse que queria que fosse.
Inesquecível.
Com cuidado, me livrou do sutiã, e então recomeçou a
tortura, me adorando com seus lábios, me consumindo sem
qualquer vontade de chegarmos ao fim.
Meus dedos se enfiaram em seus cachos, me segurando a ele
da forma como eu podia, me concentrando em qualquer coisa que
não me fizesse explodir antes da hora. Nada me aliviava, nem
mesmo sentir seus fios passando pelos meus dedos. Tudo me
deixava mais excitada.
Uma tortura angustiante e deliciosa.
Ele me levava ao limite e recuava. Mudava a estratégia,
tocava em outro lugar, beijava meus lábios enquanto me
masturbava sem muita ênfase, mordiscava meus seios quando
apertava minha bunda, se ajustando entre minhas pernas, e me
alisava quando roçava sua ereção em minha calcinha arruinada.
— Ah, Patrício! — Gemi sem conseguir me controlar.
— Senti tanto a sua falta, linda!
Falou enquanto arrancava minha calcinha do meu corpo. Eu
me encontrava a ponto de chorar, de implorar, sensível ao ponto de
me emocionar com a mesma declaração que ele fez um pouco
antes, quando ainda estávamos no aeroporto. E tudo isso porque
ansiava por alívio, implorando para que entrasse em mim, me
consumindo até não restar mais nada do meu corpo.
Patrício puxou minhas coxas, me ajustando ao seu corpo.
Meu ar ficou preso nos pulmões, todo o meu corpo em expectativa.
— Eu amo você, Morena! — Iniciou o leve roçar do seu pau
em minha entrada. Aquilo me enlouqueceu.
— Ah, Deus! — Gemi quase chorando.
Patrício avançou sobre meu corpo, segurando minhas duas
mãos acima da cabeça, seu corpo posicionado entre as minhas
pernas, seu pau na minha entrada. Ele puxou o ar, nossos olhos se
encontraram e eu me vi presa a ele como nunca me senti antes. Tão
ligada àquele menino que minha respiração parecia só ser possível
porque a dele existia, e meu coração só batia porque naquela
posição, eu podia sentir o pulsar do dele.
Eu era tão dele que me fundi a sua essência, e me tornei algo
maior do que já fui, algo tão grandioso e pleno que me faria aceitar
qualquer coisa com um enorme sorriso no rosto, até mesmo uma
mesa de sinuca no meio da sala.
Deus, quando me tornei tão submissa àquele garoto abusado?
E quando passei a gostar disso?
Eu não saberia responder, até porque, enquanto meu cérebro
processava uma resposta coerente, Patrício se afundou em mim e
todo o meu raciocínio ficou disforme, dissolvido e misturado a uma
névoa de prazer e luxúria.
— Ah! — Gemi jogando a cabeça para trás.
Ele foi até o final, se impondo, me abrindo, me submetendo
como desejava. E me entreguei sem enxergar qualquer vontade de
fazer de outra forma. Patrício beijou meu pescoço, depois meus
seios. Minha pele parecia eletrizada, sensível ao extremo.
Espasmos faziam meu tronco se contorcer cada vez que sua língua
se arrastava em meus seios ou em meu ventre.
E foi assim que iniciamos a dança do amor que tanto
conhecíamos. A que tirava de qualquer homem ou mulher, a
capacidade de raciocinar. A busca insana por algo que não há como
descrever.
Patrício entrava e saía de dentro de mim, cada vez mais
fundo, cada vez me empurrando para aquele vale onde não é
possível pensar, só sentir. O quarto quente, devido a não
climatização do local, e a janela fechada colaborava para que
nossos corpos ficassem suados, e nem isso nos fazia vacilar.
Ele estocava cada vez com mais força, uma mão mantendo as
minhas cativas e a outra abusando do meu corpo, me apalpando,
me obrigando a assistir aquela cena deliciosa que era seu corpo
suado investindo no meu sem me dar outra opção. E havia outra
opção? Não. Eu queria exatamente como ele me permitia.
Não foi difícil reconhecer a sensação que tanto desejava.
Minha pele arrepiou, meus seios exibiram bicos rijos, meu ventre
se contraiu com violência e, sem qualquer controle, deixei que a
explosão me desfizesse em diversos pedaços. O orgasmo me
dominou com tamanha fúria que durante um tempo que me pareceu
longo demais, eu sentia meu corpo explodir, se espalhar, se juntar e
explodir outra vez.
E quando me recuperei, Patrício me olhava com aquela cara
de admiração, aquele sorriso bobo e aquele olhar de quem via a
pedra mais preciosa do mundo.
— Puta merda! — Eu me contorci testando meus músculos,
me certificando de que tudo ainda funcionava como devia.
— Foi intenso — ele disse, saindo de dentro de mim e me
ajudando a esticar os membros. — Eu queria ter esta capacidade.
— Que capacidade? — Gemi, desgastada, sem energia.
— De ter tantos orgásmos assim. Deve ser delicioso. —
Massageou meus braços, com carinho.
— E foram tantos?
— Ah, gata! Você fica tão entregue que não consegue
contar?
— É. Algo do tipo.
Ele me beijou e me permiti aquele acalento, me perdendo em
seus lábios.
— Precisamos levantar. Aline vai chegar a qualquer
momento.
Levantou não se importando com a volta da minha
capacidade de raciocinar.
— Tem um pouco de tudo no banheiro. Comprei aquele
sabonete líquido que você gosta, e coloquei duas toalhas.
— Você disse Aline? — acusei, erguendo o corpo para
encará-lo. — Aline… aquela Aline? — Patrício mordeu o lábio e
concordou.
— Ela é arquiteta, e é confiável. Conseguiu um engenheiro
muito bom. Vai sair caro, mas você não se importa em gastar. —
Deu um sorriso debochado.
Deixei que meu corpo caísse outra vez sobre a cama.
— Gata, Aline não morde.
— Morde!
— Só se você quiser.
— É essa a sua ideia? Trazer Aline para trabalhar em nosso
projeto para que se junte a nós depois do trabalho?
— Não. Mas não é um plano ruim.
— Patrício! — Atirei um travesseiro nele. — Se eu não
tivesse gozado tão gostoso ia mandar você para o inferno.
— Inferno — disse pensativo — Gostei desse nome.
— Nome para o quê? — E então me dei conta. — Porra, se
eu não estivesse tão esgotada iria aí te acertar um chute.
— Adoro quando você fica irritadinha. — Puxou meu pé
para me tirar da cama. — Vamos, Miranda. Nós estamos suados.
— E quem se importa? — Voltei a deitar na cama. Patrício
então me segurou e me ergueu com muita facilidade.
— Vai ser ótimo quando a banheira estiver instalada.
— Vai sim. Eu vou te afogar nela.
Meu namorado riu e me levou para o banho. E nem mesmo
com toda a sua atenção, a ideia de ter Aline em nossa casa, me
deixava menos tensa.
CAPÍTULO 35

“Amor, se for por seu carinho


Se for por seus beijinhos
Diga ao povo que fico
E mudo tudo”
Só você e Eu - Vanessa da Mata

Só tínhamos a mesa de sinuca para analisarmos as plantas


que o engenheiro, Igor, trouxera. Aline mantinha uma postura
profissional admirável, debatendo com segurança sobre o que
poderia e o que não poderia ser feito nas duas estruturas.
Igor não soube o que faríamos com a outra cobertura, apenas
estudava a possibilidade de remover uma parede no andar de cima
e outra no andar de baixo, além de construir uma estrutura que
tornaria a piscina exclusiva, sem qualquer tipo de exposição.
Já Aline, de alguma forma, me fazia acreditar que
desconfiava do que faríamos, ou se não tanto, tinha uma leve ideia
de que aquele outro imóvel serviria para fazermos algo que olhos
moralistas não poderiam tocar. Por isso não questionei quando ela
disse que não tinha nada para apresentar para a outra cobertura e
que havia se concentrado primeiro em uma, enquanto não tinha
acesso as minhas perspectivas.
No final das contas conseguimos transformar o espaço de
baixo em uma sala de jantar, uma sala de estar, uma estrutura que
dividiria a segunda sala em duas e que viraria o ambiente de jogos
do meu namorado. E sim, concordei com a sinuca na varanda. Não
havia como negar qualquer coisa a Patrício depois do que fizemos
no nosso quarto.
E meu namorado estava tão amoroso, tão atencioso que
comecei a me imaginar vivendo naquela casa com ele e me
permitindo ser amada todos os dias.
Ok! Patrício me venceu.
Eu não sabia porque isso ainda me surpreendia.
Igor foi embora, acertando que enviaria um orçamento para
iniciar as obras o quanto antes. Aline ficou para uma cerveja. E eu
sequer sabia que já tínhamos cerveja naquele apartamento.
— Uma cervejeira foi a sua melhor compra — disse assim
que deu o primeiro gole e gemeu de satisfação. — Hoje está
quente. — E me encarou daquele jeito que me deixava estranha. —
Por isso sugeri climatizar todo o apartamento, apesar de ser um
local fresco. O Rio de Janeiro é sufocante não importa a época do
ano.
— Também acho — Patrício concordou.
— E essa varanda vai ficar espetacular. Precisamos definir a
cozinha. Pensei em algo prático e chique. Deixe-me ver… —
digitou algo em seu notebook. — Aqui! Veja Miranda, vai ficar
muito linda!
Olhei a tela sem muito interesse. Cozinha não era o meu forte
e apostava que Patrício não ficaria muito tempo por lá.
— Hum! A geladeira é aquela…
— Cheia de comandos. Isso mesmo — falou com um sorriso
imenso. — Essa é uma das coisas que digo que é para o que serve o
dinheiro. O forno e o microondas também serão assim. Não tem
nada de mais moderno.
— Vamos ter que aprender a usar.
— Vocês não têm uma? Meu Deus! Pensei que a família
Middleton era o que existia de mais próximo da realeza.
— Aposto que nem na casa da rainha tem uma geladeira
como esta. Eu e Charlotte nunca fomos de cozinhar e a madrinha
viajava demais com o padrinho para se importar com algo do tipo.
— Se for muito cara podemos… — Patrício tentou.
— Não! — Falamos ao mesmo tempo, Aline e eu.
— Não — reafirmei com menos intensidade. — Vai ser bom
termos uma geladeira dessa.
— E o que ela faz? É autolimpante? — Ele brincou. Eu e
Aline nos encaramos e demos uma gargalhada. Então brindamos
com nossas cervejas, aliviando a tensão anterior.
— O que estão pensando para a outra cobertura? — Patrício
me observou com receio e nada disse.
— Preciso que a sala permaneça ampla. Vamos fazer dela
uma sala de estar chique e confortável ao mesmo tempo. Nada
muito família — comecei.
— Hum! Então devo deduzir que o outro apartamento não
será para acolher amigos e familiares.
— Amigos sim, não todos — falei sem receio. — Familiares
não.
— Eles nem precisam saber que a cobertura ao lado pertence
a Miranda — Patrício avisou. — Muito menos que será usada.
— Compreendo. Não se preocupem, nada sairá daqui.
Observou a tela do computador, fez alguns ajustes, deixando
a da planta da sala vazia, então acrescentou algumas imagens, todas
em 3D e nem todas tão fáceis de serem compreendidas.
— Material fácil de ser lavado?
— Sim.
— Para a sala podemos deixar uma cor mais tranquila, já que
servirá para as pessoas interagirem. Pensei em… aqui. — Virou a
tela do computador para que eu pudesse ver. Patrício se inclinou
sobre meus ombros.
A cor lembrava muito uma sala de estar clássica, mas mesmo
assim me agradou. O tom pêssego bem leve era do meu gosto. Em
seguida, me mostrou uma linha de móveis planejados e iniciou uma
sucessão de ideias que foram conquistando meu gosto. Aline tinha
um ótimo senso de espaço e combinação.
Patrício não se intrometeu, ficou de lado, vendo a maneira
como interagíamos. Quando meus olhos alcançavam o seu, um
sorriso escroto brincava em seus lábios, que ele disfarçava com a
garrafa de cerveja.
— A cozinha será equipada? Como pretende fazer?
— Como a de uma casa normal. Preciso que seja reservada.
Em alguns... eventos, precisaremos de empregados.
— Entendo. E para os quartos? Dois mais reservados e um
amplo. Teremos algo no estilo cinquenta tons de cinza? — Dei uma
olhada para Patrício, então gargalhei.
— Podemos ter alguns pontos, mas não curto muito o sado.
Minha ideia é outra.
Aline não prestava atenção mais no computador. Ela me
olhava com um interesse genuíno. Um olhar afiado, não curioso,
como se reconhece em mim algo com o que estava habituada.
Imediatamente minha mente me levou a Thomas e então eu retrai.
— Outro ponto importante — falei com seriedade. — Todas
as paredes precisam ter revestimento acústico. Nenhum som de
fora entra, nenhum de dentro sai. E quando digo todas, falo de
todas mesmo.
— Uau! — Ela brincou.
— Uma casa funcionaria melhor — Patrício se pronunciou,
ganhando a sua atenção.
— Aqui vai funcionar. — Fui taxativa. — E nos quartos eu
queria umas peças grandes, penduradas na parede, que passassem a
ideia de obras de arte, mas que acionadas, as portas se abram,
portas de correr, é claro, para revelar o seu conteúdo.
— Conteúdo? — Ela ergueu uma sobrancelha ao me encarar.
— Alguns… acessórios.
— O que temos aqui? Um sistema perfeito para realizações
de taras? — Aline brincou, mas eu fiquei tensa. Não deveríamos ir
tão longe.
— Por enquanto vamos ficar apenas com as cores das
paredes e a reformulação dos ambientes — finalizei. Ela olhou para
Patrício e fez uma careta, lhe entregando a garrafa de cerveja.
— Pelo visto não serei convidada para as festas —
resmungou com uma ironia que passaria como brincadeira para
qualquer um, menos para mim. — Preciso de pelo menos uma
semana para pensar em tudo o que vamos preparar para os dois
imóveis. Podemos agendar um passeio, Miranda?
Abri a boca para responder, sem encontrar uma resposta
adequada. O que era aquilo?
— Não vai querer me acompanhar nas lojas de móveis e
decoração? Prefere que mande tudo por mensagem ou confia em
meu gosto ao ponto de nem querer saber como vai ficar?
— Podemos agendar. — Confirmei ainda incerta sobre o
assunto. — Por que não?
— Então vamos nos falando. Vai ser um prazer fazer esse
projeto. — Piscou e tenho certeza que não fui a única a perceber a
entonação desnecessária na palavra prazer.
Aline saiu deixando a sala silenciosa. Patrício me encarou
sem jeito. Eu ainda estava muito confusa com tudo o que ela
conseguia ser de uma vez só. Putz! E eu que me achava impactante.
Patrício aguardava por mim, esperando que eu falasse
primeiro, encostado na mesa de sinuca, os braços cruzados, os
músculos à mostra, lindo!
— Você quer comer ela — acusei.
— E você está com medo de admitir que também quer.
— Eu? — Quase gritei, depois refiz minha postura. — É tão
absurdo você me dizer isso, Patrício!
— Porque não tenho filtro. Você deveria estar acostumada
com isso. Vai se casar comigo.
— Ainda não disse que sim — provoquei. Ele sorriu de
forma escrota e ergueu a garrafa como um brinde, tomando seu
último gole. — Ela é sua amiga! É praticamente da família!
— Amor, eu não quero a Aline. Eu quero a ideia. Estávamos
aqui discutindo como será do outro lado e não pude evitar deixar
minha mente ir longe.
— Não estou de acordo!
— Se vamos fazer isso, por que não com alguém que
conhecemos e que também quer que aconteça?
— Não!
— Vocês fazem um lindo conjunto.
— Patrício! — bradei. Ele me agarrou pela cintura, me
puxando em direção ao seu corpo, nitidamente excitado. — Pode
parar!
— Você vai ficar assim, cheia de pudor, quando o outro lado
ficar pronto?
— Pudor? Eu? — Dei uma gargalhada, mas nem cheguei a
me convencer disso. Meu Deus, onde estava a Miranda que criei?
— Nenhuma garota vai servir?
— Nenhuma que você tenha tanto interesse — rebati furiosa.
— Ah, Morena! Meu interesse é todo em você. Quem vai
fazer parte do quadro será só um acréscimo.
— Não tenho tanta certeza. — Mas eu já estava mole,
cedendo a sua mão boba, aos seus lábios em minha orelha, a sua
ereção em meu ventre, me provocando.
— Vamos inaugurar essa mesa? — ronronou, me deixando
ouriçada.
— Patrício! — Desta vez saiu mais como um gemido de
consentimento, do que uma reprimenda.
Estávamos deitados em nossa cama, enrolados nos lençóis
que eu apostaria minha fortuna, eram de cem fios, abraçados e
escolhendo o que pediríamos para comer. Patrício queria gordura,
hambúrguer, batata-frita, refrigerante ou qualquer coisa frita, como
frango empanado picante. Eu queria embarcar na dele, apesar de
precisar maneirar. Minha rotina não me permitia cuidar muito bem
do corpo que demorei anos para construir. E se fosse me deixar
induzir pelo apetite do meu namorado acabaria imensa de gorda em
dois anos.
Foi quando o telefone dele tocou, impedindo que continuasse
a escolher o seu pedido. O nome de Alex pulou na tela, me
causando um desconforto.
— Que foi? — Patrício atendeu de má vontade. Então, muito
rápido sentou na cama. — Mas, já? Não faltava… porra, eu sei!
Certo! Onde? — levou um tempo em silêncio, o que me fez
levantar e procurar por minhas roupas.
Era certo que alguma coisa de importante acontecia, então
deixaríamos o apartamento. Lamentei não ter subido com nenhuma
mala. Minha camisa estava suja, depois de uma viagem longa e
tanta atividade. Sem contar que o cansaço me fazia lamentar a
necessidade dos saltos, e minha calcinha reserva já estava
arruinada.
— O que foi? — perguntei ponderando se deveria mesmo
vestir a calcinha, afinal de contas usaria calça.
— Lana. Foi para a maternidade — informou com pressa,
não se importando nem um pouco em não vestir a cueca.
Aproveitei e fiz o mesmo.
— Mas já? Com quantos meses ela está?
— Você vai sem calcinha? — falou me repreendendo.
— Você vai sem cueca? — Ele ponderou, deu de ombros e
continuou:
— Não era para ser agora, mas parece que alguma coisa
aconteceu e João resolveu levá-la para a maternidade. Ela já está na
sala de cirurgia.
— Ai meu Deus!
Peguei o sutiã e notei que Patrício relaxou me vendo vestir a
peça. Passei a camisa pela cabeça e comecei a procurar o sapato.
— Preciso trocar de roupa no carro — anunciei.
— Nem pensar que você vai tirar a roupa em público —
acabei rindo.
Descemos com pressa e entramos no carro sem olhar para
trás. Patrício dirigiu como um louco, e, apesar do terror que aquilo
me causava, havia certo orgulho em saber o quanto ele se
preocupava com a irmã.
Paramos no hospital e fiquei aliviada em saber que era o da
nossa rede. Pelo menos conseguiríamos privacidade. Patrício me
deu a mão e me puxou para dentro.
— Será que vamos conseguir entrar?
— E por que não conseguiríamos? — Ele me lançou um
olhar estranho.
— Porque nem todo mundo aqui é herdeiro de uma rede de
hospitais.
— Ha… hum! — Tossi sem graça. — Não há com o que se
preocupar. Para a sua sorte eu sou a herdeira deste hospital —
gracejei. Patrício me puxou para seus braços e me deu um beijo
rápido.
— Obrigado! Acho que enlouqueceria se tivesse que ficar na
recepção.
— Seu pai trabalha aqui! — desfiz dele, um pouco
envergonhada com a sua declaração.
— Porra, é verdade! Eu esqueci.
Acabei rindo, porque sabia como a cabeça de Patrício
funcionava quando ele era jogado em uma situação sobre a qual
não tinha qualquer controle.
— Vamos. Valentina e Catarina estão aguardando o tio babão
chegar.
Empurrei Patrício para dentro.
Encontramos Alex na recepção. Ao contrário do prestígio que
acreditávamos que Dr. Adriano tinha dentro do hospital, Alex
precisou ficar para trás, e seria avisado quando as gêmeas
nascessem, então o pai conseguiria uma rápida liberação, apenas
para que ele conseguisse ver Lana e as bebês.
Bom, aquelas eram as regras, mas eu ainda era uma
Middleton, e deveria valer de alguma coisa o fato de ser dona de
um terço daquele hospital.
A recepcionista não me reconheceu, mas assim que entreguei
a minha identidade e solicitei a liberação, fui atendida. Logo,
Patrício, Alex e eu, subíamos em direção a maternidade.
Dentro do elevador pude observar melhor o meu ex e futuro
cunhado. Estava abatido, uma expressão cansada e a barba por
fazer. Continuava lindo e sexy, claro! No entanto, sua aparência o
deixava ainda mais taciturno e intimidador.
— Como estão as coisas, Alex? — Tentei ser educada, e
também porque senti pena. Patrício apertou meus dedos.
— Está tudo bem, Miranda. Obrigado por perguntar. — Não
havia qualquer verdade em suas palavras. — E obrigado por
resolver essa questão. — Tocou no seu crachá.
— Não há de quê. Se você tivesse ligado para o padrinho ele
resolveria com toda certeza. — Alex engoliu com dificuldade.
— Eu sei, mas não quis abusar.
A porta do elevador abriu e saímos em direção à recepção.
Dana estava sentada, sozinha, na cadeira mais próxima a porta que
dava acesso às salas de cirurgia.
— Ah, Miranda! Patrício não avisou que você estava aqui. —
Ela, me abraçando de maneira maternal.
— Na verdade eu disse, sim, mas você não prestou atenção.
— Pode ter sido. Lana não se sentia bem desde ontem, então
minha atenção estava focada nela.
— Já tem alguma novidade? — Alex falou.
— Ainda não. Já faz tanto tempo… — olhou angustiada para
o relógio. — Adriano e João estão lá dentro. João cismou que
assistiria ao parto. Fico imaginando como deve estar sendo. —
Sorriu um pouco, sem esconder a sua preocupação.
Neste instante Dr. Adriano saiu apressado e sorriu quando
nos viu reunidos na recepção.
— Miranda! — falou de longe, pois ainda vestia a roupa do
centro cirúrgico. — Não sabia que estava no Brasil. — Patrício
revirou os olhos, apertando minha mão.
— E Lana? — Dana perguntou com pressa. Adriano sorriu
ainda mais, o que fez com que todos relaxassem.
— Lana está ótima! Cansada, mas ótima! As crianças são
lindas! — E lá estava o avô babão.
Todos se olharam sorrindo, uma perfeita harmonização
familiar, o que me deprimiu um pouco. Relembrar Charlotte foi
inevitável, e fazê-lo me levou até Alex, um fato que me deixou
ainda mais angustiada. E depois, eu ainda tinha a minha própria
situação para lamentar. Patrício não queria filhos, então eu nunca
saberia como seria se aquela criança tivesse nascido.
— Não acredito! — Patrício gritou, rindo tão alto que
precisei pedir para que se controlasse. Eu sequer sabia do que ele
tanto ria.
— Eu avisei que ele não tinha condições de assistir a um
parto — Dana ralhou. Alex riu com veracidade, o que me tirou um
pouco daquela onda de tristeza. — Onde já se viu, desmaiar em
pleno parto das filhas. — Patrício tentava parar de rir, mas quanto
mais a mãe falava, mais ele deixava o riso fluir.
— Ai, meu Deus! Se controle Patrício! Ou vão expulsar a
gente daqui!
— Eles vão levar as crianças para o berçário — Adriano
anunciou. — Vocês podem ver de lá. Lana vai para um
apartamento assim que passar seu período de observação, mas o
horário de visita já vai ter acabado.
— E quem precisa de regras com Miranda por perto? —
Patrício abraçou minha cintura e eu quase revirei os olhos.
— Não vou conseguir burlar as regras com você se
comportando assim.
— Desculpa, Morena! É que imaginar João desmaiado… —
e começou a rir outra vez.
— Vamos, estou ansiosa para ver as minhas netinhas —
Dana falou, removendo todos da recepção.
Deixei que me levassem para o berçário, a tristeza voltando a
me abater, imaginando como seria a festa se Charlotte tivesse
conseguido segurar a criança. E, por um segundo, meu olhar se
cruzou com o de Alex, e eu soube, que ele pensava, não a mesma
coisa, pois não havia como saber do ocorrido, mas que imaginava o
quanto seria maravilhoso se aquele filho que estava por chegar,
fosse deles dois.
A vida tinha dessas coisas. Às vezes parecia que funcionava
ao contrário. Alex e Charlotte queriam filhos, mas nunca poderiam
tê-los. Eu podia tê-los, mas Patrício não queria ser pai. Vai
entender.
CAPÍTULO 36

“Chamou minha atenção a força do amor


Que é livre pra voar, durar para sempre
Quer voar, navegar outros mares
Dá um tempo sem se ver, mas não se separa”
A força do amor - Roupa Nova

Abri a porta do flat com o corpo todo moído. Patrício ficou


com os pais, afinal de contas eles queriam comemorar, mas, apesar
da minha fome, meu corpo pedia descanso, um banho e uma
calcinha, pelo menos.
Porém, mal abri a porta, dei de cara com meu irmão,
assaltando a geladeira, o que me fez ter aquela sensação de “enfim
em casa”. Arrastei minhas malas pela sala, enquanto ele,
mastigando com a boca lotada de pão, veio me abraçar.
— Argh! Você não muda nunca — resmunguei. — O que faz
aqui?
Meu irmão manteve-se mastigando, sem pressa, sem se
importar comigo, parada no mesmo lugar, ao lado das malas e com
cara de destruída.
— Vou subir, tomar banho, vestir uma calcinha e me sentir
inteira outra vez.
Ele me dispensou com a mão, sem se importar com a parte
em que eu salientava a falta da calcinha, então subi deixando as
malas onde estavam, e segui para o meu quarto. Arranquei as
roupas e entrei no banheiro sem me dar ao trabalho de evitar
molhar o cabelo. Precisava lavar inclusive a alma.
Mesmo assim, não demorei muito tempo embaixo do
chuveiro. Nem perdi meu tempo me preocupando com a
hidratação. Meu objetivo era comer um pouco do que Johnny
devorava, tomar dois litros de refrigerante e esquecer do mundo em
frente à TV. Aquele era o meu ideal de satisfação.
Então, depois de longos minutos desembaraçando o cabelo,
vesti a calcinha, um pijama qualquer sem sutiã, e desci para
encontrar meu irmão. Johnny estava na última sala, em frente à TV,
com os pés em cima do sofá, um sanduíche imenso e um saco de
Doritos ao lado. Assim que sentei peguei a metade do seu
sanduíche.
— Ei! Isso demorou para ficar pronto.
— Aposto que sim. — Mordi a bomba de gordura e fritura
me convencendo de que havia gasto o máximo possível de calorias
naquela tarde, e que precisava repor as energias. — Hum! Eu
precisava de dois desse. — Roubei a sua Coca-Cola, me deliciando
com o sabor tão proibido no mundo da beleza e do culto ao corpo.
Que se dane!
— O que está fazendo aqui?
— O padrinho avisou que você estava de volta.
— Ah, ótimo! Aí você veio matar a saudade?
— Não. O seu celular só dava caixa de mensagem, então
arrisquei vir aqui.
— Hum! Deve ter sido lá no hospital.
— Você estava no hospital? Aconteceu alguma coisa?
— Lana teve bebê. Bebês, no plural. Catarina e Valentina.
Gostei dos nomes. — Ele riu com sarcasmo.
— Você vai ficar toda maternal agora?
— Nem pensar! — mordi mais uma vez o sanduíche e meu
irmão desistiu de dividir a comida comigo, saindo para buscar
mais.
Aproveitei para trocar o canal e descobrir o que acontecia
pelo mundo. Mas Johnny voltou rápido demais, roubando o
controle da minha mão.
— Vamos assistir ao jogo da seleção feminina de basquete.
— Revirei os olhos, conformada.
— Pensei que demorava para fazer um desse.
— E demora, mas achei que Patrício ia aparecer a qualquer
momento com você, então trabalhei um pouco mais.
— Trabalhou, Johnny? Acha mesmo que não sei que pediu
essa porcaria na lanchonete da esquina? — Ele riu, se entregando.
— Demorou para chegar porque pedi muitos, logo, deu
trabalho para montar.
— Ah, Deus! Você é muito ridículo!
— E aí? As meninas são bonitinhas?
— Você já viu recém-nascido bonito? Elas têm cara de
joelho, são enrugadas e só dormem — ele riu com vontade.
— Graças a Deus você não terá filhos.
— Nem você — provoquei.
— Claro que terei filhos! — Fez um muxoxo engraçado,
desfazendo da minha afirmação.
— Se continuar comendo Anita você terá bezerros, não
crianças. — Johnny gargalhou com vontade.
— Você deveria ser estudada, Miranda.
— Penso o mesmo a seu respeito.
Ficamos em silêncio, comendo e assistindo ao jogo, sobre o
qual eu não entendia nada, mas meu interesse era me sentir cheia
até cair no sono. O que não demoraria muito. Entretanto, assim que
a comida acabou, Johnny ficou estranho. Quieto demais, olhando
para mim de tempos em tempos.
— Fala logo de uma vez! — resmunguei. — Aproveita que
ainda estou acordada.
Ele se endireitou no sofá, assumindo uma postura mais séria,
o que me deixou alerta.
— Por favor, me diga que você não vai ter bezerros! —
Johnny riu, balançando a cabeça.
— Sabe aquele meu amigo que pedi para verificar sobre o
homem que anda te perseguindo?
Todo o humor se esvaiu de mim. Sentei melhor no sofá,
atenta, tensa, com medo do que poderia ser dito.
— Miranda, preste atenção no que vou te dizer. Pode
significar que ele tem razão, mas também pode ter outro sentido.
— Fala logo.
— Passei o nome da sua mãe, a data em que eles deixaram o
Brasil, contei tudo o que sabíamos sobre a sua história. Deu
trabalho. Sua mãe não falava muito a respeito e você também não
tinha interesse. — Parou, me analisando. — Deu trabalho, porém,
ele identificou uma pessoa que conhecia a sua mãe.
— Um parente?
— Não. Uma vizinha. Ela revelou que ajudou sua mãe no dia
do parto. Que quase não deu tempo de chegar no hospital e que a
criança nasceu antes do tempo. — Levei as mãos aos lábios,
estarrecida. — A mulher não lembra muito bem o ano.
— Então eu posso ter um irmão? Algum filho da minha
mãe? — Ele negou com a cabeça. O rosto exibindo expressões
preocupadas.
— Meu amigo foi ao hospital, conseguiu localizar o registro
do nascimento de Antônia Emanuela Souza Bispo.
— E quem é essa? — Johnny segurou minha mão com
cuidado.
— Filha de Margarida Souza e Carlos Antonio Bispo.
Puxei minha mão com pressa, sem conseguir organizar os
pensamentos.
— Eles tiveram outro filho? Foi isso, não foi? — Levantei
angustiada.
— A criança nasceu quase seis meses antes do seu registro
como Miranda Middleton.
— Como assim?
— O seu registro, Miranda. Você, Miranda, nunca foi
registrada no nome da sua mãe. É como se você fosse mesmo filha
dos Middletons. A criança que sua mãe deu à luz, seis meses antes
da sua data de registro se chamava…
— Eu entendi!
Caminhei pela sala, sem saber o que deveria fazer sobre
aquela informação.
— Quais as chances de ser um engano? — Ele me encarou
com pena.
— Não sei. Ele mandou as imagens dos documentos
encontrados, mas você pode ir lá pessoalmente, encontrar a tal
mulher, saber melhor sobre a vida dos seus pais.
— Não! — rosnei furosa.
— Miranda…
— Nenhuma palavra sobre isso, Johnny. Prometa!
— Mas…
— Não vou falar agora com o padrinho. Isso pode ser
mentira. Pode ser uma armação. Pode ser… sei lá! Qualquer coisa!
Não posso preocupá-lo com isso. Não quando Charlotte ainda está
tão fragilizada.
— Pelo amor de Deus! — Levantou aborrecido. — Pare de
pensar tanto nos outros e encare de frente os seus problemas. Esse
homem está vindo aqui, na sua casa, se dizendo seu pai, te
perseguindo! Você precisa saber o que de fato está acontecendo!
— Eu vou saber. — Johnny me encarou sem saber do que eu
falava. — Ele não vai desistir, Johnny. E da próxima vez, não
sentirei medo. Vou ouvir o que tem para contar, vou averiguar a
veracidade da sua história, confrontar os fatos e só depois disso,
converso com o padrinho.
— É um risco. Não sabemos o que ele quer.
— Ele se diz meu pai, o que mais pode querer?
— Não seja ingênua — sibilou, colocando as mãos na
cintura, como o padrinho fazia.
— Não serei. Mas seu amigo pode nos ajudar. Ele pode
descobrir onde o homem está, saber mais sobre ele, seu passado,
seu histórico. Enquanto isso, sigo a vida e aguardo um novo
encontro.
Johnny sabia que não conseguiria me demover. Eu era assim,
dona da minha história, e não podia aceitar que mais ninguém
bagunçasse a minha vida. O homem que se dizia meu pai, me
procuraria, eu arrancaria a verdade dele, e fosse essa qual fosse, eu
sobreviveria.
Quinze dias depois, eu não tinha conseguido mais nada a
respeito do homem que se dizia meu pai. Ele não compareceu, não
me procurou, não enviou qualquer mensagem. Era mais do que
meus nervos podiam suportar. Talvez por isso aceitei aquela
viagem rápida, de um dia, com a pessoa mais improvável possível:
Aline.
Acolhi aquele passeio por São Paulo, em busca de tudo o que
precisaríamos para decorar a casa nova, como uma maneira de
desopilar a mente. E confesso que quase quatro horas entrando e
saindo de loja, bancando a milionária chata, e confirmando o
quanto a garota era competente, eu já havia esquecido a tensão que
era estar ao seu lado.
Aline conseguiu encontrar o sofá perfeito para a nossa sala de
visita, na cor ideal, moderno, incrível, assim como me convenceu
sobre um tapete e uma mesinha de canto, e para tal, encontrou três
jarros que fariam a madrinha aplaudir de felicidade. Ela mesclava
entre o clássico e o moderno e me deixava animada, sem limites
para os gastos.
Algumas peças seriam encomendadas. Ela tinha o marceneiro
que daria o toque especial a nossa decoração. A mesa de jantar foi
um espetáculo à parte. Imensa, chique, combinando com a
luminária que encontrou , pasmem, no brechó da esquina. Essa
tivemos que entregar a um dos seguranças que nos acompanhavam
apenas para criar a ideia de cliente muito especial, e o coitado teve
que voltar todo o caminho andando com aquele peso para
despachá-lo com todo cuidado, o quanto antes.
Eu estava exausta, mas Aline insistia que precisávamos de
mais. Entramos em uma loja tão exclusiva que parecia mais um
escritório. Uma atendente nos buscou na saída do elevador e nos
conduziu para um ambiente imenso.
— Nunca fui recebida aqui antes. Estou abusando do seu
prestígio para abrir portas — Aline sussurrou para mim. Acabei
rindo.
Eu também nunca tinha feito qualquer coisa do tipo e já
imaginava o quão cansativo seria organizar um casamento. Isso
caso aceitasse casar mesmo com Patrício. Ter uma casa e um clube
particular poderia ser a realização de todos os meus sonhos e a
solução dos meus problemas.
Passamos por uma sucessão sem fim de almofadas, tapeçaria,
tecidos para parede, e neste Aline ficou um ano escolhendo,
analisando, sugerindo, e por fim escolhemos o do meu quarto e do
escritório. Quando chegamos na parte de móveis a garota nos
deixou transitar com mais liberdade.
Aline marcou uma mesinha amarela, dizendo que combinaria
com a biblioteca, e também um quadro que me convenceu que
ficaria perfeito na área de jogos do meu namorado. E por fim, ela
quase chorou quando encontrou um divã, desses clássicos, longos
em uma parte e descendo até a outra. Existia certa elegância na
peça, no entanto, eu não conseguia imaginá-la em nenhum lugar da
casa.
— Perfeita! — Passou a mão pelo tecido aveludado, com
devoção.
— Veludo, Aline? Tem certeza?
— Não consegue visualizar? — falou encantada.
— Na verdade, com a fome que estou e o cansaço, não
consigo mesmo. Em que parte determinamos que ficaria um divã?
— É um retrô Capitonê. Nos remete a Luiz XV. Fica perfeito
com aquelas duas poltronas Paris, colocando-as… aqui. De frente.
Assistindo ao espetáculo.
— Que espetáculo? — Ri do seu devaneio. — Não existe
como combinar essas peças com tudo o que escolhemos para a
cobertura. — Aline sorriu, passando os dedos com sutileza pelo
veludo claro.
— Esses aqui não seriam para a cobertura, e sim para “a
cobertura”.
Abri a boca querendo dizer algo, e não consegui, então fechei
outra vez e só observei. Ela se aproximou, ficando as minhas
costas, muito próxima de mim, seus lábios quase na minha orelha.
— Não consegue se imaginar nua, recostada neste Capitonê,
os cachos arrumados de uma forma mais clássica, emoldurando seu
rosto, mas revelando os seios. Apenas um único colar de pérola
vestindo a sua pele?
Fiquei, muda, impactada, sem reação. Assim que Aline se
calou, pude me ver naquela posição, exatamente como descreveu,
usando o colar de pérolas que Patrício tanto adorava e que servia de
promessa para o que eu queria fazer com ele.
— E nas poltronas, te admirando, Patrício de um lado, e a sua
convidada do outro. Ambos te querendo, aguardando o seu
comando, a sua palavra…
Puta merda!
O que ela estava fazendo comigo? Eu imaginava tudo o que
narrava, inclusive a segunda poltrona, com a mulher fictícia que
vinha fantasiando em oferecer ao meu namorado.
Merda!
— Estou com fome!! — Eu disse, sem muita ênfase. — Acho
que já deveríamos ir. — Aline riu e se afastou.
Queria poder parti-la ao meio por me deixar tão sem reação.
Aquilo nunca havia ocorrido antes. Eu dominava, eu dizia como
seria, eu ditava as regras e pegava para mim quem eu queria. E não
o contrário. Nunca o contrário.
Saí de perto dela, ganhando espaço. A vendedora nos
aguardava no final do espaço.
— E então? — falou educada, os olhos brilhantes de quem
havia feito uma grande venda.
— Vou ficar com o divã e as cadeiras. Ela vai passar as
informações.
Passei direto, sem olhar para trás, mas tinha certeza de que
Aline sorria, vitoriosa.
Eu dobraria aquela mulher, nem que precisasse usar toda a
força de Miranda Middleton.
CAPÍTULO 37

“Quero toda calma do teu cafuné


Todas as promessas de um amor que seja o nosso jeito
Mesmo com defeitos
Supere os medos seus”
Seja para mim - Maneva

Alguns dias depois Aline se tornou um assunto superado.


Não contei a Patrício sobre o aquela conversa, nem mesmo sobre
como me senti. Mas ele ficou bastante interessado no cenário que
descrevi para um dos cômodos menores. Fingi que a ideia era
minha e acrescentei uma série de acessórios que cairiam bem para
qualquer tipo de encenação.
Apenas a ideia do que teríamos naquela cobertura excitava
tanto Patrício que nossa vida sexual parecia um livro erótico. O
garoto se tornou incansável, ainda mais abusado, usando de toda a
sua sedução para me levar a loucura. E eu adorava, essa era a
minha verdade.
A obra andava à todo vapor. Faltava muito[1] pouco para o
marceneiro concluir o closet, e alguns móveis já estavam no
depósito que alugamos para comportar tudo o que Aline indicava
como maravilhoso. Aquela mistura de Arquiteta com decoradora
me levaria a falência.
Sem enumerar outros sentimentos sobre os quais eu evitava
pensar.
Porém, o assunto que mais povoou a minha mente foi o
sumiço do homem que tanto insistiu para que eu lhe desse atenção.
Ninguém o encontrava. O amigo de Johnny, investigador,
descobriu que ele havia saído da Bahia há muito tempo, que
estabeleceu uma nova família em Pernambuco, mas que não vivia
mais com esta.
Também me informou sobre uma ordem que o impedia de se
aproximar da ex-esposa e dos dois filhos. O motivo? Agressão.
Então o que sabíamos era que Carlos Antônio era um homem
agressivo, o que validava a versão da minha mãe.
Eu estava na orla de Copacabana, correndo e admirando o
pôr do sol. Queimando as calorias que tanto consumi nos últimos
dias. Se bem que, com tanto sexo, tornava-se impossível não
manter a forma.
Cansada para continuar, conferi no relógio a distância
percorrida e me dei por satisfeita. Então fiz a volta e corri um
pouco mais até alcançar o caminho de casa.
O som alto em meu ouvido me animava, apesar de me sentir
esgotada naquele dia. E ainda precisava dar uma última lida no
material final da editora britânica, verificar com Charlotte sobre a
diagramação, checar os e-mails enviados por Márcia, a secretária
que atuava no Brasil, comigo, e separar as entrevistas válidas.
Charlotte continuava se negando a voltar, nem mesmo após
um convite maravilhoso para entrevista em uma grande emissora.
Da mesma forma, haviam quatro convites de outras editoras, para
uma possível publicação de qualquer material que minha irmã
tivesse.
Bom… essa parte deveria ser decidida por ela e ajustada por
Lana, já que Alex a deixou livre para modificar qualquer cláusula
no contrato, inclusive a de exclusividade.
Subi a ladeira, ainda ofegante, curtindo a música e a maneira
como o sol conseguia projetar seus raios laranjas no asfalto, se
despedindo do dia. Tudo parecia brilhar. Os vidros dos carros, os
prédios, as placas de vende-se ou aluga-se. A entrada do flat seguia
o mesmo padrão. Tão iluminada que cegava.
E talvez por isso não vi o carro que acelerou em minha
direção. Ele saiu de forma tão abrupta que me pegou de surpresa.
Não houve tempo para mais nada. Só fechei os olhos, protegi meu
rosto e aguardei pelo fim.
Então algo me empurrou para o lado e me vi lançada em
direção ao asfalto, caindo sobre este, me machucando, mas não da
forma como imaginei que seria. Os fones foram arrancados dos
meus ouvidos a tempo de ouvir o cantar dos pneus. Mas quando
olhei para a rua, o carro já havia fugido.
— Você está bem? Filha, você… Ah, meu Deus!
Ouvi passos em minha direção. Meu quadril doía, meu
cotovelo ardia e meu joelho parecia ter sido arrancado de mim.
— Srta. Miranda! Srta. Miranda! — Vítor descia o percurso
curto até onde eu estava, se apressando para me socorrer.
Havia uma mão em mim, segurando meu antebraço com
cuidado. Olhei para o lado e ele estava lá. Carlos Antônio, o
homem que se dizia meu pai.
— Acho que fraturou o pulso — informou a Vítor, que o
olhava com certa desconfiança.
No mesmo instante tentei mexer o pulso e uma dor aguda me
fez gemer.
— Vou chamar uma ambulância — Vítor disse. — E avisar
ao Sr. Jhonathan.
— Onde dói mais? — O homem falou demonstrando
preocupação.
— Não sei. Acho que tudo. — Conferi a mandíbula, usando a
mão boa. Meu queixo ardia um pouco. Deveria estar machucado.
— Vítor, por favor, ligue para Johnny. Ele vai saber o que fazer.
— Perfeitamente. Tente não se mover muito.
Testei as pernas, uma doía demais, a outra só ardia. Mas pelo
menos eu mexia ambas.
— Alguém ligue para polícia! — Ouvi um homem gritar.
Carlos Antônio colocou meu pulso machucado sobre meu ventre, e
então levantou. Antes me deu um olhar angustiado. — Você! — O
homem gritou. — Você foi quem a empurrou da frente do carro,
não foi?
— Eu? — ele disse. — Bem… sim. Vi que ela não saía da
frente, então corri e a empurrei.
Ele correu e me empurrou? Carlos Antônio, o homem que
havia espancado minha mãe, que tinha uma ordem de restrição
contra sua outra mulher, que após tantos anos resolvera me
procurar, fora o mesmo que atirou-se na frente daquele carro, me
salvando de uma morte certa?
Não era possível!
— Então você viu bem como o carro era — o rapaz acusou.
— Pode descrevê-lo para a polícia. — Percebi de imediato que a
ideia de encarar a polícia o deixava tenso.
— Não dava para enxergar — falei, ganhando a atenção de
todos, e tentando sentar. Vítor me ajudou. — O sol estava se ponto.
Estávamos no ponto cego. O carro também não deve ter me visto.
Livrei a barra dele, sem nem conseguir entender o motivo
para agir assim. Se era porque precisava de mais informações, ou
se porque me permiti comover pela sua ação heroica, eu não podia
compreender. Mas não senti qualquer culpa quando recebi o
telefone das mãos de Vítor, com Johnny nervoso na linha, e repeti a
mesma versão para o meu irmão.
Quando a ambulância chegou, eu já não conseguia mais
encontrar aquele que se apresentava como meu pai.
Eu não podia reclamar da minha situação. Um pulso
quebrado, um joelho inchado e várias escoriações, inclusive uma
no queixo que começava a me preocupar quanto a marca que
ficaria, não podia deixar de ser melhor do que ser velada pelos
meus familiares. Então eu me sentia plena, viva, não confortável,
mas o mais próximo disso que minha condição de herdeira me
permitia naquele hospital.

