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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

Bacharelado em Psicologia

IAGO PÍCOLO

“DO VÍCIO À PORNOGRAFIA AO MOVIMENTO NOFAP SOB


A ÓTICA DA PSICANÁLISE”

Belo Horizonte

2021
IAGO PÍCOLO

DO VÍCIO À PORNOGRAFIA AO MOVIMENTO NOFAP SOB


A ÓTICA DA PSICANÁLISE

Monografia de Psicanálise 2 apresentada à


Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG,
como requisito para obtenção de nota parcial na
disciplina.

Orientador: Dr. Gilson Ianini

Belo Horizonte

2021
SUMÁRIO

1 Introdução...............................……………………………………………………………....3

2 Desenvolvimento…………………………………………………………………………….3

3 Conclusão………………………………...………………………………………………….7

Referências…………………………………………………………………………………..8
3

1 Introdução

Em nenhum outro momento da história humana tivemos um acesso tão rápido,


volumoso e diverso a estímulos sexuais quanto nos dias atuais. A pornografia aliada à internet
fornece a possibilidade de se ter mais experiências sexuais em uma hora do que nossos
antepassados tinham durante toda uma vida, ainda que somente de forma visual. Em “A moral
sexual “cultural” e o nervosismo moderno”(1908), Freud sustenta que nossa cultura promove
uma “repressão nociva da vida sexual das populações civilizadas”, estando esse processo
ligado ao adoecimento psíquico. Com uma análise rasa, poderia se pensar que esse amplo
universo da pornografia seria de alguma forma um atenuante para tal repressão, ao apresentar
possibilidades de satisfação sexual com alguns simples toques numa tela. Porém, o consumo
desse tipo de conteúdo, especialmente de forma exagerada, rapidamente se torna patológico, e
se Freud atuasse clinicamente hoje certamente esta seria uma problemática a ser tratada em
consultório e analisada sob a luz da psicanálise.
Pensando nisso, serão aqui trabalhadas relações entre o vício em pornografia, que
acomete principalmente os homens, e alguns conceitos e passagens encontradas na obra de
Freud, procurando pensar como essa condição afeta o psiquismo do adicto, especialmente no
âmbito de sua vida sexual, além de também analisar os efeitos de uma ferramenta difundida
para a libertação deste mal: a adesão ao movimento do “Nofap”1, cuja premissa básica é a
cessação do ato masturbatório e do consumo de material pornográfico por longos períodos de
tempo, juntamente com a conscientização dos benefícios de tais práticas.

2. Desenvolvimento
A princípio, um dos principais e mais expressivo problema que o vício em pornografia
traz é na própria vida sexual do sujeito, existindo muito relatos de namoros e casamentos
arruinados, ou, quando solteiro, de uma falta de libído e de interesse em engajar-se em
encontros. Podemos pensar nessa situação a partir da noção de objeto da pulsão, que seria
“aquele junto ao qual ou através do qual a pulsão pode alcançar sua meta” (Freud, 1915) ou
seja, satisfazer-se. O objeto também é o que há de mais variável na pulsão e não
necessariamente é uma pessoa inteira, mas pode assumir diversas formas: determinada parte
do próprio corpo ou do corpo alheio, um objeto inanimado, uma atividade, etc. Este liga-se à
pulsão por tornar possível sua satisfação. O que faria então o indivíduo depositar praticamente

1
Termo cunhado por Alexander Rhodes em 2011 primeiramente como o nome de um fórum de
discussão online e posteriormente expandido para designar a prática da não masturbação, sendo
“fap” uma gíria para o ato masturbatório.
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toda sua libido em objetos cujo acesso é somente virtual (pornografia) e em conjunto com um
ato de satisfação auto-erótica através da masturbação, ao invés de investir esse quantum
libidinal em objetos reais através de relações humanas?
Nesse sentido, a forma com o que o mercado pornográfico trabalha as imagens dos
corpos tanto dos atores quanto das atrizes, se dá de forma muito idealizada, além de
apresentarem performances distantes do real. Assim, o consumo contínuo desse material faz
com que o sujeito não consiga mais elaborar outros modos de satisfação e de relação com o
objeto que não sejam aqueles apresentados, contribuindo para que as pulsões sexuais de certa
forma se fixem a esses modos de satisfação ou a características de objetos. Com isso, o adicto
tem cada vez mais dificuldade de sustentar a libido com fantasias baseadas somente na
memória ou imaginação e principalmente com um(a) parceiro(a) sexual real que não atende
aos padrões e idealizações impostas, apontando para uma degeneração de sua capacidade de
fantasiar, como alega o psicanalista e youtuber Christian Dunker. Freud já detectava
repercussões semelhantes somente com as práticas sexuais masturbatórias ou perversas,
manifestadas como consequências da prescrição da abstinência imposta pela moral sexual
cultural trabalhada em seu texto de 1908. Para o psicanalista, aqueles que, através dessas
práticas, adequaram sua libido a situações e condições de satisfação diferentes das normais,
vêm a apresentar uma potência diminuída no casamento. Ademais, as fantasias que
acompanham a satisfação pela via da masturbação elevariam o objeto sexual a um grau de
excelência que não se encontra facilmente na realidade (Freud, 1908). Ora, com os padrões
corporais já mencionados da pornografia então, são exponencialmente elevados esses efeitos
já identificado e apresentado por Freud antes mesmo da internet existir.
Como agravante, entendamos a fixação, no sentido psicanalítico:

define-se pela persistência, particularmente manifesta nas perversões, de


caracte­rísticas anacrônicas da sexualidade: o sujeito procura certos tipos de ati­vidade,
ou então permanece ligado a algumas características do “objeto” cuja origem pode ser
encontrada em determinado momento particular da vida sexual infantil.
(LAPLANCHE, J.; PONTALIS, J.B. Vocabulário de psicanálise​. 4.ed, 2001 p.190)

Desse modo, tendo em vista a quantidade exorbitante de diversidade de conteúdo


pornográfico contido na internet, é certo que em algum momento, consciente ou
inconscientemente, o sujeito escolherá vídeos que lhe coloquem em contato com
características de objeto e modos de satisfação análogos àqueles em que ele possa apresentar
algum grau de fixação originado a partir dos caminhos percorridos pela libido através das
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experiências que permearam seu desenvolvimento sexual. Com isso, o adicto se encontraria
mais propenso a ser subjugado pela vontade de continuar satisfazendo suas perversões e por
meio de modos de satisfação fixados, de forma ininterrupta e contínua, tal qual é contínua a
pressão pulsional atuante, já que um caráter da pulsão seria o de fluir continuamente como
representante psíquico de uma fonte endossomática de estimulação (Freud, 1905). Assim,
com um simples movimento na tela do computador ou celular, novos estímulos sexuais são
apresentados, gerando um ciclo mórbido e que acaba por esgotar a libido do indivíduo.
Agora, nos atentemos para uma possível solução que repercurte enormemente na
internet, inicialmente difundida como meio de lutar contra o vício em pornografia mas que
depois se espalhou como um hábito - ou não hábito - até daqueles homens que não tinham
qualquer problema com o consumo de pornografia ou com a prática masturbatória
exacerbadas, mas que buscavam os benefícios alegados pelo movimento, que é o Nofap. Já
em 1898 Freud sugere que, frequentemente, casos de neurastenia tinham como principal causa
a masturbação incontida, que extraía toda a potência sexual do sujeito, tornando sua vida
sexual demasiadamente insípida. Como tratamento para estes casos o psicanalista traz a
questão da abstinência, com a finalidade de equilibrar os investimentos de sua força libidinal,
restituindo-lhe a possibilidade de contato sexual “normal”, porém, apenas como algo efêmero
e superficial à medida que o médico se contenta apenas em privar seus pacientes da
masturbação, sem legitimamente preocupar-se com a fonte da qual brota a “necessidade
imperativa” (Freud, 1898). Deixando de lado a neurastenia e tomando o vício em pornografia
como a condição a ser tratada, o material de depoimentos sobre o tema na internet aponta que
a adesão à abstinência masturbatória pode ser um método eficaz para a cura do vício,
juntamente com o conhecimento de como funcionam certos gatilhos e principalmente de
como a energia psíquica antes depositada no consumo de pornografia e na masturbação pode
ser aproveitada de outras formas, beneficiando diversos âmbitos da vida do indivíduo além do
sexual: tal processo nos aponta para o conceito psicanalítico da sublimação.
Apesar de que uma teoria coesa acerca da descrição aprofundada de como esse
processo se dá não exista na psicanálise, a sublimação, colocada por Freud como um dos
destinos possíveis da pulsão, certamente é um processo envolvido na adesão ao Nofap. A
pulsão sexual é sublimada quando tem sua meta sexual deslocada para outra meta que já não é
sexual mas que se aparenta psiquicamente a ela. Freud (1908) coloca que esta capacidade da
pulsão de deslocar sua meta sem perder sua intensidade, coloca à disposição do trabalho da
cultura montantes imensos de energia. Nesse sentido, é interessante perceber que diversos dos
benefícios e resultados relatados com a experiência do Nofap se encaixam naquelas atividades
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que Freud descreveu como sendo as principais propulsionadas pela sublimação, que é a
atividade artística e a investigação intelectual: aumento na criatividade, maior concentração e
motivação para estudar e trabalhar estão dentre os benefícios relatados ao se praticar o Nofap.
Outros benefícios observados no funcionamento psíquico como o aumento na autoestima e
alguns hormonais até comprovados cientificamente2 como o aumento nos níveis de
testosterona, contribuem para incentivar qualquer um a aderir ao Nofap, até mesmo aqueles
que não se masturbam compulsoriamente e nem são viciados em pornografia.
Sabendo disso, e em contrapartida aos notáveis pontos positivos que o Nofap apresenta
especialmente para aqueles viciados em pornografia, em partes devido à capacidade de
sublimação do indivíduo, existem alguns pontos imprescindíveis de serem abordados e que se
relacionam com a repressão das pulsões presente na moral sexual cultural apontada por Freud.
Existe uma parcela de pessoas que defende a adesão ao que é chamado de “Nofap modo
difícil”, que consiste em abster-se, além de masturbação e pornografia, à qualquer atividade
sexual. Tal conduta reflete o que Freud descreve como o terceiro estágio da evolução cultural
da pulsão sexual, aquele correspondente à moral sexual cultural da época, onde apenas se
admite como meta sexual a reprodução legítima. Tendo em vista a, pelo menos aparente,
diminuição da força dessa moral na sociedade atual, é possível pensar que este modo de
prática do Nofap seria um meio ou apenas contribuinte para a continuação dessa repressão,
ainda que sob pretextos diferentes dos atuantes no século XX. Aqueles que visam benefícios
pessoais com o “Nofap modo difícil” certamente desconsidera o que Freud (1908) coloca a
respeito dos limites da sublimação: para a maioria dos indivíduos é indispensável uma certa
medida de satisfação sexual direta. Ou seja, uma parcela pulsional que não pode ter como
destino a sublimação, e a ausência da satisfação desse montante, que é individualmente
variável, através da abstinência sexual total por exemplo, resulta em fenômenos de efeito
nocivo sobre o funcionamento psíquico e de caráter desprazeroso, podendo assim serem
considerados patológicos.
Porém, até mesmo aqueles que buscam praticar o Nofap convencional, ou seja,
abster-se de masturbação e pornografia, disso pode resultar algum tipo de sofrimento
psíquico. Isto porque há, segundo Freud (1908), as diversas classes de pervertidos, em que
uma fixação infantil numa meta sexual provisória estorvou o primado da função reprodutora.
Os indivíduos que se encaixam nessas classes podem tomar a masturbação e as fantasias
envolvidas no ato ou mesmo algum material pornográfico como formas de satisfazer tais