Charlotte e o padrinho se espremiam na tela do celular para


conversarem comigo, o que me fazia sorrir.
— Foi um pequeno e bobo acidente.
— Vítor disse que o carro acelerou em sua direção — o
padrinho falou preocupado.
— Ele não acelerou em minha direção. O sol estava forte, se
pondo, e vocês sabem como aquela ladeira fica. Tudo brilhava e
refletia, de ponta a ponta. O coitado não deve ter me visto.
Tentei acalmá-los, no entanto lá no fundo, a angústia me
consumia. Primeiro a lembrança forte da maneira como minha mãe
foi morta. Atropelada, assim como eu seria se o… aquele homem,
não tivesse se arriscado para me salvar. Sim, se arriscado, porque
havia uma grande chance de ele ser atingido junto comigo.
E então eu tinha dois sentimentos ruins gritando dentro de
mim, a morte da minha mãe e o aparecimento do meu… dele.
— Ainda assim — Charlotte falou preocupada. — É uma rua
sem saída. Um local de residências, onde crianças e senhoras
caminham sem preocupação. Ele não podia ter acelerado tanto.
— E fugiu sem prestar socorro — o padrinho completou.
— Deve ter ficado assustado. Eu ficaria. — Tentei acalmá-
los.
— Um irresponsável. Já conversei com nosso advogado para
conseguirmos as filmagens. Vamos identificá-lo e prendê-lo.
— Padrinho…
— Não me peça para ser benevolente, Miranda. Você poderia
estar…
Ele não completou a frase, mas vi como tanto meu padrinho
quanto minha irmã, se encolheram com a ideia. Confesso que o
medo deles me comoveu.
Foi por esse motivo que escondi a presença do Carlos
Antônio naquela cena. Aliás, escondi não. Omiti. Porque eles
sabiam que um homem corajoso conseguiu me salvar, mas que não
havia ficado para prestar esclarecimentos à polícia, só não sabiam
que ele era o… que se dizia meu pai. O que ainda não ficara
esclarecido.
— Johnny? — o padrinho chamou.
Meu irmão, que até então se mantinha calado, encostado à
janela, apenas observando a minha conversa, se aproximou.
— Oi, padrinho.
— Você cuidará disso — determinou.
— Com toda certeza. Fui procurado pela polícia e agendei o
depoimento de Miranda para amanhã. Aqui mesmo.
— Aqui mesmo? Mas eu estou ótima! Por que preciso ficar?
— Pedi exames mais completos — o padrinho esclareceu.
Claro que ele pediria. Precisei de um esforço sobre-humano para
não revirar os olhos. — Vamos garantir que nada passe
despercebido.
— E quantos dias vou ficar aqui?
— Três — Johnny respondeu, sem se dar ao trabalho de me
olhar.
— Três?
No entanto, aquela batalha estava perdida. Não havia como
demover o padrinho da sua necessidade de garantir a nossa saúde e
segurança, assim como não havia como subornar qualquer
funcionário daquele hospital, para que eu fosse liberada.
— É para o seu bem, Miranda — Charlotte se pronunciou
com a voz mansa. Ela parecia a madrinha quando falava daquela
forma.
— E, para o meu bem, você poderia cuidar de mim?
O padrinho deu uma risada rouca, fingindo tossir. Charlotte
ficou corada e desconfortável.
— Você sabe que se for para o seu bem faço qualquer coisa
— declarou, visivelmente contra a sua vontade. — Assim como
sabe a dor que me causaria me pedindo para ir aí cuidar de um
pulso quebrado.
— Eu brinquei, Charlotte! Claro que nunca te pediria algo do
tipo.
— Mas eu iria para o seu casamento — sorriu discreta,
olhando de lado para o padrinho.
— Pretende levar tanto tempo assim sem voltar ao Brasil?
Meu Deus! — provoquei.
— Eu tenho uma agente que torna a minha presença
dispensável.
— Sua presença nunca será dispensável. E se vamos precisar
de uma casamento para que você volte, então… acho que posso
encarar essa.
— Miranda! — Charlotte riu.
— Estou perdendo alguma coisa? Essa conversa de
casamento… — O padrinho fez uma cara engraçada.
— No momento só posso pensar em como escapar deste
hospital. Qualquer outro assunto pode esperar uns dois ou quem
sabe… vinte anos — provoquei.
— Vamos deixar que você descanse — declarou. —
Descanse, Miranda! Vai te fazer bem.
— Já tomei tanto remédio para dor que acho que é isso
mesmo que vai acabar acontecendo.
Falamos com você amanhã. Ou… — Olhou para o relógio.
— Mais tarde.
— Desculpe por preocupar vocês. Avisei ao Johnny que não
era necessário, ou que poderia esperar.
— Ele seria deserdado se te obedecesse — ameaçou.
— Eu jamais colocaria em risco minha fortuna só para
agradar a Miranda, padrinho. Pode ficar tranquilo.
— A sua sorte é que meu pulso está quebrado, ou eu acertaria
o seu rosto.
— Boa noite, crianças.
— Tchau! — falamos ao mesmo tempo.
Johnny recolheu o celular, deu a volta na cama, conferiu a
porta e voltou, parando ao meu lado.
— Você tem que contar a ele — determinou.
— Não é a hora, Johnny. Não descobri nada ainda.
— O cara é perigoso, e estava lá, próximo a sua casa, te
esperando.
— E eu não consegui arrancar nada dele.
Meu irmão se afastou, passando a mão pelo rosto. Cansado.
— Miranda, preste atenção. Por qual motivo ele está te
procurando?
Eu conseguia definir um motivo muito lógico para aquele
homem insistir em me fazer reconhecê-lo como pai, porém, ainda
não me sentia pronta para falar em voz alta.
— Ele tem mais filhos e é proibido de vê-los por motivo de
violência. Pense nisso.
— Estou pensando.
— Então?
— Preciso saber a verdade, Johnny! Preciso descobrir se
aquele registro… Se minha mãe mentiu, se todos mentiram para
mim.
— Nós podemos fazer isso. Pegamos o cara e arrancamos
tudo dele, mas não do seu jeito. Não você se arriscando assim. O
padrinho deveria saber o que está acontecendo!
— Ainda não.
— Por que?
— Não posso, Johnny! — desviei o olhar, um bolo se
formando em minha garganta. — Não posso encará-lo e descobrir
que ele mentiu para mim a vida toda.
Johnny se aproximou querendo me reconfortar, mas não
sabendo em que lugar afagar sem acabar me machucando mais,
então apenas parou ao meu lado, me olhando com carinho.
— Vai mudar alguma coisa se seu nome verdadeiro for
Antônia Emanuela? Você continuará sendo Miranda Middleton.
Não importa se é assim porque o padrinho te adotou ou se porque
sua mãe fugiu com você.
— Me vendeu. Foi isso o que ele disse. Ela me vendeu para
os Middletons.
— Vendeu e ficou morando com você na mesma casa que
eles? Você nunca foi tão burrinha assim.
Pisquei várias vezes para afugentar as lágrimas, e ignorei o
comentário do meu irmão.
— Só preciso de mais tempo.
— Quanto tempo?
— Não sei. Mas preciso.
Johnny suspirou, derrotado. Então sentou no sofá na frente da
cama e nada mais falou. Fechei os olhos e fingi dormir. Ao menos
assim não precisaria continuar falando sobre aquele assunto.
CAPÍTULO 38

“O ontem passou
E o amanhã ainda não é meu
Tudo que mudou
Me transformou no que hoje sou eu”
Mudei - Kell Smith

Meu dia foi ótimo. Depois de dormir muito mal, porque não
dava para relaxar com aparelhos me monitorando, o soro em uma
mão e o pulso da outra imobilizado, não pude levantar para escovar
os dentes, precisei de uma enfermeira para me auxiliar com o
banho, por causa do joelho e meu cabelo estava impraticável.
Mesmo assim, sorri e confirmei estar ótima todas as vezes
que um médico, enviado pelo padrinho, com toda certeza, entrava
no quarto para me avaliar. Ninguém naquele hospital tinha
profissionais tão interessados na sua saúde, como eu. E não era
legal, era… horrível!
Fiz exame no corpo todo, fui virada de um lado para o outro,
da frente para trás, de dentro para fora. Duvidava que uma pessoa
com as mesmas escoriações que as minhas precisasse passar por
tantos exames.
No final do dia, as visitas foram liberadas. Com exceção de
Patrício, claro, que conseguiu entrada livre e esteve no hospital
pelo menos cinco vezes antes das outras pessoas.
E eu recebi muitas visitas, inclusive do meu futuro sogro, que
não estava de plantão, mas atendeu um pedido especial do padrinho
e trabalhou naquele dia só para me acompanhar de perto. Dana
também compareceu. Na verdade, permaneceu uma boa parte do
tempo comigo, o que foi constrangedor, mas ela insistiu que, em
memória da madrinha, precisava cuidar de mim como se Mary
ainda estivesse aqui.
Foi com este argumento que me convenceu a aceitar a fralda,
já que meu joelho precisou ficar imobilizado, apenas para que
pudesse desinchar sem grandes traumas. Humilhação era pouco.
Patrício liberou Johnny de passar mais uma noite comigo,
assumindo a obrigação, mesmo eu dizendo não ser necessário, que
não havia conforto no hospital e que eu dormiria a noite toda. Nada
adiantou. No horário exato ele estava lá, com uma malinha de mão
e achando tudo muito divertido.
— Não podemos mudar o canal — resmungou após eu lhe
obrigar a assistir dois tempos de um filme de comédia boba
americana.
Ok! Assumo que fiz de pirraça, para que meu namorado
entendesse que não precisaria estar ali. Além do mais, não queria
que ele precisasse deixar o quarto quando a enfermeira aparecesse
para trocar a minha fralda.
— Não tem TV por assinatura, Patrício. Isso aqui é um
hospital, então, pelo horário, ou vai ser filme idiota ou pregação de
pastor evangélico. — Ele fez uma careta. — Vai dormir. Olha esse
horário!
— Eu diria o mesmo para você, Morena! Por que não está
com sono? Está com alguma dor? Quer que eu chame a
enfermeira?
— Não tem nada doendo e eu estou ótima. Só um pouco
interessada no filme. — Fiz birra.
— Nessa porcaria?
— Eu disse, TV aberta.
— Você é a dona do hospital. Poderia ao menos exigir uma
TV Smart.
— Como se não bastasse uma equipe médica inteira só para
lamber meus machucados — resmunguei.
— Não seja ingrata. Muita gente queria ter metade disso.
— Bom… eles teriam, se o padrinho não fosse controlador o
suficiente para colocar todos os profissionais do hospital a minha
disposição.
Meu namorado foi até a janela, demorou um tempo lá e então
voltou.
— Não acha estranho o seu pai estar lá no horário exato que
o carro acelerou em sua direção?
— Não sabemos se ele é mesmo o meu pai.
Desliguei a TV e me preparei para a conversa que tanto evitei
durante o dia. Patrício enfiou as mãos no bolso da calça e me
encarou, aguardando uma resposta mais adequada.
— Não, eu não acho estranho.
— Pois eu acho. — Sentou na poltrona ao meu lado. —
Conveniente, para dizer a verdade. — Estremeci.
— Eu preciso que ele fale. Quando toda a verdade for
revelada, saberei o que fazer.
— Miranda… — ele se aproximou um pouco mais. — Só
Peter pode te contar a verdade.
— Peter mentiu quantas vezes achou conveniente. Não se
esqueça deste detalhe.
— Eu sei. Mas suas opções são limitadas. Mary morreu —
falou sem qualquer sensibilidade, sendo exatamente o que Patrício
era, um homem sem filtros. — Sua mãe também. Você tem Peter,
que te ama e faria tudo por você, mesmo mentindo quando
necessário.
— Quando conveniente — interrompi.
— Que seja, mas é a palavra dele contra a de um homem que
machucava a sua mãe ao ponto de ela precisar fugir com você. E se
essa versão não é suficiente, ele tem uma ordem de restrição,
porque agredia a mulher e os filhos. Em quem você deve confiar?
Fechei os olhos, engoli com dificuldade e não consegui
responder. Eu sabia a resposta e esta não seria posta em discussão.
Porém, por este motivo, eu precisava ouvir o que aquele homem
tinha para contar. Depois disso, o padrinho me ajudaria a consertar
tudo.
— Peter precisa saber, Miranda!
— Patrício…
O celular dele tocou, interrompendo a conversa. Meu
namorado olhou para o visor e sorriu ao atender.
— Se estiver desmaiando sinto muito, mas hoje sou babá da
Miranda — provocou, deixando claro se tratar de João Pedro. —
Mentira! — falou sério, o que ganhou a minha atenção. — João, eu
estou cuidando da Miranda esta noite e… — Ele se calou para
ouvir o que o cunhado dizia.
— Qual é o problema? — falei baixinho.
— Tiffany teve o bebê — respondeu no mesmo tom, sem
esconder do cunhado que me informava.
Fui atingida por uma sensação inquietante. Primeiro, não era
a hora daquela criança nascer, então algo de errado acontecia.
Segundo, a chegada daquele filho colocava o ponto final entre Alex
e Charlotte. O ponto final verdadeiro. Alex seria oficialmente o pai
do filho de Tiffany. E eu teria que contar a minha irmã.
— Minha mãe o quê? — Resmungou alto. — Meu Deus,
minha mãe sabe ser uma pessoa horrível quando quer.
— Ela não vai ao hospital? — perguntei abismada.
— Não. Dá para acreditar? Não tem como fazer a troca a esta
hora, João.
— Patrício? — chamei, ele me ignorou.
— Eu sei que é aqui no hospital, mas Miranda não pode ficar
sozinha.
— Aqui no hospital? — falei mais alto. — Ela não podia ser
menos afrontosa? — Patrício fez uma careta, depois sentou e
escondeu o rosto na mão.
— Puta merda, João! É verdade? — ouviu mais um pouco.
— Que merda! Tudo bem. Vou chamar uma enfermeira para ficar
aqui enquanto vou lá dar esta força ao Alex.
Ele desligou e me encarou já se desculpando.
— Tiffany resolveu ter o filho aqui?
— Eu acho que está mais para o Alex ter trazido ela para cá.
— Como assim?
— Eu não quis dizer nada porque você já estava com
problemas demais. Se bem que… — Patrício parou, me analisando.
— Tiffany não é problema seu.
— E não é mesmo. Por mim ela morre! — Patrício ficou
assustado com minhas palavras. Alarmado demais para dizer a
verdade. — O que foi?
— Ela vai morrer — falou baixinho. Eu ri, e então entendi
que não era uma piada.
— Sério? — Balançou a cabeça concordando. — E o bebê?
— Não sei. Parece que está bem, mas nasceu de sete meses e
vai precisar de um monte de coisa que não sei explicar.
— E Tiffany vai… morrer? — Concordou outra vez. — Por
que?
Meus olhos ficaram úmidos. Não pela ideia de perder alguém
como Tiffany, mas por ter desejado sua morte, e me sentia péssima
por isso, e também por saber que seu filho ficaria sozinho, sem
uma mãe para amá-lo e um pai que o desejasse. Coitado!
— Ontem ela deu uma surtada. Saiu no meio da chuva que
caiu na madrugada. Com todos os problemas que já vinha
desenvolvendo, agravou o quadro. Alex foi chamado e a trouxe pra
cá. Não sei explicar o resto porque João não sabia me contar. É por
isso que ele quer que eu vá falar com o Alex. E eu acho que…
— Claro! — falei alarmada demais. — Claro, Patrício! Vá
ficar com Alex. Ajude-o. E depois… depois me diga como está a
criança, e… Tiffany.
— Digo sim. Vou chamar uma enfermeira.
— Não precisa! Estou bem. Vou dormir a qualquer
momento.
— Eu sei que não vai, Morena! Essa confusão te alarmou.
Vou pedir que tragam algo que te faça dormir.
— Tudo bem.
— Volto assim que puder. — Ele se inclinou para me beijar.
Aceitei seus lábios, mas o segurei com a mão boa quando ele
tentou se afastar.
— Eu não disse de verdade. Juro! Não quero que Tiffany
morra. — Patrício sorriu com carinho.
— Eu sei. Vou chamar a enfermeira.
Concordei e ele saiu do quarto, me deixando com toda aquela
angústia.
A enfermeira já tinha ministrado a medicação prescrita.
Mesmo assim, eu não dormia. Fingia dormir quando elas entravam
coletando informações. Mantive o quarto escuro, na medida do
possível e a TV desligada.

Já havia se passado mais de uma hora e Patrício não


retornara. Cada minuto eu me sentia pior com a iminente morte de
Tiffany, por algum motivo que eu não conseguia sequer cogitar, e
com a condição daquela criança que nunca conheceria a mãe e
conviveria com a rejeição do pai.
Solidarizar-me foi um ato impossível de ser controlado.
Nascia em mim um desejo errado, que machucaria a minha irmã,
de acalentar a criança e protegê-la. E era este sentimento que não
me deixava adormecer.
A porta abriu mais uma vez. Fechei os olhos correndo e fingi
dormir. Alguém trancou a porta, o que me alertou, e se aproximou
da cama com cuidado.
— Miranda? Está acordada, filha?
Abri os olhos para o quarto escuro, alarmada com aquela voz.
O que aquele homem fazia ali? Como teve coragem? O que
pretendia? Então a luz foi acesa e ele se revelou.
— Graças a Deus consegui te encontrar sozinha.
Ainda alarmada, percebi que ele usava a roupa do hospital,
como se trabalhasse ali. Ou ele trabalhava de fato naquele local?
— Aquele brutamontes do seu namorado jamais me deixaria
chegar perto de você, e seu irmão chamaria a polícia. — Sorriu sem
graça. Eu nada disse. Continuei encarando-o, nervosa, angustiada.
— Precisava saber se você estava bem. Liguei algumas vezes, mas
eles informaram que o boletim médico só poderia ser passado para
parentes. — Deu um sorriso tímido. — E eu não podia me
identificar como seu pai.
— Não. Não podia — falei com a voz rouca, presa na
garganta. Ele ficou sério.
— Imagino que lhe deva uma explicação. São tantos anos
distante. E eles… eles contaram a história que queriam.
— E qual é a história real? Qual é a minha história?
Ele me encarou sem saber como começar. Eu não podia
temer ouvir o que só ele tinha para me contar. Chegava a hora de
saber o que aquele homem queria de mim.
— Seu irmão não contou? — Seu tom de voz ficou mais
debochado, apesar de ainda contido. — Não colocou a polícia para
investigar a minha vida?
— Conte o que sabe — fui dura. Não havia tempo
disponível, e não precisava me explicar para ele.
— Sua mãe fugiu com você. Ela trabalhava para os
Middletons. Vivia deslumbrada com a riqueza deles, com o luxo
que ostentavam. Não era para menos. À medida que a gravidez da
sua mãe avançava, mais eles faziam. Compraram mimos, roupas,
fizeram um quarto para você na casa deles. A patroa engravidou
um tempo depois, mas quase perdeu a criança. Pelo que soube, ela
tinha uma doença e só conseguiu segurar a gravidez porque o
marido era médico e tinha dinheiro. Assim é fácil, não é mesmo?
— Minha mãe me contou que você bateu nela quando estava
grávida. — O homem baixou a cabeça, parecia envergonhado.
Limpou o rosto com tristeza.
— Perdi a cabeça quando ela me contou que os patrões
queriam que ela morasse lá com você. Ela queria, mas como eu
podia aceitar? Eles queriam te tirar de mim antes mesmo de você
nascer.
— Você bateu em minha mãe grávida de mim? — acusei. Ele
concordou, e então se afastou.
— Antes as coisas se resolviam assim, Miranda. Os homens
eram criados para serem machos, para mandar na casa, e as
mulheres para obedecerem. Foi a criação que eu tive, mas me
arrependo. — Ele se voltou para mim com fervor. — Eu me
arrependo! O que fiz foi o que a convenceu a ceder a pressão dos
patrões. Margarida negava, mas eu via em seus olhos que ela te
levaria embora no dia do seu nascimento. Os presentes cessaram, e
os que ela recebeu, disse que devolveu. Só depois descobri que
fazia parte do plano para fugir com você — falou com raiva.
— E eu nasci… — engoli com dificuldade. — Eu nasci seis
meses antes da filha deles?
— Não sei quanto tempo antes, mas você não nasceu quando
eles disseram. Sua mãe teve você quando a patroa estava impedida
de sair da cama. Ainda no início da gravidez. E foi por isso que ela
não fugiu logo. A dona lá, não podia deixar o país, enfrentar uma
viagem demorada.
Uma lágrima desceu pelo canto dos meus olhos. Então era
verdade? Eu não era Miranda, não tinha a idade que acreditava, não
conhecia sequer a minha verdadeira história.
— Eu escolhi o seu nome. Antônia, como eu. — Chorei sem
conseguir me conter. — Filha!
— Não encoste em mim! — sibilei. — Como ela… como ela
conseguiu?
— A patroa segurou a criança. Já podia andar, viajar… No
início sua mãe levava você. Disse que não queria manter o
resguardo, pois a dona lá precisava dela, e você ajudava na
recuperação. Foi então que me dei conta do que ela planejava.
Impedi Margarida de levar você para o casarão lá dos ricos. Ela
contestou, porém, não deixei mesmo. Um dia bebi demais, achei
que ela dormia, quando acordei, sua mãe tinha fugido.
— Quantos meses eu tinha?
— Cinco ou seis. Não lembro muito bem. Ela foi embora e
deixou tudo o que eu te dei para trás. As roupas que comprei,
poucas, pois não era rico, ficaram na nossa casa. Meu mundo
desabou.
Ele sentou na poltrona e escondeu o rosto para chorar. Evitei
olhá-lo. Não queria sentir pena daquele homem, além de, para dizer
a verdade, não acreditei nem um pouco na sua emoção. Quando ele
parou de soluçar, levantou, parando na frente da minha cama.
— Sei que eles te deram tudo. Que é uma vida muito boa.
Mas eles não tinham este direito. Sua mãe não podia te vender
assim, filha!
— Ela não me vendeu! — rosnei. — Minha mãe viveu
comigo na casa dos empregados da família Middleton até o dia da
sua morte. Ela trabalhou para eles e me criou, e a história que me
contou foi muito diferente da sua.
— Ela contou sobre o seu nascimento? Revelou o seu
verdadeiro nome? Algum dia você soube que sua idade está meio
ano atrasada?
Não consegui responder. Não havia como argumentar quanto
aqueles fatos.
— Não estou mentindo. Errei muito! Mas não desisti de
você. Eu te procurei. Eles foram embora, ninguém me dizia pra
onde. Trocaram seu nome, seu registro, disseram que você era filha
deles!
Voltei a fechar os olhos, angustiada demais para continuar
naquela tortura.
— Você precisa ir embora — anunciei. — A todo instante
uma enfermeira aparece. Você não pode estar aqui.
— Eu sei. Por isso roubei uma farda deles e peguei o seu
prontuário.
— Meu Deus! O padrinho vai mandar te prender.
— E ele pode conseguir. Ele é poderoso. Mas eu estou aqui
agora! — Segurou em minha mão. Por sorte, a boa; — Eu estou
aqui, filha.
— O que você quer?
— Como assim? — riu sem jeito, contudo, deixando nítido
que havia algo em sua aparição.
— Não sou idiota, Carlos Antônio! Moro no Rio de Janeiro
há anos. Se a sua intenção era me ter de volta como filha, já o teria
feito. Teria reivindicado os seus direitos de pai. Então sei que
existe algo por trás disso.
— Você sabe que tive complicações com a polícia. Não
podia aparecer assim…
— Quanto você quer? — fui direto ao ponto.
— Filha! Assim você me deixa encabulado.
— Diga enquanto ainda pode. Patrício vai aparecer a
qualquer momento.
— Bom… não era este o motivo para ter te procurado, mas…
estou mesmo com problemas. Emprego está difícil. Vivo de bicos e
moro de favor em um casebre…
— Quanto? — falei impaciente.
— Quanto você puder, filha. Qualquer ajuda será bem-vinda.
— Ótimo! Vou te dar cem mil reais. — Vi seus olhos
crescerem e ele tentar não sorrir, sem grande sucesso. — Mas
antes, você fará um exame de DNA para confirmar se é mesmo o
meu pai. — Seu sorriso morreu no mesmo instante. — É pegar ou
largar.
— Eu sou seu pai. Faço o exame se você quiser, só peço que
isso fique entre nós dois. Se seu padrinho descobrir…
— Ele não vai descobrir. Faremos o exame e depois disso te
entrego o dinheiro.
— Combinado.
— Agora vá.
Virei o rosto. O homem não esperou nem um minuto para
deixar o quarto. A luz apagou, a porta foi destrancada e assim que
ouvi a sua batida, desabei no choro.
CAPÍTULO 39
PATRÍCIO

“Tô cansada de ser outro alguém


De fingir que eu tô bem, se eu não tô
Então me deixa te dar o que eu sou
Me deixa ser eu pra você”
Eu pra você - Melim

Cheguei, sem qualquer impedimento, no centro cirúrgico da


ala da maternidade, e me dirigi a recepção. Ninguém estava lá.
Conferi o horário. Era madrugada e eu não sabia nem se Alex
permanecia no hospital ou se já havia ido embora, uma vez que não
tinha mais nada para fazer no local.
Tiffany estava internada, em coma, na UTI, logo, meu irmão
não poderia acompanhá-la. E a criança… bom, se seguisse o
padrão de como aconteceu com Lana, deveria estar no berçário.
Então andei até lá, nem que fosse para ver com quem pareceria. Ao
menos teríamos uma ideia se era filho mesmo do Alex ou não.
Depois procuraria alguma notícia sobre Tiffany.
Assim que entrei no corredor do berçário, avistei Alex. Meu
irmão, encurvado sobre o extenso vidro que exibia as crianças,
olhava fixamente para dentro, como se não pudesse desviar a
atenção dali. Eu me aproximei com cuidado, analisando-o. Alex
parecia cansado, mas do que exibiu estar nos últimos tempos. E
encarava um dos bercinhos.
— Alex?
Ele me olhou assustado, como se não tivesse conseguido
perceber minha presença até ali. Então se endireitou, passou a mão
no rosto, limpando as lágrimas que tentava esconder. Putz! A outra
mão foi para o cabelo, como costumava fazer quando não sabia o
que falar.
— Ah, Patrício? Como está Miranda?
— Ela vai ficar bem — falei em alerta, esperando que me
dissesse algo de sólido sobre a situação. — E por aqui? — Seu
olhar voltou para o berço, o mais próximo do vidro, e então sorriu.
— Meu filho — disse com amor e orgulho.
Mordi o lábio para não falar besteira, quando na verdade
Alex não tinha como saber se era mesmo o pai da criança. Um
exame de DNA não é feito com tanta agilidade. Nem com toda a
pressão do Peter conseguiríamos saber naquela noite. Alex me
observou, entendendo a minha posição.
— É meu filho, Patrício. Eu estava lá, sabe? Quando…
quando ele nasceu.
— Você assistiu o parto? — Fiquei alarmado. Ele sorriu,
bobo.
— Peguei-o no colo. Ele estava chorando, mas parou. Veja, o
cabelo dele é negro e cheio, como o meu. Um pouco mais liso. —
Continuou sorrindo ao admirar o menino. Menino! Que coisa! —
Então ele abriu os olhos e… eram azuis. Idênticos aos meus.
— Imagino.
Com cuidado me aproximei do vidro e olhei, pela primeira
vez, para a criança. O menino bem enroladinho, exibia o cabelo
espesso igual ao do Alex. E não só isso. O nariz, o formato dos
olhos, até mesmo a orelha eu podia jurar que lembrava a do meu
irmão. A cor dos olhos não conferi. Ele dormia. E era… lindo!
Então me vi sorrindo também.
— Tem certeza que ele é filho da Tiffany? O garoto só
herdou a sua feiura! — Alex riu e me deu dois tapinhas nas costas.
Fiz o mesmo, feliz por saber que ele aceitava tão bem o filho. — E
Tiffany?
Alex ficou sério e novas lágrimas chegaram aos seus olhos,
mas ele não as derramou.
— Nada bem — falou com dificuldade. — Os médicos não
deram esperança. Anita está arrasada.
— E você? — Ele ficou calado, quieto, encarando o filho. —
Como vai ser agora? Você sozinho com o… ele já tem um nome?
— Felipe.
— É um nome bonito.
— Também achei. — Engoliu com dificuldade e ergueu a
cabeça. — Vai ser exatamente assim, eu e meu filho, como deve
ser, como Tiffany tanto quis.
— Alex…
— É meu filho, Patrício! Eu vou criá-lo. Seremos uma
família, ele e eu.
— Tudo bem. Você dá conta.
Entretanto eu não tinha essa certeza. Com a vida que Alex
levava, com Lana afastada pelo nascimento das gêmeas, a editora
ficaria uma loucura, e Alex deu sangue e suor para que aquela
empresa fosse o que era. Não a entregaria com tanta facilidade.
— E vou esquecer Charlotte — anunciou assim, sem que o assunto
tivesse sido questionado.
— Mas se Tiffany morrer…
— Não fale besteira, Patrício. Com Tiffany ou sem ela, não
há mais espaço em minha vida para Charlotte. Eu tenho um filho
agora. E a mãe dele… bom... Felipe terá apenas a mim. Charlotte
odeia Tiffany, odeia a história da traição e vai odiar o meu filho por
tabela. Não posso permitir que meu amor por ela atropele a
felicidade do meu menino. Não há como unir os dois. Eu tenho que
fazer uma escolha. Aliás, já fiz. Fico com meu filho.
Encarei Alex, com certo espanto, admito. Meu irmão sempre
foi forte e determinado. Nos últimos meses se permitiu destruir aos
poucos. Sofreu por Charlotte antes mesmo da traição acontecer,
quando descobrimos a doença de Mary, e seu sofrimento continuou
desde então, sem nunca ter uma trégua. Então Tiffany engravidou e
eu pensei: agora Alex enlouquece de vez. Mas ele aguentou firme,
suportou a prova até o fim.
Ele sabia que podia entregar a criança aos pais da Tiffany.
Seria um pai ausente, como o pai dele foi, porém, ganharia o direito
de lutar por Charlotte sem a interferência diária da mãe do seu
filho. E nada disso aconteceria. Alex queria aquele filho como
nunca o vi desejar antes. Seu amor transbordava pelos olhos. Ele
não desistiria do menino. Enfrentaria uma batalha judicial por esta
decisão. Mesmo assim, era o que ele queria.
— Bom… Vamos fazer isso dar certo.
Coloquei uma mão em seu ombro e juntos continuamos
admirando Felipe Frankli, o mais novo membro da família.

Entrei no quarto sentindo meu corpo em frangalhos. Eu só


queria arrancar a camisa, a calça e deitar para dormir com a minha
Morena, mas por estar no hospital, com aquele entra e sai de
enfermeiros e médicos, o máximo que conseguiria era uma camisa
mais folgada e uma bermuda, com cueca.
O quarto estava escuro então puxei minha mala para me
trocar no banheiro e não acordar Miranda. Foi quando a ouvi
fungar.
— Miranda? — Ela não respondeu, mas me deixou ouvir seu
choro baixinho. — Gata? O que foi?
Acendi a luz com pressa, o corpo todo em alerta e fui até a
sua cama para me certificar. Apesar da perna suspensa e do pulso
imobilizado, Miranda se encolheu com facilidade.
— O que aconteceu? — Fui mais enérgico, entrando em
desespero.
Eram tantas merdas que a gente ouvia e lia nos jornais que
pensar no pior foi inevitável. Minha namorada tentava esconder de
mim os olhos inchados e vermelhos, enquanto eu segurava seu
rosto em busca de alguma pista.
— Miranda? Fala!
— Ele esteve aqui.
— Ele quem? Merda! Vou chamar a enfermeira.
— Não! Patrício, não precisa. Ele não fez nada comigo, só…
— então chorou ainda mais.
— Ele quem, Miranda! — rosnei pronto para atacar um.
— Meu pai. Aquele homem… ele é o meu pai.
— Ele esteve aqui? — parei ao seu lado sem saber de que
forma confortá-la estando ela tão cheia de machucados.
Que droga! Era tão mais fácil puxar Miranda para meus
braços e dizer que tudo ficaria bem, mesmo quando eu não
acreditava em minhas próprias palavras. Mas ela estava ali, frágil,
chorando, assustada como nunca a vi, e tudo o que eu podia fazer
era xingar o filho da puta e continuar afirmando para minha
namorada que tudo ficaria bem.
— Por favor, levante um pouco a minha cama — pediu com
a voz chorosa que tanto me deixava apreensivo.
Atendi no mesmo instante. A Miranda frágil me assustava
mais do que a Miranda furiosa. Porque aprendi a amar a mulher
destemida, a que erguia a cabeça e fazia piada das suas próprias
desgraças, a que tirava de letra qualquer situação, ou então, a que
brigava sem medo, a que derrubava o ladrão com um golpe e sabia
atirar. Aquela garota, tão desesperada, começava a me desesperar
também.
— O que ele queria? — Sentei no sofá a sua frente, atento a
ela e distante ao mesmo tempo, para não surtar.
— Ele me contou tudo, Patrício. Minha mãe fugiu comigo,
deixou os padrinhos trocarem meu nome, minha idade, esconderam
a minha vida e sumiram comigo para que ele nunca mais pudesse
me ver.
— Boa coisa ele não era. O cara tem uma restrição…
— Eu sei. Eu sei. — Fungou, recuperando um pouco da
compostura e se parecendo mais com a Miranda que eu conhecia.
— Ele confessou que bateu em minha mãe. Disse que ela vivia
deslumbrada com o luxo dos padrinhos e que estes me queriam
como filha. Então ela concordou.
— Gata, pare um pouco. — Comecei a me sentir confuso
demais. — Não deve ter sido tão simples assim. Além do mais, por
que só agora ele apareceu? E Peter…
— Ah, meu Deus! Eu sei disso tudo, Patrício, e é isso que
está me destruindo.
— Como assim te destruindo? — levantei outra vez, nervoso,
querendo tocá-la.
— Não vê? Tudo isso… toda a minha história gira em torno
do dinheiro!
— Porra!
Passei a mão no cabelo, angustiado demais para ficar quieto.
Era muita coisa para a minha cabeça fodida.
— Miranda, o dinheiro te fez muito bem — rebati. — Até
pouco tempo você vivia sem culpa. Sua família é top de linha!
Peter te ama, Mary te amava demais! Johnyy é um cara espetacular
e Charlotte… bom… Charlotte é Charlotte.
— Patrício!
— Morena, não deixe que esse escroto foda a sua cabeça.
Você é forte, é centrada, é uma mulher incrível! Esse cara não
passa de um mentiroso, de um vigarista… como você pode saber se
ele é mesmo o seu pai?
— Ele quer dinheiro. Foi por isso que apareceu.
— Eu sabia! — falei um pouco mais alto.
— Exigi o exame de DNA.
— Gata, nem com isso. Ele pode ser seu pai, seu genitor, o
caralho a quatro, mas não merece um centavo do seu dinheiro.
— Eu sei, mas quero que ele me deixe em paz. Quero que
deixe o padrinho em paz e não atormente a minha família. É o
mínimo que posso fazer por eles.
— Ah, Morena!
Sem pensar duas vezes, fui até ela e colei nossas testas uma
na outra. Não havia outro lugar eu pudesse encostar sem arriscar
machucá-la.
— Você já fez tanto por eles. Não percebe? Você é a vida
desta família! Todos se movem por Charlotte sem entender que a
peça principal esta aqui, nesta cama. Sem sua força eles não seriam
nada. — Acariciei sua bochecha. — Sem você eles seriam um
bando de riquinhos chatos e enfadonhos — brinquei. Ela, graças a
Deus, riu.
— Pense que você tinha dito que minha família era top de
linha.
— Por sua causa. Você é a cor desta família. Você é a cor da
minha vida!
— Ah, meu Deus! Quando você começou a ficar meloso
assim.
— Não sei ao certo. Acho que foi quando você começou a
chorar demais.
— Seu ridículo! — Ela me afastou, mas continuou sorrindo,
então deu certo ser idiota. — E Tiffany?
— Hum! — Sentei na poltrona ao lado da cama, cansado. —
Vai morrer, Morena!
— Que horrível, Patrício!
— Muito horrível, mas é a verdade. Em compensação…
Alex está apaixonado pelo filho.
— Mesmo? — Confirmei constatando que minha namorada
havia mesmo parado de chorar. — Ah, não me faça gostar do seu
irmão! É muito melhor continuar odiando-o. — dei risada da sua
declaração.
— Ele quer criar. Sozinho. Tem que ter muita coragem.
— E qual a opção, Patrício? Devolver para a fábrica? É bom
que Alex seja consciente. Se a mãe vai morrer, pelo menos a
criança terá um pai.
— É um menino. Felipe — informei. — Cópia do Alex.
— Mesmo? — Repetiu um pouco mais decepcionada. —
Hum!
— Confesse que você queria que não fosse dele.
— Ah... não! Alex tem razão, o filho não é a questão de
Charlotte, a traição sim.
— Pois é. Agora… — Levantei arrancando a camisa do
corpo. — Vou trocar de roupa e dormir aqui, na cama ao lado,
sozinho. — Ela sorriu com doçura.
— Vai ser horrível todo esse tempo sem poder transar, não é
mesmo?
— Por causa de um pulso quebrado e um joelho inchado? Eu
tiro de letra, Morena! Deixa só você chegar em casa.
— Essa eu quero ver, Patrício!
Joguei a camisa nela, peguei minha mala e fui em direção ao
banheiro. Eu merecia longas horas de sono, mas teria bem menos
do que isso.
CAPÍTULO 40

“Quantas coisas eu perdi


Quantas vezes eu não quis te ouvir
Quantas vezes meu orgulho falava e eu me calava na hora de
agir”
Tudo bem - 1Kilo

Três dias depois eu estava em casa. Não graças ao padrinho.


Por ele eu ficaria um mês no hospital, mas a bateria de exames
indicava que não havia nada de errado comigo. Não morreria da
noite para o dia por algum problema que deixaram passar. Nem por
causa do pulso quebrado, muito menos por causa do joelho
inchado, que por sinal, encontrava-se tão bem que eu até mesmo
apoiava o pé no chão.
A fralda foi descartada, pela graça divina.
Até mesmo os arranhões já estavam secos. A ferida em meu
queixo formara um cascão imenso, e eu já começava a usar os
melhores produtos para não ter qualquer marca causada pelo
acidente.
Ainda assim, minha locomoção era um ato sofrido. Não
podia usar uma muleta dos dois lados, pois meu pulso quebrado
não permitia o apoio, então me equilibrava em apenas uma, com
passos curtos e limitados. E não me atrevia a descer as escadas.
Por este motivo, Odete, a empregada fiel a madrinha, que se
mantinha na casa até mesmo quando não se fazia necessário, fora
designada para atender a todos os meus caprichos. A coitada subia
e descia aquelas escadas a cada vinte minutos, tudo porque o
padrinho precisava ter certeza de que eu não havia escorregado,
desmaiado, vomitado ou até mesmo, falecido.
Não posso mensurar quantas vezes revirei meus olhos
enquanto pensava no assunto.
O lado bom da história foi a presença do meu namorado.
Patrício fora liberado para passar as noites comigo. Não que já não
fosse assim, mas passamos a ter o aval do padrinho. E lógico que
ele sabia que dormiríamos no mesmo quarto, contudo, nada foi dito
ou especificado a este respeito.
E foi assim que, naquele dia, a notícia chegou.
O dia amanheceu com a promessa de que seria maravilhoso.
Apesar de todo cuidado do meu namorado para se manter afastado
dos meus ferimentos, naquela manhã, antes do horário de Odete,
Patrício se sentiu seguro, ou, arriscou por não suportar estar longe,
para cumprir sua promessa, e fizemos amor de forma lenta,
cuidadosa e deliciosa. Depois ele me auxiliou no banho, o que, por
si só, foi muito bom.
Estávamos felizes em nossa bolha de amor, fazendo planos.
Na noite anterior ele me pôs a par de tudo o que acontecia nas
coberturas. Contou que Aline desenvolveu a maneira certa de fazer
a porta mágica, a que ficaria escondida dos olhares de todos, e nos
permitiria transitar entre os dois apartamentos sem atrair a atenção
de ninguém.
Também me pôs à parte dos produtos entregues no galpão
alugado para armazenar nossas compras, e me questionou sobre o
que faríamos para deixar a sala principal mais atraente.
Então, a noite foi ótima, o dia começou perfeito, Patrício me
carregou para o andar de baixo para o café da manhã e aceitou que
eu ficaria na sala, mesmo contra a sua vontade, mas eu queria ver
algo diferente das paredes do meu quarto.
O primeiro desastre do dia ocorreu um pouco depois de
deixarmos a mesa do café-da-manhã e irmos para a varanda
apreciar o dia, lindo por sinal. O mar parecia brilhar, o sol
convidava as pessoas a se exporem. Até mesmo o barulho da
movimentação nas ruas, ainda que distante, era um som que
contribuía com a minha paz.
Mas o celular dele tocou, Patrício atendeu e o dia começou a
desmoronar.
— Oi, João! Já estou saindo daqui — informou ao cunhado
assim que atendeu a ligação. — Hum! — resmungou um pouco
mais sério, centrado. — Entendi. Sim, lamento muito, mas já
esperávamos, não é mesmo? E Alex?
Não precisei que Patrício me dissesse a novidade. Tiffany
havia morrido, não poderia como ser algo diferente daquilo. Voltei
a encarar o mar e já não sentia a mesma paz. O ambiente modificou
e foi estranho constatar este fato. Parecia que até mesmo o céu
escureceu. Senti meu corpo gelar de uma forma agourenta.
Não chorei, mas lamentei.
A culpa pelo que falei naquele dia no hospital, ainda me
atormentava. Eu não queria a morte de Tiffany, ainda que tivesse
imaginado muitas vezes que se ela deixasse de existir tudo seria
diferente entre Charlotte e Alex. Entretanto desejar a sua morte…
não. E não porque enterrar Tiffany enterraria junto os nossos
problemas, mas porque Felipe passou a ser oficialmente, órfão de
mãe.
O garoto não teve sequer um abraço dela. Não pode ver seu
sorriso nem teve aquele olhar apaixonado que as mães sempre
tinham quando encaravam os filhos. Lipe, como todos o
chamavam, nunca saberia o que era ser amado por uma mãe. Não
teria os beijinhos que curavam tudo, nem mesmo a pessoa em
quem depositaria a sua confiança no fato de que ela sim, sabia de
todas as coisas.
E o pior: Lipe nunca teria uma mãe e Charlotte nunca teria
um filho.
Ri sem vontade, saboreando a tristeza dentro de mim, e
confirmando o quanto a vida nos pregava peças. Alex era o amor
da vida de Charlotte, mas ele teve um filho e resolveu que viveria
por ele. Charlotte queria ser mãe, perdeu o filho e o marido e
resolveu se afastar.
Se as pessoas não dramatizassem tanto, se não tornassem a
vida tão difícil, aquela seria a soma perfeita. Alex, amando
Charlotte e com um filho, Charlotte querendo um filho e amando
Alex.
Como não vivíamos em um livro de romance, aquilo não
tinha chance de acontecer.
— Morena! — Patrício me chamou com a voz triste.
— Tiffany faleceu. Eu entendi.
— Isso. — Soltou o ar como se estivesse prendendo-o por
muito tempo. — Ela já foi legal, sabe? E era fácil de trabalhar. Pelo
menos antes de se apaixonar por Alex, e Alex se apaixonar pela
Charlotte. — Sorri sem sentir qualquer alegria naquela confusão da
vida.
— Deveria haver um acordo lá no céu antes de descermos à
Terra — eu falei. — A gente podia se divertir à vontade, contudo,
só amaria quando encontrasse o seu par correto. Seria perfeito.
Alex transaria com Tiffany, Tiffany transaria com quem quisesse, e
Charlotte… bom, ela faria exatamente igual, se manteria virgem até
encontrá-lo.
— Ainda assim seria perfeito — corroborou, me abraçando
para beijar o topo da minha cabeça. — Alex se apaixonaria por
Charlotte, Tiffany continuaria com a vida dela, e ninguém
precisaria morrer de amor.
— Morrer de amor? — ri da sua analogia.
— E não foi o que aconteceu? Tiffany morreu de amor,
Miranda. Ela amava tanto Alex que não conseguiu enxergar a vida
sem ele. E provocou tanto a vida que poderia ser enquadrada como
suicida.
— Coitada — sussurrei me encolhendo em seus braços.
— Eu preciso ir. A editora está uma loucura. Lana vai redigir
uma nota e enviar por e-mail para o João. Minha mãe vai assumir
outra vez, Alex vai cuidar do enterro e tentar se resolver com os
pais de Tiffany e eu… bom, tenho certeza que serei jogado de um
lado para o outro, mas é provável que vá ao enterro representando a
editora e a família.
— Tudo bem.
Acariciei seu peitoral lhe transmitindo força e aceitei seu
beijo manso, quase angelical.
— Vou te colocar no sofá — anunciou.
— Não precisa. Eu consigo chegar até lá.
— Miranda…
— Não vou passar dos limites, Patrício. Prometo. Só quero…
— Voltei a encarar a paisagem, percebendo que ela havia perdido
toda a sua cor. — Continuar olhando para o mundo.
— Certo. Preciso ir.
Com um beijo meu namorado se despediu. Olhei o mar e me
perguntei como a morte podia ser tão estranha. Lembrava com
vivacidade o dia em que perdi a minha mãe, e também, o dia em
que recebi a notícia da partida da madrinha. Foram dores terríveis,
um rasgo em meu coração que nunca se fecharia.
Tiffany não significava nada para mim, além de
aborrecimento. Minhas lembranças dela eram as piores. Ainda
assim, sua morte me deixou inquieta, com uma sensação estranha.
Mas acreditei que terminaria por aí. Eu teria um dia
monótono. Era certo que Márcia, minha secretária contratada para
me assessorar com os assuntos da minha irmã, apareceria para
tratar de alguma pauta. Não tinha certeza se deveríamos nos
posicionar quanto a morte de Tiffany, já que as redes sociais de
Charlotte começavam a ferver, ou se ignoraríamos.
Qualquer idiota saberia juntar as peças. Alex era casado com
Charlotte, no entanto eles se separaram e pouco tempo depois, Alex
era o pai do filho de Tiffany, a queridinha do Brasil. Aquilo
poderia até mesmo gerar ataques nas redes da minha irmã. Argh!
Seria um dia complicado.
Então aconteceu a segunda tragédia do dia. Eu começava a
me encaminhar para a sala. Odete me viu andar com passos lentos e
complicados e correu para me ajudar a chegar até o sofá, mas a
porta de casa abriu e em seguida o padrinho passou por ela,
acompanhado do meu irmão.
A surpresa da sua chegada me fez sorrir, porém, diante da sua
seriedade, meu sorriso morreu segundos depois.
— Padrinho? Aconteceu alguma coisa?
— Aconteceu — ele disse ao se aproximar. Como sempre
fazia, me deu um beijo no topo da cabeça. — Como está se
sentindo?
— Confusa. Foi alguma coisa com Charlotte? — Olhei para
Johnny, que negou com a cabeça, sem nada dizer. — É por causa
da morte da Tiffany?
— Ela morreu? — Johnny perguntou alarmado, e então sacou
o celular para conferir as mensagens.
Lógico que ele ficaria preocupado com Anita. Aquela vaca
havia fisgado meu irmão de uma forma que só cortando a cabeça
dela para que suas patas desgrudassem dele.
— Vim por você, Miranda — o padrinho falou, ainda sério.
— Eu estou bem. Fora o fato de não poder digitar direito e
não conseguir me locomover como quero… estou ótima!
— Não foi por causa disso — afirmou. — Vamos conversar
no escritório. Consegue ir até lá?
Confirmei que sim, e comecei a me direcionar ao escritório.
Johnny respondia a uma mensagem com rapidez, então não se
importou em me ajudar, mas o padrinho me apoiou, segurando meu
cotovelo do outro lado, para que eu conseguisse firmar melhor e
acelerar o passo.
Assim que me acomodei, meu irmão fechou a porta atrás de
si e o padrinho sentou em sua habitual cadeira, que lhe somava um
ar soberano. Ele me encarou, depois desviou os olhos como se não
suportasse mantê-los em mim. Meu sangue gelou.
“O padrinho descobriu tudo” pensei sem conseguir
encontrar qualquer outra coisa que justificasse a sua atitude. As
palavras ficaram presas em minha boca, sem conseguir articulá-las.
Eu estava perdida. Não por depender dele financeiramente. Isso
havia acabado quando completei dezoito anos, ou talvez antes, mas
não podia ser independente. Eu estava perdida por reconhecer nos
seus olhos a decepção que tanto lutei para nunca acontecer.
— Miranda, eu…
— Eu posso explicar… — interrompi a sua fala e recebi um
olhar reprovador. — Desculpe, padrinho! — Ele estreitou os olhos
ao me encarar.
— Pelo que está se desculpando?
— Por tudo! Por não ter seguido as regras, pelo clube, pelas
coisas que fiz de forma impensada, por ter mentido, enganado,
manipulado e… — Johnny riu, chamando a minha atenção.
— Se a situação já não fosse tão complicada você estaria em
maus lençóis — ironizou.
Olhei de volta para o padrinho e ele parecia ainda mais tenso
do que quando chegou. O que ele tinha para me dizer, o que quer
que fosse, relacionado a qualquer uma das pessoas que eu amava e
prezava, eu sabia, mudaria para sempre a minha vida.
— Miranda… — ele começou. — Preciso que me ouça, e
que… entenda… — Havia tanta dificuldade no articular das suas
palavras que me passava a sensação de que ele sofria para
expressá-las. — Entenda que tudo o que fiz… o que a sua madrinha
fez… foi para salvar… — Então ele olhou para Johnny e firmando
ainda mais a sua decisão, falou: — Foi para que nenhum mal
chegasse até vocês.
Não olhei para trás, mas percebi o instante em que Johnny se
deu conta de que aquela conversa não seria direcionada unicamente
para mim. E eu entendi, no modificar do ar, na atmosfera pesada
que parecia descer sobre nós, nos empurrando para baixo, nos
sufocando, o tamanho da dor que aquela conversa nos causaria.
Johnny sentou ao meu lado, como se tal ato fosse necessário
para suportá-lo, e então, pegando-me de surpresa, entrelaçou os
dedos nos meus, e os fechou, deixando claro que eu não passaria
por aquilo sozinha. As lágrimas se formaram naquele instante,
mesmo sem cair.
— Johnny me contou que seu pai está te procurando — foi
direto ao ponto. — E sim, você pode fazer o DNA para se certificar
da paternidade do Carlos Antônio, mas, de antemão, eu digo: ele é
mesmo o seu pai, embora todos os envolvidos nesta história tenham
desejado que não fosse.
Um bolo imenso se formou na minha garganta. O que eu
poderia dizer? Nada. Não havia nada que o padrinho já não
soubesse. Por isso não me justifiquei, não perdi tempo explicando
porque decidi manter em segredo a volta do homem que se dizia
meu pai. O que o padrinho tinha para dizer parecia colocar tudo o
mais em segundo plano.
A maneira como deixou claro que não desejava que Carlos
Antônio fosse meu pai já fora o suficiente para me impactar, para
me fazer entender que a sua aproximação não poderia ser permitida
de forma alguma, e que, independente de qualquer versão daquele
homem, o que havia de verdade arrancaria mais de mim do que ele
seria capaz de mensurar em cifras.
— Você não foi, no primeiro momento, nomeada como
Miranda, com já sabe. Seu nome foi escolhido por Mary, seis
meses após o seu nascimento, e a nossa decisão de salvar a você e a
Margarida das mãos do homem que deveria ser o seu defensor.
Estremeci e lutei contra as lágrimas. Elas só cairiam na hora
certa.
— O que tenho para contar, jurei que nunca revelaria, e se
Mary estivesse viva… — Sua pausa deixou nítida a maneira como
ele ainda não conseguia lidar bem com a morte da madrinha, o que
me fragilizou ainda mais. — Se a sua madrinha estivesse viva,
imploraria para que fizesse qualquer coisa. Qualquer coisa que
estivesse ao meu alcance, Miranda… — Ele olhou para meu irmão
e acrescentou… — E Johnny. Menos revelar a verdade. Qualquer
valor exigido, custaria menos para ela do que assistir a dor de
vocês.
— Então por quê… — Não consegui terminar. De forma
teimosa, uma lágrima escorreu pelo meu rosto, me obrigando a
silenciar, ou então não conseguiria mais recuperar o controle.
— Porque estou cansado — revelou deixando os ombros
caírem. — São tantas mentiras… Confesso que enquanto as coisas
funcionavam não pensei muito bem no assunto, mas depois… não
sei quantas vezes precisei limpar a sujeira para baixo do tapete até
que ela virasse um grande calombo no meio da sala, impossível de
ser escondido.
— Padrinho, eu não entendo — Johnny falou.
— Resolvi contar a verdade a vocês dois. Revelar como cada
um passou a ser parte desta família, como meus filhos. Só peço que
mantenham em mente que fiz o que achei que ser o correto.
Os dedos de Johnny se fecharam com mais força em volta
dos meus. Eu entendia a sua apreensão. O que deveria ser apenas as
respostas que buscávamos para mim, acabaria chegando nas que
ele mesmo evitou fazer a respeito da sua própria vida.
— Miranda… Como é do seu conhecimento, sua mãe viveu
um inferno com seu pai. Um relacionamento abusivo e agressivo ao
extremo, que durou até que Mary percebesse que havia algo de
anormal naquela mulher que parecia querer se esconder do mundo.
Demorou para que Mary convencesse Margarida. Ela estava
grávida e nós temíamos por vocês duas, mas nunca imaginamos
que…
Fechou os olhos, se concentrando em escolher as melhores
palavras.
— Começamos a planejar a saída de Margarida do país
quando ela ainda estava grávida, entretanto, seu pai desconfiou e
precisamos ter cuidado. Não por mim. Se fosse pela minha
vontade, ela se mudaria para a nossa casa e seu pai nunca mais
colocaria os olhos nela, mas Margarida tinha medo. Abandonar seu
pai significaria deixar toda a família para trás. Ela contou que seus
avós não aceitavam a separação. Aceitar nossa oferta, para ela, teria
como condição se manter para sempre sob nossos cuidados. Nesse
tempo Mary engravidou.
Ele sorriu deixando que os olhos perdessem um pouco do
foco, como uma lembrança gostosa e agradável no meio de tanto
sofrimento.
— Foi assim que descobrimos a sua condição. Mary tinha o
mesmo que Charlotte, uma condição genética que se hoje inspira
tantos cuidados, naquele tempo não havia muito o que ser feito.
Sua madrinha ficou de repouso para não perder a criança. Não
podia se aborrecer, assustar, movimentar… Tudo parecia acontecer
para nos impedir de deixar o Brasil por uns tempos. Um dia, depois
de mais uma briga e de ser agredida, Margarida deu a luz antes do
tempo a Antônia Emanuela Souza Bispo.
Mordi os lábios não permitindo que o desespero chegasse
antes do tempo. Havia mais naquela história. Havia muito mais. E
eu necessitava ouvi-la até o final.
— Margarida deu pra trás quando você nasceu. Ela disse que
Carlos Antônio estava mudado, que gostava de você e que talvez
todo aquele inferno acabasse. Como médico, e experiente em
situações como aquela, eu sabia que estava muito longe de acabar.
Seu pai não agredia sua mãe por amá-la demais, o que não o isenta
da culpa, só o coloca em outra classificação. Ele fazia por acreditar
ter direitos físicos sobre ela. Envolvia mais do que sentimentos.
Não uma condição adquirida, machista, justificada pela nossa
cultura, Miranda. Seu pai era sádico, doente.
Meus dedos foram esmagados pelos do meu irmão. A tensão
parecia uma pessoa sentada sobre minhas costas. Eu não suportava
mais e ainda assim, continuava ali, ouvindo com atenção,
querendo, de forma inexplicável, saber o final. Arrancá-lo do
padrinho, mesmo sabendo que o obrigava a quebrar uma promessa
e a sentir dor à medida que as palavras deixavam seus lábios.
— Estranhei quando Margarida aceitou te deixar em casa nos
dias em que vinha cuidar da sua madrinha. Não foi uma exigência
nossa, sabe? Mas ela e Mary criaram uma espécie de pacto. Uma
cuidava da outra e minha esposa parecia sempre estar melhor
quando sua mãe se fazia presente, então aceitei a condição. Nunca
me senti tão egoísta e mesquinho quanto a esta decisão.
Ele aguardou um tempo, encarando a mesa à sua frente,
como se precisasse disso para acumular em si a coragem necessária
para o que deveria revelar. E quando me encarou, eu soube que era
a hora. Meu ar ficou preso e meu corpo inteiro sentindo a estática.
Aquele era o segundo que mudaria o curso da minha vida, e eu não
sabia se conseguiria sobreviver a ele.
CAPÍTULO 41

“Palavras não bastam, não dá pra entender


E esse medo que cresce e não para
É uma história que se complicou
E eu sei bem o porquê”
A Noite - Tiê

— Odeio dramas, Miranda — continuou. — Então preciso


perguntar: você quer que eu continue? Preciso mesmo contar o que
o seu pai fez para que nos levasse ao extremo?
Engoli com dificuldade. Nada em mim me fazia cogitar algo
diferente do que já fora contado. Para dizer a verdade, esperava
uma piora na história que me foi contada, uma agressão mais forte,
mais absurda, algo atribuído a minha mãe. Nunca imaginei que o
problema, o que fez com que ela largasse tudo, estivesse
relacionado com o que ele me fez.
Talvez por isso tenha concordado em ouvir. A minha
segurança tão bem criada, tão bem desenvolvida para me fazer
enfrentar os problemas de cabeça erguida, me fez acreditar na força
que não existia em mim.
Não para o que viria.
Não para o que o padrinho me revelaria.
— Chovia naquele dia. Sua mãe saiu da nossa casa, pedi ao
motorista que a levasse. Não vou dizer que foi intuição. Só me
sensibilizei com a ideia de que ela enfrentaria um percurso tão
demorado, embaixo de chuva, porque insistia em cuidar da sua
madrinha. E havia você, ainda tão pequena, precisando da mãe.
Então ela retornou para casa no nosso carro, desta forma, chegou
mais cedo do que o previsto. E foi quando tudo aconteceu.
Ele me encarou por um tempo, verificando se deveria ou não
continuar.
— O motorista a levou de volta pra gente, com você
embalada em um lençol, e nada mais. Sua mãe não conseguia parar
de chorar, tremia muito. Quando ela chegou, me entregou você nos
braços e se afastou, sem conseguir ficar perto. Não precisei de
muito tempo para entender. Até mesmo se eu tivesse preferido não
abrir o lençol e encarar as marcas que confirmavam o abuso, aquela
seria a minha conclusão tamanho o desespero da sua mãe.
Uma dor física parecia querer me lascar de dentro para fora.
Meus dedos se fecharam com força nos do meu irmão, que se
curvou para me envolver em seus braços. Apesar do ar que não
entrava nem saia, da dor que atingia meu corpo e das lágrimas que
desceram com mais volume, não gritei.
Horrorizada, encarei o padrinho como se meu corpo e minhas
reações estivessem congeladas. Uma pedra presa ao meu pescoço,
me obrigando a descer até o fundo daquele oceano, sem qualquer
empecilho, ou luta contra.
Ele fixou os olhos nos meus, ciente de que, se havia contado
até ali, deveria seguir, ir até o final.
— Seu pai fugiu — revelou baixinho. — E sua mãe não
conseguia mais encostar em você, tamanha a culpa que sentia.
Cuidamos de Margarida, demos a ela todo o amparo psicológico, e,
assim que Mary teve condições de viajar, fomos embora para a
Inglaterra. Conseguimos documentos falsos, te registramos em
nosso nome, pois esta foi a única maneira de sair do país. Anos
depois, Margarida ainda lutando contra a depressão, acreditamos
que ela poderia recomeçar, se perdoando e criando a filha. Por isso
você vivia conosco, mas em uma casa destinada aos empregados.
Foi assim que ela exigiu que fosse. Queria a chance de fazer
diferente. Contudo, Margarida vivia de altos e baixos. Amava você,
assim como amava Charlotte e Johnny, ainda assim, esse amor não
foi o suficiente para calar a dor que ela sustentou tão bravamente
durante doze anos.
Continuei atenta, com que força? Não sabia explicar. Meu
corpo era uma massa de dor. Meu coração ameaçava parar. Minhas
mãos geladas indicavam que eu não estava fisicamente bem.
Mesmo assim continuei. Ouvi com atenção as palavras que
terminariam de destruir a minha vida.
— Naquele dia em que te deixei na escola com Charlotte. Fui
chamado de volta para casa. Margarida havia perdido a luta para a
depressão. Ela…
— Ela se matou? — falei mais alto, horrorizada demais, e
desistindo de lutar. O padrinho confirmou sem nada me dizer. —
Mas vocês disseram que ela foi atropelada!
O padrinho passou a língua no lábio inferior e baixou as
vistas para a mesa outra vez, admitindo outra mentira.
Balancei a cabeça concordando, o choro ganhando força,
meu peito quase explodindo. Fechei os olhos e esperei que
passasse, que a Miranda que criei e com quem convivi por anos
voltasse ao controle, mas eu sabia que ela não voltaria. Ela estava
perdida em uma infinidade de mentiras e maldade que a impedia de
retornar.
Eu não era Miranda, tão pouco Antônia Emanuela. Não era
filha de Margarida e Carlos Antônio. Minha história com eles foi
dilacerada e enterrada. Também não era filha de Peter e Mary
Middleton. Eu não era nada. Não era ninguém.
— O que mais não é verdade? — falei em desespero. — O
que mais eu ainda tenho para me manter de pé? Minha história é
uma mentira! Tudo em mim é uma mentira!
— Não é. Você é minha filha, Miranda. Nada mudou.
— Eu não sou sua filha — chorei sem conseguir fazer com
que as palavras saíssem da forma correta. — Sou o animalzinho de
criação desta família! A criança que não foi amada por ninguém,
que, por senso de oportunidade, foi aceita na casa dos patrões para
fazer companhia a criança que não conseguia interagir socialmente.
— Levantei sem qualquer ideia do que fazia.
Não conseguia respirar. Não conseguia pensar. Todas aquelas
informações pipocavam em minha cabeça me atirando em um
furacão.
— Eu sou a filha que Margarida não quis, a que Carlos
Antônio não respeitou, a que foi imposta a vocês.
— Miranda… — O padrinho levantou também, não como se
quisesse me repreender, e sim como se precisasse me fazer perdoá-
lo.
— Não, Peter! — Eu me afastei. Não queria ser tocada. Não
queria enxergar a dor em seus olhos enquanto eu ainda me sentia
tão suja, tão destruída, tão cheia de raiva. — Eu preciso… — Olhei
para porta, o desespero ameaçando arrancar o meu controle a
qualquer momento.
— Não vá embora — suplicou, cheio de medo. — Por favor!
— Vou para o meu quarto — anunciei.
Porque escolhi assim? Eu não sabia, mas não poderia ir
embora nem mesmo depois de ouvir toda aquela história e de
questionar tudo o que vivi. Não podia sumir e abandonar o único
homem que estendeu a mão para mim quando todos pareciam
desejar apenas me destruir.
Então virei as costas e deixei o escritório, com toda a minha
dificuldade de locomoção, sem ser seguida por nenhum deles.
Eu queria dizer que não contei o tempo até que aquela batida
na porta acontecesse. Mas seria mentira.

Quando entrei em meu quarto, a primeira reação que tive foi


olhar para o celular, buscando Patrício. Desisti por dois motivos:
meu namorado já tinha tudo para que seu dia fosse horrível, não
precisava de mais um motivo para acrescentar à sua lista. E
também, não sabia se queria ou não conversar, se queria contar a
verdade, expôr a minha infelicidade.
Pra falar a verdade, naquele momento, eu só tinha uma
certeza: precisava de um banho. Sem contar com a permissão de
ninguém, peguei uma tesoura e arranquei o gesso do meu pulso.
Não doeu e eu sabia que o sangue quente e o desgaste mental não
deixariam que acontecesse. Também não pensei nas consequências.
Mancando, me atirei no chuveiro e ali fiquei por muitos
minutos. Chorei toda a minha dor. Tive nojo, raiva, medo… e me
senti sozinha como nunca antes.
Ela desistiu de mim.
Este era o meu pensamento mais forte. Não que o abuso
sexual, tão agressivo em minha carne quanto na mente, tivesse um
peso menor. Tantas vezes fui vítima de homens de índole duvidosa,
que minha mente amorteceu a informação. Apesar de tudo o que
me foi revelado. Eu não lembrava e não reconhecia aquele homem
como pai. Não havia qualquer ligação ou obrigação minha para
com ele. Bastava que eu o mandasse embora, ameaçasse.
Entretanto saber que minha mãe se matou, que desistiu de
mim, preferindo me deixar com apenas doze anos, na casa de
pessoas que não eram nada minhas, mesmo com toda a ligação
afetiva, porque fora incapaz de lutar contra a culpa pelo que meu
pai me fez, aquilo sim parecia arrancar pedaços de mim a unhadas.
Quando deixei o banho, me vesti no modo automático e
deitei. Meus olhos ficaram fixos no celular. Por isso sabia o tempo
correto. Enquanto criava esperança de que Patrício ligasse ou
enviasse uma mensagem contando alguma coisa, qualquer coisa
que me obrigasse a falar, contei o tempo.
Até que aconteceu a batida em minha porta e logo em
seguida vi o padrinho abri-la, sem impor a sua presença.
— Posso entrar?
Concordei, enxugando as lágrimas que ainda caíam. Ele
entrou, parecia desconfortável. Não pude deixar de perceber seus
olhos vermelhos, entregando o choro. Sem saber o que fazer,
sentou ao meu lado na cama e me encarou.
E foi então que aconteceu.
Encarando o padrinho, recebi uma enxurrada de lembranças
de todas as vezes que ele me ajudou, de como me tratava com
amor, como se preocupava e se dedicava a mim, não apenas por
obrigação, mas por ser pai O pai verdadeiro que ele sempre foi. A
forma como, mesmo sem nada dizer, entendeu as diferenças entre
Charlotte e eu, e assim, estabeleceu a maneira como nos educaria,
dissimulando sempre ser a mesma, escondendo as sutis mudanças..
Eu sempre tive mais liberdade, mesmo sem que ele
precisasse proferir uma só palavra. Porque Peter me conhecia tão
bem que entendia as minhas necessidades. Compreendia quando eu
precisava extrapolar e quando precisava apenas respirar.
E a madrinha? Meu Deus! Jamais conseguiria descrever o
quanto aquela mulher foi capaz de amar de forma tão abrangente,
que ocupou o mesmo espaço de minha mãe em minha vida. A
madrinha esteve presente em minhas quedas, ela me abraçava e me
dizia que tudo ficaria bem, ela segurou minha mão e me disse para
nunca baixar a cabeça, mas que fizesse isso sempre com elegância.
Eu podia até mesmo ouvir a sua voz, sempre com um sorriso, tão
calma e forte que não havia como não parar para ouvi-la.
Enquanto a madrinha me pegava no colo e me acalentava, o
padrinho agia por trás, reconstruindo nossa estrada, tornando a vida
possível, afastando de mim todo e qualquer mal. Ele não era de
palavras, como a madrinha. Era um homem de ação. Por isso
preferia entrar na luta e guerrilhar, enquanto mantinha nossa casa
quente e amorosa.
E então me dei conta do quão tola fui por acreditar todos
aqueles anos que eles fechavam os olhos por não me enxergarem
como filha. Charlotte tinha todos os cuidados, enquanto eu, mesmo
sem permissão, podia seguir os muitos caminhos que trilhei.
Não foi por falta de amor. Foi por saber amar.
— Perdão, pai — sussurrei entre lágrimas.
— Filha!
E ele nada mais conseguiu dizer. Só me abraçou e chorou
junto comigo.
Só posso dizer que nunca mais precisei voltar ao assunto.
Doía demais a minha história. Fora mais uma ferida que abriu
buracos grandes e fortes em minha alma. Mas eu sabia, tinha a
certeza, de que, enquanto o padrinho estivesse comigo, nenhum
mal me assolaria.
CAPÍTULO 42

“Mesmo quando me descuido, me desloco, me deslumbro


Perco o foco, perco o chão, eu perco o ar
Me reconheço em teu olhar
Que é o fio pra me guiar
De volta”
Me Espera - Sandy

Quando o padrinho foi embora eu já aceitava que o drama


não havia acabado. Somava a minha lista de problemas pendentes,
procurar Johnny, e acalentá-lo, uma vez que naquele mesmo dia,
ele conheceu não apenas a minha história, como a dele mesmo, e
pelo jeito como o padrinho se negou a me contar, ficou claro que
não era nada menos doloroso.
Além disso, precisava expulsar Carlos Antônio da minha
vida, e de forma definitiva.
O tempo que levei naquele quarto após a saída do padrinho,
me dediquei a confabular sobre como o faria. Eu não tinha o seu
número, pois havia apagado a mensagem. Não sabia onde encontrá-
lo. Fantasiei com a ideia de atraí-lo com dinheiro e então lhe
aplicar um corretivo justo. Ou, de conseguir uma confissão sua, e
entregá-lo à polícia.
No entanto, nenhuma das duas opções me deixava
confortável. Mesmo com o sangue fervendo de raiva, o nojo e
repulsa que aquele homem me causava, me obrigava a abrir mão de
um confronto mais direto. Eu só queria que ele fosse embora com o
rabo entre as pernas e que tivesse consciência de que, de mim, não
receberia nenhum centavo.
E não demorou.
Foi como se a vida, finalmente, começasse a me dar um
empurrãozinho para acertar todas as minhas pontas soltas.
Carlos Antônio costumava me dar espaço para me
surpreender com a sua presença, contudo, após a minha oferta de
dinheiro, não se conteve. E por isso, naquela noite, se atreveu a me
telefonar.
No primeiro momento apenas encarei o número
desconhecido. Havia muito o que me induzir a pensar sobre atender
ou não uma ligação não identificada, afinal de contas, Tiffany
morreu naquele dia, e, apesar de eu ter enviado uma pequena nota
para Márcia postar nas redes sociais de Charlotte, e cancelado a sua
ida a minha casa, poderia atrair a atenção da imprensa. Por este
motivo, cogitei a ideia de não atender. O que eu diria? Não me
sentia confortável para falar sobre nada quando vivenciava meus
próprios conflitos.
Entretanto, no último instante, atendi. Despreparada,
confesso. Desarmada apesar de todo o tempo que tive para pensar
no assunto. A voz dele me paralisou.
— Miranda? — não consegui falar. — Filha?
Foi neste ponto que saí da situação de inércia.
— Como se atreve a me chamar assim? — rebati com a voz
ainda controlada. Horrorizada com tudo o que aquele homem fora
capaz de fazer comigo, com uma criança de apenas seis meses.
— Miranda, o que houve? — Sua voz vacilou. A
malandragem impregnada nela. Uma risada sarcástica que parecia
contida. — — Ah, já sei! O gringo descobriu que estou de volta e
está te envenenando contra mim, não é isso? Olha, filha…
— Você me estuprou! — Acusei, mas minha voz saiu baixa.
Uma coisa era ouvir aquela realidade dos lábios do padrinho.
Outra era dizê-la em voz alta. As palavras saíram de mim como
lâminas de barbear enferrujadas, cortando minha garganta
centímetro por centímetro. A ferida, já aberta e exposta, parecia
sangrar ainda mais.
Seu silêncio servia de confirmação. Não que eu duvidasse do
padrinho. Jamais seria capaz de algo do tipo, principalmente depois
da conversa que tivemos. Mas se houvesse esta possibilidade,
Carlos Antônio rebateria no ato, se defenderia, exigiria que eu
acreditasse nele.
Não. Aquele homem nada disse. Deixou que seu silêncio
confirmasse toda a história, e me deu tempo de sobra para a fúria
me dominar.
Ele era o meu pai. Não! Ele era um monstro!
— Você me estuprou, seu filho da puta! Eu era apenas um
bebê! Você é doente! Você é um monstro! Eu vou te entregar a
polícia.
— Não há como provar nada contra mim — rebateu sem
qualquer emoção. — Nenhum de vocês tem como provar. Sabe por
quê? Porque sua mãe sempre foi uma fraca. Eu disse a ela para te
entregar a eles, para pedir dinheiro, e ela se negou. Queria a filha
tão desejada. E depois vem dizer que eu fui o errado?”
— Você é um monstro! — repeti escandalizada com a
maneira como ele falava.
Eu devia ter gravado aquela ligação, devia ter feito qualquer
coisa que o jogasse em uma cela de prisão e nunca mais saísse.
Porém, restava-me apenas a coragem para fazê-lo desaparecer.
O homem riu, agora sem tentar esconder a sua verdadeira
face.
— E seu padrinho é o quê? Ele podia ter me encontrado se
quisesse. O homem tem dinheiro para comprar o exército, se assim
desejar. Por que você acha que ele não procurou por mim,
Miranda? Por que nenhuma queixa foi dada?
— Porque minha mãe não quis me expor — falei baixinho,
relembrando as palavras do padrinho, e toda a sua narrativa sobre
como ele conseguiu reconstruir minha vida sem que as pessoas
soubessem do ocorrido, anos depois do abuso.
— Porque eles são todos uns idiotas, mentirosos. — A fúria
não me passou despercebida. — E não pense que eles ficaram com
você porque queriam te afastar de mim. Ficaram porque
precisavam de mais uma escrava para saciar a vontade da família
de…
— Vá se foder, seu infeliz! — gritei com toda a raiva que
fervilhava em mim. — Vá se forder, seu escroto de merda!
Estuprador! Pedófilo! Seu monstro! Não pense que vai ficar assim.
Se você se atrever a chegar perto de mim outra vez, eu te mato,
ouviu bem? E se eu souber que está em qualquer lugar próximo de
mim, juro que você vai se arrepender muito de ter ousado se
aproximar. Não pense que é só o padrinho que pode comprar um
exército. Eu posso comprar apenas uma pessoa para resolver esse
caso, e se você tiver que conhecê-la, não vai esquecer nunca mais
nesta vida.
Ele riu com desdém.
— É, Miranda, quem sai aos seus não degenera. Não é
mesmo? Logo se vê que é minha filha.
— Eu não sou sua filha, seu merda! Eu sou Miranda
Middleton, e vou passar por cima de você como um furacão.
Desliguei o celular com tanta raiva que me segurei para não
espatifá-lo na parede. Ainda assim, joguei-o na cama, com força o
suficiente para quicar e pousar sobre o travesseiro.
E, neste momento, Johnny abriu a porta do quarto e me
encarou com os olhos inchados e vermelhos. Suspirei. Já era noite,
mas o dia não estava nem perto de acabar.
Deitados na cama, virados um de frente para o outro, nos
confortávamos. Johnny escolheu falar sobre mim, reforçando a
ideia de que eu nunca deveria duvidar do amor dos nossos
padrinhos. Ele não tentou justificar a escolha da nossa família de
esconder toda a verdade a nosso respeito, porém, pude notar o
quanto a sua conversa com o padrinho, por mais difícil que fosse,
causou nele o mesmo efeito que em mim: a veneração por aquele
casal que amava mais do que éramos capazes de compreender.

Meu amigo, irmão de todas as formas possíveis para o nosso


caso, enxugou minhas lágrimas, e não escondeu as suas próprias.
Johnny não usava mais qualquer armadura, assim como eu, e não
se importava em aparentar frágil. Nós tínhamos aquele direito, ao
menos naquela noite.
— Posso dormir aqui com você? — pediu se encolhendo.
— Claro!
Sorri relembrando o menino frágil que Johnny foi quando
bem pequeno. Ele sempre pedia para dormir na casa onde eu vivia
com minha mãe, com medo de dormir sozinho no quarto onde o
padrinho o hospedou. Ele sentia medo da mansão, assim como das
pessoas com quem não tinha qualquer intimidade. Foi assim que
ficamos tão próximos.
Ele também sofreu muito ao descobrir a realidade sobre a
morte da minha mãe, afinal de contas, foi nos braços dela que foi
acolhido muitas vezes. Contudo, a sua história tinha uma conotação
diferente da minha. E, descobri-la, doeu em mim também.
Não forcei a barra para que ele falasse, mas, assim que
recebeu minha permissão para ficar, meu irmão se aproximou,
juntando nossas testas e começou a falar.
— Minha mãe foi amante do padrinho — revelou com uma
dor horrível de ouvir.
— Ah, não! — Gemi.
Era como se toda a estrutura que nos manteve de pé até
aquele momento, começasse a ruir, ameaçando nos sugar em um
buraco sem fim.
— Ele não é meu pai — Sussurrou, decepcionado. — Mas
ela achava que era.
Johnny se movimentou, descendo o rosto para encaixá-lo em
meu pescoço. Abracei seu corpo, acariciando seu cabelo rente a
nuca.
— A madrinha teve uma gestação difícil, então ele… eles…
enfim… — Fungou com força, limpando as lágrimas. — Quando o
padrinho foi embora, levando você junto, minha mãe não suportou.
Ela deu um jeito de fazer a madrinha descobrir, um pouco depois
que Charlotte nasceu, porque engravidou e colocou na cabeça que o
padrinho era o pai. A madrinha ficou enlouquecida, pediu o
divórcio, acredita?
— Ah… nas últimas horas tenho acreditado em tudo. — Ele
riu um pouco e envolveu minha cintura com o braço. — E… — eu
não sabia como formular a frase. Porém, precisávamos deixar que
toda a mentira caísse por terra. Só assim recomeçaríamos de
verdade. — Como o padrinho soube que não era seu pai?
— Ele disse que sabia que não havia qualquer chance de ter
engravidado a minha mãe. Foram poucas vezes, todas recheadas de
culpa e cobrança, mas que nunca esqueceu de… se precaver. Ele
falou com essas palavras — riu com tristeza.
— Imagino que sim. Mas devia haver uma pequena dúvida,
não?
— Não sei. A madrinha ameaçou ir embora. Ele disse que
jurou que o filho não era dele e que levou quase um ano para ela
perdoá-lo e aceitá-lo de volta.
— Neste meio tempo você nasceu.
— Sim. Ele mandava dinheiro para que minha mãe tivesse
estrutura para me ter. Escolheu fazer assim até que eu pudesse
fazer um exame de DNA. A madrinha não aceitava mais suas
vindas ao Brasil e isso prejudicou muito o andamento dos seus
negócios. Quase três anos depois do meu nascimento, ele enfim
conseguiu voltar, e teve que trazer a família toda. Exigência da
madrinha. — Johnny ficou em silêncio por um tempo. Depois
sussurrou. — Ele não quis me dizer se a intenção da minha mãe
era arrancar dinheiro, mas eu sei que era.
— Por quê?
— Esqueceu como fui encontrado?
— Essa parte não é mentira? — Ele negou com a cabeça
colada ao meu pescoço.
— Uma pequena parte sim. Tia Margarida quem me
encontrou. Eu levava uma carta da mulher que se dizia minha mãe.
Nela, ela o acusava e dizia que ele deveria me criar, pois ele podia
não ser o pai, no entanto, havia destruído a vida dela.
— Que horrível! — falei baixinho, abraçando-o um pouco
mais. — E ele fez o exame de DNA? A madrinha…
— Meu pai era negro. Minha mãe branca e o padrinho… nem
precisava. Mesmo assim ele fez. Em segredo.
— Por que em segredo?
— Porque a madrinha resolveu ficar comigo independente de
qual fosse a verdade.
Então ele chorou ainda mais. Abraçado a mim. Emocionado e
triste.
Fui solidária aos seus sentimentos, uma vez que o mesmo
acontecia comigo. Havia a mágoa, a dor, a revolta, e junto a esse
caldeirão de sentimentos ruins, a gratidão conseguia se sobressair.
Como não ser dominado por este sentimento quando conseguíamos
reconhecer aquela luz em nossas vidas?
A maneira como eles nos acolheram e amaram merecia ser
contada ao mundo. Aquele casal, em seus erros, em suas
dificuldades, deram vida a duas crianças sem quaisquer
perspectivas.
A minha história era dura, e a maneira como fui acolhida
modificou toda uma estatística atribuída ao que seria esperado de
mim. Já a história do meu irmão conseguia ser pior. Ele podia não
ser o fruto da traição do padrinho, mas seria sempre uma
lembrança. Mesmo assim ela o aceitou e amou sem nunca revelar o
quanto aquilo poderia ser diferente.
Ouvir a história do meu irmão aqueceu meu coração de amor.
Porque ela me dizia que nós sempre podíamos, por pior que
pudesse parecer, mudar a nossa história, ou, no caso daqueles dois
jovens estrangeiros, mudar a vida de alguém.
Naquela noite, chorando baixinho para não despertar meu
irmão, rezei para merecer tudo o que foi feito por mim, e para que,
em hipótese alguma, desonrasse a história que eles me deram.
Eu era uma Middleton, e isso ninguém poderia tirar de mim.
— Que porra é essa?

Ouvi o grito dentro do meu quarto, me assustando, me


puxando com tanta brutalidade do sono que fiquei atordoada.
Abri os olhos tentando entender, o que acontecia, e então
meu lençol foi puxado e Johnny gemeu incomodado ao meu lado.
Ah, droga!
Olhei para a porta e vi meu namorado tão atordoado quanto
furioso.
— Que porra é essa, Miranda? — Ele disse, e eu senti
vontade de morrer.
CAPÍTULO 43

“Não precisa mudar


Vou me adaptar ao seu jeito
Seus costumes, seus defeitos
Seu ciúme, suas caras
Pra que mudá-las?”
Não precisa mudar - Saulo Fernandes

Que porra é essa, Miranda? — Seu grito me fez fechar os


olhos e minha cabeça latejou.
Puta que pariu!
— Que merda é essa, Patrício? — Johnny gemeu ao meu
lado, puxando o lençol para cobrir o rosto.
Confusa, tentei me proteger da claridade que entrava pela
porta aberta, e fiz força para sentar na cama.
— Ai! Puta que pariu! — gritei segurando o pulso
machucado.
Havia esquecido completamente de que, na fúria, arranquei o
gesso e deixei meu pulso livre para uma piora esperada.
— Miranda? — Patrício e Johnny avançaram ao mesmo
tempo, mas meu namorado recuou quando viu meu irmão me
envolver com facilidade em seu braço para cuidar do meu
machucado.
— Onde está o gesso? — Johnny perguntou.
— No lixo. Estava de saco cheio daquela merda.
— Ah, claro! — Ele disse me recriminando. — Isso não me
parece nada bem.
Enquanto isso, visualizei meu namorado voltar a porta do
quarto, sem saber se deveria ir embora ou ficar e se certificar
quanto a minha saúde.
— O padrinho vai me obrigar a te levar ao hospital — Meu
irmão resmungou já descendo da cama, só de bermuda. — E você
me deu um susto do caralho, Patrício. — Ele se abaixou para
resgatar a camisa largada no chão.
— Ah, sim. Desculpe por ter atrapalhado aqui — Patrício
rebateu com sarcasmo. — E já que estou sobrando…
— Sobrando? — Johnny perguntou sem conseguir entender,
porém, eu entendi e não gostei nem um pouco do que ouvi.
— O que você é, Patrício? Retardado? — rebati com
indignação. Ele se assustou com a minha reação e se afastou.
— Ah, não me diga que você pensou que… — Johnny fez
uma cara de quem, de fato, não conseguia acreditar.
— Eca! — falamos ao mesmo tempo. Meu irmão cheio de
deboche e eu de aborrecimento.
— E o que vocês queriam que eu imaginasse entrando no
quarto da minha namorada e a encontrando dormindo de conchinha
com outro homem.
Johnny e eu nos encaramos outra vez, sem acreditar naquela
conversar.
— Eca! — repetimos com cara de nojo.
— Ele é meio lentinho, não? — Johnny falou.
— Completamente lento — respondi.
— Como você suporta? — Revirei os olhos voltando a olhar
para meu pulso e depois conferindo o meu joelho.
— Ele tem músculos, consegue me carregar.
— É! — Johnny inclinou a cabeça ao analisar meu
namorado. — Tem suas vantagens.
— E é bom de cama — completei. Johnny riu e Patrício
estreitou os olhos.
— Isso eu não posso confirmar.
— Eu estou aqui, tá legal? E vocês estão falando de mim —
Patrício falou com certo aborrecimento.
— Lento. Definitivamente lento — Johnny brincou.
— Mas é bom de cama — repeti.
— Bom, você deveria casar com ele — meu irmão replicou,
me obrigando a passar o dedo sobre a aliança que eu ainda
mantinha.
— É! Ela deveria casar comigo, idiota! — Rebateu. — E da
próxima vez que eu te encontrar na cama da minha namorada…
— Quem estava na cama da sua namorada? — O padrinho
falou, aparecendo de repente atrás de Patrício.
Em qualquer outro momento aquela seria a hora em que
todos ficariam constrangidos, porém, naquele quarto, o único a se
intimidar com a presença do padrinho, foi o meu namorado, o que
levou a mim e a Johnny, a gargalhada.
— Posso saber o que está acontecendo aqui? — o padrinho
quis saber. — E o que, exatamente, você faz no quarto de Miranda,
Patrício?
Rindo, vi meu namorado mudar de cor, engolir com
dificuldade, buscar meus olhos, pensar no assunto, para então dizer.
— Bom… eu costumo dormir aqui.
Puta que pariu!
— Patrício! — grunhi, sem saber como ajustar aquela
situação que já havia iniciado de forma errada.
— Peter, eu não sou mais nenhuma criança — falou
cruzando os braços e encostando-se ao batente da porta. —
Principalmente para fingir acreditar que você não sabia disso. E,
para falar bem a verdade, não tenho paciência, energia ou vontade
de ficar nesse jogo. Então, é isso… eu durmo aqui a maioria das
noites, mas Miranda dorme muito em minha casa também. O lado
bom é que compramos um apartamento, que está quase pronto, e
não vamos mais precisar agir como adolescentes. Antes que pegue
a sua arma e tente me matar, eu pedi a sua filha em casamento…
ah, não a Charlotte, lógico… a Miranda. Ela ainda não sabe se quer
casar, enquanto isso, brincamos de casinha.
O silêncio que se fez após o seu pronunciamento foi estranho.
Eu não sabia o que poderia dizer. Não sabia se odiava Patrício pelo
que havia feito, ou se me atirava em seus braços e o idolatrava.
Aquele garoto abusado, com um sorriso que exibia covinhas, não
conhecia a palavra limites, e eu o amava por isso.
E eu que me achava ousada e corajosa.
— Ela não quer casar? — O padrinho perguntou, o rosto um
pouco vermelho, lutando para se manter impassível.
— Pelo visto, sou apenas músculos que podem carregá-la e
escravo sexual.
— Patrício! — Quase gritei.
Ok! Ele não conhecia o limite, por isso eu poderia atirar um
sapato em sua boca grande e calá-lo de uma vez por todas.
— Você disse isso — acusou.
— Disse mesmo — Johnny colaborou com a confusão.
— Porque ele entrou aqui gritando, como se fosse um
absurdo o meu irmão estar em meu quarto.
— Bom… ela tem razão — Johnny falou, colocando mais
lenha na fogueira.
— Primeiro: eu não vi que era Johnny, eu vi uma perna
peluda de macho em cima de você. Segundo: mesmo vendo que era
o Johnny, fiquei com raiva, porque o sentimento já estava lá.
— Você é retardado, Patrício! Ai! — Gemi outra vez de dor
no pulso, e, de repente, três homens tentavam me acudir. Sem
precisar de qualquer palavra, dois recuaram e deixaram o padrinho
atuar.
— Você não deveria ter removido o gesso — resmungou. —
Vou pedir para alguém do hospital trazer o material aqui.
— Graças a Deus! — Johnny brincou. — Estou livre desta
obrigação.
— Eu não pediria a você, Johnny. Sua agenda de hoje está
muito bem resolvida — o padrinho falou e meu irmão gemeu
desgostoso. — Além do mais, Miranda tem a massa de músculos
dela para fazer esse serviço.
— Peter! — Patrício fingiu indignação, no entanto, adorou
ser reconhecido como um homem forte.
Machos! Revirei os olhos para que todos soubessem o quanto
aquilo tudo era ridículo.
— Você deveria obrigá-la a casar comigo, como fez com
Alex e Charlotte — rebateu.
Que filho da puta!
Encarei Patrício sem acreditar que ele utilizou mesmo aquela
estratégia para me obrigar a casar. Quem ele pensava que eu era?
Voltei minha atenção para o padrinho, pronta para rebatê-lo caso
ele ousasse inventar aquela história, quando ele sorriu e piscou para
mim.
— Miranda sabe o que quer, Patrício! Se desejava tanto um
casamento, escolheu a filha errada.
E eu amava aquele homem!

— Quer mais alguma coisa, Srta. Miranda? — Odete


perguntou depois de buscar a bandeja na biblioteca, onde pedi para
que meu café fosse servido.
O padrinho não esperou por mim. Deixou nosso apartamento
logo depois que um enfermeiro apareceu para repor o gesso
arrancado em meu ataque adolescente. Alegou ter planos com
Johnny e o levou embora.
Pedi a Patrício que me ajudasse a chegar até a biblioteca,
onde eu conseguiria ficar um bom tempo em paz, e lá mesmo tomei
o meu desjejum.
Meu namorado não demonstrava qualquer abalo com o que
acabara de fazer. Nem pelo escândalo no meu quarto, muito menos
pela maneira como falou com o padrinho. Ele só me acomodou em
uma poltrona, ajustou minha perna no puff, e sentou ao meu lado
para me auxiliar com o que eu precisasse, como se nada tivesse
acontecido.
— Não, Odete. Obrigada!
— O senhor? — Voltou-se para Patrício, com toda a sua
educação.
— Também não, obrigado!
A mulher saiu, tomando o cuidado de fechar a porta para nos
dar privacidade. Fiquei calada, aguardando que ele falasse
primeiro, indecisa se me mantinha aborrecida ou apaixonada, ou
até mesmo, insegura diante de tudo o que havia acontecido depois
da sua volta.
— Quando Peter chegou?
— Ontem, um pouco depois de você ter saído. — Patrício
concordou, mordendo o lábio inferior. — Ele sabe sobre a morte de
Tiffany?
— Sabe sim.
— E Charlotte?
— Hum! Ainda não falei com ela, mas é certo que já esteja
sabendo. Márcia postou uma nota ontem no final do dia.
— Huf! Uma nota! Todo mundo sabe que Charlotte e Tiffany
tinham motivos para se odiarem.
— Isso não nos impede de sermos educadas, Patrício.
Ele se calou, quieto demais, as mãos apoiando o queixo,
aparentando ser mais jovem do que era de fato.
— E como foi o enterro?
— Ah… — Meu namorado levantou, passou as mãos na
calça. — Estranho.
— Como estranho?
— Sei lá, gata! Muitos fãs, os pais, Anita… Alex parecia
ansioso para sair dali. Apenas eu e João comparecemos
representando a família e a editora.
— E isso é estranho?
— Estranho foi mãe da Tiffany. Ela parecia acusar Alex da
morte da filha e deixou claro que queria ficar com o menino.
— Hum! Não é estranho, mas é tenso.
— Tenso. Essa é a palavra certa. E como foram as coisas por
aqui? Além de você achar normal dormir agarrada ao seu irmão.
— Vá se foder, Patricio! — Ele se assustou com a minha
reação. — Foi um dia complicado para a gente, tá legal? Então
pense duas vezes antes de invadir o meu quarto exigindo
explicações.
— Porra, gata! Pela sua reação a confusão foi grande.
— Imensa.
— Contou a Peter sobre o seu pai? Foi isso o que aconteceu?
— Não precisei contar. Ele já sabia de tudo — revelei com
tristeza.
— Tá vendo? Por isso não fiquei fazendo joguinho. Peter
sabia que eu dormia aqui e não acreditaria jamais caso eu dissesse
que dormia no quarto de hóspedes.
— Ai, meu Deus! Cala a boca!
— Ok! Calado. Agora conta tudo.
Até a noite passada eu não me sentia confortável para falar
sobre o ocorrido. Não sei explicar. Um misto de vergonha e nojo,
ou, quem sabe, uma vontade de que não fosse verdade, o que me
levava a acreditar que não falar, colocaria tudo em seu lugar, no
passado.
No entanto, Patrício era o cara que mais merecia conhecer a
minha história. Assim como ele não tinha filtro pra falar as
bobagens que pensava, não havia qualquer necessidade de voltar a
erguer os muros que me protegeram durante todos aqueles anos.
Não para ele. Talvez não para ninguém.
Havia sim a dor e a tristeza por tudo o que descobri. Não
encontrei uma maneira de segurar a emoção quando revelei a
minha história, apenas a minha, respeitando a do meu irmão.
Porém, percebi enquanto narrava, que a dor cedia a cada repetição.
Primeiro com o padrinho, depois com Johnny e então, com
Patrício. E, à medida que as palavras saíam da minha boca, uma
nova força nascia em mim. Certezas que antes não pareciam tão
alicerçadas, e escolhas que em outros momentos pareciam mais
como uma falta de opção.
E quando acabei, quando as palavras enfim cessaram,
Patrício me deu um sorriso sincero, limpou minhas lágrimas e me
abraçou. Não foi como se quisesse me reconfortar, e sim como se
precisasse me dizer com aquele abraço, o quanto se orgulhava de
mim, de quem eu era, do que me tornei.
Deitei meu rosto em seu ombro e um único pensamento me
dominou: obrigada, padrinhos!
Patrício foi embora após o almoço. Ele precisava retornar a
editora e à noite ia com a mãe na casa do irmão para saber como
estavam as coisas, já que o filho do Alex receberia alta no dia
seguinte.
Sozinha pela casa fiz a única coisa que poderia fazer, e que,
por força do destino, acabei adiando ao máximo. Liguei para
Charlotte.
— Miranda? — Ela atendeu no primeiro toque.
— Nossa! Que agilidade! Está tão ansiosa para falar com
alguém que ficou colada ao telefone, ou queria mesmo falar
comigo e pensava em me ligar?
— Um pouco dos dois — revelou. — Como estão as coisas
por aí?
— Hum!
Pensei no que poderia, ou queria contar a Charlotte. Não
demorei muito tempo para decidir. Não era o melhor momento.
Quem sabe um dia eu teria coragem de sentar com aquela menina
doce e inocente e revelar tudo o que existia dentro de mim? Ela
suportaria? Quem poderia saber?
— Você já sabe de tudo, mas Tiffany morreu — anunciei de
uma vez, afinal de contas, aquele assunto seria a nossa conversa
com toda certeza.
— Eu sei — sussurrou. — Não sei o que dizer.
— Não diga nada. E se quiser festejar e sair dançando, faça
isso longe de olhares públicos, pelo amor de Deus!
— Que horrível, Miranda! Eu nunca faria algo do tipo. —
Acabei rindo. Só Charlotte para acreditar em todas as minhas
palavras.
— Eu sei. Como está se sentindo com esta notícia?
— Não sei dizer. Eu… céus! Eu odiava aquela mulher com
toda a minha força. E agora… ela está morta? Como isso foi
acontecer? Estou… alarmada. Não estou feliz, juro que não estou,
apesar de ter desejado que ela morresse muitas vezes. Ai meu
Deus! Eu disse isso em voz alta!”
— Tudo bem, Charlotte. Tiffany conseguiu conquistar o ódio
de muita gente, você não foi a única.
— Não seja tão dura, Miranda. A mulher morreu!
— E virou santa, foi? — Minha irmã riu, logo em seguida se
conteve, se obrigando a entrar em um luto que não era dela. —
Tiffany infernizou as nossas vidas, destruiu o seu casamento,
tentou enlouquecer Alex por causa desta gravidez, e morreu porque
buscou isso tudo.
— Ah, Miranda! Você é uma pessoa horrível!
— Fazer o que se sou a única que tem coragem de dizer o
que muitos pensam?
Ela riu outra vez. Eu apenas sorri. Primeiro porque não
gostava da ideia de pensar assim quando uma criança inocente
sofreria a falta da mãe, mesmo sem nunca conhecê-la. Mas
também porque detestava usar a morte de Tiffany como cortina de
fumaça para tudo o que havia atingido a nossa família.
O padrinho nos afirmou que nos deixaria livres para contar
ou não a Charlotte. Johnny decidiu não contar. Não queria que ela
soubesse que o pai teve um caso quando a mãe estava grávida.
Teve medo de estragar a relação de Charlotte com o padrinho. E eu
não contei porque… pelo mesmo fato de nunca ter contado sobre
Thomas, ou Moisés. E não sabia dizer até quando seria assim.
— E… como está o…
— Alex?
— O filho, Miranda. Como vai ficar a questão da criança?
— Ah! Bom, Amanhã ele sai do hospital. Todos estão na
casa do Alex arrumando a casa para receber o menino. Felipe, é o
nome dele.
— Hum! Que bom que o pai vai assumir, não é mesmo?
Não dava para ignorar o quanto de dor aquela conversa
causava a minha irmã. Até mesmo na maneira como tentava fazer
com que tudo parecesse normal, ou aceitável. Charlotte sofria pelo
mesmo motivo que eu sofri. O nascimento do Felipe era a
confirmação do fim.
Contudo, a história da madrinha com o Johnny, me enchia de
esperança, e eu me perguntava de quanto tempo minha irmã
precisaria para aceitar as curvas da vida? Quantos meses mais ela
se manteria distante o suficiente para que ele nunca a alcançasse? O
que precisaria acontecer para que Charlotte entendesse que um
amor como o dela e o de Alex, o da madrinha e do padrinho, não se
perdiam.
As estradas podiam seguir separadas, mas em algum
momento, a necessidade do cruzamento voltaria a uni-los, e quando
acontecesse, não haveria como impedir o impacto. Então me vi
sorrindo para todo aquele pensamento.
— Sabe, Charlotte? Eu acho que vou aceitar casar com o
Patrício.
— Eu sabia! — Riu sem culpa. — Quem diria que Miranda
Middleton se renderia ao amor?
— Miranda Middleton não se rende a ninguém. No máximo
faz uns acréscimos, querida!
— Ah, tá bom! — Eu até podia ver minha irmã revirar os
olhos. — E quando teremos o casamento?
— Eu disse “eu acho”. Ninguém pode pensar no assunto que
começa a pressão. Aff! — Ela riu mais uma vez, esquecendo por
completo a história de Tiffany e Alex. — Tudo vai depender da
minha madrinha de casamento.
— Da madrinha? — Charlotte fez silêncio. — Oh, Miranda!
Sério? Eu… eu… Ah! Claro que eu aceito. Eu aceito!
— É um pedido para ser a madrinha, e isso quando eu aceitar
ser a noiva, Charlotte, não um pedido de casamento.
— Sabe, Miranda? Você é insuportável às vezes.
— Essa é a ideia, garota.
E então, eu tinha um plano. Por que não?
CAPÍTULO 44

“Te dei os sonhos que sonhei


Te imaginei pra vida inteira
Se alguém fez tudo por você fui eu”
Fui eu - Fernanda Takaí

Um mês havia se passado e eu estava livre. Não apenas livre


do gesso e das muletas, mas livre de tantas formas que queria ir até
a varanda e gritar.
Um mês havia se passado e apesar de todos os
acontecimentos, tudo transcorria como deveria. Patrício passou a
trabalhar mais, porque Alex precisava ficar em casa e acompanhar
os primeiros meses do filho, assim como Lana. O problema foi que
o garoto, Felipe, era uma bomba ambulante. Herdou tantos
problemas de saúde que eu me perguntava como eles conseguiam
criar a criança sem enlouquecer, afinal de contas, o menino tinha
asma e já havia apresentado quatro reações alérgicas aos leites que
eles tentavam utilizar para substituir o materno.
E a ideia que ajudou neste problema, partiu do padrinho, que
aconselhou a Alex aceitar leite materno doado. Nós tínhamos no
hospital mães que aceitavam não apenas retirar o leite para
armazenar, mas também, acolher a criança dando-lhe de mamar de
forma direta.
E assim, Alex relaxou, conseguindo alimentar o filho da
melhor forma. Entretanto, havia uma pré-disposição
consideravelmente grave no garoto, a desenvolver alergias ao longo
da sua vida, assim como foi com a mãe. Putz! Tiffany morreu, mas
não deixou de infernizar a vida dos outros.
Para piorar, diante de tantos problemas, o irmão do meu
namorado aceitava qualquer tipo de ajuda, até mesmo a minha, que
achei, confesso, muito bom segurar a criança nos braços e levá-la
ao hospital para que ele tivesse a sua mamada diária, já que, apesar
do leite doado, o pediatra achou que faria bem a criança ter o
contato com uma pessoa durante a amamentação. Enquanto isso,
Alex participava de uma reunião importante.
E eu digo que este ponto piorava a história, porque, assim
como ele aceitou a minha ajuda, aceitou de forma mais intensa, a
de Anita. E essa vaca não teve qualquer problema em se infiltrar na
casa do meu cunhado e se apossar do Felipe como se fosse seu
filho.
Eu ainda me perguntava se mais alguém enxergava aquilo de
forma estranha. Sim, porque todo mundo sabia que Anita era louca
para estar na cama do ex-marido da minha irmã. Com a prima fora
do caminho, Charlotte ainda tão revoltada, e Alex fragilizado com
todos os acontecimentos, tornava-se um prato feito para a víbora
maldita.
Por isso, todas as vezes que precisei estar com a família do
Patrício, e encontrei a vaca como parte daquele grupo, tinha
vontade de telefonar para Charlotte e inventar qualquer coisa para
que ela voltasse. Porque Alex podia estar muito focado no filho, e
mantinha o discurso de que no momento só pensaria nele, mas ter
Anita desfilando pela casa o tempo todo, se exibindo e se
oferecendo para ele, não o deixaria nesta posição por muito mais
tempo.
Mas… eu estava livre. Finalmente livre.
Parei no Shopping depois de cumprir com minha obrigação,
ir a consulta onde o médico atestou que nada mais em mim
inspirava cuidados, e resolvi que era hora de comprar roupas. Tudo
novo! Sapatos, bolsas, perfumes, lingeries… principalmente
lingeries. Mandei entregar tudo, menos uma sacola especial, na
cobertura do meu namorado. Afinal de contas, precisaria de roupas
quando estivesse por lá.
Depois voltei para o flat, deixei a sacola especial no chão do
closet, tomei um banho e saí para almoçar, sozinha, usando um dos
vestidos novos que havia acabado de comprar e saltos altos.
Havia tanto sabor naquela liberdade que não conseguia parar
de sorrir.
Comi uma salada leve, com morangos e manga e depois um
pequeno pedaço de frango. Não podia abusar. Aquele era o meu dia
e eu precisava estar com tudo funcionando da forma correta, como
planejei.
No caminho para a casa de estética, liguei para a floricultura,
confirmando meu pedido e a sua entrega. Odete não se importou
em ser a responsável por esta parte da surpresa. Então fiz um pouco
de tudo: massagem modeladora, linfática, corrente russa, uma
relaxante gessoterapia, ajustei os cílios fio a fio e a sobrancelha.
Depois fiz uma limpeza de pele completa, profunda, além de pôr
em dias a depilação.
O segundo percurso foi o salão de beleza. Unhas feitas pé e
mão e uma deliciosa hidratação em meus cachos, depois permiti
que esses recebessem uma definição melhor, adquirindo mais
leveza e glamour. Por fim, a maquiagem. Nada extravagante, afinal
de contas eu ainda queria parecer comigo mesma.
Com pressa, pois o tempo passava e eu queria surpreender o
meu namorado, voltei para o flat e tomei um banho rápido, sem
muito floreio, já que minha pele fora tratada da forma certa. Voltei
para o closet, vesti a lingerie que comprei especialmente para
aquele momento. Ousada como eu, pequena como ele gostava.
O espartilho fazia um conjunto que nunca sairia de moda.
Qual homem não sentiria prazer em ter uma mulher assim? E qual
mulher não ficaria molhada só de imaginar os olhos quentes do seu
homem admirando-a com uma peça como aquela? Subi as meias ⅞,
prendendo-as como deveria ser.
Então, com cuidado, passei o vestido pelos braços e o deixei
cair com movimento pelo meu corpo. Lindo, espetacular, perfeito
para a ocasião. Patrício ficaria louco. Calcei os saltos e me olhei
uma última vez no espelho quando meu celular tocou.
Patrício.
Sorri antes de atender.
— Oi, garotão! — ronronei, começando a ficar excitada.
— Oi, Morena deliciosa! Tudo pronto?
— Eu estou prontíssima para você.
— Ah, gata! Eu vou te fazer miar esta noite.
— Tô pagando pra ver, garoto — provoquei, mantendo a voz
sensual. — A mamãezinha já parou de chorar? — Ele riu.
— Você sabe mesmo como quebrar um clima. Ela já aceitou
que chegou a minha vez de ir embora, gata. E meu pai tirou o dia
para cuidar dela.
— Hum, trepada safada esta noite. Sem nenhum filho em
casa, acho que vai rolar de tudo.
— Meu Deus! — ele riu. — Não me faça brochar, Morena.
Não preciso destas imagens na nossa primeira noite em nosso
apartamento.
— Não é a nossa primeira noite.
— É a primeira com a gente morando lá.
— Patrício…
— Você corre um sério risco de não conseguir mais voltar
para casa, gata.
— E você de nem me ter lá para esta primeira noite.
— Não é a nossa primeira noite — provocou. — Como está
vestida?
— Não vou estragar a surpresa. — Mas só a ideia já me
deixava molhada.
Ciente do batom que não saíria com tanta facilidade, mordi o
lábio inferior e, corri os dedos pelo decote.
— Só me diga se está com ou sem calcinha. — Sua voz rouca
colaborava para o meu estado de espírito.
— É melhor eu desligar, garotão. Vejo você em alguns
minutos.
Tchau, gata!
Desliguei com uma ideia deliciosa. Corri para o closet, tirei o
vestido com todo o cuidado, peguei o celular e fiz um pequeno
vídeo do meu corpo só de lingerie, virei em alguns ângulos e
finalizei agachando de forma sensual para empinar a bunda. Depois
abri o aplicativo, editei de forma divertida, com uma música
gostosa e enviei para o meu namorado.
Vesti outra vez a roupa, chamei um táxi e verifiquei as
mensagens. Uma carinha boba com estrelas nos olhos foi a resposta
de Patrício para o vídeo que fiz. Sorri. Aquele menino bobo não
perdia por esperar.
Sem pressa, desci as escadas, conferi o horário e o caminho
que o táxi fazia para chegar, então abri a porta e saí. Eu sentia falta
de Charlotte e do padrinho sempre, mas era uma maravilha viver a
liberdade de morar sozinha.
Acionei o elevador, conferi a maquiagem pela câmera do
celular, quando a porta abriu e eu entrei distraída, me vi presa com
quem jamais poderia esperar encontrar.
— Como vai, Miranda? — Moisés falou com aquele sotaque
carregado que me fazia enjoar.
Ao seu lado, aquele homem, o maldito homem que um dia se
apresentou como meu pai. Ele exibia um sorriso de vitória que me
deixou tonta. Com Moisés eu saberia lidar, mas ele… Eram tantos
sentimentos, tanta raiva, mágoa, que me petrificava. Eu só
conseguia encará-lo.
— Como vai, filha? — O maldito disse. O cheiro de cachaça
carregado no ar. — Está bonita!
Precisei dar um passo para trás, encostando na porta, para
evitar o toque que ele ameaçou concretizar ao erguer a mão. Os
dois riram.
— Uma menina desobediente. — Moisés balançou a cabeça,
como se estivesse me recriminando. — Não fala com seu pai? O
seu verdadeiro pai, Miranda? — Outra vez balançou a cabeça. —
Alguém precisa lhe ensinar bons modos, garota.
Então aconteceu tudo de uma vez. A porta atrás de mim abriu
em algum andar que eu não sei dizer qual, eles avançaram me
forçando a sair. Olhei para trás querendo fugir, ou ganhar espaço
para me defender e fui empurrada contra a parede, por Carlos
Antônio.
— Para onde pensa que vai, filha?
— Tire suas mãos de mim!
Fiz o que sabia fazer. Dei um chute certo em seu saco e
aproveitei do seu momento de dor para acertá-lo com um soco forte
no rosto. Carlos Antônio caiu no chão. Enraivada, chutei o homem,
disposta a deixar claro que ele nunca mais me tocaria. E cometi um
erro. Um erro que me custaria a própria vida.
Dominada pela raiva, atingi com força o homem que havia
me violentado, e esqueci do que um dia tentou fazer o mesmo.
Moisés me segurou com força, me abraçando por trás, travando
meus braços. Com as mãos imobilizadas, levantei as pernas e me
debati até que ele perdesse o equilíbrio e caísse comigo no chão.
Seria mais fácil contornar a situação se caíssemos, pois com o seu
peso, e na posição que estávamos, jogá-lo sobre meus ombros seria
um erro terrível.
Ele me segurou como pode enquanto eu assistia Carlos
Antônio levantar, limpar o sangue dos lábios e caminhar em minha
direção. Sem qualquer impedimento, ele me acertou com um soco,
mas eu consegui acertar a sua barriga com o pé, o que o empurrou
para longe.
Os braços de Moisés ficaram mais fracos. Ele soltou um,
contudo, me manteve cativa com o outro, lutando contra a minha
força, e então, algo me furou. Senti o momento exato em que a
agulha rasgou minha pele e o líquido entrou. Eu sabia que aquele
seria o meu fim, mas a sonolência agiu com pressa, com força, e
me impediu de continuar lutando.
Em poucos segundos eu perdia a batalha e desmaiava nos
braços daqueles dois monstros.

Primeiro veio o enjoo. A sensação de boca seca e a cabeça


confusa que não me deixava focar em nada. Eu ouvia vozes.
Reconhecia o sotaque de Moisés e o jeito malandro como o outro
homem falava, porém não os via.
Tentei levantar e minha cabeça girou. Fechei os olhos, ainda
pesados, e me concentrei em apenas ouvir. O que eles discutiam?
Onde eles estavam?
Meu corpo doía, assim como minha cabeça. Eu precisava de
água. Lambi os lábios, mas não havia como hidratá-los. O que eles
haviam feito comigo? Tentei me movimentar me dando conta de
que meus movimentos se restringiam a poucos centímetros.
Olhei ao redor e então percebi. O quarto escuro não me era
estranho. Se eu não estivesse com tanto medo ou nojo, teria rido do
plano ridículo daqueles dois. Ainda estávamos no flat, em um dos
quartos que costumavam ser alugados por turistas. Que idiotas!
Bastava que Patrício fosse um pouco mais esperto para saber que
algo de anormal aconteceu, afinal de contas, eu era esperada em
nosso novo apartamento.
Então, ciente de estar com os braços e as pernas presos por
alguma coisa que me limitava a erguer apenas a cabeça, percebi a
falta do meu vestido. Eu usava apenas a lingerie que comprei para
seduzir meu namorado, a cinta-liga e as meias ⅞.
Fechei outra vez os olhos empurrando para longe o
desespero. De nada adiantaria. Eu precisava pensar e agir. Mas
como se minhas pernas separadas e minhas mãos presas, me
impediam até mesmo de me defender.
Não, eu não choraria, nem me vitimizaria pensando no
quanto aquela noite deveria ser especial, mas… droga! Era a noite
do meu sim. A noite em que eu diria a Patrício que estava pronta,
que queria casar com ele e ser feliz ao seu lado. Era a nossa noite.
E só de pensar assim, minha raiva crescia ainda mais.
— Eu já disse que não! — Ouvi Moisés falar mais alto, o que
me alertou. Eu precisava de um plano, e rápido. — Faça o que
combinamos. Ligue para ele e peça o seu dinheiro. Esse foi o nosso
acordo.
— Nosso acordo era eu entregar ela para você — Carlos
Antônio falou. — O dinheiro que ela me daria não deveria
influenciar no que você me deve.
— Tudo bem. Se é dinheiro o que você quer, está aqui. —
Ouvi passos pela sala que havia ao lado do quarto. — Aqui está o
que combinamos. Agora vá embora. — O outro homem riu.
— E deixar você aqui com a gostosinha? Não. Não será tão
fácil assim.
Mordi os lábios com força, tentando soltar meus braços sem
atrair a atenção deles, mas os nós daquelas cordas foram dados de
maneira estratégica, como Moisés sempre fazia. A ideia partiu dele.
Aquele filho da puta.
— Você quer morrer? Tem noção do que a família dela fará
com você? Vá embora antes que eles te alcancem.
— Eu não tenho medo daqueles merdas! Nunca tive. Você
quer diversão? Tudo bem. Recebi caro para concordar que se
divirta com a minha filhinha. Mas eu vou ficar bem aqui. Vou
esperar a resposta do puto do padrinho dela e seguir o seu plano,
afinal de contas é mais dinheiro, não é mesmo? Enquanto isso você
terá a sua chance. Quando acabar, vai me devolver a minha filha. O
papai aqui vai cuidar dela.
Engoli a vontade de vomitar. O medo sendo substituído pela
fúria. Eu só precisava de uma mão livre. Uma única mão, e aqueles
dois aprenderiam a nunca mais mexerem com quem não deveriam.
Ouvi passos cada vez mais perto e então Moisés apareceu na
porta. Estava escuro demais para eu saber se seu olhar me dizia
algo. Ele deu mais dois passos, fechou a porta atrás de si, trancou, e
acendeu a luz.
Fechei os olhos para me adaptar a claridade, depois, sem
pressa e sem demonstrar nervosismo, os abri encarando Moisés.
Ele desabotoava a camisa e me encarava com atenção. Um sorriso
mínimo em seus lábios.
— Miranda! — falou com a voz arrastada. — Precisávamos
mesmo chegar até aqui?
Encarei aquele homem. Lindo! Poderia ter tudo se não
ficasse tão obcecado por mim. Tinha uma esposa perfeita que
aceitava as suas exigências, era rico, poderoso, sabia trepar como
poucos, e ainda assim… se desmanchava por mim.
Que tolo!
Abri um imenso sorriso encarando-o.
— Exatamente como me disse que gostava. — Ele inclinou
um pouco a cabeça, sem entender as minhas palavras. — Uma
mulher que luta até o fim, que lhe acende o fogo… senhor.
Então vi o que queria. Seus olhos assumiram um brilho
diferente, sua postura modificou e Moisés ficou do jeito como eu
queria: excitado.
CAPÍTULO 45
PATRÍCIO

“Sinceramente ainda acredito


Em um destino forte e implacável
E tudo que nós temos pra viver
É muito mais do que sonhamos”
Vem andar comigo - Jota Quest

Joguei a chave para cima e peguei no ar, fechando meus


dedos ao redor dela.
Já havia entrando tantas vezes naquele apartamento que perdi
as contas, mas nada se igualava a dar os primeiros passos naquela
nova realidade. Era a minha casa. Pela primeira vez na vida tive
coragem de sair do meu conforto, e admito que muito da minha
resistência podia ser atribuída ao meu problema em conseguir lidar
com mudanças bruscas.
Por isso comprei o apartamento na planta. Tive tempo de
sobra para me habituar a ideia, para trabalhar minha mente. Depois,
a reforma caiu como uma luva. Usei esta desculpa para estar
sempre por lá e aos poucos meu cérebro já reconhecia o local como
meu, seguro e fácil de viver.
O silêncio também me agradou. Não que a casa dos meus
pais fosse barulhenta. Não era. Passou a ser quando ganhamos três
crianças de uma vez só na família, e o apoio da minha mãe tornou-
se mais do que necessário. Saí de lá na hora certa.
E ainda havia o significado especial que me levava até aquele
passo tão importante: Miranda.
Respirei fundo mentalizando a mulher por quem me
apaixonei. Cada pedacinho daquela casa tinha um pouco dela, e foi
incrível como Aline conseguiu captar a essência de Miranda em
móveis, cores e aromas.
O vaso de rosas brancas sobre a mesa de jantar, ganhou a
minha atenção. Não estava ali um dia antes, quando fui conferir os
detalhes e levar a maior parte das minhas roupas. Só podia ter sido
ela. Sorri.
— Morena? Tá em casa? — Chamei para o vazio. Ela não
respondeu.
Estreitei os olhos ao puxar a pequena mala, contendo só as
minhas coisas pessoais que eu queria que estivessem lá desde o
início, e encarei a escada que dava acesso aos quartos. Com certeza
Miranda aprontava alguma coisa para aquela nossa primeira noite.
Voltei a observar, sentindo a casa, o ambiente. Tudo
impecável e em seu exato lugar, sem qualquer sinal da minha
namorada. Captei o cheiro, ainda que distante, de comida. Fui até a
cozinha, encontrando duas travessas de louça sobre a mesa central
e alguns utensílios deixados ao lado, de forma estratégica.
Então Miranda já passado por lá.
Abri as duas travessas percebendo que o jantar seria de
primeira qualidade. Peguei um pedaço de manga fatiada sobre a
salada e a levei a boca. Deliciosa! Assim como a mulher que eu
degustaria antes de apreciar o sabor daquela comida.
Sorri satisfeito.
Subi as escadas, com cuidado, carregando a mala para não
fazer barulho, porém, quando cheguei ao quarto, o nosso quarto,
ela não estava lá. Olhei no banheiro e depois no closet. Algumas
peças começavam a compor o espaço que minha namorada
ocuparia.
Encantado, toquei os dois vestidos pendurados e consegui
imaginar sem qualquer dificuldade, como eles ficariam naquela
mulher fantástica, assim como me permitir fantasiar com a maneira
como eu os tiraria do seu corpo. Excitado, abri a sua primeira
gaveta, encontrando algumas camisolas. Não resisti e verifiquei
melhor as peças delicadas, sedutoras, maliciosas.
Com um suspiro constatei que ser casado não poderia ser tão
ruim. Meu pai adorava! Peter nunca pareceu arrependido, e Alex…
bom, meu irmão não teve um final feliz, como todos imaginávamos
que seria, mas ele viveu momentos com Charlotte que nunca mais
esqueceria, o que não me parecia tão ruim. E se fosse sempre
daquela forma, com camisolas gostosas de serem tocadas, e
sensuais o suficiente para me fazerem ter vontade de tirá-las… eu
não teria do que reclamar.
Mas Miranda não estava em casa. Coloquei a mala sobre a
mesa posta no meio do closet, e retirei de lá alguns livros, uns
produtos que fiz questão de comprar para apimentar a relação,
minha coleção de carros colecionáveis, que eu manteria no closet
para que meus sobrinhos nunca pensassem que era brinquedo, e
minha pasta de relatórios de todo o trabalho realizado com Dra.
Leila. Eu a mantinha comigo, para nunca esquecer o quanto
precisei lutar contra mim mesmo para chegar até ali.
Arrumei tudo e voltei para o quarto conferindo as horas.
Miranda ainda não havia chegado. Peguei o celular e percebi a
mensagem dela compartilhando a corrida e sorri por minha
namorada finalmente ter aprendido que não pode se defender de
tudo.
Olhei ao redor sem saber o que fazer primeiro. Ela ainda não
havia iniciado a corrida, atrasada, o que me daria algum tempo.
Então, tirei a roupa e fui para o banho, afinal de contas aquela noite
teria que ser inesquecível em todos os sentidos.
Fiz questão de caprichar no banho. Não que não fosse uma
rotina. Era. Eu gostava de me sentir limpo. No entanto, naquele dia
eu queria algo além do trivial. Por isso fiz tudo certinho antes de ir
para onde eu moraria por muitos anos. Passei na barbearia, ajustei a
barba ainda pequena, do jeito que minha Morena gostava de sentir
em sua pele. Também dei uma ajeitada no cabelo.
Em casa, cuidei do restante. Aparei os pelos do abdômen e de
todo o parque de diversões, deixando o caminho bem cuidado para
o divertimento da minha namorada. Finalizei com o perfume que
ela adorava, escolhi uma cueca que me valorizava e deitei na cama.
Com certeza ela entraria por aquela porta a qualquer momento, mas
ela não apareceu.
Olhei a corrida compartilhada e vi que havia sido cancelada.
Procurei por alguma mensagem dela e nada. Resolvi ligar. Chamou
até dar caixa postal. Achei estranho.
Vesti uma camisa e uma bermuda e desci para a sala. Não
havia nada para fazer, ou que eu tivesse interesse em fazer. Meu
celular tocou e eu o peguei com pressa.
— E aí, putão! Como está sendo o primeiro momento
morando sozinho?
Arqueei a sobrancelha arquitetando o que poderia dizer para
sacanear o João Pedro.
— Maravilhoso! Contratei duas gatas deliciosas para a minha
festa de casa nova.
— Tá de sacanagem! É sério? E Miranda, porra?
— Miranda vai ficar para amanhã. Hoje eu disse que queria
sentir a casa sozinho. Vou trepar em todos os móveis antes de
colocar minha namorada aqui dentro.
— Porra, Patrício! Não faz isso! Mande foto das gatas. — O
quê?
— Vá se foder, João! Eu vou é contar sobre essa conversa
para Lana, seu frouxo!”
— Tá foda, cara! Um conselho: não tenha filhos. Quer
dizer… tenha, mas não agora, certo? E eu amo as meninas, mas…
elas levaram a minha mulher de mim. Faz um tempão que vivo só
de punheta. Uma foto animaria. — Acabei rindo alto. João era um
idiota mesmo.
— Vou enviar uma foto do meu pau para você, quer?
— Não se esqueça que essa conversa também te
compromete, idiota! Vou ter uma conversa com Miranda sobre essa
sua primeira noite.
— Faça isso.
E meus pensamentos voaram outra vez para a minha
namorada. Onde ela estava?
— É sacanagem, João! Miranda está para chegar a qualquer
minuto. Pelo atraso espero que ela esteja aprontando algo bem
especial.
— Porra, Patrício! Não me mate de inveja! A única coisa
especial que eu recebo é uma foto das meninas quando estou no
trabalho.
— Você é um merda, João! Lana acabou de ter duas filhas,
seu bosta!
— Eu sei. Eu sei. Mas… — Só um minuto.
Ele parou. Aproveitei para conferir as mensagens. Nenhuma
dela, mas havia uma de Lana deitada com as gêmeas, que me fez
sorrir como um bobo. Era disso que João reclamava? Coloquei uma
carinha apaixonada e encaminhei para o meu cunhado. Ele recebeu
a mensagem.
— Lindas! Não abriria mão delas, mas adoraria uma trepada.
Uma que fosse. A mais rápida que Lana exigisse. — Voltou a
conversa com tudo.
— João você é doente.
— Devo ser. Boa sorte na sua noite incrível. Lamara precisa
de ajuda com as fraldas.
Finalizamos assim a conversa, e eu me peguei pensando no
que Miranda estava fazendo. Liguei mais uma vez e ela não
atendeu. Mandei uma mensagem:
“Tá se fazendo de difícil, Morena?”

E coloquei uma carinha de triste. Ela sequer visualizou.


Comecei a sentir fome. Olhei para a cozinha com aquele
prato delicioso só aguardando pelo nosso jantar. Miranda ficaria
puta da vida comigo se eu estragasse a noite jantando antes dela.
Então fui até a dispensa e peguei um pacote de salgadinho e uma
cerveja e voltei para a sala.
Depois de um tempo liguei a TV e aguardei sem conseguir
parar de contar os minutos. Dez, vinte, trinta minutos e nada de ela
chegar. Não. Levantei decidido a começar a procurar por ela. Não
era normal Miranda sumir assim, só se alguma coisa tivesse
acontecido com Charlotte, o que, levando-se em conta o seu
histórico, não seria tão difícil de imaginar.
Então, fiz aquilo que parecia ser o mais óbvio, liguei para
Johnny. Ele demorou para atender, quase me fazendo desistir.
— Patrício? — falou com certa surpresa. — E aí?
— Miranda está com você?
— Comigo? Hoje não era a grande noite de vocês? Você não
está pensando que ela… porra, cara! Miranda é minha irmã!
— Não é nada disso, Johnny! Só achei estranho. Falei com
ela pouco antes de sair da casa dos meus pais e ela estava vindo
aqui para o apartamento. Chegou até a compartilhar a corrida
comigo, no entanto, não chegou até agora, cancelou a corrida, não
atende as ligações e não visualiza minhas mensagens.
— Droga! — disse baixinho. — Já tentou o flat?
— Não. Você fala de ligar para lá ou ir até lá?
— Podemos fazer os dois. Vocês brigaram?
— Claro que não, Johnny!
— Ah, merda! Será que ela passou mal? O que acha que
aconteceu?
— Pensei que você poderia me dizer algo novo.
— Algo novo?
— Algo tipo Charlotte ter outro pico de estresse e Miranda
precisar viajar às pressas. — Johnny ficou em silêncio por um
tempo.
— Não. Eu já teria sido avisado. Vamos fazer o seguinte:
ligue para o motorista do táxi que deveria buscá-la. Tem a
informação na corrida compartilhada com você. Eu vou até o flat
verificar se aconteceu alguma coisa.
— Tudo bem. Encontro você lá. Lembre de me ligar se
mudar alguma coisa.
— Ligo sim.
Procurei o número do motorista que estava no link em que
minha namorada havia me enviado. Foi muito fácil localizá-lo.
— Boa noite, Ângelo! Eu sou o delegado Frankli — menti
descaradamente. — Recebemos um alerta de uma garota que
solicitou seus serviços por um aplicativo esta noite. Ela está
desaparecida.
— Uma garota? Como ela seria? — o rapaz falou
preocupado. — Desculpe delegado, iniciei meu turno a pouco
tempo e até agora peguei dois passageiros, homens, e uma
desistência.
— E essa desistência… saberia me dizer o motivo? Tem
como confirmar? — Continuei firme em meu papel. Se eu dissesse
que era um namorado desesperado para saber sobre o paradeiro da
sua garota, ele não me responderia nada.
— Hum! Eu recebi o pedido. De fato era uma garota. Quando
cheguei ao destino ela não compareceu. E sim, tenho como
confirmar. Eu mesmo cancelei a corrida e a taxa será cobrada dela.
Ainda fui até a recepção, mesmo sem ser minha obrigação, mas a
passageira tinha uma excelente avaliação, então achei melhor não
abusar. Eles interfonaram, e a garota não apareceu mesmo. Então
fui embora.
— O senhor interfonou e ela não estava em casa?
— Foi o que pareceu. Eu fui embora, né? Tenho que rodar. A
moça até agora não reclamou não. Deve ter pego algum outro
carro, com pressa.
— Entendo.
— Eu estou com problemas, doutor?
— Não. Eu só precisava verificar mesmo. Qualquer novidade
entro em contato.
— Tudo bem.
Não esperei nem dois minutos, corri para buscar um tênis,
calcei e fui embora para o flat. Alguma coisa estava muito errada.

Johnny já estava dentro do apartamento quando eu cheguei.


Ao seu lado, Vítor, o porteiro que Miranda tanto criticava e que
sempre aceitou dinheiro para ficar calado a meu respeito. Eles me
olharam apreensivos quando eu cheguei.
— Nada?
— Vítor disse que não a viu sair, mas nós conhecemos
Miranda e se ela quisesse sair sem ser vista, conseguiria.
— E por qual motivo ela faria isso? Se não tem nada de
errado com Charlotte, nós tínhamos planos, por que ela sumiria
sem nada dizer? — Johnny olhou para Vítor, meio constrangido,
como se não quisesse ter aquela conversa na frente dele.
Fui assolado por uma sensação ruim. Algo dentro de mim
lutava para se libertar, uma angústia crescente, me dizendo para ir
embora, para fugir daquela realidade, mas eu não iria. Não era
como estar em uma boate cheia e arrumar uma desculpa para deixá-
la com a gata que havia roubado o meu sono, como aconteceu no
dia em que a conheci.
A minha namorada estava com algum problema e eu não
fugiria para casa usando como justificativa uma merda de um
problema psicológico que me impedia de raciocinar direito em
situações extremas.
— E as câmeras? — consegui falar. Os dois me olharam
assustados. — O prédio tem câmeras não?
— Você quer saber como ela conseguiu sair e o que fez? —
Vítor perguntou ainda sem entender o meu raciocínio.
— Claro! — bradei. — O que acha que quero com as
câmeras do prédio? Saber sobre a vida da vizinha? — O rapaz se
assustou. Johnny tomou a frente.
— Vítor, procure nas câmeras de segurança. Verifique tudo o
que elas captaram desde uma hora antes do motorista do táxi
chegar, até agora.
— Tudo bem. — O rapaz olhou para nós dois, ansioso. —
Devo telefonar para o senhor Middleton?
— Ainda não — Johnny assumiu um tom mais autoritário. —
O padrinho está na Inglaterra, não vamos aterrorizá-lo sem ter
qualquer prova. Preciso de outro favor… — Johny me olhou de
uma maneira estranha. — Quero o registro de todo mundo que se
hospedou aqui no flat nos últimos sete dias.
— Oh, então o senhor…
— Faça o que estou mandando. Ficaremos aqui, aguardando.
Concordando, Vítor deixou o apartamento e assim que me vi
sozinho com Johnny exigi explicações.
— Que porra está acontecendo? Por que precisa desses
dados?
— Você sabe que Miranda ameaçou o pai. Precisamos pensar
por todos os ângulos. Falou com o motorista?
— Sim, ele confirmou o que, pelo visto, você já sabe.
Miranda não apareceu para seguir com a corrida. Acha que aquele
filho da puta…
— Não sei o que achar, mas sei como encontrá-la.
— Sabe?
Johnny parecia constrangido, no entanto, não pensou duas
vezes antes de sacar o celular e começar a digitar.
— Johnny?
— Não é possível!
— O que não é possível?
— Ela está aqui!
— Aqui? — olhei ao redor, sem entender o que ele queria
dizer. — Johnny!
— Preste atenção. Quando o pai de Miranda apareceu,
coloquei um rastreador no celular dela. Sei que é errado, mesmo
assim fiz. Depois do que passei quando Charlotte desapareceu…
— Você a encontrou?
Avancei sobre ele, sem me importar sobre os motivos pelos
quais se sentiu confiante para fazer algo do tipo. Importava apenas
que por causa daquela sua invasão de privacidade, Johnny havia
encontrado a mulher com quem eu queria passar o resto da minha
vida.
— Chame a polícia, Patrício. Miranda está aqui no flat e eu já
faço ideia de com quem.
CAPÍTULO 46

“Quem quer viver um amor


Mas não quer suas marcas, qualquer cicatriz
Ah, ilusão, o amor
Não é risco na areia, desenho de giz”
Desenho de Giz - João Bosco

Seu olhar quente mudava tudo pelo que ele esperava


encontrar naquele quarto. A maneira como reagi a sua
aproximação, rompeu de vez o véu sustentado por Moisés. Aquele
homem que um dia achei tão interessante, com a sua pose Dom,
que sabia como dar prazer a uma mulher, apesar de toda a sua
mente doentia, simplesmente desapareceu quando não recebeu de
mim o meu medo, contudo, ciente da minha falsa submissão.
Moisés não era nenhum tolo, apesar de eu começar a
acreditar que talvez fosse sim, ao maquinar um plano como aquele.
Mas ele não ao ponto de enxergar em mim a sua submissa perfeita.
Daí a sua tara, seu fascínio. Ele gostava do desafio, do meu
desprezo, de precisar ir atrás.
Por isso o desarmei em poucos segundos. Moisés não sabia
como me conquistar. Nunca soube. Aceitei a nossa situação por
curiosidade, por quebrar mais uma vez as regras. Excitava-me a
ideia de ousar me submeter, tudo da melhor maneira possível,
estabelecido por contrato, sem que ultrapassasse meus limites.
E a história da esposa dele, Joana, que nos assistia, também
me atiçou, afinal de contas, era como se estivéssemos em um clube
privado. Até eu entender que não acontecia bem daquele jeito.
Descobrir que eu servia de punição para Joana me chocou.
Claro que não havia tanto pudor em mim para me posicionar como
vítima da história, mas me enojou a ideia de uma mulher admitir
ser punida daquela forma, acatando a obsessão do seu marido por
outra mulher, a mesma com quem ele transou quatro vezes na sua
frente.
Foi ali que entendi que aquele homem era estranho demais
para ganhar espaço em minha tão escondida vida. Cortei Moisés
como quem elimina erva daninha do jardim. E então, o assisti se
desfazer, casca por casca, daquele manto de superioridade, e se
transformar naquele homem obsessivo.
— Então é isso? — perguntei de forma despretensiosa. —
Estamos quebrando as regras, senhor? Vai me tomar sem a minha
permissão e depois me entregar para o seu amigo?
— Ele não vai tocar em você. Eu garanto.
Ri com sarcasmo. Ele não gostou da minha reação.
— Estou cuidando de você, Miranda. A sua história é uma
mentira. Essa família…
— Essa família, amo… — rebati com raiva. — Me salvou de
um pedófilo.
Ele se afastou, sem saber o que fazer com a informação.
Acompanhei seus passos pelo quarto, observando todos os seus
movimentos, tentando encontrar uma brecha. Qualquer brecha.
— Eles mentem para você — disse inseguro.
— Mentem. Mas nunca me violentaram. Nunca me
prenderam a uma cama e me obrigaram a fazer o que eu não queria.
Ele desviou o olhar, estalou os dedos e foi até a pequena
mesa onde meu vestido estava exposto.
— Esse homem… — continuei. — Machucava a minha mãe
e me violentou quando eu tinha apenas seis meses. A minha família
me salvou dele, com mentiras, é verdade, contudo, conseguiram
mantê-lo longe de mim. E agora você o trouxe de volta. O que
pretende com isso, Moisés?
— Eu sou o seu senhor e seu amo — rebateu estalando um
chicote no ar. Rangi os dentes com raiva, mesmo sabendo que
perder o controle não me ajudaria em nada.
— Os amos cuidam das suas submissas.
— Eu estou cuidando de você! — Gritou .
— Aquele homem…
— Não vai encostar em você, Miranda. Tem a minha palavra.
— Então por que o trouxe?
— Para que você entendesse do que sou capaz de fazer por
você — admitiu de cabeça baixa, cansado, talvez… rendido. — Eu
precisava te fazer entender que isso tudo é uma mentira. Eles não te
merecem. Aquela família te obriga a ser quem você não é. Eu sei
quem você é. Eu conheço a verdadeira Miranda. Comigo, não
precisa se esconder. Eu não permitiria. E você seria feliz! Como era
lá no clube.
Puta merda!
— Eu estava lá. Assistia a você. A sua sedução incansável. A
sua entrega tão… Ah, Miranda! Você não tem ideia da sua força.
Não sabe como pode ter todos aos seus pés. Você é… única!
Voltou-se para mim, transtornado. Respirei fundo. Eu
precisava mantê-lo sob controle. Convencê-lo a confiar em mim e
fazer as minhas vontades, nem que para isso precisasse me
submeter.
— Ele vai me machucar — falei com delicadeza, encarando
seus olhos.
— Não vai.
— Posso confiar em você? Mesmo presa a esta cama? Sendo
obrigada a aceitar? Não foi assim que você me ensinou… amo.
Ele me avaliou, desejando meu corpo, entregue às minhas
palavras. Então Moisés, fez o que jamais imaginei que faria. Ele se
ajoelhou entre minhas pernas e beijou meus pés com devoção, as
mãos subindo por minhas coxas, trêmulas, incerto se deveria me
tocar.
— Miranda! — Sussurrou perdido em desejo. — Por que faz
isso comigo?
— Como posso fazer, amo? Eu estou amarrada.
— Você sempre esteve, e isso nunca nos impediu. — Sua
justificativa, em tom de desculpas, me alertou.
— Você tem razão.
— E você gostava.
— Tem razão outra vez.
Suas mãos subiram por minhas coxas, como se tivessem
adquirindo permissão para fazê-lo.
— Não, Moisés! — Fui firme, destemida. Ele recuou.
— Miranda! — Sussurrou em súplica, subindo pelo colchão e
avançando sobre mim. — Por favor!
E foi assim que eu soube que havia virado o jogo. O restante
seria bem fácil.
A cabeça fodida de Moisés desejava apenas reassumir o
controle perdido quando recebeu a minha negativa. Confundia-o
precisar tanto de mim ao ponto de invertermos os papéis. Ele era o
submisso naquele quarto eu e tinha todo o controle em minhas
mãos. Pelo menos enquanto o outro homem suportasse do lado de
fora.
— Por favor? — Seus olhos ficaram submissos quando
deixaram os meus e não se atreveram a subir pelo meu corpo.
— Por que faz isso comigo?
— Nunca fui submissa. — Ele confirmou com um balançar
leve de cabeça. — Você sabe que aceitei por curiosidade. Sou
como você Moisés, gosto do domínio.
— Mas você não pode — rosnou inconformado, revelando
um lado transtornado que eu não conhecia.
— Viu, só? Foi por isso que preferi acabar. Nós somos
idênticos.
— Sim, somos! — falou com emoção, como se minhas
palavras corroborassem as dele. — Eu sou tudo o que você precisa.
No clube… eu via o que você fazia, como agia, o que necessitava.
— Como você pode saber o que eu necessito e não se
importar em me dar?
Continuei puxando conversa, ganhando tempo para que
Patrício chegasse a conclusão que meu sumiço não era normal.
Aquele plano tão cheio de falhas, permitia que não fosse difícil
descobrir meu paradeiro. Eu só esperava que ele chegasse antes que
o pior acontecesse. Eu não precisava de mais traumas.
— Tudo, Miranda! Eu quis te dar tudo! Daria o mundo, o seu
mundo, o nosso! Você não entende? Você seria minha e de quem
desejasse, eu seria seu e de quem mais você dissesse que deveria
ser.
— Controle — afirmei. — Eu quero controle, e isso você
nunca será capaz de me dar.
— Ah, minha bela garota! — Seu rosto roçou meu busto,
testando minha pele, sorvendo o meu cheiro. — Eu daria tudo o
que você quisesse. Tudo!
— Não acredito — determinei sem qualquer emoção.
— Como não? Olha o que eu fiz por você?
— Não é o suficiente.
— E o que você quer?
— Ser a senhora.
Ele levantou os olhos, assustados, porém, repletos de um
desejo que não conseguiu disfarçar. Porra, aquele cara tinha uma
cabeça fodida mesmo.
— Quero ser a sua senhora. — Seus olhos faiscaram. —
Você não queria me dar o mundo, comece me salvando daqui. Tire
aquele homem da minha vida e deixe eu ser quem sou. Dona de
mim mesma. Sua dona.
Ele levantou, andou de um lado para o outro. Excitado.
Assustado. Uma presa fácil.
— Você me teve como quis, Moisés. Deixe-me tê-lo como eu
quero.
— E como você quer?
— Solte-me — ordenei sem precisar alterar a voz.
— Está mentindo para mim, Miranda. Esqueceu que cuspiu
em minha cara? — Sorri de forma sacana.
— Cuspi. Não gosto que me toquem sem minha permissão.
— Ele respirou fundo, impactado.
Como aquele homem sustentava a máscara de dominador,
agindo como um, transando como um, e sendo um idiota completo
naquele quarto? Tive vontade de rir da cara dele.
— Esse plano foi uma idiotice, Moisés. Eles vão me achar.
— Ele hesitou. — As câmeras. — Outra vez o vi sufocar com seus
próprios vacilos.
— Estão desligadas — informou com receio.
— Tem certeza?
— Seu pai tratou desta parte.
— Ele não é meu pai. — Admirei a frieza na minha voz. —
Solte meus pés. — Ele negou, angustiado. — O que acha que vai
acontecer? Pode mesmo confiar naquele homem? O que te garante
que ele não vai te entregar para a polícia e te entregar, assumindo o
papel de meu salvador?
— Ele não faria isso. Eu tenho como provar…
— Você será preso. Acusado de sequestro e estupro.
— Não vou te estuprar!
— Não?
Outra vez observou meu corpo seminu, tão à mostra que
despertava os seus mais profundos desejos. Abri um pouco mais as
pernas, me oferecendo, sem me submeter.
— Não. Vou fazer você me querer. Como fazia quando
estávamos em minha casa, lembra? Eu fazia você me implorar.
Ok! Ele era mesmo doido. E já havia passado da hora de
Patrício aparecer, ou a polícia, ou qualquer pessoa. Que inferno!
— Solte minhas pernas — ordenei mais uma vez.
— Para você se debater e ir embora? Não.
— Para que eu possa te envolver com elas quando você
estiver dentro de mim.
Moisés deteve-se emudecido, me encarando com um desejo
que podia ser percebido além da sua ereção. Todo o seu corpo me
dizia o quanto ele me queria.
— O que eu posso fazer com as mãos amarradas? —
instiguei.
— Eu sei o que você é capaz de fazer, Miranda. — Sorri
ainda mais atrevida e rebolei sobre a cama, com as pernas abertas.
— Não. Você nem faz ideia do que sou capaz de fazer se
minhas pernas estiverem em volta da sua cintura.
Como te esmagar até você desmaiar, seu filho da puta!
Pensei com um sorriso safado nos lábios.
— Solte minhas pernas — repeti. — Antes que eles cheguem
e estraguem o jogo.
— Que jogo? — Sua voz fraca e entregue já me dizia tudo.
— O da garota inocente sendo violentada pelo homem
experiente. — Mordi o lábio inferior e me mexi, dando a entender
estar excitada.
Ele pensou no assunto, mas não por muito tempo. Ainda
vacilante, começou a soltar o primeiro nó. Segurou minha perna,
firme, quando a libertou, me encarando como se quisesse ter
certeza quanto as minhas palavras. Mantive-me quieta, aceitando
seu toque. Moisés então levou meu tornozelo aos lábios e o beijou
com desejo. Senti nojo.
Sem qualquer resistência da minha parte, colocou minha
perna de volta no lugar, onde antes uma corda me amarrava ao pé
da cama, e tratou de liberar a outra. O mesmo processo, a mesma
repulsa. Esperei que ele sentisse confiança.
Moisés levantou, foi até a mesa, retirou a camisa, sempre me
encarando, se certificando de que eu nada aprontaria. Abriu as
calças e quando as tirou, arrastou junto a cueca, exibindo sua
ereção potente. Eu mataria aquele escroto filho da puta. Ele pegou
uma camisinha na mesinha de cabeceira e parou à minha frente,
manipulando o próprio pau, acreditando que me teria.
Então tudo desandou.
Nos meus planos, Moisés me daria a posição exata para
aplicar um golpe e sufocá-lo, utilizando apenas as pernas. Depois,
abusando da minha elasticidade e força, tentaria livrar as mãos, ou
começaria a gritar por socorro.
Mas aquele homem, o que se dizia meu pai, arrombou a porta
com uma porrada que arrancou a fechadura, e entrou no quarto com
uma arma em punho.
— Esgotou o seu tempo, seu merda! — Falou antes de atirar
três vezes contra Moisés, e assisti-lo cair no chão do quarto, sem
vida.
Puta que pariu!
CAPÍTULO 47

“Mexo, remexo na inquisição


Só quem já morreu na fogueira
Sabe o que é ser carvão”
Pagu - Rita Lee

Da minha posição só conseguia ver uma mão de Moisés


estendida no chão e a poça de sangue que começava a se espalhar,
escorrendo até o ponto onde meus olhos alcançavam.
O ar empedrou em meus pulmões. Com o coração acelerado,
eu só me questionava como me permiti flertar tanto com o perigo
até acabar naquele ponto, outra vez, vítima de um louco, obcecado
por mim, pura e simplesmente porque um dia resolvi que seria
divertido ingressar naquele esquema.
Eu fiz tudo errado. Não. Eu mesma era um erro. A minha
existência era um erro.
Enquanto não conseguia deixar de encarar o que seria uma
parte do corpo sem vida de Moisés e o seu sangue, que, por minhas
escolhas erradas, nunca mais sairiam das minhas mãos, minha
mente me acusava de todas as coisas mais absurdas possíveis.
Se eu não tivesse me deixado encantar por Thomas, se não
tivesse escolhido o aborto, se não me permitisse machucar até o
ponto de me distorcer, se não tivesse usado o sexo como
justificativa para as minhas dores, se nunca tivesse colocado os pés
naquele clube, se não tivesse aceitado o convite daquele homem
casado, só por diversão… se não tivesse escolhido mentir o tempo
todo, talvez eu não estivesse ali, vivendo o pior momento da minha
vida.
Não havia como me sentir diferente. Eu menti tanto,
entranhei na alma a necessidade de esconder a verdade, que não
enxerguei a hora certa de jogar a toalha e reconhecer que perdi. Se
eu tivesse feito isso, o padrinho saberia sobre Carlos Antônio antes
que ele tivesse acesso a mim. Quem sabe teria descoberto sobre os
planos de Moisés também, e lógico,, descobriria o motivo daquilo
tudo, as minhas mentiras.
Mas o que era encarar a decepção do homem que me deu
vida e paz, diante de encarar Moisés morto e o meu progenitor com
uma arma, adorando tudo o que havia feito e prestes a fazer um
pouco mais.
Sim, claro.
Encarei Carlos Antônio. Muitos sentimentos se misturavam
dentro de mim. Raiva, medo, mágoa, rancor, asco, mais raiva, mais
medo, decepção, frustração… ansiedade e uma necessidade
pulsante de acabar com aquilo de uma vez por todas.
Ele sorriu, deixando os olhos percorrerem meu corpo
exposto.
— Agora, Antônia…
A maneira como pronunciou meu nome verdadeiro, deixou
claro que desejava me punir de todas as maneiras que encontrasse,
até mesmo com aquele nome que nunca foi meu.
— O papai vai cuidar da garotinha dele.
Ele andou pelo quarto, desviando do corpo do seu cúmplice,
como se ali não estivesse uma pessoa sem vida, a vida que ele
roubou, e parou na minha frente, diante das minhas pernas abertas,
exatamente como Moisés havia deixado. A maneira como ele me
olhava, pela primeira vez na vida, me fez ter vontade de me cobrir,
me envergonhar da exibição, de mim, do meu próprio corpo.
— Pensei que você preferia meninas com menos de um ano
— provoquei. Ele sorriu, perverso.
— Aquilo foi um erro. Um desvio no meio do caminho. E
curiosidade, confesso. Sua mãe não servia para nada. Parecia uma
morta na cama. Sempre cansada, atarefada. A culpa foi dela, você
deve saber.
— Ah, sim, lógico que foi! — Ri com sarcasmo. — É muito
correto justificar um estupro. Principalmente o estupro de uma
incapaz.
— Você não entende nada da vida. Foi criada naquele
castelo, com luxo, dinheiro, tudo e todos à sua disposição. Não
sabe o que é precisar lutar para comer, para ter uma vida decente,
para ser respeitado. Sua mãe provocou a minha… — encurvou a
cabeça, me observando com interesse. — Curiosidade. Mas
olhando você assim, começo a acreditar que estava traçado. Se
tivesse sido criada por mim não teria escapado desta realidade.
Mais cedo ou mais tarde, teria que aceitar o papel de mulher da
casa.
Ele riu, e então passou o cano da arma pela minha coxa,
subindo.
— Gosto de ser bem servido.
Com mais nojo do que imaginei suportar, cuspi em sua cara.
Ele se afastou, achando graça da minha reação.
— E sua mãe teria se enforcado de qualquer forma. Aquela lá
não servia para nada.
Chocada com aquela revelação, não consegui reagir. O
padrinho contou o que minha mãe fez, contudo, escondeu a
maneira como ela escolheu deixar a vida. Enforcada. Meu Deus!
Duas lágrimas desceram com facilidade e não fui capaz de
continuar encarando-o.
— Eu mesmo teria colocado a corda no pescoço dela. A
vadia enchia o meu saco com tantas lamentações.
— Você me estuprou, fugiu, possui uma ordem de restrição
por agressão, me sequestrou e agora matou um homem. Quer
mesmo acrescentar mais um problema para a sua lista?
Ele não gostou da maneira como enumerei seus atos ilícitos.
Suas expressões ficaram duras, aborrecidas, e então me avaliou
outra vez, conferindo meu corpo sem esconder o desejo.
E eu que acreditava que Moisés era doente.
— Primeiro vão ter que me pegar. — Riu com escrotidão. —
Com a grana que arranquei do apaixonadinho aí, sumo de vista
outra vez.
Fiquei calada, articulando, decidindo se havia mesmo aquela
possibilidade.
— Quando o gringo aí conseguiu me localizar, eu já
planejava furar a bolha em que te colocaram e arrancar algum
dinheiro do velho rico que te criou. Ele pagaria para me manter
longe, mas Moisés — desdenhou imitando o sotaque do defunto
caído aos seus pés. — Ah, esse aí tinha um belo plano. Você é bem
servida de homens, não é mesmo? Também, com todo este
material, quem não faria uma loucura por você?
— Bom, você está fazendo. Se o padrinho não mandar te
matar, meu namorado assume a missão. — Pirracei, ganhando
tempo, atraindo-o para o local que eu precisava. Carlos Antônio
colocou um joelho sobre a cama. Eu precisava de mais. Só mais um
pouco.
— Seu namorado? Onde está seu namorado agora?
— Provavelmente em algum lugar aqui do flat.
— Acredita mesmo que aquele otário vai te salvar? Como?
Com visão de raio x? Entrando pela janela e me arrancando de
cima de você? Não seja tão inocente! Príncipes encantados não
existem — escarneceu.
Fechei os olhos e respirei fundo. Patrício com certeza
escalaria o prédio para me salvar. O problema era que eu não podia
esperar mais.
— Há quanto tempo estamos aqui?
— Há mais tempo do que deveríamos — confessou. — O dia
ainda não nasceu. Eu consigo escapar com facilidade.
— Hum! Tenho minhas dúvidas.
Seus olhos se estreitaram e ele demonstrou insegurança.
— Eu desliguei as câmeras.
— Moisés me disse.
— Disse? Você arrancava o que quisesse dele, não é mesmo?
O cara era fascinado por você.
— Digamos que eu sabia como tratar pessoas como ele.
— É? — Seu outro joelho foi para o colchão. Estava quase
lá. — E como é, filhinha? Mostre para o papai.
Respirei fundo para não vomitar. Aquilo tudo era fodido
demais até mesmo para uma cabeça como a minha.
— Como você fazia naquele clube de putaria, hein? —
Roçou a arma em minha coxa outra vez, se inclinando um pouco
em minha direção, mas só um pouco, não como eu queria. — Você
dava a todo mundo, não era, vadia? Como era? Quem quisesse te
comia? Você ficava lá se exibindo para quem quisesse ver? Eu pedi
ao idiota ali para me levar. Você sabe, a curiosidade…
— Ah, sim, a sua curiosidade incansável.
— Exatamente. Eu queria te ver, saber como agia. Você me
daria? Nem saberia que eu era seu pai, não é mesmo? Transaria
comigo de bom gosto sem saber quem eu era, como fazia com
todos aqueles homens.
Novas lágrimas desceram pelo meu rosto. Eu odiava a voz
dele, no entanto, não mais do que as palavras. Porque, apesar de
serem tão escrotas e fodidas, eram verdadeiras. Não que eu me
imaginasse transando com Carlos Antônio. Aquele jeito malandro,
desprovido de cultura e de classe, nunca me atraiu. Só que ele tinha
razão. Naquele clube eu transava e me exibia para pessoas
desconhecidas, pessoas que poderiam ser meus tios, primos,
irmãos. Qualquer um.
E eu senti raiva de mim. Sobretudo de mim, por nunca ter
parado para pensar que ignorar a minha linhagem poderia me gerar
novas feridas, e maiores problemas. Eu, mais uma vez, pagaria o
preço das escolhas erradas. Não apenas as minhas, mas a de minha
mãe por ter escondido de mim a verdade, e do meu pai, por nunca
ter sido um pai de verdade.
Até mesmo meus padrinhos, com a proteção intensificada,
apagando a minha história, possuíam uma parcela de culpa.
E então, alimentada pela ira, focada em acabar com aquela
merda, fiz o que, de forma inconsciente, me preparei a vida toda
para fazer.
— Sim, era o que eu faria — eu disse, incentivando-o.
Vi a hora exata em que despertei o animal dentro daquele
homem. O monstro que ele não fazia qualquer questão de esconder.
— O problema, pai — falei com nojo. — É que eu não sou
mais um bebê.
Sem aguardar pela sua reação, levantei a perna no
movimento certeiro, e com toda força que encontrei, atingi seu
rosto com o meu joelho esquerdo. Carlos Antônio, surpreso, caiu
sobre minha coxa direita. Foi uma porrada rápida, forte o suficiente
para derrubá-lo, mas que não poderia acabar por ali.
Muito ágil, girei sobre meu corpo, unindo minhas pernas em
seu pescoço, prendendo-o com facilidade e apertando sem qualquer
noção de como ou quando deveria parar. Minha mente, dominada
pela raiva, sufocava aquele homem sem medir as consequências.
Eu só queria que ele sumisse, que desaparecesse, que… morresse.
Carlos Antônio se debateu. Arranhou minha pele, socou
minhas coxas, e atirou duas vezes antes de apagar. Com meu
sangue quente e com tantos sentimentos latejando na pele, não
consegui definir onde os tiros foram parar, nem mesmo se haviam
me acertado.
Forcei minha mente a aceitar que havia acabado, e assim,
liberar o corpo desmaiado, ou morto, do homem que se
assemelhava mais a um animal, e que havia me gerado. Rolei para
o lado, os braços unidos e presos sobre a cabeça, começando a doer
devido a manobra.
— Eu nunca precisei de um príncipe encantado — murmurei
para o quarto silencioso. Novas lágrimas caindo, quase me
sufocando. — Sempre precisei de mim mesma e apenas de mim.
Então, com um estrondo ouvi a porta ser arrombada, passos,
vozes, e uma se sobressaindo.
— Miranda!
Patrício gritou, e eu, enfim, sorri.
CAPÍTULO 48

“Eu preciso te tocar


E outra vez te ver sorrindo
E voltar num sonho lindo...”
Dia de Domingo - Gal Costa

Sacudi as mãos, espirrando água por toda parte, e me olhei no


espelho. Levei mais tempo naquele banho do que o normal. A
sensação ruim e estranha me sufocava. Não consegui chorar, mas
meu corpo inteiro agia como se eu o fizesse. Espasmos me
sacudiram, a angústia, a dor, o desespero, me dobrando até que não
suportei e me deitei no chão, esquecendo de mim e do tempo.
Naquele instante, fui apenas dor, e não há como descrever
algo assim.
Quando Johnny e Patrício entraram no quarto, junto com dois
policiais, fechei os olhos e só voltei a abri-los quando meu
namorado me cobriu e me tirou daquela cama. Meus pulsos ardiam
e os músculos das minhas coxas protestavam.
— Está tudo bem, Morena! Vai ficar tudo bem. — Patrício
repetia e repetia, como se estivesse tão abalado que não conseguia
falar nada além disso.
Fui levada para o meu apartamento. Alguém entregou um
roupão tão logo ele me sentou no sofá. Aceitei que o lençol que me
envolvia fosse retirado e depois que meu namorado me vestisse
outra vez. Deitei no sofá e aguardei pelas perguntas que seriam
repetidas até eu não suportar mais.
— Miranda? — Johnny falou bem perto de mim, a voz cheia
de preocupação. Abri os olhos e encarei meu irmão.
— Eu o matei? — ele piscou confuso. — Carlos Antônio. Eu
o matei?
— Ah, não. Pelo menos não ainda. Os policiais conferiram os
sinais vitais dele e do outro cara.
— Moisés — gemi desgostosa. — Carlos Antônio o matou.
— Que merda, hein? — acariciou meu cabelo com cuidado, a
voz cheia de consternação. — E o que… — Vi quando meu irmão
hesitou, o medo de ouvir o que não queria, fazendo-o se calar.
— Moisés foi morto quando começava me desamarrar.
Carlos Antônio recebeu o que merecia. Aqueles dois conseguiram
fazer o plano mais imbecil que já vi na vida — resmunguei. Johnny
riu sem muita vontade.
— Devo concordar com você. Um plano cheio de falhas, mas
perigoso. Ouvimos tiros.
— O babaca tentou me matar enquanto eu o sufocava com as
coxas.
— Bom… pegaram a garota errada. — Meu irmão ainda sem
graça, deu dois tapinhas nas costas de Patrício. — O padrinho está
vindo para o Brasil.
— Ele sabe? Quem contou? — Tentei levantar e me senti
fraca o suficiente para recuar. — Droga! E Charlotte?
— O padrinho entrou no avião antes de te encontrarmos. Pelo
que entendi, seu… aquele cara, telefonou pedindo dinheiro para
ficar longe de você.
— Que horas são?
— O dia já está amanhecendo — Patrício falou, abalado. —
Eles ficaram muito tempo com você.
Procurei por sua mão e assim que a encontrei, nossos dedos
se entrelaçaram. Então enxerguei seus olhos úmidos e entendi todo
o seu desespero.
— Não aconteceu nada — sussurrei.
— Não minta pra mim, por favor!
— Eu não mentiria. Confie em mim.
— Aquele cara… ele estava… ele morreu sem roupas.
— Carlos Antônio o matou antes.
Meu namorado soltou o ar dos pulmões de maneira cansada,
e então coçou os olhos, para espantar as lágrimas.
— Você não chegava. Comecei a desconfiar que alguma
coisa estava errada. Falei com Johnny e… Por Deus, Morena! Eu já
estava enlouquecendo. Você não tinha saído do flat, o táxi cancelou
a corrida, as câmeras estavam desligadas. Chamamos a polícia.
Queríamos bater de porta em porta, mas eles insistiam ser errado.
Perdemos muito tempo nessa loucura até que Johnny reconheceu a
imagem de Moisés, na filmagem de dois dias atrás. Ele alugou o
apartamento, só não sabemos como o seu pai entrou.
— Ele não é meu pai — rebati com raiva.
— Que seja! Quando Johnny o reconheceu como o cara que
te abordou e criou confusão na Inglaterra... — acusou, me olhando
feio por ter escondido dele aquela verdade. — Eu o reconheci
como o seu perseguidor aqui no Brasil. Foi só por isso que
conseguimos convencer a polícia. Então tínhamos tudo: o cara, o
apartamento, mas deu tudo errado.
— Como assim?
— Ah, não sei, gata! O apartamento que te encontramos, não
foi o que ele alugou. Só conseguimos chegar até você porque
ouvimos os tiros.
— Puta merda! — resmunguei.
— Puta merda! — Ele ecoou meus sentimentos.
— Preciso de um banho — anunciei.
— A polícia vai querer falar com você. Não sei como o
padrinho vai reagir a tudo isso e de que forma vamos abafar o
escândalo, mas… — Johnny suspirou cansado, olhando para a
porta aberta do nosso apartamento. — Precisamos abafar.
E eu entendi, em seus olhos, o quanto aquela família ainda
precisava dos segredos para seguir em paz. Cheguei a me
questionar, mesmo com os pensamentos confusos, com tantos
sentimentos obtendo forças em mim e exaurindo meu corpo, se
deveríamos mesmo esconder o que ocorreu. Afinal de contas, um
homem foi morto, e o outro… o outro não merecia ser devolvido à
sociedade.
Ainda assim, me questionei se matar Carlos Antônio me
causaria mais alívio ou dor. Se eu gostaria de ter aquele peso
adicionado em minha vida. E não consegui chegar a uma definição.
Voltei a fechar os olhos desejando só apagar, esquecer, dormir o
suficiente para que o tempo passasse e minha mente, mais uma vez,
como sempre fazia, se enganasse ao ponto de não lembrar mais
daquelas palavras, nem carregasse a culpa das minhas escolhas.
— Os paramédicos estão aí — meu irmão anunciou.
— Eu estou bem.
— Seus pulsos, Morena — Patrício avisou, sem conseguir
finalizar a frase.
Encarei meus pulsos, enxergando pela primeira vez o estrago
daquele plano absurdo que custou a vida do Moisés. Pensei em
todas as vezes que permiti que me amarrasse, alegando que não me
machucaria. Aquelas marcas eram a prova de que Moisés seria
capaz de ir além, tudo em nome da obsessão que desenvolveu por
mim.
E, culpada, pensei em Joana. Como ela receberia a notícia?
Como se comportaria? Ela me culparia? Sentiria alívio ou dor?
— Miranda? — Johnny chamou a minha atenção.
Dois homens de branco aguardavam a minha autorização
para iniciar a inspeção. Enquanto um verificava meus machucados
e relatava, o outro anotava. Olhei para Johnny, que negou de forma
discreta com a cabeça. Eu sabia o que aconteceria, aquele arquivo
desapareceria, a história seria modificada, e no final de tudo, as
pessoas saberiam apenas que um homem matou outro dentro de
flat. Era capaz até mesmo de noticiarem como turismo sexual, uma
vez que Moisés era estrangeiro.
Inacreditável, mas… tudo aquilo era inacreditável demais
para ser contabilizado.
Incapaz de reagir, deixei que limpassem minhas feridas,
engolindo o ardor. Observei meu irmão cuidar da polícia, ouvi
quando informou que nossos advogados cuidariam do caso, porém,
me mantive distante, longe de tudo, sem qualquer vontade de
seguir naquela história.
E então, quando enfim me liberaram, subi para meu quarto e
me tranquei no banheiro. A mulher que encarei naquele espelho
não era eu. Ou era a Miranda que há muito eu não via. A garota de
quinze anos, assustada, chorosa, desesperada, me encarava de
volta, implorando para não ser trazida a vida, para que eu não
permitisse o seu retorno.
— O que posso fazer? — sussurrei levando as mãos aos
lábios. — Como posso te impedir de voltar se tudo o que sinto é…
medo? — A última palavra saiu tão baixo e tão sem força que
cheguei a me questionar se eu tinha de fato falado em voz alta.
Recuei de imediato, sem coragem de continuar olhando-a, me
sentindo horrível, pouco… nada. As palavras dele ecoavam em
minha mente e eu só conseguia pensar, desesperada, em encontrar
uma forma de esquecê-las.
Abri a porta do banheiro quando as paredes começaram a se
fechar sobre mim. O ar faltava, a visão escurecia me roubando o
equilíbrio.
— Miranda? — Ouvi Patrício e outra pessoa chamar por
mim. Olhei desesperada na direção da outra voz, identificando nela
o meu suporte.
— Padrinho! — choraminguei indo para os seus braços.
— Filha!
— Padrinho, me ajude! — implorei com o choro chegando
com força.
— Miranda? — Ele tentou me afastar, sem sucesso.
— Me ajude! — Repeti.
— Eu estou aqui, filha! Eu estou aqui! — Ele me envolvendo
em seus braços. — O que quer que eu faça?
— Eu quero dormir — pedi chorando. — Por favor,
padrinho! Eu quero dormir. Só me faça dormir.
— Meu Deus, Miranda! O quê… — Patrício tentou, mas o
padrinho o impediu.
— Fique calma. Eu vou ajudar você.
E foi assim que, deitada em minha cama, fui induzida ao
sono, conseguindo chegar a um lugar tão profundo que sequer me
permitia sonhar, e lá, só lá, encontrei a paz.

Acordei com o corpo todo dolorido, a boca ressecada e sem


entender direito onde estava. Durante breves segundos minha
mente me protegeu, apagando as lembranças, jogando-as para um
lugar distante, apenas incômodo, contudo, difuso.
Sentei na cama, o quarto todo escuro, sem saber se era dia ou
noite. Sequer sabia por quanto tempo dormi. Outra vez a boca seca
me incomodou. Ainda tonta, decidi levantar para buscar um pouco
de água e foi quando o vi.
Patrício, sentado em minha poltrona, os cotovelos nos
joelhos, as mãos em frente a boca, unidas, me analisava com
cuidado. Apesar da escuridão, eu podia ver seus olhos cansados,
fixos em mim, e a rigidez dos seus ombros. Foi quando as
lembranças me engoliram com toda a sua força.
Puxei o ar, me permitindo impactar e voltei a deitar na cama,
buscando o seu apoio. Ele percebeu, mas não se moveu. Não sei
dizer se foi melhor assim, ou se seu afastamento me deixava ainda
pior, de qualquer forma agradeci por ter aquele tempo para pensar
em mim. Para decidir no que me transformaria dali para frente.
Porque eu precisava ser alguém. Se não a Miranda forte e
independente, capaz de se virar sozinha, dona dos seus próprios
passos, também não poderia voltar a ser a garota que me encarava
no espelho, a de quinze anos assustada demais, corroída pela culpa
e pela dor.
Não. Não havia qualquer possibilidade de voltar a ser
qualquer uma delas. No entanto, quem eu seria?
Não conseguia dizer.
— Está se sentindo bem? — A voz dele ecoou no quarto.
Não alta, forte o suficiente para me fazer estremecer. Meu Deus!
Era só o meu namorado, o homem que eu amava, então por que o
medo?
— Sinto sede — avisei, sem coragem de encará-lo.
— Vou buscar um pouco de água. — Ele levantou, hesitante,
sem saber com agir comigo.
Era tão estranho!
— Que horas são?
— Vai amanhecer a qualquer momento.
— Amanhecer? Então…
— Seu padrinho fez questão de cumprir com a palavra dele.
Ele fez você esquecer, nem que fosse por apenas vinte e quatro
horas.
Outra vez aquele aperto em meu coração ameaçava roubar
meu ar. Eu não suportaria por mais muito tempo. Precisava
encontrar uma maneira de erguer meus muros, de me firmar
naquele mundo, o qual eu não entendia se ainda pertencia.
Necessitava me agarrar em alguma coisa, qualquer coisa que me
ajudasse a não enlouquecer.
— Você… — pigarreei para forçar as palavras pela garganta
seca. — Você ficou aqui este tempo todo?
Com um suspiro Patrício se rendeu, e sentou ao meu lado na
cama. Meu primeiro instinto foi de recuar, mas consegui apenas me
encolher. Não era justo. Moisés e Carlos Antônio não podiam
roubar o que eu construí com aquele garoto lindo que buscava em
mim qualquer resposta que lhe causasse alívio.
— O que aconteceu? — Ele falou tão baixo que me perguntei
se havia ouvido mesmo a sua pergunta ou se fora apenas uma
lembrança da conversa passada. — Morena, eu preciso…
— Eles não tocaram em mim. — Tentei ser o mais firme
possível, passar para ele a minha verdade.
Nenhum daqueles dois homens doentes, colocaram as mãos
em mim. Essa era a verdade e eu não a esconderia de nenhuma das
pessoas que eu amava. No entanto havia algo mais forte do que o
toque, com um poder de destruição muito mais massivo: a palavra.
De todos os ensinamentos bíblicos que tive, nas tentativas
dos padrinhos de me tornarem uma boa cristã, poucos serviram
para situar na vida que não fosse a caridade. A vida que eu levava
não me permitia acreditar nas palavras da Bíblia com a fé fervorosa
que meus instrutores demonstravam ter.
Entretanto, diante de tudo o que as últimas horas me
ensinaram, era a veracidade do que continha aquele livro sagrado.
A Bíblia dizia que no princípio era o verbo, e que Deus fez o
mundo, a vida, o universo, tudo, com a palavra. Porque eles
conheciam a verdade, e esta era única. A palavra possuía mais
força do que um exército. E foi com ela que meu… aquele homem,
conseguiu me desconstruir.
Moisés e Carlos Antônio, cada um da sua forma, me
machucaram mais do que conseguiriam se tivessem me estuprado
de fato.
Moisés com a sua obsessão, conseguiu destruir o que construí
como vida e defendi como saudável. Ele me fez temer o flerte, a
ousadia, a capacidade de me aventurar sem a segurança de um
clube. Já Carlos Antônio, esse sim me destruiu de verdade, porque
ele me fez ver que nem as paredes seguras de um clube, os acordos
que precisavam ser respeitados, seriam seguros o suficiente para
me manter longe de algo ainda pior. Do meu sangue, da minha
herança genética.
E pensar nisso me abalava de uma forma inenarrável. Foram
revelações que me destruíram, partiram em diversos pedaços e
espalharam pelo vento. Aquela Miranda acabou, morreu naquele
quarto, e a sua morte ainda era um vazio difícil de ser entendido,
aceito ou superado. Ela se foi e eu não tinha nada para colocar em
seu lugar.
— Você ficou muito abalada — ele disse com a voz ainda
embargada.
— Porque foi difícil, Patrício. — Mantive minha voz estável,
sem emoção, engolindo todo o meu medo e desespero. — E eu não
queria mais pensar no assunto.
— Nós não podemos agir assim, Miranda. Não podemos
fingir que nada aconteceu!
— E eu nem conseguiria — revelei. — Só não posso… não
posso fazer isso agora. Por favor!
Ele concordou sem estar de fato de acordo. Ainda assim
respeitou meu momento e eu me senti grata.
— Vou buscar a sua água e alguma coisa para você comer.
— Não! — Forcei o corpo para cima. — Acho que já é hora
de eu sair desta cama.
“E recomeçar”, pensei. Porque mesmo não fazendo qualquer
ideia de quem eu seria dali para frente, havia em mim a certeza de
que eu jamais seria a garota frágil que deitaria em uma cama e
choraria enquanto o mundo seguia o seu curso. Eu precisava ser
alguém, e era hora de me reencontrar.
CAPÍTULO 49

“Cadê aquela garota


Que contagiava o mundo ao seu redor?
Aonde foi parar a sua vontade de sonhar
E dar pra vida o seu melhor?.”
Dia de Domingo - Gal Costa

Eu disse a Patrício que precisava de um tempo, ainda assim,


nenhum espaço de tempo fora estipulado. Fizemos como sempre
fazíamos, deixando que cada coisa se ajustasse em seu ritmo.
O padrinho fez o seu papel e abusou da sua influência, mais
uma vez, para limpar a minha ficha. Depois que ele chegou, aquela
história ganhou uma nova versão. Um criminoso, atraído pelo
dinheiro do turista, matou e tentou roubar, mas fora flagrado pela
polícia no instante em que tentava fugir. Ele reagiu a prisão e
precisou ser contido, daí o seu estado de saúde que exigia cuidados,
pois passara muito tempo sem conseguir respirar.
O seu destino? Certamente a prisão. Entretanto o padrinho
também cuidaria para que ele não precisasse ter um julgamento
justo. Esta parte não foi dita por ninguém. Peter era um homem
bom, correto e honesto, e continuaria sendo, mesmo que precisasse
varrer algumas sujeiras para debaixo do tapete. Porém, mesmo
ouvindo sempre a sua resposta habitual, de que eu não precisava
me preocupar com nada, eu tinha certeza que seria assim, tanto
quanto tinha de que aquele homem nunca mais chegaria perto de
mim.
E, pela primeira vez, não me incomodei por saber que Peter
Middleton, novamente, escrevia outra história para mim. Nesta eu
continuava feliz, completa e segura. Nada de mal me alcançava. O
meu próprio mundo cor de rosa, envolto por uma redoma, mesmo
que cheia de rachaduras e imperfeições. E eu me senti feliz em
saber que havia aquele refúgio para mim, aquela vida a qual ele se
esforçava para tornar real. Aliviava um pouco a dor que eu sabia,
nunca passaria por completo.
Mais uma para a coleção.
Ele também respeitou o meu tempo. Aceitou quando me
calei, sem querer compartilhar aquelas palavras que ecoavam em
minha mente. Bastava que elas gritassem dentro de mim. Ninguém
mais precisava sofrer por aquilo.
Outro ponto que não modificou: Charlotte nada soube além
da assustadora história de um homem ter sido assassinado dentro
do flat onde morávamos. Concordamos por unanimidade, que não
era a hora de preocupar minha irmã com mais problemas.
Com o nascimento do filho de Alex, ela ficou mais sensível,
e arredia também. Havia se aproximado mais de Thomas, o que não
me agradava nem um pouco, e anunciara que precisava viver a
vida. O que isso queria dizer? Eu não fazia ideia.
Mas quase cinco meses se passaram como se eu tivesse
apenas piscado os olhos. Foi como se eu tivesse descido do meu
quarto para a sala e, de repente, me desse conta de que encarava o
computador, no escritório montado para mim, no apartamento que
passei a compartilhar com meu namorado.
Não houve pressão de ninguém, muito menos qualquer
cobrança do padrinho. Entendemos, de maneira muda, que eu não
deveria ficar sozinha no flat. Não por falta de segurança, muito
menos por acreditar que Patrício ou qualquer outra pessoa poderia
fazer mais por mim do que eu mesma. Aconteceu porque sozinha
compreendi que não suportava mais ficar ali.
Aquele apartamento passou a me atordoar. Antes ele era
tudo, o meu lar, meu lugar sagrado, meu altar. Havia Charlotte e
toda a sua alegria ingênua, o Johnny e sua mania de assaltar a nossa
geladeira, o padrinho e a sua autoridade e a madrinha.
E tudo mudou. Charlotte foi embora e não havia uma maneira
de enxergar alegria em minha irmã. Johnny fora obrigado a crescer
e passou a trabalhar tanto que mal aparecia por lá. A madrinha se
foi e não havia como tirá-la de cada detalhe daquele lugar. E o
padrinho… bom, o padrinho continuaria sendo o mesmo Peter de
sempre, só que não era nada justo obrigá-lo a se dividir entre cuidar
de mim e de Charlotte, quando nos mantinha-mos afastadas por um
oceano.
Por isso ficar ali, sozinha, era reviver todos os meus
fantasmas. Era relembrar cada dor sem nunca conseguir sair dela.
Então aos poucos fui me mudando sem sequer perceber que era
isso o que eu fazia.
Patrício não contestou, pelo contrário. Apesar de precisarmos
conviver com aquele elefante branco no meio da sala, nossos dias
eram bons e tranquilos. Ele não me obrigava a falar, não
pressionava, mesmo percebendo que eu ainda não havia retomado
o meu estado normal. A maior prova disso foi a entrega da outra
cobertura, na qual eu sequer coloquei os meus pés.
E eu? Bom… eu trabalhei. Cansada de buscar pelas respostas
que não encontraria, foquei minha energia no trabalho. A carreira
de Charlotte decolava, muitas pessoas me procuravam para
agenciá-las, Márcia não parava de me passar compromissos e assim
eu fui levada sem sequer sentir passar o tempo.
E então, com uma batida leve na porta que já estava aberta,
Patrício apareceu, recostando-se nela, e me encarando com aquele
ocre no olhar que tantas vezes tinha tirado a minha paz, e o sorriso
com covinhas que eu amava. Encarei meu namorado, enrolando a
gravata na mão, a camisa semi aberta, o ar cansado.
— Vai demorar muito aí?
— Não.
Pisquei, tentando ignorar a sensação de que mais uma vez o
tempo havia me engolido. Olhei para a tela do computador
verificando o horário. Tarde demais para quem havia entrado
naquele escritório poucos minutos depois de me despedir dele para
o seu dia de trabalho.
— Só estou verificando o texto novo de Charlotte.
— Ela voltou a escrever? — Perguntou com interesse.
— Precisa. Vendemos a ideia como uma trilogia e a história
tem que ter um final. — Ele concordou me analisando com
atenção.
— E está bom? — Mordi as bochechas por dentro da boca e
voltei minha atenção ao texto.
— Sombrio, mas… bom. Muito bom. — Ele me presenteou
outra vez com aquele sorriso espetacular.
— Tudo bem! Vou tomar um banho. Não esqueceu que
vamos jantar com Lana hoje, não foi mesmo?
Ah, droga!
Fiz uma careta!
— Miranda!
— Desculpe! Tenho trabalhado tanto!
Patrício entrou no escritório, jogou a gravata sobre a cadeira
mais próxima, espalmou as mãos na minha mesa e se inclinou na
minha direção.
— Mais do que precisa — ele disse.
— Exatamente conforme o meu compromisso. Não tente se
intrometer no meu trabalho. — Eu me afastei, empurrando a
cadeira um pouco para trás, evitando que seus lábios alcançassem
os meus. Cruzei as pernas e os braços, encarando-o em desafio. Ele
riu, balançando a cabeça.
— Lana fez esse jantar por sua causa — acusou.
— E eu não estou dizendo que não vou, apenas que esqueci
deste compromisso.
— Tudo bem, Morena. — Patrício fez a volta na mesa e
andou em minha direção, me fazendo continuar recuando. — Você
viaja amanhã — falou com a voz séria.
— Já conversamos sobre isso. São as festas! Eu preciso estar
com a minha família e…
Ele me calou ao se inclinar e beijar meus lábios. Um beijo
leve, carinhoso, do tipo que me desarmava.
Nos últimos tempos era assim que acontecia. Não vou dizer
que minha vida sexual foi seriamente abalada com o meu
sequestro. Bom… foi, porém, não de forma tão absurda. Eu só não
me sentia mais à vontade para dar continuidade aos planos.
Frustrava Patrício, reconhecia, contudo não dava para fingir que
nada havia acontecido e encarar pessoas estranhas destinadas a
transar. Não depois do que Carlos Antônio me disse.
Eu não podia. Não conseguia.
Então, me dediquei a fazer valer a pena sendo apenas nós
dois, como sempre foi. E era bom. Nós nos curtíamos muito para
que uma relação tradicional nos afetasse. E, convenhamos, nunca
foi diferente, apenas nos vestíamos de sonhos e possibilidades, o
que apimentava o namoro.
Ainda assim, não haver mais a possibilidade de manter a
ideia, a minha recusa em dar seguimento ao plano, frustrava meu
namorado. Algumas vezes o peguei encarando a passagem secreta,
perdido em pensamentos. E em outras, o encontrei voltando da
dispensa, mesmo sem ter o que fazer por lá. Um indício de que
Patrício ia até a outra cobertura. O por quê? Eu nunca perguntei.
Como eu disse: a vida passava por cima de mim sem me
deixar perceber, e assim as oportunidades passavam, os momentos
se perdiam, as horas voavam e eu só me sentia viva em dois
lugares, naquele escritório e nos braços do meu namorado.
Mas aquele beijo antes carinhoso e delicado, ganhou
propriedade sem que eu me desse conta. Muito rápido fui envolvida
em seus braços, carregada para o seu colo e depositada sobre a
mesa.
— Patrício… — protestei, sem nem entender porque o fazia.
— Vamos nos atrasar. — Meu namorado se afastou, me dando
espaço e sentando na cadeira a qual antes eu ocupava.
— Certo, gata! Precisamos conversar.
Ah, droga! Fiz o máximo de esforço para não parecer tão
desesperada para não ter aquela conversa. Começava a reconsiderar
a ideia de transarmos, só para que o assunto não fosse trazido à
tona.
— Seu advogado te procurou? — ele quis saber.
— Hum! Não. Por quê?
— Seu pai será julgado no início do ano.
— Eu já disse que ele não é meu pai. — Levantei da mesa,
irritada demais para continuar ali.
— Que seja, Miranda. Peter está preocupado.
— Por que? Existe alguma possibilidade de ele não pegar
pena máxima?
— Pelo que entendi, não, mas isso aqui é Brasil e para tudo
existe um jeitinho, não é mesmo?
— Devo me preocupar? — Olhei assustada para o meu
namorado, sentindo meu estômago embrulhar.
Durante todo aquele tempo me ocupei em não pensar naquele
homem. Fiz o máximo que pude para que seu processo, a
investigação, nada além das suas palavras me abalassem. Naquele
momento, sabendo que um dia da minha vida, poderia haver a
possibilidade de tê-lo livre outra vez, me impedia de respirar.
— Gata, não quero que fique aborrecida comigo, mas… —
Patrício levantou. Com as mãos nos bolsos da sua calça social,
caminhou em minha direção. — Talvez seja a hora de procurar
ajuda.
— Você fala de seguranças? — Patrício engoliu com
dificuldade quando me encarou.
— Eu falo de psicólogo.
— Patrício…
— Porra, Miranda! Não precisamos continuar fingindo que
está tudo bem, certo?
— Não está! Eu sei que não está, mas…
— Se você não quer conversar comigo, se não sente vontade
de falar com as pessoas mais próximas de você, então por que não
tentamos…
— Me dê um tempo, tá?
— Mais?
— Eu só estou… abalada.
— Você se fechou como uma ostra, Miranda! Por que vamos
continuar desta forma?
— Você quer… você vai… — A ideia me abalou de uma
forma que eu não conseguia formular.
— Não — ele disse com cuidado. — Mas não posso mais
ficar impassível vendo você se desconstruir.
— Eu não estou me desconstruindo — ri sem vontade,
tentando banalizar as verdades que ele jogava em minha cara. —
Eu só estou… cansada.
— Cansada?
— É. Cansada!
— Você sequer entrou na outra cobertura. Quando sugeri que
fôssemos até lá, pensei que você teria um AVC.
— Ainda não estou pronta.
— Para o quê? Para transar? Porque se vai me dizer que o
problema é transar eu jogo a toalha.
— Patrício!
— Nos últimos meses nós só transamos, Miranda. Então o
problema não é sexo.
— O problema não é sexo com você — revelei, abalada
demais para guardar para mim aquelas palavras. — Eu não estou
pronta para… — engoli com dificuldade, buscando coragem para
continuar e morrendo de medo de ir além do que eu suportava. —
Para iniciarmos o clube.
— Tudo bem. — Ele disse ainda sem me entender. — Mas
aquele apartamento não foi construído com a única finalidade de
termos convidados, não foi mesmo? Tudo o que fizemos ali dentro
foi para nós dois.
— Eu sei. Eu só… preciso de um tempo. Por favor!
— Você vai embora amanhã — acusou, cansado.
— Mas eu vou voltar.
— Vai mesmo?
— Você ainda tem dúvidas? — Ele mordeu o lábio inferior e
cruzou os braços na frente do corpo.
— É que nos últimos meses não sei o que esperar de você.
Vivo esperando que surte, que enlouqueça de vez, que coloque para
fora o que está te matando por dentro. Às vezes eu volto para casa
com medo de que você tenha ido embora por não suportar. E às
vezes… eu penso que isso tudo… — Abriu os braços. — É pouco
demais para você.
— Por que você pensa assim? Eu estou aqui. Estou aqui
todos os dias! O que mais quer de mim?
— Eu quero que você fale — rebateu já sabendo que era um
caso perdido. — Apenas fale, Miranda. É só o que tenho esperado.
Desanimado, meu namorado se afastou. E eu enxerguei, pela
primeira vez desde aquele fatídico sequestro, o tamanho do muro
que ergui entre nós. E entendi que o construí tão alto, que não sabia
se conseguiria ultrapassá-lo.
CAPÍTULO 50

“O que é que há?


O que é que tá me faltando pra que eu te conheça melhor?
Pra que eu te receba sem choque
Pra que eu te perceba no toque das mãos
O teu coração”
O que é que há - Fábio Jr

— Você vai precisar segurar esta.


Lana me passou uma das gêmeas, Catarina, eu acho, já que
não conseguia perceber qualquer diferença entre as meninas, apesar
de todos dizerem que eram nítidas. Eu olhava para as duas,
rechonchudas, roupas iguais de cores diferentes, laço na cabeça
mesmo com pouco cabelo e babando sem parar, e via apenas uma
coisa: frágil, estranho e… aterrorizante.
Ela me entregou a garota sem aguardar pela minha permissão
e correu para verificar porque a outra filha chorava no colo do
marido. Segurei a criança encarando-a com a certeza de que algo
estranho aconteceria. Ela vomitaria em mim, afinal de contas,
crianças vomitam. Não. Ela grudaria em meu cabelo e o levaria a
boca me deixando desesperada, pois segurando-a com uma
necessidade vital de utilizar as duas mãos, não haveria como
impedi-la.
Mas a menina olhou para mim com aquela carinha estranha e
parecia hipnotizada com o meu rosto. Encarei a bebê sem saber o
que fazer, ou dizer, se é que dizer alguma coisa fosse de fato
natural. Eu não entendia como as pessoas conseguiam balbuciar
palavras incoerentes e fazer barulhos com a boca sem ficarem
constrangidas. Aquilo era… ridículo.
Isso. Ridículo!
Foi exatamente o que achei quando cheguei àquele
apartamento tão repleto de boas lembranças, onde dormi pela
primeira vez com o meu namorado, sem saber que se tratava da
casa da sua irmã e que ele abusava da boa vontade do cunhado, e
dei de cara com um Alex diferente, sorrindo e brincando com uma
criança que o encarava de uma maneira que valeria a legenda: esse
cara é idiota?
Mesmo assim ele brincava e fazia barulhos ridículos com a
boca, me deixando atordoada. E o pior de tudo era que todos ali
pareciam achar o máximo um adulto, editor de uma editora
conceituada, homem feito, agir como um retardado.
A cena ficava completa com Anita ao seu lado, rodeando
Alex e o menino como se fossem um casal feliz. Quando perguntei
o motivo da sua presença, Patrício sussurrou em meu ouvido, quase
que como uma advertência, que Alex precisava de ajuda com o
filho, então era melhor eu relaxar.
Relaxar. Urgh! Como se fosse possível ficar ali assistindo
aquela… aquela vaca, se apossar de tudo o que a prima deixou para
trás e que deveria ser da minha irmã. Não. Não havia como relaxar.
Então desviei o caminho e preferi ficar do outro lado da sala.
E foi assim que acabei com uma criança no colo.
Eu nunca criticaria Lana. Não mesmo! Ela era a mãe, então
contava a seu favor as noites mal-dormidas, tudo o que precisou
colocar em segundo plano e que, certamente, afetava a sua área
cognitiva. Por isso as reações contraditórias, ora estressada e ora
amorosa a um ponto que quase me fazia vomitar arco íris.
E isso não era normal.
Então eu fiquei ali, balançando bem devagar, a menina que
me encarava, encantada, verificando cada detalhe do seu rosto oval,
do seu cabelo ralo, da boca tão… nossa! Era pequena e linda.
Havia algo doce naquela criança que eu não sabia se embrulhava
meu estômago por me enjoar ou por me deixar… fascinada?
— Ela gostou de você!
Aline se aproximou com cuidado, sem fazer muito barulho.
Sim, lógico que Aline seria convidada para aquela celebração
quase natalina. Ela e a esposa também tinham uma criança pequena
e planejavam deixar o país antes do filho delas chegar em idade
escolar. Por enquanto, conforme suas palavras, elas aproveitavam o
Brasil como podiam.
— Não tenho tanta certeza se me olhar desta forma seja uma
maneira adequada de demonstrar gostar de mim — falei, cheia de
receios. — Alguém precisa ensinar a esta menina que encarar é
falta de educação! — E me assustei com o meu tom carinhoso.
Não. Não havia nada de maternal em mim.
Nada!
— Venha, é melhor você me passar ela ou eu vou começar
acreditar que em poucos minutos você vai sair gritando e chorando
por aí.
Ela tirou a menina dos meus braços com a maior
naturalidade, sem medo de deixá-la cair ou quebrá-la ao meio.
Aline, apesar de tudo, era bastante maternal, o que me chocava um
pouco. Toda a imagem que eu tinha daquela mulher estava ligada a
algo sexual.
— E aí? Patrício me disse que os convites estão suspensos
por enquanto. — Seu tom natural, enquanto embalava a criança,
como se conversássemos sobre a melhor hora para cada mamad,
me deixou perturbada.
Olhei para os lados, conferindo se as pessoas estavam
prestando atenção. Patrício continuava falando com o pai, Lana e
João tentavam fazer a outra gêmea parar de chorar, Alex e a vaca
continuavam agindo como dois retardados. Aff! E em um canto,
um pouco fora do contexto, Sayuri, esposa de Aline, conversava
com Dana enquanto o filho dormia no carrinho. Voltei minha
atenção para a mulher a minha frente, embalando a criança e
aguardando por alguma resposta.
— Por enquanto — foi só o que consegui dizer.
Um garçom passou e eu aceitei o vinho oferecido, me
agarrando a este como se fosse a minha salvação. Aline não era o
tipo de mulher que passava despercebida. Ela era linda, sensual,
instigante e interessante, além de despertar a minha curiosidade, e,
como não podia deixar de ser, do meu namorado.
Ainda assim, eu continuava me recusando a aceitá-la.
Resistindo não apenas pelos motivos antigos, apesar de estes ainda
serem mais fortes do que os novos. Como seria encarar Sayuri
depois de convidar a esposa dela para um encontro triplo? E como
conseguiríamos reagir depois disso em um jantar de família?
Não havia como equilibrar aqueles dois pontos.
Sem contar que eu ainda não estava preparada. Não podia
abrir as portas daquela cobertura e seguir com a vida como se as
palavras daquele homem não tivessem qualquer peso. Não. Eu
ainda olhava para todas as pessoas na rua e me perguntava se havia
qualquer possibilidade de um deles ter algum vínculo sanguíneo
comigo.
Patrício, com a sua maneira única de me amar, rompia as
minhas barreiras. No entanto, aquele passo ainda precisaria ser
conquistado.
E eu partiria na manhã seguinte, então não precisaria pensar
no assunto por alguns dias.
— Uma pena — ela disse sem qualquer receio.
— Aline, como funciona isso para a sua esposa?
— Para a Sayuri? — ela olhou na direção em que a esposa
estava, cuidando do filho delas sem prestar atenção na gente. — Eu
nunca perguntei.
— O quê? — Ri sem vontade. — Você a enganaria?
— Não! Só não preciso conversar sobre algo que não
aconteceu. Até o momento não recebi qualquer convite, então… —
Deu de ombros e cheirou o cabelo da criança que segurava no colo.
Ela quase dormia. — E como funciona para Patrício?
— Como assim?
— Estamos falando de um relacionamento aberto? Ele pode
aceitar convites conforme se interessar, você pode se aventurar sem
ele… essas coisas.
— Hum! — Dei um longo gole em meu vinho,
desconfortável com a conversa e excitada ao mesmo tempo. Céus!
Eu deveria me manter distante daquela mulher. — Somos um casal.
Onde um está o outro está — falei talvez porque aquela informação
pudesse afugentá-la, afinal de contas, Aline era lésbica e se
relacionar com Patrício só para me ter fosse um problema para ela,
e a solução para mim.
Mas ela olhou para Patrício por um tempo, avaliando-o, e
depois estampou um sorriso pervertido, voltando a me encarar.
— Isso seria… interessante.
Engoli com dificuldade, a imagem descrita por ela na loja de
móveis exclusivos, voltando com força a minha mente.
— Oh, tadinha! Está com soninho, bebê? — Lana voltou,
quebrando o clima estranho e pegando a filha do colo de Aline. —
Desculpe por isso, mas Catarina não parava de chorar.
Encarei minha cunhada me perguntando como aquela em
seus braços podia não ser Catarina? Eu tinha quase certeza de que
aquela era a Catarina. Preferi nada dizer. Aquelas crianças eram tão
parecidas que se os meninos não estivessem tradicionalmente
vestidos de meninos eu poderia afirmar que eram quadrigêmeos.
— Miranda está assustada no meio de tantas crianças —
Aline brincou.
— Ah, não! — desconversei. — Só não estou acostumada.
Lana olhou para trás, onde Alex observava Anita cuidando
do filho dele, e fez uma cara de triste.
— É mesmo uma pena que não seja Charlotte a estar aqui —
sussurrou, lamentando de verdade a ausência da minha irmã.
— E como ela está? — Aline perguntou, ganhando a nossa
atenção.
— Charlotte está bem. Escrevendo.
Dei a minha resposta tradicional. A que eu sempre usava
quando alguém perguntava pela minha irmã, especialmente quando
a pergunta vinha devido a algo relacionado a Alex. E voltar a olhá-
lo, constatando que ele e Anita pareciam caminhar para a formação
de uma família, me deixou arrasada.
Era Charlotte quem deveria estar ali, com o filho deles no
colo, rindo e brincando, tão idiota quanto ele. E eu não a acharia
ridícula, como achei todos os outros naquela sala, porque quando
olhasse para a minha irmã com seu filho no colo, tudo o que eu
conseguiria sentir era… paz.
— Desculpe, preciso ir ao toalete — e me afastei tão rápido
que nem ouvi o que elas disseram.
Dobrei em direção a cozinha e parei encostada a porta que
me trancava do lado de fora daquele mundo. Forcei o choro a não
sair, contudo, sem conseguir impedir minha cabeça de continuar
girando e me enviando informações. Charlotte merecia aquele
filho, eu merecia… Meu Deus!
Encostei na bancada respirando com dificuldade, odiando
Alex, Carlos Antônio, Tiffany, Anita e todos os outros que de
alguma forma colaboraram para aquela mancha em nosso quadro
perfeito. E era um ódio vivo e poderoso, capaz de roubar a minha
sanidade.
Alguém tentou entrar no sanitário, se deparando com a porta
trancada e só então me dei conta de que já estava lá há muito
tempo. Olhei para o espelho, recompondo minhas feições, abri a
torneira, colocando minhas mãos nelas.
— Só um minuto! — falei um pouco mais alto enquanto
secava as mãos e conferia meus olhos.
Então abri a porta e me deparei com ele. Aliás, com eles.
Alex aguardava para entrar no sanitário, carregando o filho
no colo. Olhei o corredor vazio, sem saber como deveria me
comportar diante daquele cenário. E então o encarei. Ele me olhava
assustado, com receio e até mesmo, sem graça.
— Miranda? Não nos falamos esta noite — acusou sem
intenção. Foi a minha vez de ficar sem graça.
— Como vai Alex? — Ele me deu um sorriso tímido e olhou
para a própria camisa.
— No momento, golfado. — E então seu sorriso se desfez
um pouco. — Ele tem refluxo.
— Ah, desculpe! Estou te atrapalhando. — Saí da frente lhe
dando passagem. Alex entrou sem contestar, mas parou sem saber
o que fazer primeiro.
Parada, assistindo a maneira como ele lidava com o filho, me
senti comovida. Sim, Alex continuava sendo um cretino para mim,
mas nada anulava o fato de reconhecer a sua força e determinação
diante do seu filho. Mesmo que esta fosse dividida com a vaca da
Anita, o que me fazia recuar um pouco.
Cheguei a pensar em deixar o local, afinal de contas, Alex
não era um problema meu, muito menos aquele menino, fruto da
traição que quase levou minha irmã a loucura, entretanto, não
consegui, e, assustada com a minha decisão, me vi entrar naquele
sanitário para auxiliar Alex.
— Deixe que eu seguro ele enquanto você limpa a camisa. —
Já fui pegando na criança como se tivesse total familiaridade com a
situação.
Não era a primeira vez que eu o ajudava. Antes do meu
sequestro, quando Lipe era ainda um recém-nascido, o levei para
amamentar no hospital, aproveitando as mamães que ofereciam seu
leite e carinho. Mas muito tempo havia passado e ele cresceu,
ganhou formas diferentes e, diante de tantos problemas, acabei me
afastando.
— Ah, não precisa… — Alex tentou, porém, sabia que
precisava mesmo de ajuda. — Anita estava ao telefone, eu não quis
incomodar. — Passou uma toalha molhada na camisa, tirando o
excesso de vômito do filho.
— Não acho que vá conseguir algum sucesso com isso. —
Pensei em xingá-lo por aceitar estar tão próximo de Anita. — Por
que não pega uma camisa do João? Essa logo vai começar a…
cheirar mal. — Ele riu, desistindo de continuar limpando.
— É, você tem razão. Ainda bem que sempre coloco roupa
extra para o Felipe.
Só então me dei ao trabalho de observar a criança em meu
colo e fiquei espantada com aqueles dois olhos azuis escuros,
profundos como os do pai, idênticos, me encarando, tão quietinho
que me perguntei se era mesmo uma criança ou um boneco. E eu
sabia que seus olhos eram daquela cor, mas quando ele era menor,
não me sentia atraída para observá-los.
Ele era tão… lindo! Lindo demais para um bebê. Lindo da
forma como Charlotte sonharia que fosse o seu filho.
— Ele está… lindo, Alex! — Sussurrei. O silêncio que se fez
me obrigou a olhar para meu ex-professor.
— Sim, ele está. — Sua voz saiu no mesmo tom da minha,
com uma leve pitada de tristeza, e com a constatação de tudo o que,
aquele menino lindo, impediria que acontecesse. — Anita é a
madrinha — começou a dizer, como se precisasse se desculpar por
isso. — Tiffany escolheu assim.
— Patrício me disse.
— Ela é só… uma amiga. Tem me ajudado muito, e… adora
o Lipe.
— Imagino. — Desviei o olhar, desconcertada, incomodada
com a conversa. — Mas você não me deve satisfações, Alex. É a
sua vida, não a minha, e com certeza, não mais a de Charlotte.
Eu sabia que estava sendo dura, que não precisava lembrá-lo
do que havia destruído, e me senti péssima por isso. Não era justo
com ninguém.
— Eu sei — ele disse com aquela emoção que me
incomodava. — Não é o que estou tentando fazer. Na verdade…
nem sei o que estou tentando fazer, Miranda. Obrigado pela ajuda
com o Felipe. Vou pedir a Anita para trocar a roupa dele enquanto
eu…
— Posso fazer isso — rebati rápido demais e sem fazer ideia
do motivo para querer tanto eliminar a presença da outra mulher.
No mesmo instante me recriminei. Eu sequer sabia trocar roupa de
uma criança! Deus!
— Ah… hum!
— Ah, você está aqui! — Patrício apareceu na porta do
sanitário.
Seus olhos foram de mim para a criança em meu colo, depois
para Alex, e então voltou para mim, sem entender o que estava
acontecendo.
— Posso ajudar? — falou com certo receio.
— Na verdade, pode! Lipe vomitou no Alex e ele precisa
trocar a camisa por uma do João Pedro. Enquanto isso eu preciso
trocar a roupa do Lipe, então você pode… — Busquei Alex, sem
saber o que Patrício poderia fazer.
— Você pode ajudar Miranda com a missão de trocar o Lipe.
— Ele me ajudou a manter o plano. — E no caminho peça a camisa
ao João. Eu fico aqui aguardando.
— Mas eu nem sei… — Patrício começou a protestar.
— Vamos. A bolsa está…
— Na sala. No sofá onde eu estava sentado — Alex indicou.
— Miranda… — Patrício continuou.
— Não se esqueça da camisa, Paty — Alex provocou.
— Paty é a puta que te pariu, seu…
— Patrício! — ralhei, empurrando-o com o ombro. — Tem
uma criança aqui!
— Ele não entende o que falamos. — Meu namorado me
seguia pelo corredor, aborrecido. — O que você está fazendo?
— Ajudando o seu irmão.
— Logo o Alex?
— E o que tem de errado nisso? — Virei em sua direção,
fazendo-o parar. Patrício ficou sem graça.
— Nada. Vamos.

— Ele é mesmo lindo! — Sussurrei acariciando a barriga da


criança deitada sobre a cama que ficava no quarto das gêmeas.
Quando Dana nos viu voltar para a sala com Lipe no colo,
ficou preocupada. Anita tentou tirar a função de mim, mas,
determinada a não deixá-la se apossar da maternidade daquela
criança, a impedi de tirá-lo de mim. Patrício colaborou, pegando a
sacola, e pedindo a mãe para conseguir a camisa para Alex.
Assim, nós subimos e nos vimos diante de uma missão que
poderia ser trágica, mas que foi… divertida.
No final das contas, com cuidado e carinho, trocar a roupa do
Lipe não me causou um infarto, nem mesmo desconforto. E eu me
vi sorrindo, admirando a maneira como ele correspondia aos
toques, e encantada demais com aquele par de olhos perturbadores.
Charlotte não acreditaria quando eu contasse. Quer dizer… se
eu contasse.
— Ele vomita nas pessoas, gata. — Patrício protestou, ainda
distante, o máximo que conseguia diante daquela situação. — Nós
deveríamos devolvê-lo ao Alex.
— Nós não sequestramos a criança, Patrício. Além do mais,
Alex precisa respirar um pouco.
— É para isso que ele tem Anita. — Meu namorado recuou
diante do meu olhar aborrecido. — Ela cuida do menino.
— Ela sufoca Alex com essa ideia de que são uma família.
— Ah, meu Deus! — Ele riu. — E você descobriu isso nos
poucos minutos que passou trancada no banheiro com o meu
irmão?
— A porta estava aberta e você é um idiota — revidei. —
Percebi pela maneira como Alex precisou se justificar para mim.
— Ele fez isso?
— Vai ver teve medo do que eu diria a Charlotte.
— E você vai dizer? — Ok! A preocupação em sua voz fez
com que eu me voltasse para ele.
— Ainda não sei.
— Miranda…
— Eu estive pensando… — Observei Felipe e foi impossível
não sorrir quando sua boquinha se abriu para um bocejo.
— Por favor, não me diga que esteve pensando em ter filhos!
— ele disse quase em desespero. Revirei os olhos, mas não
consegui ignorar a pontada em meu estômago.
— Não, estive pensando em como consigo conviver com
você! — Meu namorado riu um pouco mais alto.
— Porque eu te recompenso muito bem, Morena!
— Já estou começando a considerar que tenho algum
problema mental, Patrício.
— Tá bom, no que estava pensando?
— Que talvez… — A porta abriu e Anita entrou, quase
marchando, em minha direção. Tive vontade de me colocar na
frente do garoto para não deixá-la tirá-lo de lá, mas Alex apareceu
logo atrás.
— É hora do Lipe tomar a mamadeira — ele disse, quase se
desculpando.
— Vamos, Morena! Lana deve estar só nos esperando para
jantar.
— Sim, ela pediu para avisar — Anita falou. — Nós
descemos depois.
O nós, utilizado por ela, englobando Alex e Lipe como algo
de sua posse, me irritou até o último fio de cabelo.
— Posso dar a mamadeira? — Eu me vi falando. — Oh, eu
adoraria!
Alex olhou para Patrício, que arqueou uma sobrancelha e me
encarou sem acreditar. E assim começou a minha corrida para
assegurar o papel que minha irmã quisesse assumir naquela louca
armação da vida.
Charlotte podia não ter qualquer consciência do que queria,
ou do que poderia se transformar aquilo tudo, mas enquanto ela não
colocasse os olhos em Lipe e em Alex, eu estaria ali, para garantir
o seu direito de voltar.
Sorri para Anita que recuou. Seria uma guerra silenciosa. E
eu não entrava em uma guerra para perder.
CAPÍTULO 51

“Transformando a noite em dia


Tristezas em alegrias
E aquilo que era vazio
Foi embora pra não voltar mais”
Saber Voar - Chimarruts

Puxei outra vez o cobertor sobre o corpo e me mexi


incomodada olhando para fora do avião através da pequena janela
que só me mostrava nuvens. Johnny ajustou os fones, tentando me
ignorar.
Naquela manhã Patrício nos deixou no aeroporto. Agradeci
mentalmente pela noite de sexo que tivemos, e acreditei que me
faria dormir a viagem inteira, o que não aconteceu. Enquanto ele
reclamava que precisaria trabalhar o dia todo mesmo fadigado.
Johnny mal conversou com a gente, ficou com os fones nos
ouvidos e trocando mensagens, com cara de poucos amigos.
Eu tinha uma teoria, mas preferi deixá-la para um momento
mais adequado. Aquele momento, já que meu sono resolveu
desaparecer. Puxei um dos fones do meu irmão, que me encarou de
forma ultrajada, como se eu estivesse invadindo o seu espaço. E eu
estava, mas por um justo motivo.
— Anita está investindo pesado no Alex.
Fui direta. Aguardei, com muita ansiedade, confesso, até que
meu irmão fizesse todas as caretas que conseguia, de todos os tipos
e para todos os sentimentos que o abordou com aquela minha
revelação.
— Você não tem mais o que fazer? — ele disse quando não
encontrou nada mais apropriado para dizer. — Desde quando a
vida do Alex é da sua conta? Charlotte não quer ver a cara dele
nem pintada de ouro, então onde essa conversa vai parar?
— Primeiro… — levantei um dedo para detê-lo. — Anita é a
vaca que se alimenta no seu pasto, apesar de sempre ficar de olho
no pasto do vizinho, no caso, a sua irmã.
— Você é muito louca! — Ele tentou colocar o fone outra
vez, e eu consegui impedi-lo.
— Segundo… — Fui mais efetiva, fazendo-o prestar atenção
em mim. — Charlotte ama Alex, Alex ama Charlotte e Tiffany,
veja só, morreu! — Sorri animada, contudo, desfiz o sorriso
quando ele me deu aquele olhar reprovador. — Ok! Não vamos
festejar a morte da cadela, mas…
— Puta que pariu!
— Tiffany morreu, Johnny! Alex está solteiro, ou melhor…
Alex está sufocado pela vaca que deveria estar no seu pasto.
— Anita é solteira, Alex é solteiro, Charlotte não vai voltar
com Alex, Felipe é uma realidade e eu não quero me intrometer
nesta conversa.
— Vocês romperam?
— O quê?
Outra vez aquela cara de quem se sentia indignado com a
minha conversa. Revirei os olhos e encarei meu irmão como se não
me importasse nem um pouco com o seu aborrecimento.
— Eu não te entendo — ele disse, finalmente vencido. —
Primeiro você quer que eu deixe de sair com Anita, depois você se
preocupa quando ela começa a se interessar por outra pessoa. Qual
é o seu problema?
— O problema é: Charlotte tem que voltar com Alex.
— Não! Jesus abençoado, essa garota não está em seu estado
normal. — Riu sem qualquer vontade. — O que está acontecendo,
Miranda? Seja direta.
— A história é perfeita, Johnny, não percebe?
— Não. — Simples, direto e grosso. Aquele era o meu irmão.
— Alex ama Charlotte. Charlotte…
— Ama o Alex. Eu entendi esta parte.
— Então?
— E em que parte Lipe se encaixa nisso? Ou você esqueceu
que Alex agora cria o filho da mulher com quem traiu a nossa
irmã?
— Exato! Você disse tudo! Ele cria sozinho. Aliás, tenta criar
sozinho, porque a vaca da Anita…
— Miranda, pare! — Meu irmão se virou em minha direção e
me segurou pelos ombros. — Charlotte não vai suportar. Não
coloque isso na cabeça dela, por favor!
— Você já viu o menino?
— Claro que eu já vi o menino. Até mesmo o padrinho já viu
o menino.
— Ele é… interessante.
Disfarcei a sensação estranha que eu tinha quando pensava
em Lipe. A ideia absurda de que aquela poderia ser a criança deles,
o filho que Charlotte perdeu. Ou que minha irmã poderia ser a mãe
que ele precisava. Tudo bem, eu serei a primeira a admitir que
aquilo tudo era loucura. Loucura demais para ser bem exata. Quase
beirando ao total descontrole. E ainda assim era tão… perfeito!
Eu segurei Lipe nos braços por poucos segundos e o
sentimento de pertencimento quase me sufocou. Por que a ideia de
segurar um filho de Charlotte, uma cópia de Charlotte, nos braços
era tão fantástica que eu não conseguia pensar em outra coisa.
Patrício achou uma loucura, assim como meu irmão fazia
naquele momento. Porém, eu não conseguia desistir de tentar,
porque era o plano mais perfeito da vida. Assim como o padrinho e
a madrinha me amaram e me adotaram, e assim, da mesma forma,
que a madrinha amou e adotou Johnny, mesmo havendo a dúvida
de ele ser fruto de uma traição.
Aquilo sim era o romance perfeito, o livro que ganharia o
mundo e faria as pessoas suspirarem. E por que não? Por quê não
dar uma forcinha para a vida? Por que não testar a teoria e assistir
aos resultados?
A verdade para mim tornava-se nítida. Charlotte amava Alex
de uma forma tão intensa que um ano havia se passado e nem assim
ela demonstrava ter sido capaz de superar. Alex amava Charlotte de
forma tão verdadeira, que mesmo divorciados ele ainda sentia
necessidade de se justificar. Então por que infernos ninguém levava
a sério a minha teoria?
— Miranda? — Johnny me chamou, rompendo meu
devaneio. — Charlotte não pode mais ter filhos.
— A madrinha conseguiu.
— E quase morreu. Você gostaria de arriscar? — Eu me
encolhi na cadeira. A verdade era única. Não. Eu nunca
incentivaria Charlotte a tentar, a arriscar.
— Alex já tem um filho, e…
— Filho este que causou a separação. Charlotte nunca vai
aceitar o Lipe, você não entende?
— A madrinha te aceitou. — Fui firme, contudo, sem a
determinação de antes. Meu irmão me olhou triste.
— Eu não sou filho do Peter.
— Você é. Tão filho dele quanto foi dela, Johnny. A
madrinha quis você mesmo sem saber a verdade. E ela te amou!
— Pois é. A madrinha era… santa! Charlotte não é. Charlotte
é boba, infantil, mimada…
— Ela vai amadurecer. Nós ainda temos tempo.
— Tempo de quê? — Falou exasperado.
— Você vai saber. Só me prometa uma coisa.
— Tenho até medo do que é.
— Prometa que vai manter Anita longe do Alex.
— É pedir demais.
— Por favor!
— Miranda, eu não sou dono da Anita.
— Mas sabe como convencê-la a não arriscar tanto.
— Droga!
Johnny passou a mão no rosto, aborrecido, pensando no
assunto. Fiquei imaginando se de fato seria um sacrifício muito
grande continuar levando a professora Anita para a cama, porque
antes parecia ser a sua obsessão. Mas preferi não pressioná-lo
tanto.
— Tudo bem — falou relutante. — Mas veja o que você vai
fazer. Não faça Charlotte sofrer ou eu nunca mais falarei com você.
— Como se fosse possível!
Virei para o lado deixando-o em paz, e voltei a encarar a
pequena janela, olhando as nuvens, com um sorriso no rosto que
me fazia acreditar que podia até demorar, mas daria certo.

— Não! — Charlotte olhava-se no espelho do closet,


conferindo a calça justa que escolhera para aquela noite, dois dias
depois da nossa chegada a Inglaterra.
— Você precisa entender que a sua carreira, por mais que
esteja dando certo aqui na Europa e com as propostas dos Estados
Unidos, é no Brasil.
— Não! — Ela passou por mim, fingindo interesse nos
sapatos, em especial, as botas de cano longo. Desde quando
Charlotte gostava de botas de cano longo?
— Além do mais, Charlotte — continuei. — É a Bienal do
livro do Rio de Janeiro. Você precisa estar lá!
— Eu disse que não.
— Por que?
Minha irmã virou em minha direção, as mãos na cintura,
usando apenas calça e sutiã, o cabelo solto, descendo pelos ombros,
a perfeita imagem da rebeldia, e no olhar, a determinação que a sua
teimosia irritante lhe permitia ter.
— Não vou ao Rio de Janeiro, Miranda! Não vou colocar
meus pés no estande da editora e encarar o… o…
— Alex?
— Isso! — Ela virou para o lado e tratou de escolher uma
camisa.
— Você precisa amadurecer, Charlotte. Ainda tem mais dois
livros para serem lançados pela editora dele. Dois! Vai ser sempre
assim?
— Vai!
— Que infantilidade!
— Chame como quiser! — rebateu, escolhendo um corpete
que arrebitava os seus seios. O que aquela maluca estava fazendo?
— É a bienal do livro! — Tentei mais uma vez.
— E eu não vou.
— Seus leitores vão te odiar.
— As pessoas gostam de excentricidade. — Puxou uma das
botas pelas pernas. — Escritores boêmios, reclusos, doentes…
esses são os que vendem mais.
— Desisto! Era assim na época do romantismo.
— Exato! O romantismo morreu. E eu não vou.
— Ainda temos um tempo para pensar no assunto.
— Esqueça, Miranda! Eu não volto para o Brasil e essa é a
minha decisão.
Minha irmã levantou, voltando para a frente do espelho e
conferindo a combinação que escolheu. E estava linda, mas aquela
não era Charlotte, o que me confundia bastante.
— Tem certeza que não quer sair com a gente?
— Com esse “a gente” você quer dizer a turma retardada do
Thomas? Deus me livre! — Minha irmã riu. — Ah, Charlotte, por
favor, por favor, por favor, me diga que não vai cair na lábia do
Thomas! — Ela riu outra vez.
— Você tem a minha palavra. Thomas não faz o meu tipo.
Principalmente depois do que me contou. Se ele não foi legal com
você, não serve para mim. — E prosseguiu conferindo a sua
imagem no espelho. — Cabelo preso ou solto?
Putz! Eu amava aquela garota!
— Solto — respondi sem vontade. — O único homem que
faz o seu tipo é o Alex, Charlotte. — Pelo espelho recebi o seu
olhar de fúria. — Tudo bem. Não toco mais no assunto.
Ela continuou se arrumando, se produzindo como se
estivesse determinada a chamar a atenção de alguém.
— Vai precisar de um casaco se quiser sair com essa camisa.
— Eu sei.
— Está congelando lá fora. — Ela se debruçou na bancada
para passar o batom.
— Eu sei — disse cheia de malícia.
— O que está planejando, Charlotte? É natal!
— Exato! — revelou com um sorriso enorme. — Vou me dar
um presente de natal.
— Ai, meu Deus! Ainda bem que Johnny vai com vocês.
— Não sou mais nenhuma criança, Miranda!
— Tem certeza?
— Não! — Então ela riu com vontade, o que me fez rir um
pouco também. — Já vou. Ainda bem que Peter foi para o jantar
insuportável na casa dos pais do Thomas.
— Insuportável é a palavra certa. — Ela me abraçou com
carinho. — Então, se não quiser fazer parte da próxima celebração
da família Ulric, não se relacione com o filho deles.
— Já disse que Thomas não faz o meu tipo. — Ela se
afastou. — Pronto, duas situações em que eu posso te dar a minha
palavra. Nunca terei nada com Thomas, e… Não volto para o
Brasil — e abriu um sorriso inocente que me fez estreitar os olhos.
Eu precisava ser mais enfática, atacar de uma forma mais
perturbadora e menos leal.
— Poxa! — Fiz biquinho e fingi desamparo. — Não sei
como fazer então, Charlotte.
— Ora, Miranda! Você já tem uma nova agenciada. Por que
não se concentra nela para este projeto?
— Não é bem nisso que eu pensava. — Sentei na poltrona
em frente ao espelho em que ela se olhava e aguardei. — A Bienal
era um plano excelente, mas…
— Por favor, vamos esquecer essa história. Não há qualquer
motivo para eu voltar ao Brasil.
— Temos um problema então, Charlotte.
— Qual? — Outra vez ela colocou as mãos na cintura e me
encarou sem acreditar em minhas palavras.
— Bom… eu te contei… Patrício me pediu em casamento e
agora… bom… nós já estamos morando juntos… quer dizer…
quase… mas…
— Miranda! — gritou, reagindo como eu esperava. — Você
vai mesmo casar? Jura? Não acredito! — Sua animação me fez
escancarar um imenso sorriso, então precisei me controlar.
— Não, não vou me casar. Como poderei fazer isso sem
você? — Ela me encarou com os olhos imensos, recuando. — Você
é a minha madrinha.
— Isso é desleal — falou baixinho. Tive vontade de sorrir e
admitir, no entanto, fiz o esperado, me fiz de ofendida.
— Oh, não, Charlotte! Por favor! Apesar de você ter dito
quando eu estava no leito do hospital que retornaria ao Brasil para
o meu casamento, eu nunca…
— Sim, você faria — acusou, levando a mão a boca. — Eu
não estou pronta, Miranda.
— Tudo bem. — Acabei me arrependendo depois de assistir
o horror em seu rosto. — Quem precisa de uma festa de casamento
mesmo? — Mais uma vez ela levou a mão a boca e me encarou
sentida.
— Claro que você precisa — disse emocionada. — Você ama
Patrício!
— Amo — admiti, até porque não era mais segredo para
ninguém. — Amo demais.
— E você quer casar com ele. — Ficou pensativa.
Bom, não que eu quisesse mesmo me casar com todas as
pompas e dá satisfação a sociedade. E também não significava que
eu não desejava me casar com Patrício. As duas situações eram
verdadeiras. Eu me casaria com ele sem precisar pensar no assunto,
contudo, em uma cerimônia na praia, apenas eu, ele, e o padre,
porque costume era costume, e apesar de tudo, fui criada em uma
família temente a Deus.
Entretanto, precisava pensar em alguns detalhes. O primeiro:
o padrinho jamais admitiria não estar presente, assim como
acabaria impondo a presença de algumas pessoas, como fez no
casamento de Charlotte. E eu não perderia a oportunidade perfeita
para unir Charlotte e Alex no mesmo ambiente. Era perfeito!
Além do mais: na cabeça romântica da minha irmã, eu
sonhava com o príncipe encantado, montado em um cavalo branco
e ansioso para me conduzir até o seu castelo. E a culpa era toda
minha, que criei essa personagem para conseguir viver as minhas
aventuras.
No final das contas, tudo se encaixava. Inclinei a cabeça
pensando no assunto.
Por que não?
— Mas não vamos falar sobre isso. É Natal e você quer se
divertir. — Minha irmã me deu um sorriso triste.
— Quando será?
— O quê?
— O casamento, Miranda!
— Ah!
Puta merda!
— Ainda não sei. Patrício não conversou com o padrinho e
eu também não dei nenhuma confirmação quanto à possibilidade,
então… Vou deixar para pensar nisso no próximo ano.
— Tudo bem. Vai ser uma grande festa não é? — Seus olhos
brilharam.
— Você me conhece, Lottie! Uma festa digna de princesa da
Disney.
Puta merda um milhão de vezes.
— Bom… leva um tempo para organizar, e vocês ainda
precisam conseguir uma data em algum lugar que seja digno dos
seus sonhos… — Ah, claro! Uma barraca no meio da praia já
serviria, mas… — E tem a Bienal para trabalhar. Então… — Ela
puxou o ar com força, voltando a se animar. — Um pouco mais de
um ano para resolver tudo. Posso me acostumar com a ideia.
— Você vai ao Brasil?
— Não para a Bienal, então se conseguir se programar para
uma data depois do calendário literário, sim, eu serei a sua
madrinha.
— Ah, Charlotte, eu não acredito!
Levantei para abraçar a minha irmã, feliz e com medo ao
mesmo tempo. Havia muito a ser feito, afinal de contas, um
casamento como o que ela acreditava que eu queria não acontecia
da noite para o dia, e ainda havia a sua condição de não ser antes da
Bienal do Rio de Janeiro, o que me dava quase um ano de prazo, o
que significava quase um ano fazendo coisas mirabolantes para
manter Anita afastada de Alex.
Seria uma maratona, todavia eu estava disposta a fazer dar
certo, mesmo que envolvesse uma grande festa de casamento.
Uma batida na porta do closet nos alertou. Johnny estava lá,
arrumado como se quisesse impressionar uma garota, segurando
um casaco em uma das mãos, e o celular, como sempre, na outra.
— Vamos? — ele disse para Charlotte, mas com o olhar em
mim.
— Vamos. — Minha irmã me soltou e foi em sua direção.
— Tem certeza de que vai ficar em casa?
— Por que? Virou meu segurança agora? — Cruzei os braços
no peito e ele abriu um lindo sorriso.
— Só para confirmar, mesmo.
Colocando uma mão na cintura de Charlotte, ele a conduziu
para fora do closet, mas quando eu começava a colocar minha
cabeça para funcionar e esquematizar como faríamos aquilo
acontecer, meu irmão voltou.
— O que foi?
— É sério que você vai se casar só para juntar Charlotte e
Alex outra vez?
— Shiiiii! — Fui até a porta, conferindo se Charlotte havia
nos ouvido.
— Ela já desceu. Merda, Miranda! Você não tem jeito
mesmo!
— Você está agindo de forma precipitada.
— É mesmo? Eu?
— Johnny, Patrício me pediu em casamento. — Cruzei os
braços no peito, adorando a surpresa nos olhos do meu irmão.
— Mas você disse não! — rebateu indignado.
— Como você sabe disso?
— Como imagina que eu sei disso? Eu jogo basquete com
Patrício!
— Desde quando?
— Desde que… — Foi a vez dele verificar a porta. — Desde
que precisamos unir forças por você. E ele me contou que pediu
mais de uma vez e você não quis.
— Pois eu quero! — Ele riu sem vontade.
— Miranda, pense bem, você vai casar porque acredita que
pode fazer com que Alex e Charlotte fiquem juntos outra vez. Não
consegue entender a merda que está fazendo? Não é justo!
— Como não é justo? Patrício quer casar, Alex ama
Charlotte…
— Eu sei. Eu sei. Já decorei essa sua baboseira. Se eu
soubesse que o plano era esse não teria feito a merda que fiz.
— E que merda você fez? — Meu irmão se afastou,
aborrecido.
— Anita está aqui.
— Aqui! Você quer dizer… Aqui, na Inglaterra? Puta que
pariu!
— Você não queria ela longe do Alex? Paguei tudo para que
ela viesse.
— Ah, Johnny!
— Pois é. E eu ia procurar a Edilza. Eu ia… deixa pra lá!
— Não! Não, Johnny! Que droga! Por que não me disse? —
Ele desviou o olhar e pareceu constrangido.
— Porque… sei lá… acho que me comovi com a sua teoria.
A ideia de que Lipe pudesse ser amado por alguém legal como a
Charlotte… essa porcaria toda de amor que vocês tanto defendem.
— Que droga!
— É! Então perceba a grande merda que estamos fazendo. Eu
vou passar a noite com Anita e você… vai casar sem querer casar,
só para fazer Charlotte feliz.
Mordi os lábios encarando meu irmão, comovida pela sua
situação, porque sabia que naquela grande bagunça, apenas ele se
sacrificava de verdade.
— Você disse que nunca mais veria Edilza — sussurrei.
— E eu pensei que seria assim. Talvez seja melhor. Não é
justo com ela também. Esse lance de amor… — balançou a cabeça,
negando.
— Johnny? — Ele levantou a cabeça para me encarar. — Eu
amo Patrício. Vou casar por amor, e porque eu quero, de verdade,
ser a esposa daquele garoto… sei lá! — Abri um largo sorriso. —
Eu já teria casado se não fosse algo doloroso para Charlotte, porque
sei que é com ele que quero passar toda a minha vida.
— Por que será que eu não acredito nessa história de
casamento de princesa da Disney?
— Bom, porque essa parte você pode mesmo pular. —
Revirei os olhos, cansada. Ele abriu um sorriso verdadeiro para
mim. — Eu casaria dentro de casa, se fosse possível, mas se a
única maneira de ajudar a minha irmã é encarando uma igreja
lotada de pessoas falsas e hipócritas…
— Porra, Miranda! — Ele riu, acreditando pela primeira vez
naquela loucura. — Tudo bem. — Vamos encarar essa bagunça e
fazer dar certo.
Concordei sem nada dizer.
— Mas você vai me prometer uma coisa. E lembre que está
me devendo muito depois dessa.
— Como se fosse mesmo um grande sacrifício comer aquela
vaca. — Ele riu. — O que você quiser.
— Se depois do casamento, eles não se acertarem, você vai
desistir, certo?
— Johnny…
— Nada de engravidar para que eles sejam os padrinhos e
muito menos de… sei lá! Mais qualquer coisa que possa passar
pela sua cabeça. Você tem até o casamento.
— Tudo bem.
— De nada — ele disse ao se virar para a porta.
— E pelo quê eu preciso te agradecer mesmo?
— Você saberá.
Assim meu irmão foi embora, e me deixou sozinha, pensando
na maneira como eu conseguiria fazer aquele plano dar certo.
CAPÍTULO 52

“Largo tudo se a gente se casar domingo


Na praia, no sol, no mar, ou num navio a navegar
Num avião a decolar, indo sem data pra voltar
Toda de branco no altar
Quem vai sorrir? Quem vai chorar?
Ave Maria, sei que há uma história pra sonhar”
Pra Sonhar - Marcelo Jeneci

Deitei em minha cama e conferi mais uma vez o celular. A


última mensagem de Patrício fora no início da manhã e apenas me
dizendo estar com saudades.
Deixei o aparelho de lado, me sentindo sozinha naquela casa
imensa. E a solidão nunca me levava para lugares bons. Comecei a
me arrepender de não ter saído com os meus irmãos. Aturar
Thomas seria melhor do que aturar meus pensamentos.
Cansada, levantei para buscar um bloco de anotações e uma
caneta. Era melhor começar a estudar uma data que tornasse tudo
mais fácil, o meu trabalho, o de Patrício, o de Charlotte e o
casamento.
Casamento.
E eu ainda nem tinha comunicado a Patrício que teríamos um
casamento completo, com tudo o que as garotas bobas e
apaixonadas sonhavam. Argh! Eu poderia ter pensado em outra
coisa. Mas o que, quando nem mesmo a Bienal do livro animava a
minha irmã a voltar ao Brasil?
E ainda havia a chance do meu namorado se negar a
participar de algo do tipo, principalmente depois da nossa última
conversa.
Quando voltei para a cama, com todo o material que eu
precisava, percebi que meu celular vibrava sobre o colchão. Peguei
apressada o aparelho e verifiquei a chamada do meu namorado.
Atendi na mesma hora.
— Oi?
— Morena, está um frio desgraçado aqui fora — ele disse
sem titubear. — Pelo amor de Deus, libere a minha passagem.
— Patrício… o quê? Como?
— Tá frio aqui fora, Miranda. E esses dois caras não tem
permissão para me deixarem entrar.
— Espere um pouco. Você está aqui? — Levantei
estarrecida, sem conseguir acertar as ações.
— Miranda, está frio pra caralho!
— Oh, certo! Certo! Eu… Estou… vou resolver.
Larguei tudo sobre a cama e sai correndo do quarto. Nem
mesmo pensei no que vestia. Corri até a cozinha, onde encontrei
uma empregada esquentando água para um chá. Ela se assustou
com a minha presença, porém, minha preocupação se focava em
liberar a entrada do meu namorado. Peguei o interfone e liguei para
a portaria possibilitando aquele pedido. Abri a porta quando ouvi o
primeiro portão ser aberto, e então… ele apareceu.
Sorri sem mesmo saber que sorria. Uma saudade estranha me
fazendo adorar a sua aparição. Patrício caminhava com aquele
casaco grosso que o fazia parecer ainda mais forte, sem luvas e
com cara de poucos amigos. Mas quando se aproximou, seu sorriso
revelando as covinhas, derreteu todo o gelo.
— Patrício, o quê…
— Ah, Morena!
Ele me segurou com suas mãos geladas, e me puxou para um
beijo quente. Era incrível como eu me sentia relaxar, derreter, me
encontrar, esquecer o mundo, quando seus lábios estavam nos
meus.
Apenas três dias haviam se passado desde que ele me deixou
no aeroporto, e eu me encontrava sedenta de saudade, ansiosa pelo
seu calor, seu corpo, seu amor. E quando seus lábios deixaram os
meus, senti necessidade de me aninhar em seus braços. Ele fez o
mesmo, me mantendo perto.
— Esqueci que esta época do ano é uma droga —
resmungou.
— O que faz aqui?
— Como o que eu faço aqui? Eu vim ficar com você! —
Comecei a rir, animada demais e… sei lá… me sentindo estranha,
talvez. — Feliz?
— Muito!
Ele se inclinou, beijando meu pescoço com ousadia.
— Feliz Natal, Morena!
— Feliz Natal, garotão!
Outra vez ele me pegou nos braços, me puxando para um
beijo apaixonado, se atrevendo a ir além do que deveríamos, afinal
de contas, estávamos na casa do padrinho. Mas ele não parou. Sua
língua exigia meu beijo, a minha entrega, e amolecia meu corpo
como só Patrício conseguia fazer.
Com passos vacilantes me deixei levar sem entender muito
bem aonde ele queria chegar. Patrício esteve naquela casa apenas
uma vez, e não foi em uma situação gostosa de ser lembrada. Sua
permanência foi curta, nada proveitosa e tensa. O que me levava a
pensar que ele não sabia muito bem para onde ir.
— O que está fazendo? — perguntei quando suas mãos
começaram a desabotoar meu vestido. Ele deu uma risada sacana.
— Só uma coisa. Vamos para a biblioteca.
— Aqui? Não! — sussurrei apreensiva.
— Preciso conversar com você, Miranda.
— Ah, tá! Patrício, o padrinho te mata. Não pense que só
porque contou a ele que dormíamos juntos e ele…
— Miranda! — falou determinado, me fazendo calar. E eu
odiava que me fizessem calar. — A biblioteca.
— É ali! Mas nós não vamos… Patrício!
Rosnei quando ele me pegou no colo e sem se importar com
os meus protestos, me conduziu até a sala reservada, me deixando
sobre a grande mesa de estudos, repleta de lembranças doces e
inocentes.
— Patrício! O que está fazendo? — repeti.
— Só uma coisa — Ele me puxou pelos quadris até que
estivesse entre minhas pernas, sua ereção roçando meu sexo.
— Uma coisa?
Não dava para ignorar a sensação que se aglomerava em meu
ventre. Entretanto, dava para esquecer o restante do mundo quando
sua mão se insinuava entre minhas coxas e invadia a minha
calcinha sem qualquer pudor.
— Patrício! Você… — segurei com força em seus braços
quando o senti enfiar dois dedos em mim, do jeito certo, tocando
exatamente onde eu gostava. — Ah, Deus! O que deu em você? O
padrinho vai voltar e… Ah! — Gemi deliciada. — Patrício…
— Ele vai demorar. — Arranhou meu queixo com os dentes
enquanto falava.
— Como pode saber? — Meu namorado riu, e eu entendi o
que meu irmão quis dizer quando me deixou no closet de Charlotte
um pouco antes.
— Saudade de você, minha Morena — ronronou quando,
com a outra mão afastou meu sutiã e abocanhou meu seio,
chupando-o com força.
— Ah! — Gemi alto, incentivando-o. — Patrício… a porta…
— Seus dedos estocaram mais fundo, me obrigando a abrir mais as
pernas e a inclinar meus quadris em sua direção. — Ah, Deus! —
Agarrei seus cachos com força, me permitindo como há muito não
acontecia. — O quê… por quê...
— Shiiii! Relaxe, gata! — Foi de um seio a outro e me
obrigando a deitar sobre a mesa, minha cabeça quase fora do
espaço. — Ah, Miranda! Você consegue lembrar como era bom?
— Patrício…
Tentei reagir, mas ele não deixou, descendo os lábios sobre
mim, se alojando entre as minhas pernas e me abocanhando sem
qualquer permissão. Gritei quando sua língua brincou com meu
clitóris ao mesmo passo que seus dedos se mantiveram saindo e
entrando em mim na velocidade que eu precisava, e nem sabia que
tanto precisava.
Enquanto isso, sua mão livre me puxava pelos quadris,
apertava meus seios, acariciava meu ventre, a bunda, as coxas que
se abriam aceitando-o.
Patrício me lambia causando frisson em todas as minhas
terminações nervosas. Eu não sabia, não conseguia entender como
aquilo tudo se acumulava em meu corpo de forma tão feroz e
saudosa, quando em minha consciência havia sexo entre nós. Não
foram meses em que eu me entreguei ao topor. Não daquela forma
em que o mundo deixa de existir.
Não. Eu levantei todos os dias, comi, mantive a higiene de
forma correta, trabalhei muito, me dediquei e amei meu namorado
nas noites em que ele me procurava. Tudo bem que não eram todas
as noites, e que, no geral, não havia o meu interesse inicial, mas
nós fazíamos amor e era gostoso.
Então por que ser deitada sobre aquela mesa de forma tão
abrupta, e ser chupada pelo homem que eu amava, mexia tanto
comigo ao ponto de fazer meu mundo girar? Por que a maneira
como ele me tocava e beijava parecia arrancar algo que estava
acumulado dentro de mim? Como se não tivéssemos feito amor três
dias antes, em nossa cama? Por que eu me contorcia e gemia sem
controle, como se precisasse daquela explosão mais até mesmo do
que da minha própria vida?
Patrício continuou, com sua língua atrevida e vívida, com
seus lábios exigentes e seus dedos mágicos, até que não restasse
mais qualquer possibilidade de escapar daquilo. E assim, movida
por uma natureza desconhecida e assustadora, segurei com força
em seus cachos e gozei sem pudor, em uma entrega insana e…
cheia de saudade?
Sim. Uma saudade que empedrou meu ar, mas que não me
libertou.
As lágrimas desceram quando o gozo chegou ao final, mas eu
não queria chorar. Eu queria gritar e expurgar tudo o que me
machucava. Eu queria colocar para fora o que havia só em mim, o
que escondi do mundo, o que nem eu mesma entendia como
conseguia suportar.
E Patrício sabia disso. Ele me entendia como ninguém. E
entendia porque reconhecia em mim a sua própria dor. Meu
namorado se calou por todo aquele tempo, porque me amava, e me
amava ao ponto de sufocar a sua própria loucura, a sua maneira
diferente de ver o mundo e a dor de não compreender.
Ele suportou, e suportou, e suportou até que viu que não
havia mais necessidade para isso. Patrício entendia que eu era
quebrada, mas não se importava, porque ele estava lá para juntar os
meus pedaços, com o seu mundo estranho, a sua maneira de
encarar a realidade e forma como se esforçava para resistir a
loucura e se enquadrar em algo. Para se enquadrar a mim.
Eu o amava, e me entregava, escancarando meu mundo, meu
íntimo, meu corpo e minha vida. E permitindo que ele entrasse e
dominasse a parte que precisava para se manter são, seguro e firme
ao meu lado.
Talvez tenha sido por isso, ou pode ter sido pelo sexo mais
ousado, eu não sabia dizer, mas quando abri meus olhos e vi aquele
menino me encarando, o corpo tenso pelo tesão acumulado, a
posição de ataque e um sorriso zombeteiro de quem me dizia que
não desistiria de mim nunca, levantei meu corpo e me agarrei ao
dele, enroscando minhas pernas em seus quadris, nos tornando um
só.
Era a entrega que ele precisava, além de ser tudo o que eu
queria fazer por ele.
Patrício me invadiu com vontade, sem cuidado ou receio. Ele
entrou em mim com seu corpo todo, chegando ao meu limite,
empurrando meus fantasmas para longe. Suas mãos, uma na base
da minha coluna e a outra em minha nuca, foi o apoio que eu
precisava. Nossos lábios colados, meu gosto em sua língua.
Eu queria tocá-lo em todos os lugares, de todas as formas,
queria apertá-lo dentro de mim, rebolar em seu colo, me abrir e
permitir que ele fosse o mais fundo possível. E ele o fez. Nossa
dança começou como deveria, sem preâmbulos, sem permissões.
Ele investiu com força, me obrigando a retribuir, e eu o levei a
loucura.
Nossos gemidos ecoavam, altos, fortes, decididos, sensuais.
Uma canção que eu amava ouvir e que, por longos três meses,
havia me esquecido. Nossos corpos se chocavam, alimentando o
som, deixando claro o que acontecia ali dentro.
Desesperada por mais, e sem saber ao certo o que seria esse
mais, beijei seu corpo, toquei e arranhei tudo o que eu alcançava.
Ele aprovava e não parava nem por um segundo de se enfiar em
mim com a precisão certa, fundo, longo, alcançando os lugares que
eu precisava.
Seus braços desceram pelas minhas ancas, me puxando da
mesa, as mãos espalmadas em minha bunda, tocando-me como
bem queria, roçando meu ânus, me abrindo, entrando e saindo.
Então me vi fazendo a mesma coisa, minhas mãos deslizando por
suas costas suadas, apalpando aquela bunda bem trabalhada,
acariciando o seu meio, apertando-a, ouvindo como seus gemidos
ficaram mais intensos.
E então nos encaramos e algo nos conectou. Algo que, de
alguma forma, havia se perdido depois do sequestro, se misturando
a tudo o que preferi abafar. E foi como um reconhecimento, como a
primeira vez que nos entreolhamos e entendemos que nos
amávamos, como na noite do casamento de Charlotte, quando ele
me disse que queria escalar o muro que me cercava. Foi como se,
finalmente, nos reencontrássemos.
E foi lindo! Mágico!
Ele sorriu para mim, emocionado, sorri de volta. E o orgasmo
nos presenteou com a leveza do seu momento, nos envolvendo em
uma nuvem de luxúria, em uma bolha só nossa, em uma entrega tão
verdadeira e necessária, que quando acabou, agarrados um ao
outro, sem desconectar qualquer parte que fosse dos nossos corpos,
eu comecei a falar.
Contei a Patrício tudo o que não consegui dizer quando ele
adentrou aquele quarto e me tirou daquele inferno. Não omiti
nenhuma palavra dita pelo homem que deveria ser meu pai. Revelei
como aquilo me abalou, dos medos que desenvolvi, das minhas
incertezas. Relembrei o estupro quando eu ainda era criança, da
maneira como minha mãe nunca conseguiu se recuperar, optando
por tirar a própria vida, e o quanto eu não conseguia entender ou
aceitar esta parte.
E chorei todas as vezes que senti vontade. Chorei como a
menina de quinze anos, perdida, sozinha e assustada depois de um
aborto. Eu chorei como nunca me permiti chorar na frente de
alguém, demonstrando toda a minha fraqueza. Demonstrando quem
eu era.
Quando acabei, ele ergueu meu rosto, enxugou minhas
lágrimas, juntou minhas mãos e levou-as aos lábios.
— E agora eu não faço ideia de quem eu sou — revelei,
fungando.
— Talvez você não saiba mesmo. Mas, sabe, Miranda? No
geral as pessoas não sabem. Elas querem ser normais, querem ser
aceitas, querem pertencer a algo. Você pode não saber quem é, mas
eu sei quem é a Miranda por quem eu me apaixonei. A garota cheia
de marra, mentirosa, que tremia só de cogitar decepcionar os
padrinhos. A menina linda que contava histórias para as crianças
com câncer e que distribuía sopa para as pessoas em situação de
rua. Eu me apaixonei pela garota que mandava muito bem no sexo,
mas que corava quando elogiada. A que tenta a todo custo não
parecer uma nerd, a que demonstra um amor tão grande pela
família que nem precisa dizer, basta observar você olhando para
cada um deles. Você não sabe quem é, mas sabe que aí dentro,
você é um pouco de tudo. É amor, é sexo, loucura, paixão,
compaixão, caridade, perdão, aceitação, resiliência, coragem…
Tive que rir, ainda que com as lágrimas escorrendo pelo meu
rosto.
— Essa é você, meu amor! Não importa se a vida te deu
tantas rasteiras, veja quantas vezes você levantou! Isso te faz ser
força, Miranda! Lembre quantas vezes as pessoas correram para os
seus braços por precisarem do seu apoio. É você quem eles sempre
procuram. Isso te faz ser amor. E Sem contar a forma como se
apaixonou por mim… — abriu aquele sorriso que revelava suas
covinhas, me fazendo acompanhá-lo.
— Deixa eu adivinhar… isso me faz ser inteligência?
— Sem sombra de dúvidas, com uma pitada de sorte
também.
— Ah é?
— Sim, porque veja só, eu também me apaixonei. Você é
uma garota muito sortuda, Morena.
— Imagino.
Comecei a rir e ele me abraçou, beijando o topo da minha
cabeça.
— Não importa o que aquele babaca disse, amor. A culpa
sempre será dele, por ser um lixo de homem, um merda de marido,
um pedófilo filho da puta, um pai escroto… a culpa será sempre
dele, nunca sua. Não importa o que você tenha feito nesta vida,
qualquer erro ligado às escolhas dele, a culpa nunca será sua,
entendeu? — Concordei, emocionada, sem conseguir continuar
falando. — E você é Miranda Middleton! Filha de Peter e Mary,
irmã de Johnny e Charlotte, minha namorada e futura esposa.
— Ah, meu Deus!
— Miranda Middleton Frankli — falou cheio de pose, me
obrigando a rir. — É um nome bonito.
— Ah, é sim.
— Que bom que você gosta.
— Por que?
— Porque eu quero me casar com você, Morena! —
sussurrou, beijando meus lábios com delicadeza.
— Eu também. — Patrício parou os beijos delicados que
distribuía pelo meu rosto e me encarou sério. — Eu quero me casar
com você, Patrício. Quero ser essa Miranda. A sua esposa e a
mulher da sua vida, por toda as nossas vidas.
— Está falando sério?
— Como nunca antes.
— Puta que pariu, gata!
E ele me puxou para outro beijo quente, cheio de desejo,
emoção, amor e todos os sentimentos que nos embalaram naquela
noite, em meu quarto, claro. Escondidos do padrinho. E quando
Patrício adormeceu, enroscado em meu abraço, eu sorri me
sentindo uma boba.
Porque fiz com que todos acreditassem que me casaria por
um sacrifício, quando na verdade, eu casava porque não havia mais
qualquer chance daquela vida continuar sem que eu me tornasse a
esposa daquele garoto atrevido, que um dia ganhou o meu respeito
quando me puxou para um beijo no maior estilo “Uma linda
mulher”. Foi ali que aconteceu, mesmo sem que entendêssemos
assim.
CAPÍTULO 53

“O amor é um furacão
Surge no coração
Sem ter licença pra entrar
Tempestade de desejos
Um eclipse no final de um beijo”
Amar é - Roupa Nova

Limpei o excesso de água que caía sobre a sua lápide, e


encarei o nome esculpido sobre ela: Margarida Souza, mãe e amiga
querida.
Patrício permanecia parado atrás de mim, segurando um
guarda-chuva imenso, aguardando e pronto para me acolher.
Ele não entendeu quando pela manhã, escolhi sairmos
escondidos, mesmo com o frio e a chuva, ao invés de termos logo a
tão desejada conversa com o padrinho, que por sinal, já deveria
saber que meu namorado estava em Londres, comigo, e em meu
quarto. Porque o padrinho sabia de tudo, não importava o quanto eu
tentasse esconder.
Mesmo assim, outra necessidade se fazia mais urgente. Ele
não entendia, mas eu precisava deixar muita coisa para trás antes
de dar aquele passo. E isso porque, na noite anterior, reconheci que
já carregava pesos demais, e era hora de deixá-los ir, de seguir em
frente e enxergar a vida sob outra ótica.
Era hora de recomeçar.
Então fui até o túmulo dela, minha mãe, a mulher que eu
amei e respeitei a vida toda, mas que havia despedaçado o meu
coração quando escolheu morrer ao invés de seguir ao meu lado.
Quanto tempo havia se passado desde a última vez em que
fui ali? Muito, muito tempo. Eu recordava com exatidão o dia e o
motivo. O primeiro lugar em que fui quando voltei de viagem após
o aborto que fiz, foi àquele cemitério. A dor e a vergonha que eu
sentia me impediam de ir para casa e fingir que estava feliz e
realizada com a viagem que ganhei de presente, contando com a
confiança das pessoas que me acolheram e confiaram em mim.
Eu me sentia horrível, suja, podre, contaminada pelo mundo.
Uma mentirosa, uma idiota, uma assassina. Sabia que nunca me
perdoaria por ter feito aquela escolha, e ainda assim, depois de
tanto tempo, mesmo sustentando a culpa pelo meu ato, eu não
conseguia enxergar uma solução melhor.
Aos quinze anos fui até aquela lápide implorar pelo perdão
dela. Chorar até não restar mais nada dentro de mim, e me
convencer de que ela, ao menos ela, me entenderia.
Naquele momento eu estava ali para perdoá-la. Engraçado,
não?
Porque eu nunca entenderia a sua dor e os seus motivos para
preferir me deixar, apesar de reconhecer o quanto difícil é
continuar a viver quando nossos pecados convivem diariamente
conosco. Ainda assim, havia dentro de mim uma necessidade de
fazer escada com os meus erros e subir, sempre subir. Então, não,
eu não a perdoava por ter se matado e me deixado para trás, e sim a
perdoava por respeitar e reconhecer a sua dor.
De uma forma ou de outra, a vida tratou de me acolher da
melhor maneira possível. Peter e Mary foram os melhores pais que
uma garota podia sonhar. Eu os amava e era grata. Uma gratidão
verdadeira. Não mais como antes, quando me imaginava como o
bichinho de estimação deles, mas grata como a filha rebelde que
um dia se reencontra e enfim se dá conta do quanto foi injusta com
os pais.
Eu os amava e agradecia por tudo. Pelas mentiras, pelos
segredos, até mesmo pelas regras e pela rigidez. Eu os amava
porque não desejava nada diferente do que eles foram e fizeram por
mim, apesar de todas as pedras que encontrei pelo caminho.
Não posso dizer que não mudaria nada. Afirmar isso seria o
mesmo que dizer que todos agiram de forma correta, o que não era
verdade. Então eu mudaria muita coisa, como o último dia em que
estivemos juntas. Eu teria segurado em sua mão e dito o quanto
apenas esse gesto, simples e muitas vezes ignorado, me fortalecia.
Eu teria dito o quanto a amava, tanto e tanto que a sua falta seria
sentida a cada segundo da minha existência. Mas também teria dito
para ela não ter medo, que os padrinhos fariam um bom trabalho
comigo e que segurariam a minha mão, como seguraram, quando a
dela não conseguisse mais me alcançar.
E eu sabia que minha história com Thomas não deixaria de
acontecer se ela continuasse ao meu lado. Usar a sua morte como
desculpa já havia superado. Thomas foi necessário para o meu
amadurecimento, mesmo com todas as suas consequências. E se ele
não tivesse uma história comigo, certamente eu não teria uma
história com Patrício.
E por isso eu estava ali, naquela manhã, embaixo de chuva,
suportando o frio e longe da minha família. Porque eu tinha algo a
dizer. Algo que precisava falar.
— Obrigada, mãe! — sussurrei da forma como pude, com o
bolo de choro obstruindo a minha garganta. — Fique em paz! Eu
amo você!
Então levantei, limpei as lágrimas que haviam escorrido, e
dei a mão a meu namorado, entrelaçando nossos dedos com a
certeza de que daquela forma, eu estaria pronta para o que tivesse
que acontecer.
O padrinho bateu três vezes com os dedos na mesa do seu
escritório, ruminando sobre tudo o que Patrício acabara de falar.
Enquanto isso, meus dedos gelados não entendiam como os do meu
namorado, agora noivo, estavam tão relaxados.
Patrício aguardava, calmo, impassível, sentado de frente para
o meu padrinho, enquanto o mesmo nada dizia a respeito do seu
pedido de casamento. E eu já havia contato 48 segundos desde que
todos fizemos silêncio naquele escritório.
Por que ele não falava? Por que encarava os dedos sobre a
mesa e mordia as bochechas fazendo, vez ou outra, uma careta,
sem nos olhar e agindo como se não estivéssemos ali? Eu já me
encontrava a ponto de gritar, e detinha a total certeza de que do
lado de fora, tanto Johnny quanto Charlotte, dividiam a mesma
angústia que a minha.
Mas ele nada dizia. Um minuto e três segundos de silêncio.
Ele queria me enlouquecer.
— Padrinho…
Peter ergueu a mão me impedindo de falar, sem me olhar, e
ainda pensando no assunto. Suspirei derrotada, me deixando cair
sobre o espaldar da cadeira. Patrício deu um leve sorriso, também
sem voltar a sua atenção para mim. Ele encarava o padrinho e
esperava, com toda a paciência do mundo.
Um minuto e dezessete segundos. Será que eu era a única ali
que não percebia o quanto aquilo era estranho?
— Você tem certeza, Miranda?
Quase joguei as mãos para cima e gritei quando ele enfim
falou. Por este motivo deixei passar a seriedade em sua voz e falei
de forma aliviada.
— Sim, padrinho.
— Casamento não é como passar algumas noites na casa do
seu namorado — ele continuou. — E exige muito mais do que
apenas amor.
Sorri, não porque sabia o que seria um casamento com
Patrício, o que, de fato, seria sempre uma caixa de surpresas, mas
porque sabia que independente de como fosse, eu teria sempre um
lar, uma família e o amor de pessoas que me acolheriam. E lógico
que eu não podia dizer aquilo em voz alta. O padrinho jamais
acreditaria em meus motivos se o quesito “divórcio” ou
“separação” fosse levantado.
— Se consegui suportar ele até aqui… — Dei de ombros, o
padrinho sorriu e Patrício se virou para mim com toda a sua
indignação. — É, eu acho que aguento. — Nem me dei ao trabalho
de olhá-lo, mas abri um sorriso imenso ao provocá-lo. — E eu o
amo, é claro! — falei sem colocar qualquer emoção em minhas
palavras, apesar de elas estarem presentes.
— Hulf! — Patrício rosnou ao meu lado, me fazendo ampliar
o sorriso. — E eu estou mais preocupado com o dote dela, é claro!
— anunciou.
— O quê? — Eu me voltei para ele sem acreditar em suas
palavras.
— Não é todo dia que tenho uma milionária decidida a me
aturar. É melhor aproveitar a chance e casar, não acha?
— Você é… absurdo!
— Eu também te amo, gata! — Meu namorado piscou para
mim e me presenteou com suas covinhas adoráveis.
— É isso, padrinho. Eu vou suportá-lo, enquanto ele vai
gastar todo o meu dinheiro.
— Sem dó, nem piedade — Patrício acrescentou.
O padrinho olhou de um para o outro sem acreditar naqueles
argumentos toscos. Sinceramente? O que ele esperava de pessoas
como Patrício e eu? Uma declaração melosa de amor? Que Patrício
se ajoelhasse e me pedisse em casamento como nos filmes de
princesas? Jamais!
Pra princípio de conversa, eu nem ficaria com aquele garoto
se ele fosse algo parecido com um príncipe. Nunca faria o meu
estilo. Patrício era tudo o que eu precisava, alguém que me fazia
pensar, que me tirava da caixinha, que me daria as respostas menos
prováveis.
É, passar a vida ao seu lado seria uma diversão. Sem contar
que seria também um prazer. Um grande e delicioso prazer.
— Ok! — O padrinho disse, batendo outra vez com os dedos
sobre a mesa. — E para quando será?
— Logo! — Patrício respondeu.
— Vai demorar um pouco — falei ao mesmo tempo.
— O quê? Por quê? — Meu namorado me olhou confuso.
A verdade era que não discutimos os detalhes e eu ainda não
estava certa sobre revelar meus planos a respeito dos nossos
irmãos. Talvez fosse melhor deixar Patrício acreditar apenas na
parte romântica daquela situação, o que, por si só, já ocupava uma
grande parte. Eu poderia conviver com mais um segredo.
— Porque eu quero o casamento do ano. Não! O casamento
do século! — Menti. Patrício estreitou os olhos não acreditando em
nem uma pequena palavra daquela declaração. — Se é para casar,
então que seja como eu: um acontecimento.
O padrinho riu e balançou a cabeça, refletindo sobre algo só
dele, e que eu tinha certeza, envolvia as suas lembranças com a
madrinha.
Ah, claro! Pensei sentindo o bolo fechar a minha garganta. A
madrinha bateria palmas e me amaria em dobro se estivesse
presente para ouvir aquela declaração. O padrinho também. Então
me senti feliz outra vez. Foi uma ótima escolha, uma decisão certa.
Talvez uma das poucas que tomei em toda a minha vida.
— Tudo bem! — Ele disse ao se levantar. — Já que você
quer um acontecimento, então não teremos problemas com lista de
convidados.
— Claro que não! Vamos convidar inclusive a rainha. O que
acha? — seu olhar enviesado deixava clara a sua reprovação. Para
o padrinho, e sua mente antiquada, reis e rainhas mereciam todo o
nosso respeito.
— Vamos convidar as pessoas que importam — finalizou ao
erguer a mão para apertar a de Patrício, que a aceitou com certa
relutância. — E já que estamos falando em casamento pouco tempo
depois de uma dissolução nada agradável… — acrescentou após
deixar a mão do meu noivo. — Se você magoar a minha filha, eu te
mato! — declarou sem qualquer receio.
— Ah… — Patrício tossiu, incomodado. — Peter… —
Engoliu com dificuldade. — Eu vou casar com Miranda, então…
ela mesma fará isso, pode ficar tranquilo.
— Patrício! — bradei. Meu padrinho riu e deixou o clima
leve.
— Vamos abrir um champanhe e comemorar. E pelo amor de
Deus, deixem Charlotte entrar. A garota está colada a porta —
Peter falou como se flagrar a filha ouvindo atrás da porta fosse algo
trivial. Então a porta abriu com um estrondo.
— Graças a Deus! — Charlotte suspirou ao entrar. — Eu não
suportava mais ficar do lado de fora.
Minha irmã me abraçou com felicidade e riu feito uma boba,
cantarolando “Miranda vai casar, Miranda vai casar” como se ainda
fôssemos crianças. Enquanto isso, Johnny abraçava meu… noivo
— eu precisava começar a me acostumar com a ideia — e dizia as
suas bobagens triviais, como “finalmente alguém vai levar ela
embora”, e “tem certeza de que está fazendo a escolha certa? Não
aceitamos devoluções”.
E eu ri, abracei meus irmãos, meu padrinho, aceitei o
champanhe e comemorei meu noivado com a alegria que ele
merecia. Porque olhando-os assim, todos juntos, sorrindo e
confraternizando, eu tive a certeza de que não poderia ser mais
feliz.
Patrício tinha razão. Não importava quantas rasteiras a vida
me dava. Eu sempre levantaria, me reinventaria, e descobriria uma
nova maneira de alcançar a felicidade. E a felicidade… ah, esta
estava sempre dentro de mim, mesmo que às vezes escondida,
mesmo que às vezes pequenininha, quase inexistente. Era em mim
que ela estava, e isso ninguém conseguiria mudar.
CAPÍTULO 54
UM ANO E ALGUNS
MESES DEPOIS

“Pra maior festa da vida


Quem convida é o amor
O céu acende luzes
E nos faz um favor
Sinceridade no olhar
Linda canção vai embalar
Quero encontrar meu par
Pra minha dança começar.”
Escolhi te esperar - Marcela Taís

Enfim, o grande dia!


O grande dia!
Porra!
Respirei rápido, estilo cachorrinho, incansáveis vezes, antes
de me olhar no espelho do apartamento do meu noivo.
Deus! Eu tive um pouco mais de um ano para organizar
aquela festa e esquematizar o encontro entre Charlotte e Alex, mas
o que mais pesou foi me acostumar a ideia. Não que casar com
Patrício tivesse se tornado um peso. Não era nada disso. O amor
que eu sentia por aquele garoto crescia como erva daninha e se
apossava de mim com tanta propriedade que me deixava atada a
ele, o que, confesso, não era nada ruim.
E a festa de casamento não me assustava em nada. O que me
fazia tremer naquele momento, encarando o espelho, fora o que
escolhi para a nossa lua de mel. Não a primeira lua de mel, que
ocorreria logo após o casamento e que duraria apenas alguns dias
para que pudéssemos retornar para a Bienal, afinal de contas,
Charlotte precisava de mim e a editora de Patrício.
A segunda lua de mel, a que teríamos alguns dias após a
Bienal e que organizei sem o conhecimento do meu marido, essa
sim me assustava com ferocidade. E, porra, eu ainda não estava tão
certa disso. Casar só deixava esse plano mais próximo. Dias que
podiam ser contados nos dedos.
Patrício soube romper tanto as minhas barreiras que mesmo
ainda não estando preparada para inaugurar o nosso clube, nos
divertimos muito durante todo este tempo aproveitando o que
escolhemos para apimentar nossas fantasias.
Acontece que muitas vezes ele tocou no assunto, como se não
tivesse qualquer pretensão. Tentava me encorajar a pensar no
assunto e eu sempre recuava, porque a ideia dele de termos uma
segunda garota entre nós dois, chegava a me sufocar. Por todos os
motivos. E eu sequer conseguia pensar na ideia de termos uma
estranha envolvida conosco em uma relação sexual. Não depois de
tudo o que Carlos Antônio falou.
Então eu tive mais de um ano para me acostumar a ideia e
trabalhá-la em minha cabeça. E foi pela ansiedade causada pela
proximidade da data que acabei na casa de Patrício na nossa última
noite como solteiros. E, para tanto, precisei fugir do padrinho, tarde
da noite, com a promessa de que voltaria antes do galo cantar.
Abri a porta do banheiro, encontrando Patrício quase
adormecido na cama, deitado de bruços. Ele sorriu e abriu espaço
para mim. Meu futuro marido era tão lindo que eu me perguntava
se algum dia me acostumaria com seu corpo tão tentador. Sua
bunda sempre conseguia atrair a minha atenção e eu tinha vontade
de mordê-la todas as vezes.
— Está tarde, gata! É melhor eu te levar para casa. — Fiz
muxoxo e deitei ao seu lado, puxando o cobertor. — Vai criar
problema com Peter no seu último dia como pupila dele?
— Não fale da minha relação com meu padrinho, desta
forma.
— O quê? Pupila? É ruim? — Ele riu com aquela voz rouca
de sono.
— Parece meio pervertido.
— Isso porque você é uma pervertida, Miranda. — Ele
levantou o corpo, pegando-me de surpresa. — Vamos, vou te levar
para casa. Está tarde e eu estou bem cansado.
— E com pressa, pelo visto. — Eu me enrosquei ainda mais
no cobertor, sem qualquer vontade de ir embora.
— Vou passar a vida ao seu lado, Morena. Só não quero
problemas com Peter.
— E eu não quero ir embora — anunciei. Patrício me
encarou com atenção, toda uma teoria se formando em sua cabeça
confusa. — Ainda não acabei com você. — Tentei desfazer o
problema que ele, de forma criativa, deixava se instalar em sua
mente.
— Ah, acredite, gata, você acabou comigo esta noite. E isso
porque teremos uma lua de mel.
— É. A lua de mel — revirei os olhos.
— Qual é o problema, Miranda? Achei que você estava bem
satisfeita com o presente do seu padrinho. Uma semana na Grécia é
tudo o que uma garota pode desejar.
— Esse não é o problema. Eu amo aquele lugar! E uma
semana na quinta avenida, fazendo compras, é tudo o que uma
garota pode desejar. — Ele fez uma careta. Patrício jamais
concordaria com uma lua de mel com compras.
— Então o problema é o casamento? É isso?
— Por que você acha que eu teria algum problema com o
casamento? — Ele me encarou, pensativo. — Passei mais de um
ano organizando esta festa, Patrício.
— Pois é — disse ainda perdido em pensamentos. —
Qualquer mulher ansiosa pelo casamento teria feito isso na metade
do tempo. — Acabei rindo.
— E você acha que foi assim porque eu não queria casar.
— Bom… não sei, Morena, mas você ter vindo aqui esta
madrugada e transar como transou, é suspeito.
— Transar como transei? — Acabei levantando para igualar
nossas alturas, algo um pouco impossível. — Você ficou bem
animadinho quando eu cheguei.
— Eu sempre ficarei animado quando você chegar, Morena!
Pode contar com isso. — Estreitei os olhos, encarando-o com
frustração. — Só não posso negar que você está estranha.
— É lógico que estou, Patrício! Amanhã é o nosso
casamento! — Ele me encarou daquela forma que deixava clara a
sua confusão.
— Você disse que não tem qualquer problema com relação
ao casamento.
— Ah, Deus! Deixa pra lá!
Patrício deu de ombros e deitou outra vez, de costas, puxando
o cobertor e encarando o teto. Ainda pensativo.
— Eu só estou… nervosa! Não é assim que as noivas ficam
antes de entrar na igreja?
— Eu sou o noivo, gata! — pirraçou e levou um tapa forte no
braço. — Porra! Essa merda de tapa vai acabar. Você bate forte!
— Bato.
— A partir de amanhã serei seu marido, Miranda, então se
alguém tiver que bater aqui, serei eu. — Estreitei bem os olhos,
indignada com aquela afirmação e Patrício riu, me agarrando e me
deitando na cama. — Quer levar uns tapas nessa bunda gostosa?
Brincou, beijando meu pescoço e me fazendo estremecer de
desejo, pelo beijo e pela ideia. Mas eu era Miranda e não poderia
perder aquela luta. Por isso ergui a mão e dei um tapa gostoso
naquela bunda que tanto me tentava.
— Quem bate aqui sou eu — pirracei. Patrício mordeu forte
meu pescoço. Dei outro tapa em sua bunda.
— Porra, Morena! Seu tapa dói! — Esbravejou.
Dei outro só para provar que eu sempre seria a garota
desobediente. Patrício rosnou, ergueu o corpo, segurou minhas
duas mãos acima da cabeça e me encarou de forma desafiadora.
— Agora, Miranda, você vai pagar por isso.
Ri alto quando ele me atacou, fazendo cócegas e me
instigando a recomeçar.
E foi uma longa noite.

Uma longa noite que prejudicou seriamente o meu


desempenho no dia seguinte.
Eu estava arrasada quando segui com Charlotte para o SPA
onde me prepararia para o casamento. Minha irmã fez questão de
me presentear com aquele momento só nosso e eu aceitei não
apenas porque a amava e queria passar minhas últimas horas de
solteira ao seu lado, sendo hidratada, massageada e paparicada,
mas também porque precisava ter certeza de que Charlotte e Alex
se acertariam.
Aquele era o meu prazo e Johnny não me deixou esquecer
disso nem por um pequeno segundo. Então fiquei ansiosa durante
todo o dia e não consegui relaxar. Ao contrário de mim, que queria
detalhes e provocava minha irmã o tempo todo para colher
novidades, já que um dia antes os flagrei aos beijos na frente do
flat, Charlotte parecia decidida a dedicar aquelas horas apenas a
mim e limitou o assunto, me deixando sem muita saída.
No final do dia eu estava cansada, quase pegando no sono e
sem a certeza de que poderia embarcar com Patrício naquele avião
e me aventurar em nossa lua de mel sem me preocupar se contribuí
para a felicidade de Charlotte ou acabei de uma vez por todas com
a sua felicidade ao forçar a sua aproximação com Alex.
Ela o amava e isso qualquer pessoa poderia testemunhar, mas
parecia querer morrer quando Lipe se aproximava. E eu me
encolhia sempre que Johnny me olhava daquela forma “eu te
disse”. Só que eu estava certa de que eles se ajustariam e mantive o
meu plano.
Porém, deu tudo errado.
Charlotte se recusou a entrar na igreja com Alex minutos
antes da cerimônia e grudou em mim durante a festa, impedindo
que Alex se aproximasse.
— Vamos, Morena? — Patrício sussurrou em meu ouvido,
insistindo, pela milionésima vez, deixar a festa e seguir em direção
aos nossos dias de reclusão.
— Só mais um pouco — pedi.
— Por quê? Até mesmo Peter já foi embora, nós já
cumprimos com os nossos papéis, então vamos enquanto eu ainda
tenho energia para tirar esse vestido. — ronronou beijando logo
abaixo da minha orelha.
— Ainda não. — Tentei me afastar antes que ele me
convencesse e meu, então marido, rosnou frustrado.
— Eu quero comer a minha esposa — falou um pouco mais
alto, me obrigando a puxá-lo para o lado. — Qual é o problema,
gata? — Suspirei cansada.
— Charlotte.
— Charlotte? — Ele olhou pelo salão, procurando pela
minha irmã que se embebedava sem qualquer receio. — Vamos, a
gente deixa ela em casa e você se despede melhor.
— Não! — Foi a minha vez de gritar, segurando-o pelo braço
outra vez. — Não entende?
— De verdade? Não! Charlotte é tão infantil que fez um
show lá fora e agora está fazendo um show aqui dentro. — Encarei
Patrício sem acreditar em suas palavras.
— Culpa do seu irmão!
— Alex? — Ele olhou outra vez para o salão, capturando a
imagem do irmão em um grupo próximo a Charlotte, com Anita ao
seu lado. — Ah! — gemeu, cansado. — Ele nem está comendo
Anita!
— Patrício!
— Alex é tão idiota que só falta se ajoelhar aos pés de
Charlotte e implorar que ela volte.
— Ele a ama! — reclamei, levando as mãos para a cintura e
atraindo a atenção do meu marido, que sorriu de forma escrota.
— Você quer que eles fiquem juntos, é isso? — Concordei
sem nada dizer. — Tire as mãos da cintura, gata. Você está
parecendo a esposa aborrecida e ainda é muito cedo para isso.
— Você é…
— Incrível! O melhor marido que você conseguiria arrumar.
— Um idiota.
— O idiota que vai resolver essa merda e comer a esposa em
seguida.
— O quê?
— Cuide de Charlotte. Eu vou ter uma conversa com o meu
irmão. Alguém aqui tem que ser maduro — resmungou ao se
afastar.
Observei Patrício ir até Alex, sussurrar algo em seu ouvido, e
em seguida os dois deixaram o salão. Que ótimo! Respirei fundo
decidida a dar aquela última cartada.
Cortei o salão marchando como se estivesse partindo para a
guerra. Charlotte perambulava como uma idiota, vasculhando,
fingindo não procurar por Alex. Às vezes eu queria pegar aquela
garota, sacudir pelos ombros e gritar até que ela que entendesse que
não havia outra alternativa para a sua felicidade.
— Charlotte? — ela me olhou de forma débil. Céus, minha
irmã já estava mais do que bêbada. Que merda! — Vamos sentar
um pouco? Meus pés estão me matando!
Ela olhou outra vez para o grupo e depois de volta para mim.
Segurei em sua mão e a puxei até as mesas. Escolhi uma, sentei e a
obriguei a fazer o mesmo. Eu precisava de… sei lá! Qualquer coisa
que curasse a bebedeira dela enquanto Patrício fazia sei lá o quê
para ajudar naquela situação.
— Se eu soubesse que casar cansaria tanto teria pulado a
parte da festa — resmunguei arrancando o sapato e colocando os
pés sobre a cadeira vazia. Onde Patrício estava?
— Sua lua-de-mel só vai acontecer quando você conseguir
acordar — ela disse com aquela voz arrastada que indicava o seu
nível de embriaguez. Pobre Lottie!
— E você acha que já não dei um jeito nisso? — Abri um
sorriso apreensivo, procurando por Patrício e percebendo que Alex
havia voltado para o seu devido lugar, ao lado de Anita.
Puta.Que.Pariu!
O que Patrício fez para dar errado?
— Vou deixar você em casa antes.
— Não!
Minha irmã gritou me pegando de surpresa. Eu só queria tirá-
la de lá. Se Alex ouviu qualquer coisa de Patrício e nem assim
resolveu agir, então eu precisava me assegurar de que Charlotte não
faria qualquer besteira, ou Alex faria, quebrando ainda mais o
coração dela.
Procurei por Patrício, apreensiva demais, tensa. Ele não
estava em lugar nenhum. Quando olhei de volta minha irmã
segurava a taça suspensa, como se preparasse para um arremesso, e
olhava na direção onde Alex e Anita conversavam.
— Charlotte! Pelo amor de Deus! Você já bebeu demais!
Puta que pariu! Puta que pariu! Puta que pariu!
Tentei pegar a taça da sua mão, mas ela se desvencilhou,
bebendo um pouco mais. Eu precisava levar a minha irmã embora.
Nunca me arrependeria de ter casado. Jamais. Contudo,
naquele instante, me arrependi amargamente de ter feito disso uma
estratégia para unir Alex e Charlotte outra vez. Johnny nunca me
daria paz. Aliás, eu nunca teria paz. Minha consciência pesaria por
toda a eternidade. Ri balançando a cabeça, sem acreditar no quanto
estúpida eu fui por acreditar que Charlotte aguentaria a barra.
— Tudo isso por causa dele?
— Tudo isso por minha causa. Porque eu deveria estar
sapateando no coração daquele babaca, mas olha só. Estou aqui
como a pobre ex-esposa infeliz, enquanto aquele filho de uma puta
desfila com aquela vagabunda, esfregando a sua felicidade em
minha cara.
Suspirei, triste, derrotada, cansada daquele jogo que só nos
levava à infelicidade.
— Ah, Charlotte! Você está bêbada demais para notar que é
Anita quem está forçando a barra. Alex já tentou se desvencilhar
várias vezes, mas ela grudou nele como um carrapato.
— Eles que morram.
Eu me inclinei limpando o seu rosto quando percebi que a
música mudou. O que antes parecia ser algo mais animado, virou
um som romântico. Olhei para onde a banda se instalou e vi
Patrício descendo do palco com pressa. Nossos olhos se encontram.
Meu marido piscou para mim e fez sinal com a cabeça. O que ele
estava pensando, que eu largaria Charlotte naquele estado só para
termos uma lua de mel?
Não. Eu não deixaria Charlotte sozinha.
— Ele ama você! — falei encarando minha irmã que nem
havia percebido que eu havia ficado tanto tempo calada. Ela olhava
fixamente para Alex e Anita outra vez. Eles pareciam que não
estavam se entendendo.
— Ele me traiu. Ele. Me. Traiu. E ainda tem aquele menino...
perturbador. Viu quantas vezes ele se agarrou ao meu vestido?
Aquilo foi... desconcertante.
Ah, Deus! Eu podia ter errado quanto a tudo, inclusive
quanto a maturidade de Charlotte para aquele relacionamento,
porém, nunca errei quanto ao tamanho do seu coração. Charlotte
era como a madrinha. Tão capaz de amar que nem percebia quando
isso acontecia. A maior prova disso era a maneira como Lipe
conseguia perturbá-la. Não de uma forma ruim.
— Você gosta dele. — Coloquei minha mão sobre a dela,
impedindo-a de continuar se embriagando. Pelo menos eu podia
justificar dizendo que precisava de contato físico e não que a
repreendia.
— Não gosto não! Ele me deixa desarmada. É só porque é
uma cópia fiel do pai. E o menino não tem culpa, e... não quero
falar sobre ele. Alex deveria prestar mais atenção no filho e mantê-
lo longe de mim.
Acabei rindo. Assim como Charlotte se sentia fascinada por
Lipe, a vida tratou de dar aquele empurrãozinho e deixou Lipe
fascinado por ela também. Aquilo era quase… espiritual. Se eu
acreditasse nessas coisas. Mas quando eu os via juntos, mesmo
com Charlotte tão tensa, eu sabia que ela podia amá-lo, e que ele
podia ser o que ela precisava.
E então eu pensava que talvez, a questão da minha irmã não
fosse Alex. Sim, ela o amava como nunca fui capaz de assistir a um
amor antes. Entretanto, durante aqueles quase três anos eu vi a dor
de Charlotte se transformar da traição para o fato de ela não poder
dar a Alex aquilo, um filho dele para eles amarem. E era com isso
que Charlotte se defendia, como fez no dia em que conheceu Lipe e
voltou para casa chorando. Era aquilo que ela precisava.
— Você fugiu do Alex a noite toda. Ele se aproveitou do fato
de o Lipe estar tão encantado por você, mas você não lhe deu
nenhuma chance.
Minha irmã encarava Alex e Anita com uma mistura de
sentimentos que me alertava. Então vi Patrício do outro lado do
salão, gesticulando, me chamando como um… ah, céus! O que ele
queria?
— Não tenho mais nada para conversar com ele — ela disse
cheia de fúria.
— Charlotte, você está bêbada. Pare de olhar para eles como
se quisesse matá-los.
— Eu posso?
— Não! – Tive que rir.
Quando eu poderia imaginar que o dia do meu casamento
seria tão louco? Aliás, como eu não poderia ter previsto aquilo
quando nada no meu relacionamento com Patrício ocorreu de
forma normal?
— Fique bem aqui. Patrício já fez um milhão de sinais para
irmos embora. Só vou se você concordar em ir também. Vou ao
banheiro e já volto. Caralho, nem sei como faço para conseguir
fazer xixi com este vestido. Fique aqui.
Ela riu quando saí e levei a sua taça junto. Pelo menos a
impediria de atacar Anita. Um dia minha irmã me agradeceria por
isso.
No meio do caminho Patrício me interceptou e me levou para
longe.
— O que aconteceu?
— Alex está tentando se livrar de Anita. — Seu sorriso ficou
imenso, como se tivesse salvado a noite.
Ah, merda! Aquela noite seria um desastre. Se eu já estava
tensa, depois daquilo então… não! Eu não conseguiria ir até o fim.
— Patrício, Charlotte está bêbada. Eu vou levá-la embora.
— O quê? Mas você disse que…
— Eu sei o que disse, só não sabia que seria assim!
— Morena… — Patrício colocou as mãos em meus ombros
me obrigando a encará-lo. — Alex vai levá-la para casa.
— Não!
— Por que não?
— Porque Charlotte vai matá-lo! — esbravejei e meu marido
riu. — É sério, Patrício. Não foi uma boa ideia isso.
— Juntar os dois?
— Juntar os dois no nosso casamento — revelei. Ele estreitou
os olhos.
— Eu sabia que tinha algo de errado nesta história, Miranda.
— Ah, Deus! Por favor, Patrício! Não é nada disso! Eu só
juntei o útil ao agradável!
— Útil ao agradável?
— Eu amo você, estou feliz, realizada e isso é o que importa.
— Ele suspirou, deixando os ombros caírem. Meu coração afundou
no peito. Enlacei seu pescoço puxando-o para mim. — Eu amo
você, Patrício! Casaria naquele dia mesmo, quando você pediu a
minha mão pela primeira vez.
— E você disse não.
— Eu disse, mas eu casaria. Qualquer dia. Quando você
quisesse. Acredite em mim.
— Eu acredito, Morena. — Um sorriso debochado brincou
em seus nos lábios. — Mas da próxima vez que quiser armar para
os nossos irmãos, me conte antes.
— Prometo!
Ele me beijou com carinho, me abraçando pela cintura e me
puxando contra seu corpo.
— Podemos ir? Estou muito cansado.
— Podemos, mas eu vou levar Charlotte antes.
— Amor…
— Confie em mim. Vai ser melhor assim.
Voltei para o local onde deixei minha irmã e o que vi me
deixou assustada. Parados no meio do salão, Alex e Charlotte
discutiam. Merda! Eu precisava acabar com aquilo.
— Miranda! — Patrício me segurou pelo braço. — Deixe
Alex resolver isso.
Voltei a olhá-los sem acreditar que Charlotte subia mesmo no
palco. O que ela estava fazendo?
— O que ela vai fazer? — Johnny falou atrás de mim.
— Alguma merda — Patrício respondeu e eu pisei em seu pé.
— Ai! Merda, Miranda! — Então recebi um tapa na bunda. —
Você vai pagar por isso.
Olhei para meu marido e depois para meu irmão que fingia
não rir e continuava encarando Charlotte enquanto a música
conhecida tocava.
— E vamos ao show! — Patrício disse quando I’m not the
only one começou a tocar e minha irmã a cantar.
Puta merda!
Patrício gritou me abraçando, quando Alex assumiu o outro
microfone. Deus! Sorri largamente. Deu tudo errado! Tudo! Mas
ainda assim, no final, deu certo. Porque quando Charlotte começou
a chorar acusando Alex com a letra da música, Alex fez o
inacreditável, ele a agarrou ali, no palco, na frente de Anita, da
banda, de todos. Alex beijou Charlotte e ela retribuiu com todo o
seu amor.
— Bom trabalho! — Johnny disse me dando dois tapinhas no
ombro.
— É. Bom trabalho! — Patrício sussurrou em minha orelha,
mordendo meu lóbulo. — Agora eu quero arrancar esse vestido de
você e te mostrar o que acontece quando se é uma mocinha tão
desobediente.
Sorri para ninguém, talvez para o universo, como uma garota
má de fato, e aceitei ser levada de lá com a certeza de que,
finalmente, tudo começava a se encaixar.
CAPÍTULO 55

“Se uma coisa louca sai do seu olhar


Fique em silêncio, deixe o amor entrar
Prá que tanta pressa de chegar?
Se eu sei o jeito e o lugar”
Anjo - Roupa Nova

Embarquei no avião do padrinho sem qualquer preocupação.


Patrício logo atrás de mim, se mantinha sério, concentrado. A
tripulação nos atendeu com todo o luxo que eu já esperava e que
não constrangia o meu marido, graças a Deus.
Eu me sentia em paz, apesar de tudo. Estava decidida a
relaxar e só pensar no outro plano quando chegasse a hora de
executá-lo. Por enquanto eu seguiria com o meu marido para a
Grécia e aproveitaria as praias deliciosas, na casa que o padrinho
usava para alugar a grandes empresários, na ilha de Mykonos,
especialmente os que estavam ligados aos seus interesses, como
empresas de desenvolvimento de aparelhagem hospitalar, ou
qualquer coisa assim.
Eu, pessoalmente, conhecia um CEO, delicioso, por sinal,
que adorava o local e fazia as suas reuniões sem qualquer
cerimônia. Mas ele era passado. Foquei minha atenção no meu
marido que aceitava a taça de champanhe que a comissária lhe
servia e me perguntei se o que eu tinha em mente afetaria o meu
marido de alguma forma.
— Será que Alex e Charlotte se acertam agora? — perguntou
bebericando o seu champanhe.
— Tenho certeza que sim. Quer dizer… tenho certeza que
eles vão transar — revelei e Patrício riu. — Ou que vão me dar um
pouco de paz por alguns dias.
Depois daquela exibição deles dois, eu duvidava que minha
irmã precisasse de mim nos próximos dias.
Vestida ainda de noiva, um pedido do meu marido, que, no
entanto, já estava em meus planos, pois fazia parte da surpresa, eu
o olhava de soslaio, bebericando o seu champanhe de tempos em
tempos e tentando não me agarrar, já que estávamos sob a mira de
dois tripulantes.
E, confesso, precisarmos nos comportar acrescentava um
sabor todo especial ao que eu estava prestes a fazer. Aguardei até
que nossas taças fossem retiradas e o voo fosse anunciado. Não
seria direto. Precisaríamos fazer uma escala em Portugal, abastecer,
e depois seguir viagem.
Assim que a aeronave decolou e todas as permissões foram
dadas, vi meu marido reclinar sua poltrona e fechar os olhos.
— O que vai fazer? — Ele me encarou, um pouco assustado.
— Hum!!! — Patrício puxou a gravata, desfazendo o seu nó
e a deixou sobre a mesinha de centro. — Estou bem cansado, e já
que teremos uma viagem longa…
— Você vai dormir? — falei mais alto, assustando-o. Ele
olhou para trás, procurando pela comissária.
— Ah, gata! O que mais podemos fazer aqui nas próximas
horas?
— Aqui? Nada! — Sua expressão de confusão foi hilária. —
Mas na suíte reservada para os noivos, muita coisa.
— Uma… suíte? Aqui? — Revirei os olhos.
— Você acha mesmo que eu iria até a Grécia vestida de
noiva?
— Ah… sei lá, Morena! Pensei que era uma maneira de me
agradar, já que eu quero muito poder tirá-lo de você.
— Quer mesmo?
Levantei meu pé direito e, por baixo da mesinha, consegui
levá-lo até o meio das suas pernas. Patrício arquejou e voltou a
procurar pela comissária.
— Preocupado? — pirracei, deixando o sapato de ponta fina
brincar no meio das suas pernas. Patrício se ajeitou na poltrona.
— Aquela mulher pode voltar a qualquer momento — ele
disse, visivelmente nervoso.
— E daí? — Abri o maior sorriso.
— Porra, Miranda! Você não quer que outra mulher entre em
nossa relação, mas fica toda confortável com a ideia de alguém nos
surpreendendo em um momento íntimo.
— Ela já deve ter visto coisas piores — resmunguei,
recolhendo o pé e incomodada com aquela insitência dele em trazer
aquele assunto à tona.
— Aqui, no avião do seu padrinho? — ele riu. Duvido muito.
— Patrício, se você quer mesmo tirar o meu vestido, é
melhor levantar essa bunda deliciosa desta poltrona e me seguir.
Irritada, desafivelei o cinto e segui para o fundo da aeronave.
— Miranda? — O ouvi chamar, e decidi ignorar.
Se Patrício acreditava que eu ficaria com o vestido até o final
da viagem, estava muito enganado. E se cogitava que eu aguardaria
até lá para ser comida, era melhor começar a reconsiderar a ideia de
casamento.
Entrei na suíte, arrumada para nos receber, organizada de
forma romântica, com pétalas de rosas sobre os lençóis, o que me
fez me perguntar se aquilo fora ideia de Charlotte ou do padrinho.
— Hum! Legal aqui.
Olhei para o meu marido, que se segurava com as duas mãos
e exibia um certo temor no rosto. Eu quase ri. Quase. Se não
tivesse percebido que ele estava com medo de verdade.
— Você já voou antes, esqueceu?
— Não para ficar assim, solto, em uma… — engoliu com
dificuldade. — Cama.
— É o mesmo que estar na poltrona, Patrício. Se preferir
podemos transar lá mesmo.
— Você seria louca o suficiente para isso.
Seria? Pensei no assunto. Não, eu não seria. Apesar de tudo,
eu ainda mantinha a necessidade de não decepcionar o padrinho. E
não queria que ele fosse motivo de comentários.
Patrício continuava parado, as duas mãos escoradas nas
paredes ao lado da porta, e o pânico em seu rosto. Respirei fundo.
Seria uma longa viagem.
— Tudo bem, amor — falei calma. — Eu só vou me livrar
desse vestido, tomar um banho e descansar um pouco antes de
chegarmos. Você pode voltar para a poltrona.
— Você vai ficar aqui?
— É seguro, Patrício. Mas se você vai se sentir melhor, volte.
Tentei ser o mais convincente possível. Ele olhou para a
cama, depois para a porta fechada, respirou várias vezes, como se
estivesse faltando o ar, e acabou concordando. Porra! Depois de
tudo eu ainda teria que vencer o medo daquele garoto inusitado.
— Antes de voltar... — comecei. — Poderia me ajudar com o
vestido? Eu não consigo descer o zíper.
Eu me aproximei com cuidado, permitindo que ele vencesse
o medo para pelo menos largar as paredes. Meu marido se pôs atrás
de mim e tratou de descer o zíper que revelaria a segunda parte
daquela surpresa. A alça grossa desceu junto com o restante do
tecido, revelando um corpete branco, tomara que caia, rendado e
muito sensual. Mas foi quando o vestido desceu até o chão que ele
pôde ver o quanto eu era ousada.
Sorri travessa e mordi o lábio.
— Puta que pariu, Miranda! — Patrício rosnou. — Diga que
você não entrou na igreja sem calcinha — implorou. As mãos nas
meias brancas que se prendiam ao corpete pela cinta liga, e
destacava a inexistência da peça a qual esperava encontrar.
— Nunca disse que seria um casamento tradicional.
— Não disse — mencionou ainda de baixo, as mãos tocando
minhas coxas com certa devoção. — Isso aqui não é nada ortodoxo.
Suas mãos subiram por minhas coxas, pela parte interna, até
chegar em minha vagina lisa e já úmida. Meu marido gemeu ao
roçar os dedos em mim. A entrega começando a acontecer.
— Você vai para o inferno, menina — brincou. Meu sorriso
alargou.
— E eu também nunca te prometi o céu — pirracei.
Então, sem que ele esperasse por isso, virei em sua direção,
deixando-o de cara com minha vagina, e acariciei seus cachos
amansados para que ele se tornasse um noivo tradicional.
Seus olhos correram meus quadris com devoção e satisfação,
esquecendo o medo. Enquanto isso, suas mãos continuavam em
mim, subindo e descendo, brincando com minha libido, me
atiçando.
— Você gosta de afrontar — ronronou, os lábios indo até
minha coxa e roubando um pouco do meu ar. — Gosta de fazer
isso com as pessoas, de rir da cara deles enquanto pisa em suas
regras. — Seus dentes se fecharam na parte interna da minha coxa,
quase no meu sexo.
— Que regras? — colaborei, excitada e ansiosa para que
aqueles lábios grossos realizassem o meu desejo. — Eu faço as
regras.
— Faz, gata! — admitiu já perdido em minha sedução.
Aprofundei meus dedos em seus cachos. — Você faz todas as
regras.
Sua boca então invadiram minha vagina me fazendo gemer
alto, de expectativa e desejo. Patrício me puxou como se manter
seus lábios entre as minhas pernas pudessem salvar a sua vida. Sua
língua me provou, lambeu e provocou, estimulando meu clitóris e
fazendo minhas pernas tremerem.
Precisei me segurar na parede quando a sensação gostosa
começou a se avolumar no meio das minhas pernas. Ele não parava
de me chupar com devassidão, esquecido do medo, de onde
estávamos ou até mesmo das pessoas do lado de fora que, de certo,
saberiam o que estávamos fazendo.
E então ele me puxou mais, me mordendo, explorando minha
carne, chupando com vontade, me invadindo com sua língua
atrevida, e quando pensei que gozaria, pois era só o que faltava
para completar o quadro, meu marido levantou, sua altura
ganhando volume sobre mim, seus olhos selvagens.
— Patrício… — ronronei.
— Você faz as regras, Morena, mas aqui, entre quatro
paredes, quem manda sou eu.
E ele me atacou, exigindo minha boca, as mãos me
apalpando, me exigindo, o corpo me obrigando a segui-lo até que
eu estivesse sobre a cama. Patrício sentou em minha cintura e
puxou o corpete para baixo, deixando meus seios livres.
— Eu amo esses seios! — Abocanhá-lo um, depois o outro,
me torturando por incansáveis minutos. Mordendo o bico enquanto
a outra mão se enfiava entre as minhas pernas e seus dedos me
invadiam em uma masturbação deliciosa.
— Ah, Deus! — gemi, sentindo o orgasmo se aproximar.
— Agora não, gata.
Patrício levantou, ficando de joelhos no colchão, me
mantendo entre as suas pernas, desabotoou a camisa, arrancando-a
do corpo. Rocei minhas unhas em seu peito, vendo-o ficar
arrepiado. Meu marido abriu a calça e abaixou para que seus
quadris ficassem livres. Mas não me penetrou.
Sua mão foi até a sua ereção e iniciou o processo de se
mastrurbar, enquanto me olhava daquela forma que parecia
incendiar meu corpo.
— Faça, Morena. Faça por mim.
Suplicou, e, sem qualquer bloqueio, levei os dedos entre as
pernas e comecei a me mastrubar também, Ele gemeu alto, eu
retribuí, me entregando. Com meus dedos firmes nos movimentos
certos para me dar prazer, levei a outra mão ao seio, apertando-o,
deixando que todo o meu corpo participasse da entrega.
Enquanto isso, Patrício, sem deixar de se masturbar, desceu
entre minhas pernas e lambeu minha vagina.
— Ah! — gritei alto, me contorcendo, ciente de que o
orgasmo me deixaria alucinada.
— Agora… — ele disse segurando a minha mão e se
inclinando sobre mim para alcançar meus lábios. — Se eu soubesse
que você estava sem calcinha, teria te chupado dentro da igreja,
gata.
— Puta merda! — gemi, meu corpo todo sensível, a ideia se
formando em minha cabeça e alimentando toda a fantasia, me
conduzindo ao limite.
— Eu ia te encostar na sacristia, me enfiar embaixo do seu
vestido e te chupar até que você gozasse em minha boca. — Ele
falava e roçava o pau na minha entrada, sem me invadir.
— Patrício…
— E você ia deixar. — Sua voz indicava um sorriso que eu
não tinha coragem de encarar. Eu estava ofegante, ansiosa, excitada
demais. — Ah, gata, você ia deixar! — ronronou completamente
seduzido com a fantasia.
— Eu ia… eu cairia de joelhos e te daria o melhor orgasmo
da sua vida. — Entrei no jogo, saboreando a fantasia. — Chuparia
seu pau daquela forma que você adora!
— Ah, Morena! — Ele gemeu alto, roçando a cabeça do pau
em meu clitóris.
— Deus! Eu… Patrício… por favor!
— Agora mesmo, meu amor!
Ele me penetrou sem qualquer cuidado, uma estocada só,
firme, forte, indo bem fundo, alcançando todos os meus pontos,
como sabia que eu gostava, e então parou, me encarando, se
esforçando para não gozar antes do tempo.
— Porra, Miranda! Eu sou tão louco por você que estou aqui,
em cima de uma cama, dentro de uma avião, te comendo.
Enrosquei minhas pernas em sua cintura e o agarrei pelo
pescoço com meus braços.
— E eu sou tão louca por você que não suportaria tantas
horas sem te sentir assim, dentro de mim.
— Ah, gata!
Ele começou a arremeter, indo e voltando sem pressa,
curtindo o momento, o corpo sobre o meu, nossas peles coladas,
roçando, os movimentos curtos, estimulando todas as minhas
terminações nervosas. Ele me beijava, eu o arranhava, tocava seu
corpo, puxava-o para mim, desejando ser inteiramente dele.
E quando o orgasmo me atingiu, não fechei os olhos, encarei
meu marido, assistindo de perto a nossa primeira entrega como
marido e mulher, e enxergando, de que forma o amor se revelava
quando duas pessoas como nós, resolviam que queriam passar a
vida juntos.
Foi lindo de assistir, foi lindo de sentir. E pela primeira vez
eu enxerguei, qual era o formato do amor. E ele cabia bem ali, na
junção dos nossos corpos.
CAPÍTULO 56

“Meu amor, deixa o tempo se arrastar sem fim


Meu amor, não há mal nenhum gostar assim
Oh, meu bem, acredite no final feliz
Meu amor, meu amor”
Final Feliz - Jorge Vercillo

Muita coisa aconteceu desde que voltamos da nossa lua de


mel. Primeiro que antes mesmo de conseguir voltar para casa,
Márcia me telefonou avisando sobre as matérias que haviam saído
sobre Charlotte e Thomas, e como minha irmã fora infantil o
suficiente para inventar um noivado para fazer ciúme ao ex-marido,
eu sabia que daria merda. Mas relaxei.
Patrício me garantiu que Alex e Charlotte acabariam se
resolvendo de uma vez por todas, então a primeira coisa que fiz
quando deixei as malas em nossa casa e tomar um banho, foi dar
mais um passo para a minha evolução. Com meu marido ao meu
lado, desci até a garagem onde estava o carro que encomendei, e
que, com toda certeza, foi modificado e ajustado pelo padrinho,
com o aval de Patrício, para que ele fosse seguro o suficiente para
mim.
Depois de descobrir que minha mãe não havia morrido
atropelada por um bêbado, acabei me convencendo que me faria
bem dirigir. E eu sabia dirigir. Tinha licença de motorista tanto no
Brasil quanto na Inglaterra. Só não tinha coragem. Porém, depois
de tudo o que passei, coragem passou a ser o meu sobrenome,
depois de Middleton e Frankli, claro.
E com o tempo passei a sentir gosto pela atividade. Dirigir
me dava um prazer de superação que me excitava. Nos primeiros
dias Patrício ficou surpreso todas as vezes em que cheguei na
editora e tranquei a sua porta exigindo seu corpo. Mas depois fui
relaxando e entrando no ritmo normal.
A Bienal do livro de São Paulo estava próxima, todos
trabalhavam muito, Patrício chegava todos os dias exausto e eu,
muitas vezes, continuava no escritório, resolvendo as questões que
envolviam as minhas agenciadas.
Começou logo depois que retornamos da lua de mel. Patrício
chegou em casa apaixonado, jantou com satisfação, subiu, tomou
um banho e foi até o escritório me encontrar.
— Olá, gata! — ele disse cheio de más intenções.
— Só mais um minuto, amor. — Voltei a olhar para a tela do
computador, selecionei uma parte do texto e coloquei o comentário
que precisava.
— Vamos no outro lado hoje?
Era assim que ele chamava a outra cobertura. Olhei para ele
sem querer me recusar, mas a verdade era que eu estava exausta
para algo mais elaborado. Um vinho branco e sexo calmo cairia
melhor.
— Pensei que esses dias estavam te esgotando — brinquei.
— E estão, Morena! Por isso mesmo quero colocar essa
energia para fora.
— Podemos colocar essa energia para fora em qualquer outro
lugar, Patrício.
Ele entrou no escritório, seus passos um pouco mais felinos,
seu corpo inteiro cheio de malícia.
— Quer dar uma volta? — Acabei rindo. Se eu não tinha
disposição para ir ao apartamento ao lado, quem dirá sair de casa.
— Alex pediu para eu pegasse um livro. Pensei em de lá
estendermos e…
— Tem certeza? Eu estou exausta!
— Eu dou um jeito nisso, gata! — Ele se inclinou, beijando
meu pescoço.
Gemi, mas de cansaço. Tudo bem que eu sabia que casar,
viajar para a lua de mel e voltar com tão pouco tempo para a
Bienal, causaria aquele colapso dentro de mim, mas daí a começar
tão cedo, a criar problemas no meu casamento não era uma opção.
Por isso fiz o que ele pediu: subi e me arrumei como se
estivesse saindo para caçar. O que ele pretendia com aquilo eu não
conseguia entender.
Então fomos até a casa do Alex, que, apesar de tudo, eu
adorava ir por causa do Lipe. Aquele menino conseguia despertar
em mim todos os meus hormônios maternais.
— Ô, Tia Mimi. Um digossalo! — Fingiu rugir, fazendo
careta e arrancando uma risada minha.
— É o Dinossauro mais bonito que eu já vi, Lipe.
— É sério, Patrício! O livro chegou ontem as minhas mãos.
O escritor é jamaicano. Está em inglês, você dá conta. — Alex
falou voltado para onde estávamos.
— Se eu não der, Miranda consegue.
— Eu já estou cheia de trabalho — reclamei. Meu marido se
aproximou e me deu um beijo no ombro.
— E aí, Lipe! Tá pintando uma lagartixa?
— Um digossalo! — respondeu aborrecido e fez outra vez o
som do bicho para intimidar o tio bobo. Patrício se encolheu.
— Vamos, amor?
Meu celular vibrou indicando uma mensagem. Johnny;

“Vai curtir hoje ou ainda está de lua de mel? Até Charlotte


caiu na farra com a gente.”
E enviou uma selfie. Ele, Charlotte e Thomas no balcão do
bar que parecia uma boate.
Ah, droga! — Gemi. Patrício se aproximou, conferindo a
imagem.
— Eles estão em uma boate? — falou alto demais, ganhando
a atenção do irmão. Olhei para Alex, sem saber o que dizer.
— Só um instante.
Precisei me afastar deles, decidida a alertar Charlotte daquela
confusão. Ela atendeu logo em seguida.
— Charlotte! — falei baixo, mas ela não conseguia me ouvir.
— Charlotte! — Gritei mais alto.
— Oi! Eu estou em uma boate, não consigo ouvir direito.
Onde você está? — gemi descontente.
— Na casa do Alex!
— Você está onde? — Ela gritou alarmada.
— Por que você saiu sem me avisar? Que droga, Charlotte! E
com o Thomas! — Precisei me afastar um pouco mais. — O que
pensa que está fazendo? Já pensou quantas fotos suas teremos
amanhã e…
— Eles me obrigaram. É a última noite do Thomas no Brasil.
O que você faz na casa do Alex?
Olhei para trás, conferindo que os dois prestavam atenção na
minha conversa.
— Nós deveríamos ir para lá — Patrício falou para mim,
incluindo o irmão no seu plano. Virei de costas e me afastei mais
um pouco.
— Você está com problemas. Eu nunca vi uma pessoa gostar
tanto de ter problemas. Já estamos indo.
E foi assim que tudo começou. O que era para ser uma noite
tranquila, curtindo ao lado do meu marido, aproveitando o meu
casamento recém consumado, se tornou o início da nossa tragédia.
Porque nós fomos até Charlotte, e ela, claro, fugiu ao encontro do
namorado, nos deixando na boate com Johnny e Thomas.
Thomas.
Tudo o que eu menos queria naquele dia.
Patrício se incomodou de imediato, mesmo sabendo que ele
estaria ali, mas resolveu ficar. Dançamos, bebemos um pouco e o
inferno começou.
— Esse lugar é uma loucura, gata — falou ao meu ouvido,
em um canto um pouco mais reservado, apesar do espaço cheio. —
Todo mundo aqui parece prestes a aceitar um convite.
Demorei para entender o que ele queria dizer com aquilo, e
quando me dei conta, entendi muito mais. Era aquela a intenção de
Patrício, me fazer voltar a ser a antiga Miranda, e buscar aventuras
para apimentar o nosso relacionamento.
Merda!
Tive vontade de socá-lo no mesmo instante. Ele sabia de
todas as minhas dúvidas, dos meus receios, do medo que eu tinha
de inserir qualquer pessoa entre nós dois. E ele tinha dito que
esperaria o tempo que eu precisasse. Além do mais, eu já tinha tudo
esquematizado, do meu jeito e no meu tempo.
— Não, Patrício! — fui direto ao ponto.
— Morena, não estou te forçando a nada. É só que… Poxa,
nós fomos naquele clube lá na Grécia e foi tão legal.
— Fomos só nós dois.
— Sim, mas foi legal assistir, dar uns amassos, fantasiar… —
me puxou para os seus braços, com toda a malícia que acreditava
que conseguiria me envolver. — E até hoje nunca convidamos
ninguém para a cobertura. Eu pensei que depois do que fizemos lá
na Grécia…
— Ah, Patrício! Dá um tempo! — reclamei. Ele respirou
fundo, entornou a cerveja na boca e não tocou mais no assunto.
E assim encerramos a noite como se nada tivesse acontecido
e aquela conversa estivesse esquecida. Demorou para perceber,
mas, dois dias depois, quando me dei conta, o clima estava
estranho dentro de casa. Não na cama, claro! Mas fora dela com
toda certeza. Meu marido se fechou, alegava cansaço e passava a
maior parte do seu tempo livre, na frente da TV jogando
Playstation.
No primeiro dia ignorei, achei que era coisa de homem, e em
especial, de homens como Patrício, e, como estava mesmo muito
ocupada, deixei de lado. No segundo dia dormi sozinha na cama,
pois quando ele acabou de transar, ficou se revirando na cama até
desistir de dormir e levantar para jogar. Pegou no sono no sofá.
Eu não sabia mais o que fazer. Nem a quem recorrer.
Quanto tempo estávamos casados? Quinze dias? Dez? E já
estávamos na nossa primeira crise?
Puta que pariu!
— Você precisa do quê? — resmunguei com Charlotte
quando ela desligou o celular animada e me informou que
precisava de carona para ir até a casa do Alex.
— Ligar a máquina de lavar do Alex. É simples. Não vai
demorar nem dez minutos, Miranda. Prometo!
— Mas… nós estamos fechando a sua agenda!
— Dez minutos. Anda! Vai ser rápido.
Minha irmã, animada demais, me obrigou a acompanhá-la. E
eu não conseguia deixar de pensar no fato de sempre estarmos em
climas diferentes. Ela apaixonada e feliz, mesmo com todas as suas
dúvidas quanto ao que fazer com aquela relação, e eu apaixonada e
vendo meu casamento desmoronar com menos de um mês.
— Olha, não fique tão desanimada. Patrício estava ótimo lá
na boate. Eu não vi nada além da idiotice normal dele.
— Ah, claro! — Revirei os olhos. — Esse é o problema. Ele
fica bem e fica péssimo. Chega em casa animado e diz que precisa
passar na casa do Alex. Eu vou junto para não perder a sua
animação, nós vamos para a boate atrás de você e ele acha tudo
divertido, e então quando voltamos para casa… — a porta do
elevador abriu me impedindo de continuar, pois o linguarudo do
Vítor estava lá.
— Oh, as garotas Middleton! — ele disse cheio de graça.
Charlotte sorriu e eu não consegui.
Dirigi como uma louca pela cidade, fazendo minha irmã se
encolher no banco todas as vezes que eu cortava alguém e abria a
janela para dar o dedo do meio.
— Meu Deus! Ainda bem que esse carro é da forma como
meu pai gosta — ela resmungou.
Parei em frente a guarita do condomínio em que Alex morava
e ela desceu para buscar a chave, voltando logo em seguida toda
sorridente. Estacionei na frente da casa dele e deixei minha irmã
sair, aguardando por ela dentro do carro.
Assim que Charlotte desceu eu sabia o que fazer. Sabia que
precisava dar aquele passo por mais que deixasse minhas mãos
frias e meu estômago dolorido. Peguei o celular e busquei na
agenda o número que havia roubado do celular do meu marido sem
que ele percebesse.
— Alô?
A garota atendeu sem reconhecer meu número. Pudera, eu
jamais havia entrando em contato com ela, mesmo com tudo o que
já havíamos vivido juntas.
Eu precisava daquela segunda lua de mel com toda certeza. E
de um choque em meu marido, para que ele voltasse a realidade.
No entanto, seria do meu jeito, e conforme a minha vontade.
Patrício precisava começar a entender quem mandava
naquele jogo.
CAPÍTULO 57

“Quem vive de princípios


Não tem meios, nem fins
Eu quebro as minhas leis
Pois só assim elas pertencem a mim”
Escolho você - Sandy

Com tudo esquematizado, com medo, porém, decidida.


Iniciei os primeiros passos para fazer acontecer. Tinha consciência
de que já havia passado da hora de restabelecer aquela conexão que
me ligava a quem eu era, com ressalvas, novas definições e
cuidados extras.
Depois de todos os problemas, de prosseguir com meu
marido se fechando cada vez mais, às vezes agindo de forma
correta e muitas vezes agindo como se precisasse sumir no mundo,
resolvi fazer aquela viagem nem que fosse por apenas uma noite.
Muitas vezes eu queria só chutar o balde e mandá-lo ir a
merda, mas quando minha cabeça esfriava eu entendia que fui a
responsável por toda aquela confusão. Ele tentava e eu recuava.
Prometi a Patrício um mundo que não conseguia dar. Deixava que
meus medos e meus traumas me assustassem ao ponto de me tornar
uma mulher diferente da que ele conheceu.
Sim, apesar de tudo eu não era mais a mesma Miranda. Muita
coisa me incomodava e me fazia refletir. E o pior de tudo aquilo
era que eu reconhecia a minha própria vontade de retornar ao que
eu era, ao mesmo passo que sentia a profunda necessidade de
recuar quando lembrava das palavras do homem que deveria me
defender e proteger.
Então eu daria aquele passo, estava decidida, mas não tinha
coragem de contar a Patrício porque queria o direito de desistir no
momento em que quisesse sem precisar alimentar os problemas
dele.
Decidi tudo só. Assim como desmarquei inúmeras vezes.
Tudo parecia acontecer para nos impedir.
O que eu temia? Não fazia ideia, ou fazia, mas não gostaria
de ruminar sobre elas para que não desistisse no meio do caminho.
Então era isso. Só que quando eu estava decidida e não
voltaria atrás, Patrício recebeu a ligação avisando que Alex havia
sofrido um acidente, e meu plano foi esquecido, assim como a
necessidade do meu marido de fazer aquele casamento dar certo.
Alex, o atual namorado da minha irmã, e seu e-marido,
sofrera um acidente quando saiu na chuva para buscar Felipe na
natação. Seu carro, preso no alagamento, foi projetado para cima
devido a uma explosão de um bueiro. Um acidente horrível,
desesperador. Machucou não apenas ao meu cunhado, como a vaca
da Anita, que, lógico, continuava presente em sua vida, e Marta, a
sua empregada e babá do Lipe nas horas vagas.
O acidente de Alex foi a gota d’água. Voltamos para casa no
meio do caminho, rumo a Angra dos Reis, no iate do padrinho. E
isso não apenas por mim, mas pelo meu marido que se desesperou
quando soube do acidente, e eu ainda precisava avisar a Charlotte.
E, no final das contas, ao invés de passar a noite como eu
havia planejado com o meu marido, dormimos na casa de Dana,
minha sogra, que estava muito abalada apesar do filho não correr
mais qualquer risco.
Dormimos no antigo quarto de Patrício, que, graças a Deus,
Dana não havia se desfeito. Meu marido parecia mais relaxado,
como se voltar para a casa dos pais resolvesse todos os seus
problemas. Suspirei cansada.
— Pelo menos hoje não tem Playstation.
— Não tem, mas vamos ter muita diversão, gata! — ele disse
ao se atirar sobre mim e fazer amor como se nenhum problema
pairasse sobre a gente.
No final, ele dormiu e eu fiquei encarando o teto, acariciando
seu cabelo e me perguntando por que estava dando errado?
Depois disso foi uma bagunça só. Uma bagunça providencial,
admito. Charlotte se ocupou do Lipe, o que não era tão ruim assim,
e também do Alex, o que melhorava as coisas. E eu não tive
qualquer sossego, pois a Bienal do livro de São Paulo estava na
porta e não dava para ignorar o seu chamado.
Ainda precisei auxiliar Charlotte com os cuidados com o
Lipe, alugar um carro para ela, e aturar todo o cuidado com Alex,
até que, enfim, ele recebeu alta e eu pude voltar a pensar em meus
planos.
Desta vez com mais desespero. Patrício tinha insônia e isso
me desesperava. Ainda mais quando descobri, sem que ele
soubesse, que suas consultas mensais com a psicóloga passaram, da
noite para o dia, para semanais. Eu precisava mesmo fazer algo a
respeito.
Então, duas semanas depois, enfrentamos a Bienal do livro de
São Paulo. Um espetáculo e, ao mesmo tempo, um pesadelo para
muitos. E também foi o período mais assustador do meu
casamento.
Concentrada em Charlotte, e Patrício na editora, já que Alex
servia para muito pouco naquele momento, me vi afastada do meu
marido. Nossas agendas não coincidiam, seguíamos cada vez mais
para lados diferentes, mesmo estando dentro do mesmo mundo, o
literário.
Eu não sabia mais o que fazer. Ou melhor. Sabia, mas só
acreditei quando o improvável aconteceu.
No meio da confusão, Charlotte se dividindo entre Lpe, Alex
e a sua carreira, acabei me vendo no meio da tarde, sozinha na sala
reservada aos autores da editora, sozinha com Alex, enquanto
aguardava que Márcia me avisasse que Charlotte estava liberada.
Ele, com o gesso na perna, tentava ser útil de alguma forma,
mesmo que fosse abastecendo o frigobar ou o estoque no estande.
Acabei ajudando-o quando ele demonstrou dificuldade com o
serviço. E foi neste momento que aconteceu. Sem graça e sem
muita animação para interagir, vi Alex me olhar de uma forma
estranha. Então parei e ele falou, não aguardando pela minha
autorização.
— Patrício está com problemas — revelou.
— Percebi. — Meu cunhado me encarou com aqueles olhos
que pareciam arrancar a nossa alma do corpo, ponderando se
deveria mesmo ter aquela conversa.
— O problema dele está em você.
— Em mim? — Puta que pariu! O que aquele cretino queria
dizer? Ele me culpava pela cabeça fodida do irmão? — Olha,
Alex…
— Entenda — ergueu a mão me impedindo de falar. — Não
tem ninguém aqui, Miranda, então podemos falar abertamente. Não
vou ser o hipócrita que acha que eu sou. Vocês são casados e existe
algo em você que fascina meu irmão.
— Alex…
— Algo que eu vi, que eu conheço, e entendo — ele disse me
encarando sem deixar dúvidas sobre o que falava. Recuei de
imediato. — Ele sabe? — Balancei a cabeça concordando. —
Então porque isso se tornou um problema entre vocês? Porque esta
se recusando deixar que ele entre neste mundo? E não me diga que
é por ciúme.
Eu não sabia o que dizer. Não queria revelar a Alex os meus
motivos. Não queria fazê-lo de confidente, mesmo com toda a
convivência que tínhamos antes mesmo de ele e Charlotte
retornarem o relacionamento.
— Não sei de que forma ele vai reagir — consegui dizer. —
Ele não reage muito bem a mudanças.
— Mas ele quer! Ele quer este mundo!
— Ele te disse? — Alex engoliu em seco, sem querer
responder o que o irmão o revelou.
— Só não deixe que isso estrague o que estão querendo
construir, Miranda. Patrício é um cara legal.
— Sim, ele é. — Sorri sem graça e a conversa morreu ali.
Por este motivo fiz outra ligação e reagendei o encontro, para
logo depois da Bienal. Alex tinha razão. Não havia motivo para
adiar.
Mas a vida não queria que fosse desta forma e, mais uma vez,
deu tudo errado.
Eu já estava quase desistindo, acreditando que aquela decisão
era amaldiçoada, pois justo no dia em que decidi convidar Patrício
para mais aquela surpresa, Charlotte resolveu levar Lipe para tomar
um sorvete e quase matou o menino por causa do amendoim.
Bom… não que ela tenha quase matado, mas alguma coisa
deu errado e o menino tinha alergia ao alimento, mas minha irmã o
deixou comer mesmo assim, então, quase de chegando ao cais,
recebemos a ligação, e Patrício correu para saber se o sobrinho
sobreviveria.
Era fato: o mundo conspirava quanto àquela decisão.
E eu acho que foi por isso que tive aquela reação. A verdade
mais leal para justificar o que fiz, era que eu estava em meu limite.
Cansada de tanto trabalho, de tantos acontecimentos tenebrosos,
confusa com o que vinha sendo o meu casamento tão cheio de altos
e baixos em tão pouco tempo, e frustrada demais, acabei perdendo
a cabeça.
Eu já estava em meu limite quando Johnny me telefonou
pedindo que antes de eu ir para o hospital passasse no flat e pegasse
roupas para Charlotte. Merda! Eu não conseguia pensar de que
forma, Charlotte não foi atenta à lista e deixou aquilo acontecer, e,
para ser bem franca, apesar de reconhecer a irmã que eu tinha,
sabia que quando Charlotte levava uma coisa a sério, ela de fato
levava a sério, por isso me intrigava ter deixado passar logo o
amendoim.
Entrei no hospital parecendo um furacão. A recepcionista
nem se atreveu a tentar me impedir, e mesmo que tivesse a
intenção, Johnny estava lá para deixar claro que minha passagem
era livre. E ele passou por mim, mais aborrecido e frustrado do que
eu, voltando do estacionamento como se tivesse engolido um
elefante no caminho.
— O que houve? — perguntei enquanto subíamos as escadas.
Não quis aguardar o elevador.
— Charlotte deixou Lipe comer amendoim — revelou de má
vontade.
— Isso eu já sei. Estou perguntando sobre o motivo para essa
tromba.
— Ah… é… — Meu irmão balançou a cabeça se negando a
pensar no assunto. — Deixa pra lá. Trouxe tudo o que Charlotte
precisa?
— Tudo o que acreditei que ela precisaria. Onde ela está?
— Agora? Eu acho que… — Meu celular tocou e indicou
uma ligação de Patrício. Atendi interrompendo Johnny.
— Oi!
— Já está chegando?
— Estou... — falei ofegante, subindo as escadas, incomodada
com os saltos altíssimos que escolhi para a nossa noite frustrada e a
calcinha enfiada na bunda que não era nada confortável quando
você precisava ser rápida e prática. — Nas escadas. Onde ela está?
— No quarto que Peter tem aqui no hospital. Eu estou com
ela.
— Você? E Alex? — perguntei intrigada.
— É uma longa história, Morena. Aqui a gente conversa.
— Ok!
Desliguei já quase chegando no andar onde encontraria a
minha irmã. Johnny não me acompanhou. Ele se despediu com um
aceno e ficou dois andares abaixo do meu. Entrei no quarto e
encontrei Patrício em um canto, contendo a sua ansiedade,
Charlotte no outro, as mãos no rosto e a cabeça baixa, sentada na
poltrona.
— Charlotte? — falei impactada.
Minha irmã exibia com uma aparência horrível, e não apenas
pelo cabelo desgrenhado e olhos vermelhos, além das roupas
molhadas, sujas e os pés machucados, mas porque quando ela me
encarou, havia tanta dor em seus olhos que me obriguei a não
começar com a ideia de culpa por ter insistido tanto para que ela
voltasse para aquela vida.
Ela levantou, pegou a sacola das minhas mãos, sem me olhar.
— É melhor eu descer — Patrício falou, enquanto Charlotte
seguia para o banheiro.
— O que aconteceu? — perguntei para os dois. Patrício
parou com a mão na maçaneta e Charlotte na entrada do banheiro.
— Anita disse que eu estava tentando matar o Lipe — ela
falou, em seguida entrou batendo a porta.
Patrício me olhou, mordendo os lábios e com os braços
cruzados. Odiei a acusação em seu olhar e quis esbofeteá-lo. Ele
percebeu.
— É melhor eu descer — anunciou outra vez.
— Anita disse aquilo mesmo? — Ele puxou o ar com força,
sem vontade de ter aquela conversa.
— Charlotte pode te contar. — Cruzei os braços no peito,
aborrecida, me perguntando se ele também acreditava naquilo, e
desisti de ter aquele impasse. Não era com ele que eu tinha que
brigar.
— Como as coisas estão?
— Ele está bem. Meu pai chegou agora a pouco e está
verificando como vai se desenvolver o quadro. Peter disse que está
tudo bem e que graças a Charlotte não aconteceu o pior.
— Deus! — murmurei, assustada demais.
— O que tinha de tão especial naquela ilha? — Ele
perguntou, me pegando de surpresa.
— Ah, nada! Eu só queria um tempo para nós dois — revelei,
tentando conseguir uma desculpa perfeita. — Sem Playstation. —
Ele deu uma risada curta e rouca.
— Isso te incomoda muito, não? Você não entende, Miranda.
Eu...
— Na verdade, Patrício… Não é o melhor lugar para termos
esta conversa.
Meu marido ainda levou alguns segundos me encarando,
querendo dizer algo que não conseguia, e então, desistiu. E eu me
senti péssima.
Odiava o abismo que se abria entre nós, odiava a maneira
como as coisas estavam acontecendo e me odiava ainda mais por
não tê-lo priorizado naquele momento, ouvindo-o quando ele
aceitou falar.
Era uma merda!
— Vou descer. Ligue quando quiser voltar para casa.
Ele foi embora levando consigo a nossa oportunidade de
ajustar os pontos. Por que Patrício escolheu justamente aquele
momento? Eu só podia justificar com a justificativa de que a sua
mente era de fato confusa e de ele não saber nunca como se
comportar diante de conflitos. Não havia outra explicação.
Eu fiquei, aguardei por ela, mas não conseguia parar de
pensar no quanto aquilo tudo era estranho. Estranho demais para
dizer a verdade. E eu me sentia péssima, horrível. Como se não
bastassem os meus problemas com Patrício, ainda alimentava a
sensação de que se não tivesse insistido na volta de Charlotte, se
não tivesse feito aquele casamento, se não… eu não queria seguir
aquela linha de pensamento, mas a verdade era que estava tudo
uma droga.
A vida de Charlotte estava uma droga, a minha própria vida
estava uma droga e tudo parecia colaborar para continuar sendo
tudo uma enorme droga sem fim. Respirei fundo querendo me
controlar. Charlotte não precisava de mais lamentações, muito
menos das minhas inseguranças. Ela precisava colocar tudo em seu
devido lugar. Assim como eu deveria fazer o mesmo.
Eram muitas mentiras guardadas e segredos que nos
limitavam. Aquelas eram as nossas amarras. Por isso fiz o que fiz.
Charlotte não podia mais ter tanto medo de se entregar ao
relacionamento, assim como, deveria ter a escolha de não querê-lo
mais, o que eu duvidava que acontecesse.
E foi assim que ela me encontrou quando saiu do banheiro.
Minha irmã me olhou com receio, os olhos ainda mais vermelhos, e
todos os seus gestos demonstrando fragilidade.
— Alguma novidade? — Ela disse.
— Não. Patrício mandou uma mensagem dizendo que
Adriano foi ver o Lipe e que está tudo bem, como os outros
médicos já haviam dito. Só nos resta esperar — menti.
Se eu dissesse a Charlotte que conversei com Patrício antes
de ele deixar o quarto, acabaria falando demais, revelando meus
problemas além do que ela precisava naquele momento. Era melhor
assim.
Charlotte sentou no sofá, atenta aos meus movimentos,
aguardando que eu desabafasse. Mas eu não podia. Não quando
algo maior acontecia ali.
— Fala logo de uma vez, Miranda — ele disse, pegando-me
de surpresa.
Bom, e podia dizer que minha vontade naquele momento era
de mata Anita. Estava tão cansada daquilo tudo. De mentir, de
sustentar a mentira e de precisar de novas mentiras para manter as
velhas.
— Você deveria abrir o jogo com Alex — falei sem acreditar
nas minhas palavras.
Charlotte me encarou horrorizada.
— Eu não posso.
— Charlotte, você precisa contar o quanto antes. Não é
justo…
E então eu entendi. Aqueles segredos estavam nos matando.
Tantas conversas não tidas e a ideia de que seguir a vida
esquecendo o que não foi revelado, poderia ser a solução quando
não era. Alex não entendia os motivos de Charlotte para tanto
receio quanto a relação, assim como eu ignorava a confusão de
Patrício, quando deveria ouvi-lo, procurá-lo e fazer com que ele
falasse assim como ele mesmo fizera comigo.
E se a maneira de conseguir tal fato era com sexo, então que
fosse, mas eu tinha que ouvir o que meu marido tinha para me
dizer. Certas as pontas que ainda estavam soltas. Eu precisava
resolver aquilo.
— Eu te contei o que Anita disse, Miranda. Como você acha
que Alex vai encarar tudo isso se eu contar? Todo mundo acha que
eu sou uma irresponsável, que não sou de confiança... Anita acha
que eu fiz de propósito. Que tentei matar o Lipe…
Ela continuou a se lamuriar enquanto eu via, assustada, a
porta abrir e Alex entrar sem aguardar por qualquer permissão.
Charlotte não o notou e eu não tive tempo de alertá-la. A merda
estava feita.
— O que acha que Alex vai pensar quando souber que eu
perdi um filho dele e que não posso mais engravidar?
— O quê? — ele disse abalado com aquela confidência, e eu
não fazia ideia do que poderia fazer.
— Puta merda! — olhei para os dois, sem conseguir
encontrar algo melhor para dizer. Depois decidi que não havia nada
que eu pudesse dizer. O mais importante já fora contado, então fiz
o que qualquer pessoa normal faria. — Vou buscar um café e…
volto logo.
Abri a porta do quarto e quase corri de lá. Sem saber para que
lado deveria ir, desci as escadas com pressa e me vi diante da
lanchonete. Merda! Patrício estava lá dentro, com uma xícara de
café espresso a sua frente, e encarando o nada.
Era hora do confronto.
CAPÍTULO 58

“Mesmo com medo


Eu quero me aventurar
E ficar, e ficar
Me dê um sinal do que eu devo fazer
De como agir, me diz aí”
Um sinal - Ivete Sangalo

Sentei na frente do meu marido, surpreso ao me ver. Olhou


para os lados, como se eu fosse uma visão e então voltou a me
encarar.
— Como está Charlotte?
— Com Alex — ele abriu a boca, como se quisesse dizer
algo, e então desistiu, outra vez. — Certo, Patrício, precisamos ter
esta conversa.
— Ah, gata! — Sua voz indicava uma tristeza estranha. —
Não acho que seja o melhor momento.
— Não vai existir outra oportunidade como esta.
— Você tem outras preocupações, Miranda.
— Neste momento, você é a minha preocupação. — Ele me
encarou por um tempo, depois desviou o olhar, prestando atenção
no café que esfriava à sua frente. — Você se arrependeu? — Fui
direto ao ponto.
— Do que você está falando?
— Do casamento. Você se arrependeu? — Patrício balançou
a cabeça e correu o braço sobre a mesa para segurar a minha mão.
Então ele me olhou, sem medo, sem receio do que ia dizer.
— Não. — Foi firme ao anunciar.
— Então o que está acontecendo?
— Sabe, Miranda? Nós estamos em uma roda viva de
problemas. Se não nossos, dos outros. O tempo inteiro precisamos
correr para ajustar as pontas.
— Isso te confunde?
— Isso me desestabiliza. É complicado manter a mente
tranquila no meio desse turbilhão de acontecimentos.
— Eu entendo.
— Por isso a insônia — continuou. — E por isso… às vezes
eu quero ficar um pouco só com meus pensamentos.
— Ah, Patrício… então o casamento…
— Foi a melhor coisa que me aconteceu. Eu só… não quero
te pressionar. Não quero jogar mais peso em suas costas quando sei
que você precisa lidar com toda essa merda. — Abriu os braços,
englobando tudo, nossas famílias, nossas carreiras e nossos
problemas.
— Então tem algo que te incomoda — afirmei.
— Tem, mas este não é o melhor momento para termos essa
conversa. Acredite em mim.
— Esta ligado a sexo? — Ele sorriu sem uma felicidade real
em seu sorriso.
— Gosto de pensar que eu me sentiria melhor com sexo.
— Mas nós temos sexo, e é… bom!
— É sim. É maravilhoso, gata! — Acariciou a minha mão
que ainda mantinha na sua.
— Então qual é o problema?
— Oh, vocês ainda estão aqui? — Ouvi o padrinho falando,
já bem próximo da nossa mesa. — Que horas são?
— Bem tarde, Peter — Patrício falou, se encostando no
espaldar da cadeira e deixando o assunto morrer. — Alguma
novidade?
— Não. Lipe vai ficar bem! Charlotte foi tão corajosa!
— Ouvi dizer que sim — meu marido brincou, esquecendo-
se por completo do café. — Alex disse que da outra vez conseguiu
conter com remédio.
— Acha mesmo que ela esqueceu do que tinha na lista? — eu
falei, entrando na conversa. Não havia como ser diferente, uma vez
que o padrinho puxou a cadeira e sentou.
— É estranho. Charlotte tem uma ótima memória — o
padrinho voltou ao assunto quando um funcionário depositou a sua
frente uma xícara com café. — E ainda tivemos aquele episódio
horrível.
— É. Anita pegou pesado — Patrício falou, observando a
minha reação.
— Pesado — o padrinho desdenhou. — Eu pegarei pesado se
aquela mulher ousar se aproximar da minha filha mais uma vez
com aquelas acusações…
— Esperem um pouco — pedi. — O que exatamente eu
perdi?
Patrício me olhou apreensivo, o padrinho entendeu que não
daria certo aquela conversa e os dois acabaram em silêncio por
tempo demais.
— Patrício? — Tentei.
— Ah, deixa pra lá, Miranda. Peter conseguiu expulsar Anita
daqui e…
— Expulsar Anita daqui? Então foi muito maior do que uma
simples insinuação, não é mesmo?
— E quem te disse que foi uma simples insinuação? — Meu
padrinho falou, cheio de receio. — Anita acusou Charlotte. E não
foi de forma simples, Miranda. Ela deu um escândalo, chamando
Charlotte de assassina e dizendo que sua irmã havia tentado matar
o menino para tirá-lo do seu caminho.
— Puta merda!
— Miranda! — fui repreendida pelo padrinho, mas não me
importei.
Precisei manter minhas mãos embaixo da mesa para que ele
não percebesse o quanto aquilo me enfureceu, ou então arrumaria
uma maneira de me impedir. E eu não queria que ninguém me
impedisse.
— E o senhor fez o quê?
— Joguei aquela maluca na rua e a impedi de entrar aqui no
hospital. Onde já se viu? Depois de tudo o que fizemos por ela! —
resmungou, bebericando o seu café. Olhei para meu marido que me
encarava com atenção, ciente de que não passaria batido por mim.
— Fez bem, padrinho! Aquela mulher não merece a nossa
consideração — rosnei. — Tá vendo? — falei para Patrício. — E
você me dizendo que era bobagem disputar o Lipe com ela. Olha só
o que ela fez?
— Ah, Miranda… — meu marido se aproximou um pouco.
— Eu não concordo com Anita, Porém o nome estava na lista,
então não dá para fingir que…
— O nome estava na lista — o padrinho disse. — Mas não
quando Charlotte olhou.
— Como assim? — Dissemos ao mesmo tempo, meu marido
e eu.
— Alguém apagou o nome da lista e depois, de forma
misteriosa, ele apareceu lá. — Patrício riu, e desistiu quando
entendeu que não havia graça naquela confusão. — Alex jurou que
ele mesmo escreveu o nome na lista. Contou que Anita estava junto
quando ele fez isso, mas Lana esteve na casa dele e fotografou a
lista que na geladeira e o nome está lá, mas não com a letra do
Alex. Aliás, com uma letra diferente de todas as outras. O nome foi
escrito com letra de forma.
— Então alguém apagou para fazer com que Charlotte
causasse o ataque alérgico? — Patrício disse.
— É o que estamos cogitando. O problema é, quem faria
isso?
Meu marido pensou no assunto, enquanto eu não precisei de
tanto. Estava claro como água de nascente. E eu não deixaria passar
sem deixar a minha marca.

— Porra, Miranda! Esquece isso! Você não tem como


provar!
Patrício tentava me demover do meu objetivo sem alcançar
qualquer sucesso.
— Eu vou subir, Patrício — rosnei.
— Miranda, você não tem provas. Não pode acusar Anita
sem provas.
— Eu não posso ir até uma delegacia e acusá-la sem ter
provas, mas posso fazer como ela fez, ir até lá e dizer toda a
verdade na cara dela. — Ele soltou o ar e passou a mão nos cachos
desgrenhados.
— Você vai arrumar mais confusão para a nossa família.
— Se não quiser subir, vá para casa. Eu pego um táxi.
— Nem pensar.
— Então vamos logo.
— E o que eu vou fazer lá? Segurar Anita para você bater?
Tá louca? Não posso compactuar com isso. — Acabei rindo da cara
do meu marido, sempre tão frouxo.
— Eu não vou bater nela, amor — falei com cuidado. — Só
vou dizer umas verdades.
— Promete?
— Claro!
Abri a porta e desci do carro sem aguardar por ele. Patrício
xingou, abriu a porta do carro, desceu e travou o veículo, correndo
para me alcançar. Entrei no prédio simples, onde um porteiro, ou
zelador, não consegui identificar, cochilava na guarita, passei
direto, ouvindo o homem despertar atordoado.
— Senhora? Senhora? — Ele dizia, assustado, tentando me
alcançar enquanto eu andava decidida em direção ao elevador. —
Senhora… senhor…
— Vou até a casa de Anita Bezerra — anunciei sem olhá-lo.
— Pode chamar a polícia se quiser.
— Ah, droga! — Patrício rosnou. — Olha, amigo, não
precisa chamar a polícia. Ela só está aborrecida. Briga entre
amigas, essas coisas…
— Mas o senhor não pode…
Percebi que meu marido levava o homem para longe,
provavelmente para persuadi-lo com dinheiro. Apertei várias vezes
o botão, como se o ato pudesse obrigar o elevador a chegar mais
rápido. Patrício voltou para o meu lado assim que eu abri a porta.
— Pelo amor de Deus, Miranda! Você já começa
complicando. Já pensou se o homem chama a polícia mesmo.
— Você é muito frouxo, Patrício! — rebati, irritada.
— O quê? Eu não sou frouxo, só não sou… louco! O que
você está fazendo é loucura.
O elevador parou e saí determinada. Parei diante da sua
porta, sem me dar ao trabalho de tocar a campainha, bati com a
mão mesmo, para que a vaca não tivesse a chance de ignorar o meu
chamado.
— Miranda! — Patrício grunhiu, ansioso.
E então… a porta abriu, Anita nos olhou assustada, sem
entender o motivo de estarmos ali.
— Patrício… Miranda… — ela tentou dizer, mas minha mão
fez questão de calá-la.
— Miranda! Merda!
Ouvi meu marido dizer enquanto eu acertava vários tapas na
cara daquela cadela desalmada. Aquela cretina, filha de uma égua,
louca ao ponto de colocar a vida do Lipe em risco só para
incriminar a minha irmã. Louca o suficiente para acreditar que
conseguiria causar mais sofrimento a Charlotte sem receber nada
em troca.
Atingi Anita com tantos tapas que minha mão esquentou e
doeu, e ainda assim, eu não conseguia parar, atingindo seu rosto,
sua cabeça, qualquer parte do seu corpo que eu consegui alcançar.
— Miranda! — Meu marido me segurou com força, me
erguendo pela cintura e me afastando de Anita, quase caída ao
chão, assustada, sem conseguir reagir.
— Eu sei que foi você! — acusei, cheia de ira. — E você vai
pagar muito caro pelo que fez! — gritei. — Se encostar em
Charlotte outra vez… Se encostar no Lipe...
Patrício abriu a porta do elevador, me colocou dentro e me
tirou de lá antes que eu terminasse o serviço. Eu estava
transtornada. Alucinada. Ele me segurou junto a parede do
elevador, evitando que assim eu conseguisse fugir. E antes que este
chegasse ao seu destino, desabei em um choro sentido, sofrido,
colocando para fora todo o meu cansaço.
Patrício relaxou, levou as mãos ao meu cabelo e me
acalentou, como sempre fez.
No carro consegui me acalmar um pouco mais. Ele dirigia
sem me olhar, as mãos fechadas no volante como se precisasse dele
para se manter em equilíbrio.
— Desculpe! — sussurrei.
— Você disse que só queria conversar.
— E você parece que não me conhece — rebati.
— Às vezes acho que não — ele disse, aborrecido e triste ao
mesmo tempo. — Charlotte tem idade suficiente para resolver os
problemas dela, Miranda. Você não pode o tempo inteiro tentar
guiá-la, reagir por ela ou… fazer coisas deste tipo.
— Ela tem idade, mas não tem atitude — revidei e ele se
calou, fechando-se outra vez.
Ah, droga!
— Você não entende, Patrício.
— Não! Você não entende — rebateu irritado o suficiente
para falar mais alto e me assustar. — O que está acontecendo?
Quando vamos viver as nossas vidas? Quando você vai entender
que está vivendo a vida dos outros e deixando para trás tudo pelo
que eu me apaixonei quando te conheci.
Recuei diante da sua informação.
— Eu só quero ajudar a minha irmã — sussurrei, com medo
do rumo daquela conversa, confusa com as suas palavras.
— E eu só quero a minha Miranda de volta! — Bateu no
volante, cheio de raiva, mágoa e mais alguma coisa que eu não
conseguia entender.
— Eu estou aqui. Sou a mesma pessoa. Com um pouco mais
de rachaduras, mas a mesma Miranda. Já você… está longe de ser
o mesmo Patrício que um dia me fez querer passar a vida ao seu
lado. E nós não temos nem dois meses de casados! — Minha voz
saiu com a mesma fúria, a mesma dor e as mesmas acusações.
— Porque eu tenho uma merda de uma cabeça fodida, você
não entende? Não consegue perceber que isso tudo, essas merdas
que você faz, a maneira como modifica as nossas vidas, com
guinadas tão intensas que eu não posso suportar, está me surtando?
Eu não tenho como evitar, Miranda! Não tenho como não
enlouquecer diante de tantas mudanças, de tantas viradas de jogo.
Eu tenho um limite!
O silêncio dominou o carro. Agradeci a escuridão, cansada
demais para esconder as minhas emoções. O tempo todo eu quis
que ele falasse, que me dissesse o que acontecia e me deixasse
ajudar, sem reconhecer que o problema estava em mim, na minha
vida e em tudo o que eu levava para a dele, como Alex fez questão
de me alertar.
Eu era o seu peso, e doía perceber isso.
— Droga, Morena! Desculpe! — Ele disse um tempo depois,
a voz mais normalizada, a raiva inexistente. — Desculpe, eu não
deveria ser tão duro com você.
— Eu… — engoli em seco. — Eu tenho medo, Patrício.
— Eu também — revelou. — Mais isso é o que nós somos e
eu não quero continuar fingindo que a vida vai seguir para nós dois
de forma tradicional, porque não vai. Você não é isso e eu… eu não
quero ser. Nós dois somos ímpares, Miranda. Não nascemos para
uma vida que segue o rumo que estamos dando. Nós precisamos de
mais.
— Eu sei. — Minha voz embargou com o choro que eu não
queria evitar.
— E você é tão cheia de raiva, tão agarrada às suas feridas,
que precisa expurgar, mas não assim. Por mais que Anita
merecesse, esse não é o jeito que você vai encontrar a paz que
precisa, e eu nem precisava te dizer isso quando sei que você
compreende a verdade destas palavras.
— Ah, Deus! Eu sei, Patrício. Eu sei disso tudo. Mas…
— Seu pai fodeu a sua cabeça mais um pouco. Eu sei.
— Ele não é meu pai. Peter é meu pai — murmurei. — E
sim, aquele homem arrancou uma parte importante de mim.
— E é assim que vai reagir? Permitindo que aquele
desgraçado te vença?
— Ele disse…
— Eu sei o que ele disse, Morena! — sua mão segurou a
minha, apertando meus dedos, enquanto a outra mantinha o carro
no percurso. — E eu sei que você sempre poderá escolher seguir
em frente e se vangloriar da sua força, ou se encolher nas suas
desculpas e precisar de situações como esta para colocar essa raiva
para fora.
Olhei para fora do carro sem saber o que falar. No fundo eu
sabia que Patrício tinha razão, Alex também, e que eu fugia de
mim, e não dele. Eu não queria mais fugir, então era hora de não
deixar que mais nada atrapalhasse os meus planos.
CAPÍTULO 59

“Ela une todas as coisas


Como eu poderia explicar
Um doce mistério de rio
Com a transparência de um mar”
Ela une todas as coisas - Jorge Vercillo

Estalei os dedos mais uma vez, nervosa, ansiosa e angustiada.


Patrício fez como sempre fazia, chegou do escritório, me deu um
beijo carinhoso e foi tomar banho anunciando que estava com fome
e que logo desceria para o jantar.
Com tudo pronto, as malas no carro e o iate nos esperando,
eu quase não conseguia me conter de tanta ansiedade. Todo o meu
plano armado para o que chamei de segunda lua de mel, e que
protelei até entender que quem mais precisava dela era eu mesma.
Mas quando ele desceu, arrumado como se fôssemos sair, foi
que me olhou e percebeu que eu também seguia o mesmo padrão,
usando um vestido longo, justo e saltos altos, sem contar a
maquiagem e o cabelo. Meu marido estreitou os olhos e me
abraçou, desconfiado.
— Perdi alguma data? — ele disse. — O aniversário de
Charlotte não é só no feriado?
— Tenho uma surpresa para você — anunciei, deixando ele
encostar os lábios no meu pescoço e sentir o perfume que tanto
adorava em minha pele.
— Eu também, gata.
— Uma surpresa? — Ele concordou, mordendo os lábios. —
Então conte.
— Não. Diga primeiro o que você tem em mente.
— Você primeiro, garotão! — ronronei, me aproximando
para seduzi-lo.
Tentei não parecer decepcionada por adiar mais uma vez
meus planos, mas a verdade era que Patrício parecia gostar do que
fazia e eu não queria frustrá-lo ainda mais. Depois daquela
conversa ele mudou completamente. Meu marido se tornou mais
presente, amoroso e atencioso, enquanto eu me tornei mais
receptiva, acatando nossas brincadeiras no clube privado, mesmo
que ainda sem convidados, mas voltando a fazer planos.
Ele gostava desta parte e se empolgava fantasiando como
seria. Confesso que também me divertia quando sussurrava em seu
ouvido as coisas que eu faria com uma mulher qualquer, a qual um
dia convidaríamos para aquela cobertura, e adorava o nível de
excitação do meu marido.
E foi por isso que naquele momento, coloquei meus anseios
de lado e me permiti viver o que ele tinha para me propor.
— Certo — ele disse empolgado. — Pedi o iate do Peter
emprestado e aluguei uma casa gostosa em Paraty para passarmos
alguns dias.
— Em Paraty? — falei espantada. — E com o iate do
padrinho? — ele concordou, avaliando a minha reação.
Comecei a rir, mesmo com meu marido fazendo aquela
carinha de decepção.
— Ah, Deus! Perdão! — Ri mais um pouco.
— O que tem de errado, gata? Não gosta de Paraty?
— Adoro! É que… Meu Deus! O Padrinho é mesmo um…
cretino! — Ele me encarou sem entender a minha reação. — Eu
pedi o iate para irmos até Angra dos Reis, para a ilha que temos.
— Para a ilha? — Meu marido recuou. Eu não podia tirá-lo
do clima.
— Sim. Uma deliciosa ilha só para nós dois.
— Ah, é?
— Sim — sussurrei buscando por seus lábios.
— E o que faremos com a casa que eu aluguei?
— Hum! Eu acho que… podemos fazer os dois. Alguns dias
em Angra e outros em Paraty.
— É. Pode ser divertido.
E ele nem imaginava o quanto poderia ser divertido.
Então, mesmo com todo o receio, com os problemas que
precisei deixar para trás, no cais, aguardando o meu retorno, eu me
vi naquele iate, seguindo o seu curso nas águas escuras do Rio de
Janeiro, em direção a nossa ilha particular em Angra dos Reis.
Fazia algum tempinho que eu não visitava o local, e havia um
motivo especial: eu só podia frequentá-lo com os meus familiares,
o que, depois de alguns dias, não ficava nada divertido. Estava fora
de cogitação levar algum divertimento para a casa dos meus
padrinhos, mesmo sendo em um lugar tão isolado e seguro. Eu
nunca arriscaria.
Não antes de viver aquele casamento.
Quando o padrinho me perguntou para qual lugar do mundo
eu gostaria de ir como presente de casamento, na minha cabeça
todo o meu plano se completou. Seria muito mais difícil executá-lo
em outro país, ou continente. Então usei todas as desculpas para
dividir minha lua de mel em duas etapas. Seguia o curso normal
com Patrício e o outro… Bom, a ilha era perfeita, perto de casa o
suficiente para desistirmos se algo desse errado.
Só não sabia se teria coragem de dar aquele passo. Sabia que
queria. Aliás, quanto mais pensei no assunto, tive certeza de que
eu, de fato, precisava daquilo, o problema era: como fazer Patrício
entrar de uma vez por todas em meu mundo? Eu não sabia, porque
meu marido era imprevisível.
Então voltei toda a minha atenção para aquela sensação
estranha no estômago enquanto o iate seguia o seu curso. Levando-
me para um destino que parecia estranho demais para mim, ao
mesmo passo que me excitava.
Ah, merda! Eu estava mesmo prestes a fazer, e ainda não
conseguia a confiança necessária para o ato. Que droga!
Talvez por isso preferi beber, concordando vez ou outra com
meu marido, sondando de que maneira ele reagiria e,
principalmente, como eu reagiria diante do seu interesse.
Deus! Por que não aguardei para uma oportunidade melhor?
Pensei, me acovardando.
Simples, porque não havia uma outra oportunidade, e eu
sabia disso.
Miranda, Miranda, por que ainda se engana? Você teve mais
de um ano para pensar em todos os detalhes e se certificar desta
decisão. Então porque eu não assumia as rédeas e deixava vir à
tona a Miranda que gostava de ser? O que havia de diferente
naquela surpresa além de tudo o que você já tinha vivido?
Respirei fundo quando o iate atracou e precisamos descer. As
luzes acesas da casa e o caminho com velas enterradas na areia
indicava que já estava feito. Então eu tinha que relaxar e aproveitar.
— Uau! Isso aqui é o que podemos chamar de paraíso —
meu marido falou animado, me ajudando a andar sobre os saltos
pelo deque posto até a nossa casa para aquela ocasião. — Por que
Peter tem uma ilha?
— Porque é conveniente — resmunguei, nervosa, sem
conseguir me controlar.
— Conveniente? — Ele parou, segurando minha mão e me
obrigando a parar também.
— Para eles, Patrício. Tenho certeza que o padrinho fugiu
para passar algumas noites aqui com a madrinha. — Ele revirou os
olhos de forma teatral, mas acabou sorrindo.
— É uma ótima forma de manter a chama acesa.
— Deve ser — respondi observando o iate voltando para a
cidade, nos deixando sozinhos, como eu quis que fosse.
— Tem empregados na casa? Este horário?
Lógico que meu marido perceberia as luzes acesas.
— hum! Não! Só a gente.
— Ah! Vai ser legal, Morena!
— É. Vai — resmunguei outra vez.
— Você está estranha — Patrício falou, andando sem
preocupação em direção a porta. Faltava bem pouco para que ele
descobrisse a verdade e eu não sabia se parava e voltava correndo
ou continuava. — Ainda é por causa de Charlotte e Alex?
— Não! — Puxei o ar com força e me enchi de coragem. Já
estava feito, então eu tinha que encarar. — Vamos. Eu tenho um
presente para você.
— Um presente? — Não olhei para meu marido para saber
que ele sorria.
— Um presente de casamento.
Ainda ansiosa, sem coragem para demonstrar toda a minha
fraqueza, me vesti do que eu sabia ser e o puxei até a porta. Assim
que nossos pés tocaram a varanda da casa, ele me agarrou pela
cintura, cheio de malícia, beijando meu pescoço e deixado clara a
sua ereção. Caminhamos assim, eu permitindo a sua animação, e
confusa quanto a minha, até que adentramos a casa e chegamos na
sala ampla, onde ela nos esperava.
Patrício demorou a percebê-la. A mulher, vestida como eu a
havia instruído, sutiã e calcinha, além dos saltos agulha, aguardava
por nós em sua posição, sem nada dizer, mas com um sorriso de
satisfação nos lábios. Eu parei de imediato, a uma distância segura,
analisando o corpo que eu já conhecia tão bem.
Meu marido só a notou instantes depois. E eu percebi o exato
segundo em que tomou consciência da mulher parada a nossa
frente, pois ele deixou de me beijar, suas mãos ficaram paradas
como pedras e seu rosto levantou, encarando o mesmo ponto que
eu.
— Ah… — Deu um passo para trás, abandonando meu
corpo, o que já me deixou preocupada. — Clara?
Sua voz insinuava a confusão. Era hora de agir, ou então meu
marido poderia começar a surtar com a mudança súbita. Eu tinha
que lhe dar o que pensar, que não fosse a confusão em sua mente.
— Olá, Patricio! — Ela disse contendo a animação, o que me
fez gemer não gostando nadinha.
Sem pensar duas vezes fui até o móvel ao lado, onde ela
havia deixado o que lhe instruí a fazer, peguei o chicote, estalei no
ar, fazendo-a se assustar. Não olhei para Patrício nem por um
segundo. Era hora do meu show. Andei com calma até Clara,
rodeando o seu corpo com certo interesse, e então, deixei que o
chicote castigasse a sua bunda, sem muita força, só o suficiente
para que ela entendesse o recado.
— Desculpe! — Ela disse alto. Dei outra chicotada.
— Sem permissão para falar — rosnei e ela entendeu,
abaixando a cabeça e deixando de encarar o meu marido com
interesse.
Só então o olhei. Patrício, sem o paletó, a gravata e tudo o
que o deixava formal demais, continuava parado, sem entender
nada, os olhos vidrados na gente, os lábios entreabertos, e a
confusão estampada em seu rosto.
Rocei meus dedos na cintura de Clara indo para trás do seu
corpo e, subindo as mãos pela sua barriga de forma sensual,
acompanhando a atenção do meu marido, deixei que meus dedos se
fechassem nos seios dela para em seguida procurar o fecho,
localizado na frente, e, planejado por mim, claro, tirei a peça,
revelando os seios siliconados com os quais meu marido já havia se
divertido.
Patrício engoliu em seco, assistindo a cena, enquanto eu, sem
tirar os olhos dele, beijava o ombro de Clara e tocava seus seios de
forma sensual. A garota gemeu baixinho. Claro, se havia alguém
com quem Clara gostava de se divertir, era comigo.
Foi então que tudo começou a dar errado.
Patrício levou as mãos ao cabelo, desviou o olhar, hesitou,
virou o rosto, hesitou outra vez, e balançando a cabeça, negando o
que via, deu as costas e saiu da casa.
Puta que pariu!
— O quê… — Ela começou a falar, tão perdida quanto eu.
— Espere aqui — ordenei, levantei o vestido, e corri atrás
dele.
Não precisei ir muito longe. Patrício aguardava por mim na
varanda da casa, na parte mais distante e escondida. Ele andava de
um lado para o outro e só parou quando viu que me aproximei.
— Que porra é essa, Miranda? — sua voz confusa não
passava a ideia de reprovação, o que me deixou mais aliviada.
— Seu presente de casamento — falei com receio.
— Clara? A Clara é o meu presente de casamento?
— Bom… eu pensei que… você queria tentar, nós estávamos
com planos para o clube e…
— Porra, Miranda! Você se negou todo este tempo a fazer
qualquer coisa do tipo e agora… isso?
Encarei meu marido confuso, perdido, sem saber como reagir
àquela novidade.
— Uma vez você me disse que se íamos tentar, que fosse
então com alguém que confiávamos.
— Você quase terminou comigo por causa da Clara e
agora… ela?
— Você quase terminou comigo, não confunda as coisas.
— Certo! — falou nervoso. — Certo, Miranda. Pouco
importa isso agora.
— Patrício, se isso te incomoda eu posso…
Meu marido avançou sobre mim, segurando meu rosto com
as duas mãos, exigindo meus olhos. Os dele estavam perdidos de
uma forma que me comovia.
— É só por mim?
— Não. Mas se você quiser eu posso mandá-la embora.
— Você quer isso? — Ele mantinha os olhos fixos nos meus,
exigente, arrancando de mim toda a verdade.
— Não, Patrício — confessei baixinho. — Conheço Clara.
Sei de toda a sua linhagem. Não existe qualquer chance de… —
Ele se abaixou e beijou meus lábios com cuidado e devoção.
— Miranda, eu amo você! Amo você mais do que já fui
capaz de me imaginar amando uma mulher. Amo você ao ponto de
enlouquecer e casar só para não deixar de te ter por perto.
— Eu sei. — Sorri com carinho, triste por causar confusão
justo naquela noite.
— Então eu quero que você seja muito sincera comigo. —
Concordei, diante do seu olhar sofrido. — De que forma essa
merda vai abalar a nossa relação?
Puxei o ar com força, sem saber o que dizer. Então não era
porque ele não queria que colocássemos nossos planos em ação e
sim porque tinha medo de me perder depois daquilo. Céus! Como
eu podia amar ainda mais aquele menino?
— Não vai abalar — revelei baixinho, decidida a ser sincera.
— Desde que eu seja sempre a sua prioridade.
— Você sempre será.
— E só eu tenho permissão para te beijar — ele me deu um
sorriso encantador.
— De acordo.
— E ela só vai fazer o que eu mandar — Patrício riu
baixinho.
— Isso vai ser interessante.
— Mais do que você imagina. — Ele me beijou outra vez,
com um pouco mais de desejo. — Vamos entrar?
— Vamos — falou decidido.
Segurando a minha mão, meu marido retornou a sala junto
comigo. Ambos encaramos Clara com interesse, avaliando a
situação. Ela, parada na sala, só de calcinha e saltos, aguardando
pelos meus comandos.
É. Seria divertido.
— Porque não tira meu vestido, Patrício?
Meu marido de pronto me atendeu, puxando o zíper do
vestido longo que eu usava, de tecido pintado e leve. O mesmo caiu
no chão, revelando a minha nudez. Ele puxou o ar de forma
audível.
— Por que será que ainda me surpreendo com isso? — disse
com a voz cheia de tesão.
— Por que será que você não se acostuma com a ideia de que
eu não sou nada convencional? — rebati, com os olhos fixos em
Clara, que sorriu satisfeita com o que via.
— Ah, gata! — Ele me puxou para seu corpo, as mãos
quentes em mim, a ereção já evidente em minha bunda enquanto eu
exibia nada além de saltos altos. — Você é exatamente o que eu
preciso.
Animada, puxei Patrício até Clara e o fiz sentar em um dos
bancos altos do extenso bar que o padrinho mandara instalar na
sala. Coloquei-me entre ele e nossa convidada, mas mantive a
garota perto o suficiente para que ele pudesse tocá-la se quisesse.
Percebi a troca de olhar entre os dois e acertei a bunda da garota
outra vez com o chicote. Ela gemeu e baixou os olhos, submissa.
Patrício riu e voltou a me apalpar com gosto, descendo as mãos
pelas minhas pernas, roçando os dedos uma vez ou outra em minha
vagina.
— Clara — eu falei. — Por que não desabotoa os punhos da
camisa do meu marido?
A garota prontamente obedeceu. Patrício lhe ofereceu um
pulso, permitindo que ela trabalhasse nos três botões apertados.
Enquanto isso, ciente de toda a sua atenção nela, rocei o chicote de
couro grosso em suas coxas e quando cheguei em sua vagina, dei o
primeiro tapinha. Ela gemeu, como eu sabia que faria, e Patrício
fechou a outra mão com força em meus quadris.
Sim, meu marido gostava do que via e adorava me ver
atuando. Ela trocou de pulso, aceitando ser masturbada pelo
chicote, já brilhante com a sua excitação e quando acabou levantou
aguardando pelo que eu pediria em seguida. Virei de costas,
desabotoei a camisa de Patrício, permitindo que ele me tocasse
como queria, passando as mãos quentes em minhas nádegas e me
pegando com propriedade.
Tirei a sua camisa e em seguida abri sua calça. Eu precisava
dele livre para o que pretendia fazer. Antes, exibi o chicote com a
excitação da nossa convidada e o levantei para que ele decidisse se
queria ou não fazer o que eu sugeria. Patrício abriu a boca e
recebeu a ponta do chicote, saboreando a excitação de Clara.
Aquilo me excitou de uma forma estranha, mas forte.
Retirei o chicote quando ele demonstrou assim querer, e o
abracei, deixando meus seios rijos e intumescidos, tocarem sua
pele.
— Vamos usar camisinha — ronronei com a voz melosa em
seu ouvido. Ele concordou. Então puxei o pote que havia instruído
Clara deixar sobre o balcão do bar.
Puxei suas calças para baixo, mas não as retirei. Deixei-as
caída em seus pés, limitando seus movimentos, e então fiquei outra
vez de costas para o meu marido.
Ergui a mão e puxei Clara para mim. Ela me atendeu sem
protestar.
Com Patrício às minhas costas, atento a tudo o que fazíamos,
beijei Clara com desejo, permitindo que ele visse e ouvisse tudo. A
garota correspondeu, alisando meus quadris, subindo as mãos em
mim e colaborando com o beijo sensual que colocaria meu marido
de uma vez por todas naquela brincadeira.
— Ah, Morena! — ele rosnou, ansioso, enquanto me assistia
desfrutar do seu presente de casamento.
E eu não me fiz de rogada. Acariciei Clara como
costumávamos fazer quando estávamos no clube, puxando-a para
mim de forma a colar nossos corpos e obrigá-la a roçar a coxa em
minha vagina.
— Puta que pariu! — ele disse.
Meus seios soltos foram cobertos por suas mãos, enquanto
seus lábios foram para meus ombros, liberando gemidos de
satisfação. E eu me entreguei àquele jogo, sem qualquer medo ou
receio de antes. Clara desceu os lábios, aceitando os seios que
Patrício segurava e isso o fez me morder de desejo e tesão.
Quando Clara voltou a beijar minha boca, segurei as mãos do
meu marido e as levei até o corpo da minha convidada. Patrício
abafou um gemido, gostando daquela liberdade, e não demonstrou
qualquer resistência em tocá-la, acariciá-la e puxá-la para mim, nos
obrigando a colar nossos corpos.
Afastei um pouco os dois, me virando em direção ao meu
marido, tocando seu peitoral e aceitando seus lábios que
retribuíram com o maior desejo que já o vi demonstrar. No mesmo
instante, Clara me tocou, roçando em minhas costas, beijando
minha pele enquanto meu marido me acariciava daquela forma que
me deixava louca, a mesmo tempo que levava a mão até a bunda da
outra mulher. Alisei seu pau, já no estado em que eu queria e
resolvi partir para outro nível. Um que o colocasse ainda mais no
jogo.
Virei para Clara, permitindo que ela se aproximasse de
Patrício. Ela sorriu com doçura, mantendo os olhos baixos, como
determinei que seria. E da mesma forma que articulei, ela fez o que
eu queria, se ajoelhou diante do meu marido e logo colocou seu pau
na boca. Patrício gemeu alto, jogando a cabeça para trás, aceitando
e se deliciando.
Acariciei seu corpo, estimulando-o, deixando minha mão
percorrer a pele até encontrar a base do seu pau, onde os lábios de
Clara alcançavam com facilidade, e brincando com suas bolas.
Patrício estava tão entregue que quando o beijei outra vez ele não
sabia o que fazer primeiro. Ele me cercou pela cintura como pode e
me recompensou por ser ela e não eu chupando-o naquele
momento.
Mas quando pensei que aquilo era o que ele queria, meu
marido pediu, perdido em seu desejo.
— Agora você, Morena. — Sua voz rouca e sensual ativou
partes em mim que me deixavam no limite.
Ajoelhei ao lado de Clara e então ela se afastou, não muito, o
suficiente para que eu pudesse enfiá-lo em minha boca da melhor
forma que eu conseguia fazer. As mãos de Patrício se fecharam em
meu cabelo, sem me conduzir, me deixando livre para atuar. Eu o
enfiei até o limite e enrosquei minha língua em sua extensão,
chupando com vontade, levando-o a loucura.
Seus gemidos agora estavam além do normal. Uma entrega
absoluta. Mas melhorou quando Clara se juntou a mim e juntas
fizemos aquele trabalho. Paramos somente quando percebi que
íamos além do que ele seria capaz de suportar e eu queria o seu
primeiro gozo em mim.
Podia ser bobagem ou insegurança, mas era a minha lua de
mel, ainda que a segunda, e meu marido gozaria primeiro em mim
e por mim. Depois disso veríamos o desenrolar da história.
Levantamos, peguei uma camisinha no pote, deslizei com
facilidade pelo seu pau duro e melado. Em seguida, de costas para
o meu marido, o fiz entrar em mim, sentando parcialmente em seu
colo, com as pernas um pouco abertas
E então, fiz aquilo que eu queria, e Patrício precisava. Sem
qualquer palavra, guiei Clara para o meio das minhas pernas. Senti
a respiração pesada de Patrício quando percebeu o que aconteceria.
Nossa convidada se ajoelhou a minha frente e em poucos segundos
seus lábios estavam em mim.
Joguei a cabeça para trás, empinando os seios nas mãos do
meu marido, me abrindo para a boca daquela garota que sabia tão
bem quanto eu o que fazia. O tesão brincava comigo, naquela
entrega deliciosa. As mãos de Patrício ficaram mais firmes, me
apertando e exigindo, seus dentes brincando em minha carne, sua
respiração ofegante enquanto assistia aquela outra mulher me
chupar com desejo e meu corpo se fechar no seu, sugando-o com
facilidade.
Aproveitei um pouco mais, sentindo a entrega do meu corpo,
o tesão que me fazia desejar ir além, a fantasia que se realizava de
uma forma deliciosa. E comecei a rebolar, lentamente, aos poucos,
para que ambos tivessem o melhor de mim. Patrício grunhiu,
apertando minha cintura, me puxando para si, enquanto a outra
mão me tocava em todas as partes e, por vezes, ia até a cabeça de
Clara, fazendo-a continuar.
Céus! Aquilo me fazia perder o juízo. Como controlar algo
que crescia com tanta fúria, ameaçando explodir a qualquer
momento? Mas eu não queria, porque gozar daria a Clara o direito
de tê-lo, então puxei a concentração e iniciei o processo do
pompoar, apertando-o dentro de mim, ao mesmo tempo que me
projetava para que Clara não deixasse o seu trabalho delicioso.
Ela, esperta como era, lambia as bolas do meu marido,
passando pela parte exposta do seu pau pela nossa posição, e então
me sugava com gosto, estimulando meu clitóris. Eu estremecia,
mas meu marido se entregava de uma forma que nunca havia visto
antes.
— Caralho, Morena! — rosnou quando o apertei um pouco
mais e rebolei. Ele me puxou com força, colando a testa ao meu
pescoço e gozou gemendo de forma a me arrepiar por completo.
Então, sem medo, gozei com meu marido enterrado em mim,
e na língua daquela garota que eu sabia, nunca decepcionaria. E foi
maravilhoso. Meu corpo estremeceu, perdeu as forças, se
liquidificou, evaporou e solidificou em poucos segundos. Uma
delícia como há tempos não acontecia.
E foi assim que entendi que não importava quantas versões
de Miranda eu criasse, aquele era o meu mundo, aquele era o jeito
que eu gostava de ser, e agora Patrício também sabia.
Estava tudo perfeito.
Clara levantou, as pupilas dilatadas de desejo, enquanto
Patrício ainda arquejava atrás de mim. Existia uma parte deliciosa
em ser mulher, nós não precisávamos nos recuperar, como meu
marido precisava. Por isso quando ele saiu de mim e se livrou da
camisinha, logo em seguida do restante das roupas, nos olhando
sem saber o que fazer, eu sorri da forma mais descarada que
consegui.
— Por que não bebe alguma coisa, amor? — sugeri. Ele
estreitou os olhos, contudo não me desobedeceu. — Enquanto isso
— segurei a mão de Clara e falei quando ele passou para o outro
lado do bar, atraindo a sua atenção. — Eu e Clara nos divertiremos
um pouco.
Sem aguardar pela sua permissão, guiei a garota até as portas
duplas que separavam a sala do primeiro quarto grande, amplo, e
preparado para aquela ocasião. Ainda olhei para trás e vi quando
meu marido, completamente nu, se serviu de uma cerveja gelada e
se aproximou, parando na porta, encostando-se a ela, para nos
observar.
Sorri e pisquei para ele, enquanto deitava a garota na cama e
me preparava para a diversão.
É, Patrício, você nunca será capaz de esquecer a nossa lua
de mel, pensei quando me deitei sobre a nossa convidada e dei a
meu marido o melhor espetáculo que ele pode assistir, e posso
dizer que, depois disso, Patrício se mostrou mais ativo.

Acordei sentindo a brisa gostosa acariciar minhas costas


nuas. Deitada de bruços, coberta até a cintura, e sozinha naquela
cama imensa. Pisquei para a claridade, percebendo as portas que
davam acesso a praia, abertas, as cortinas brancas, impulsionadas
para dentro pelo vento. Ao fundo, a areia clara e o mar de um azul
que emocionava.
Testei meu corpo, abusado pela noite anterior e me perguntei
quanto tempo eu tinha dormido depois de ter levado Clara de volta
ao Cais, onde o iate do pai dela a esperava. Depois voltei para a
cama, deitei ao lado do meu marido já apagado e adormeci.
Porém, acordei sozinha e confusa.
Levantei, peguei uma camisola longa e saí procurando por
ele. Patrício voltava do mar, uma sunga perfeita demarcando seu
corpo e aquele v que me fazia lamber os lábios. Sua pele molhada
era um convite. No mesmo instante meu estômago roncou. Que
horas eram?
Ele saía do mar, mas hesitou quando me viu. Sua mão passou
pelos cachos molhados, ganhando a minha atenção. Então
caminhou em minha direção, com cuidado, e até mesmo, receio. O
que estava acontecendo?
Quando se aproximou, parou a uma distância segura, me
encarando como se me avaliasse. Resolvi ignorar a sensação
estranha e fingir que não percebia o seu jeito cauteloso.
— Bom dia, garotão!
— Estamos no meio da tarde — revelou me pegando de
surpresa.
— Hum! Deve ser por isso que estou com tanta fome. — Ele
não riu, nem relaxou. — O que foi?
— Clara já foi embora? — Olhei para trás, procurando por
alguém, mesmo sabendo que não havia ninguém conosco naquela
ilha.
— Logo depois que você dormiu.
— Ah! — ele disse, e então fingiu admirar o lugar.
— Qual o problema?
— Não sei, gata!
E finalmente ele me olhou. Enxerguei a confusão que estava
a sua cabeça.
— Está tudo bem, amor — sussurrei. — Nada mudou. — E
roguei para que estivéssemos no caminho certo, ou então, não
saberia o que fazer.
— Tem certeza?
— Só posso falar por mim. — Ele mordeu o lábio inferior.
— Você me viu comendo outra mulher — revelou com todo
o seu receio vibrando. Sorri e dei de ombros.
— Você também. — Ele sorriu de leve e concordou.
— Não quero que nada mude. Ontem foi… foi muito bom,
gata! Foi maravilhoso! Mas você é tudo o que eu preciso e…
Fui até ele, beijando-o sem me importar se minha camisola
ficaria molhada. Patrício gemeu em meus lábios, se entregando, as
mãos em meu corpo, entrando pelo tecido e encontrando minha
nudez.
— Continuamos sendo nós dois, garotão. Só nós dois.
— Convidados só de vez em quando, certo?
— Quando você quiser.
— Certo. Podemos viver sem isso por um… espaço de
tempo. — Acabei rindo.
— Tem certeza que foi bom? Você está agindo como se
estivesse traumatizado. — Ele estreitou os olhos para mim.
— Digamos que apenas de ter sido delicioso, não foi fácil
entender o seu divertimento.
— Ontem você não reclamou do meu divertimento.
— Ah, gata! — Outra vez ele me agarrou. — Você não faz
ideia, não é mesmo? Não sabe o que é assistir você transando,
Miranda. E é…
— Ruim?
— Maravilhoso e… desafiador. Além de me deixar com
ciúme — confessou.
— Da Clara?
— Da Clara. — Admitiu. — Vocês duas se divertiram um
bocado e me deram muito no que pensar. Então… preciso de um
tempo tendo você só para mim, entendeu?
— Com muita clareza, meu marido.
— Ótimo! Agora que tal — suas mãos subiram minha
camisola, se apossando da minha bunda. — Aproveitarmos um
pouco esse mar?
— Eu estou com fome — anunciei.
— Ah, gata! Eu também. Faminto. Com a mente povoada de
coisas deliciosas.
E com essa, ele me levou para o mar e me amou como meu
marido, com todo o seu amor e dedicação, com os beijos mais
quentes que já provei, e as mãos mais possessivas que já permiti
me tocarem.
E quando acabou, e ele descansou em meu ombro, olhei para
o céu e me permiti pensar naquele divã e as suas duas poltronas,
naquela sala que decorei baseada na fantasia que me povoava. Eu
podia me ver deitada sobre ele e a minha frente, Patrício em uma
poltrona, me observando com um desejo pulsante, e na outra,
Aline, e a sua necessidade de me ter.
Sim, aquela lua de mel rompeu minhas barreiras, então… por
que não?
DEZ ANOS DEPOIS

“Essa mina é uma daquelas fenomenais


Vitamina, é proteína e sais minerais
Ela é a vida após a vida
Despedida pros seus dias mais normais
Pra que mais?”
Hoje ela só quer paz - Projota

Encostei na pilastra observando Patrício correr atrás da Maria


Flor, nossa filha, brincando em sua grande festa de dois anos de
idade. Ele não cansava de brincar com a criança e nem parecia o
mesmo cara que três anos antes quase morreu quando descobrimos
que teríamos um filho. Aliás, era para Patrício estar recepcionando
os convidados e não fazendo o papel da babá.
Mesmo assim, me peguei sorrindo com a imagem.
Quando engravidei, nossa vida sexual estava a todo vapor. O
clube se tornou a nossa maior diversão, frequentado apenas por
convidados muito bem selecionados e com a vida vasculhada da
melhor forma a me dar segurança. O que antes se tornou uma
brincadeira entre meu marido, eu e uma convidada, se ampliou, e
há muito ele já entendia e aceitava outros caras na brincadeira. E
confesso que me diverti muito.
Contudo, quando comecei a enjoar e percebi que não estava
em meu estado normal, não alertei meu marido. Então, quando
confirmei o resultado do exame, agradeci a Deus, ou a quem quer
que me protegesse, por estarmos a quase três meses sem
convidados, apenas nos curtindo e adorando pertencermos um ao
outro.
Não que houvesse qualquer risco de eu engravidar de um
convidado. Nós éramos cuidadosos e criteriosos, mas… quem
podia definir a reação de um cara que assistia a sua mulher ser
comida por outros homens e que deixava claro adorar não precisar
de filhos para nos atrapalhar?
Por isso fiquei tensa, preocupada, contei primeiro a Charlotte
e Alex e implorei aos céus para que Patrício não surtasse ao ponto
de enlouquecer de vez, me deixando no mundo sozinha com uma
criança que, admito, eu nem desejava mais.
Foi um acidente, entretanto, eu a quis no segundo em que
desconfiei. Dois anos depois eu ainda não havia chegado a uma
conclusão sobre como conseguimos ter um filho. E era por isso que
Patrício, como não podia deixar de ser, apelidou nossa pequena e
linda Maria Flor, batizada assim como uma homenagem as minhas
duas mães, Mary e Margarida, de acidente.
Acidente. Dá para acreditar?
Ele insistia em chamar a menina, não importava na frente de
quem fosse, de acidente.
Às vezes eu me perguntava como conseguia estar a tanto
tempo com alguém como Patrício. E no mesmo segundo eu já sabia
a resposta, porque o amava como nunca fui capaz de amar antes. E
mesmo ele chamando minha linda Maria Flor de acidente,
acidentezinho do papai, minha pequena acidente, eu amava o amor
que dedicava a ela. Patrício era um pai incrível.
Suspirei.
— Alguém precisa cumprimentar os convidados — Charlotte
falou atrás de mim, me abraçando pela cintura.
Virei para abraçar a minha irmã, adorando estar em seus
braços. Alex, logo atrás dela, sorria como um bobo ao notar o
irmão atrapalhar o trabalho do palhaço que tentava animar as
crianças.
— Eu avisei que não precisava contratar um palhaço — ele
disse ao me cumprimentar com um sorriso no rosto.
Ah, sim. Dez anos depois a minha relação com o meu antigo
professor se transformou em uma amizade leal e confidente. Ele me
ajudava com Patrício, em seus momentos de crise, e nos ajudou no
início da gravidez, convencendo meu marido de que seria
maravilhoso. E deu certo.
E eu? Bom, eu continuei como agente de Charlotte, que se
tornou um fenômeno mundial na literatura, e de mais uma gama de
grandes autores, dentre eles, Alex. Não é engraçado? Quando meu
cunhado escreveu “A aluna” e minha irmã me pediu para ler o
material. Fiquei fascinada.
E, claro, não duvidei jamais da capacidade de Alex em
escrever algo tão grandioso quanto uma história entre uma aluna e
o seu professor. Um clichê tão antigo que deu certo. Em pouco
tempo me tornei a sua agente e ele explodiu no mundo. Não tanto
quanto a esposa, e, lógico, muito por causa disso também, mas
quem contestaria o valor de um casal de escritores?
— Você está me devendo um material — protestei. Ele fez
uma careta.
— Betina tem tirado o meu sono — Minha irmã revirou os
olhos.
— O que ela fez? A menina só tem cinco anos!
— É uma longa história. — Charlotte disse. — Amor, pede
para o Chico não exagerar nos doces.
— Ok! Eu já entendi. Você quer que eu saia. Era só pedir —
Alex brincou, fingindo estar ofendido.
— Saia! — MInha irmã rebateu sem dó nem piedade, mas
recebeu um beijo apaixonado antes de admirar o marido nos deixar
a sós.
— O que foi? — comecei. — O que você está aprontando?
— Ela sorriu e corou como sempre acontecia.
— Vamos entrar?
Acompanhei a minha irmã por dentro da casa de eventos que
havíamos alugado para aquela festa especial com tema de circo.
Uma enorme tenda foi montada do lado de fora e vários
profissionais entretinham os convidados. E havia a casa, um espaço
bem cuidado e reservado, onde nós teríamos paz para uma conversa
sem crianças correndo, gritando ou se atrapalhando entre nossas
pernas.
Entramos em um dos aposentos, o que ficava reservado para
o aniversariante se trocar, comer ou dormir, caso quisesse.
Charlotte sentou no sofá e eu na poltrona a sua frente.
— E então?
— Miranda, eu preciso te contar uma coisa — disse com
receio, esfregando as mãos uma na outra.
— O que você fez?
— Na verdade, eu fiz uma coisa horrível. Não sabia como te
contar, mas… não suportava mais guardar esse segredo tão… —
fez um gesto com a mão, sem conseguir expressar o que queria
dizer.
— Fala logo, Charlotte! O que você fez?
— Eu… — minha irmã fez uma careta estranha.
— Desembucha! Você está grávida? Não, espera! Esqueci
que você não tem mais útero. Céus, essa coisa toda de maternidade
está me matando. — Minha irmã riu, sem se importar com o que eu
acabara de dizer. — O que foi? Cuspiu a hóstia?
— Não! — riu mais um pouco, então parou, se concentrando
no que queria me contar. — Quando nosso pai… — ela engoliu em
seco e no mesmo instante minha garganta travou com a emoção.
O padrinho havia falecido há pouco mais de um ano. Foi
repentino. Ninguém esperava por isso, ao menos foi o que
soubemos no início, até o seu testamento ser aberto e descobrirmos
que o padrinho, sendo quem era, jamais deixaria de colecionar
segredos. E seu último foi aquele, um problema no coração que o
mataria a qualquer momento. Dr. Adriano fora incubido de guardar
a informação, e não seria o padrinho se não fosse assim.
Maria Flor já era uma realidade linda e eu pensava que minha
vida não podia ser mais maravilhosa, mesmo com Patrício
chamando a menina de acidente o tempo inteiro.
Então chegou a notícia. O padrinho infartou. Foi de uma vez,
sem dor prolongada e sem angústia. Um infarto fulminante, como
explicou nosso sogro. E foi horrível! A dor abalou a nossa família e
nos deixou desestabilizados. Ao mesmo tempo, nos surpreendemos
com a maneira madura como encaramos a nossa dor e não
excluímos nada nem ninguém desta vez.
E, ao contrário de tudo o que imaginei, perder o homem que
eu considerava o meu pai, nos aproximou ainda mais. Viramos uma
família sólida, firme e amorosa. Charlotte não surtou, como
pensamos que aconteceria. Ela sofreu, claro! Mas foi firme em
prosseguir a sua vida, não apenas por Alex, mas pelas crianças e
pelos irmãos. Também não acusou o sogro nem criou confusão,
aceitando que aquela foi a última vontade do pai.
Foi ela quem nos chamou no escritório, Johnny e eu, no dia
em que enterramos nosso pai, nos deu a mão e nos disse que
continuaríamos, porque precisávamos fazer aquela história toda
valer a pena.
Então Charlotte foi a nossa força, e com ela consegui me
despedir do homem que mais lutou por mim. Fiz isso com o amor
que sentia por ele, mas também com o respeito e orgulho de um
dia, finalmente, ter vencido todas as minhas barreiras e o chamado
de pai. E me alegrei por ele ter conhecido minha filha e aprovado o
homem com quem eu queria compartilhar a eternidade.
Com olhos úmidos Charlotte me encarou, também
relembrando o homem que fazia muita falta naquela festa. Ela
estendeu a mão para mim e suspirou com pesar.
— Voltei ao flat para recolher as coisas antes de alugarmos
e… — mordeu o lábio inferior. — Descobri seus diários.
— Meus… diários? — No mesmo segundo senti me sangue
desaparecer. Charlotte concordou e eu entendi tudo.
Quando casei, escolhi não levar para casa os diários que eu
escrevia todos os dias, durante muitos anos da minha vida, e os
escondia em um fundo falso atrás da última prateleira do meu
closet.
Neles havia um pouco de tudo o que vivi. Como eu me sentia
quando criança, a maneira como me rebelei ainda adolescente, a
consciência que criei em relação a minha família e o amor e
devoção por eles.
No entanto, naqueles cadernos também estava a minha
história com Thomas, a maneira como eu mentia para todos, como
encontrei com Alex no clube em que frequentava, minha obsessão
por ele, como conheci Patrício e toda a mentira que foi o nosso
relacionamento até descobrimos que estávamos mesmo
apaixonados.
Todos os meus segredos estavam naqueles diários. Todos. A
minha história verdadeira, a maneira como Peter e Mary salvaram a
minha vida, o estupro, o aborto, o sequestro e a existência do meu
pai verdadeiro, que ainda amargava na cadeia, mas que os
advogados acreditavam que logo ganharia liberdade por bom
comportamento.
Eu não precisava perguntar. Não precisava fazer Charlotte
confessar que leu todos eles. Ficou muito claro na maneira como
ela apertava meus dedos e corava. Senti meu corpo tremer e meu ar
faltar.
— Miranda…
— Desculpe, Charlotte! — falei sem conseguir controlar a
emoção. — Eu não queria… não imaginava…
— Miranda? — Ela me fez calar, apertando ainda mais os
meus dedos. — Eu que tenho que me desculpar. Eu fui tão…
egoísta com você!
— Não! — A primeira lágrima desceu. — Você foi perfeita!
— Não fui. Nunca prestei atenção em você como deveria e
me sinto tão… horrível por isso. E você… Deus! Nunca imaginei
que se sentia daquele jeito, porque eu te amava como uma irmã e se
não soube demonstrar… Eu te amo, Miranda! Você é a minha
melhor amiga e é a melhor irmã que uma pessoa pode querer.
— Eu sei, eu sei! — falei emocionada. — Aquilo foi
bobagem de adolescente.
— Não foi! E Thomas… ah, droga! Como eu nunca percebi
que aquela sua rejeição era mais do um simples não gostar, um
amor bobo da adolescência, como me fez acreditar? Quando eu
penso em… quando penso em tudo o que passou por mim…
— Charlotte…
— Você fingiu um namoro e sustentou apenas para que eu
pudesse estar com Alex. E você… Deus! Você sabia o que
aconteceu entre Alex e Tiffany e não me contou porque queria que
eu fosse feliz, e depois… depois de tudo o que já havia feito, você
casou só para me fazer entender que minha vida era ao lado dele.
Não entende? — Ela chorava junto comigo. — Você fez tudo para
que eu fosse feliz e muitas vezes deixou para atrás a sua própria
felicidade. Eu não sei… nem sei o que dizer.
— Não, Lottie! Eu fiz tudo porque te amava e acreditava que
você merecia ser feliz. Se pudesse voltar no tempo, faria tudo outra
vez. Juro!
— Ah, Miranda! — Ela se jogou em meus braços, chorando
e rindo. — Você é a pessoa mais louca, mais admirável, mais… —
Soluçou, dominada pelo choro. — Eu sou tão grata por você
existir! Tão grata por, mesmo da forma errada, poder conhecer seus
percursos, a sua linda história de amor descrita nas cenas finais. É
tão… — Fungou. — Dói, mas é lindo saber que você aguentou
firme, sobreviveu a tudo para viver este amor e…
— Não. — Interrompi a minha irmã, que me olhou com
curiosidade. — Eu amo Patrício, é uma verdade absoluta, mas você
entendeu tudo errado. Mais uma vez. — Sorri sendo incapaz de
conter o choro. — A história que você leu, tudo o que tem naqueles
diários, é uma história de amor, mesmo recheada de tragédias e
traumas, mas não é minha história de amor com Patrício, Charlotte
— revelei.
— Não?
— Não. — Sorri limpando as lágrimas. — É a minha história
de amor por você.
Minha irmã levou uma mão a boca e seus olhos conseguiram
transbordar uma quantidade mais de lágrimas.
— Hoje eu entendo que tudo o que fiz e passei, foi porque te
amava tanto que não suportava viver uma história onde você não
fosse feliz. Patrício foi… — Pensei no assunto. — Acho que a
maneira que a vida encontrou para retribuir. E eu sou muito grata.
Ela me abraçou outra vez, chorando e rindo ao mesmo
tempo.
— Ah, não é possível que vocês vão ficar aqui chorando
enquanto a festa está toda animada lá fora. — Johnny entrou, nos
surpreendendo.
— Johnny! — falei surpresa. — Você disse que não
conseguiria vir!
— E perder o aniversário da minha única afilhada? Jamais!
Abracei meu irmão com toda a saudade que sentia dele.
Antes do padrinho nos deixar, Johnny já era um homem ocupado
demais, assumindo todos os desafios que o padrinho lhe dava. Por
isso ele viajava muito, cumpria com a sua obrigação e tocava as
nossas empresas como um verdadeiro CEO deveria fazer. O lado
ruim era a sua ausência.
Meu irmão abraçou Charlotte, sem entender a comoção
daquele encontro, mas ele não sabia que naquele momento,
Charlotte entendia todos os sacrifícios que fizemos por ela.
Minha irmã se separou de Johnny, mantendo uma mão na
sua, e segurou a minha com a outra. Sem pensar muito no assunto,
segurei a mão livre de Johnny e nos encaramos.
— Eu amo tanto vocês, e sou tão grata que não sei como
externar — disse emocionada.
— O que está acontecendo aqui? — Johnny brincou. — Tudo
isso é saudade de mim? — Eu e Charlotte trocamos um olhar
confidente e rimos, abraçando nosso irmão.
— Ah! Estou atrapalhando? — Patrício apareceu na porta.
Nós nos afastamos, rindo e chorando ainda. — Amor, eu sei que é
legal ficar aqui chorando mas… — Estreitei os olhos para meu
marido, que nunca deixaria de ser um bobo. — A nova professora
do nosso acidente acabou de chegar. E ela não conhece ninguém.
Nem você! — Fez uma careta, me censurando.
— O nome dela é Maria Flor — rosnei e ele riu, adorando.
Ele sempre adorava a minha ira.
Lógico que a nova professora da Maria Flor não me
conhecia. Patrício fazia questão de levar nossa filha, assim como
buscava. E eu estava sempre tão atarefada que deixava para depois
aquele encontro, já que a tal mulher tinha acabado de ingressar na
escola e substituía a professora que eu já conhecia, e que havia
recebido uma proposta para outro estado. Como o ano seguia o seu
curso normal, deixei para conhecer a mulher na reunião de pais e
mestres, mas meu marido, muito atencioso, resolveu convidá-la
para uma festa onde ela não conhecia ninguém, além dele e da
nossa filha, e ninguém a conhecia.
Perfeito!
— Certo! Vamos conhecer a tal professora.
Sequei os olhos e não deixei que meus irmãos escapassem de
mim. Saímos juntos do quarto, andamos até o local onde os
convidados entravam para a festa e encontramos a mulher,
carregando e beijando a minha filha com um sorriso enorme no
rosto.
Reconheci de imediato a garota morena, cabelos armados,
crespos, olhos grandes e sorriso transparente.
— Aquela não é a… — Tentei falar, mas Johnny não
permitiu, tomando a minha frente.
— Edilza?
Ele disse, confuso. A mulher olhou para o meu irmão, seu
sorriso se desfez e eu não conseguia acreditar naquela história.
Olhei para Charlotte e sorri.
Bom… pelo que parecia, nenhuma história daquela família
ganharia um ponto final.
NOTA DA AUTORA

Eu não consigo acreditar que coloquei um ponto final


nesta trilogia que me tirou do sério tantas vezes. Não sei se
posso rir, me parabenizar, sentir alívio, ou chorar de
saudade. A sensação estranha de dizer adeus a algo que
ocupou uma parte tão grande da minha carreira literária, me
deixa em êxtase ao mesmo tempo que me esvazia.
É sempre a mesma coisa. Eu me despeço de uma
história e me pergunto: E agora?
E agora é encarar que existem muitos outros projetos,
outras histórias que quero tanto contar a vocês que não vou
sequer me permitir parar para respirar.
Fechamos 2019 com chave de ouro. Miranda e
Patrício fizeram um trabalho lindo que hoje, entrego a
vocês. Cuidem bem deles.
Cada linha foi escrita com o máximo de amor que
consegui despejar sobre personagens tão vivos e reais que
roubavam a minha paz. Sim, a intensidade de Miranda e o
amor sem limites do Patrício, romperam muitas barreiras
minhas e tudo o que eu desejo é que eles também sejam
capazes de fazer o mesmo por vocês.
Alguns pontos precisam de esclarecimento. Muitos
leitores me escreveram querendo saber sobre Alex e
Charlotte, ouvir um pouco mais da sua história no tempo
em que ficaram separados. Eu fiz o melhor que pude, sem
esquecer que este livro pertence a outro casal e era a
história deles que eu queria contar.
Também queria contar para vocês que há muito busco
formas de deixar meus texto superarem a barreira de
entretenimento. Um livro não é apenas uma livro, é a porta
para um mundo, e como tal, torna-se necessário levantar
bandeiras e assumir algumas causas.
Por isso tenho orgulho de contar que O Diário de
Miranda - parte final, foi gentilmente revisado pela nossa
querida amiga Patrícia Rammos, do canal Um abadá para
cada dia, em busca de termos racistas, palavras que não
deveriam mais serem usadas e que utilizamos por não
conhecermos a seriedade desta questão. Fizemos o melhor
para que todos saibam que estão inseridos aqui, e que
possuem o nosso respeito.
Assim, finalizo mais este livro, com todos os
sentimentos misturados.
Miranda e Patrício agora pertencem ao mundo e eu só
posso desejar que seja um lindo caminho.
AGRADECIMENTOS

São muitas e muitas pessoas que merecem estar aqui,


nos agradecimentos. Porque sem elas, eu não teria
conseguido. E, de verdade, pela primeira vez em minha
carreira como escritora, cheguei a acreditar que não
conseguiria.
Então vou começar agradecendo a dois seres que não
existem, mas que sem eles, nada disso seria possível.
Agradeço a Alex e Charlotte, por se apaixonarem de uma
forma tão linda que tornou Patrício e Miranda reais. Vocês
foram incríveis e eu ainda os amo.
Quero muito agradecer as minhas betas Thárcyla
Pradines, Sheila Pauer, Winnie Wong, Kelly Fonseca,
Gllauce Brandão, Marcira Lima, Thaisa Amaral e Gabriela
Canano. Vocês sabem a importância que possuem para
tudo o que diz respeito a minha vida como escritora. Eu
amo vocês e nunca terei como agradecer o amor que
sentem por mim.
Agradeço ao meu capista, fantástico, maravilhoso e
que sempre enlouquece com as minhas exigências, mas que
no final me entrega o melhor. Renato Klisman, você é
sensacional.
Agradeço a minha família pela paciência. Desta vez
foi mais difícil do que todas as outras, mas nós
sobrevivemos, vencemos esta etapa e seguimos fortes. Amo
vocês, não apenas hoje e não somente por isso. Amo
porque não enxergo uma forma melhor de viver que não
seja com vocês.
E agradeço aos meus leitores, peças fundamentais,
pessoas amorosas e apaixonadas por este casal tanto quanto
eu fui. Peço perdão pela demora na entrega do material,
mas vocês não merecem nada menos do que o meu melhor
e eu serei eternamente grata por tanto carinho, por
continuarem comigo e por chegarem até aqui.
Obrigada! Obrigada! Obrigada!

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