2
Ver: Endocrine response to masturbation-induced orgasm in healthy men following a 3-week sexual
abstinence (Exton et al., 2001). Disponível em https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/11760788/
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pulsões perversas. O ponto é que a satisfação dessas perversões não é aquilo de nocivo para o
indivíduo, mas sim a repressão delas, tal qual é imposta pela moral sexual cultural ao reprimir
tudo da pulsão sexual que não seja o que serve à reprodução. (Freud, 1908). Portanto, mesmo
o modo convencional e mais popular de adesão ao movimento Nofap se coloca como
propagador de certa repressão pulsional, especialmente quando pensamos que o indivíduo que
busca aderir ao movimento comumente passa a participar e a interagir com uma comunidade
que pode instituir o Nofap psiquicamente como uma exigência social a ser seguida. Para
aqueles cujas pulsões sexuais perversas são mais intensas, o prejuízo dessa repressão é ainda
maior, sendo os fenômenos substitutivos que surgem a partir dela o que Freud descreve como
as psiconeuroses.

3. Conclusão
Dado o exposto, é evidente que o presente trabalho não pretende explorar totalmente o
tema, tanto no que se refere às repercussões positivas e negativas dos elementos e práticas
expostas, quanto em suas intercessões com os estudos psicanalíticos.
Contudo, é possível concluir que a adesão incontrolável ao consumo de material
pornográfico revela graves prejuízos na economia e na dinâmica psíquica do sujeito adicto, o
que mostra a importância de se buscar por soluções e olhar a condição sob o escopo
esclarecedor da psicanálise.
Portanto, a solução analisada: a adesão ao Nofap e à certos ensinamentos trazidos pela
comunidade, demonstra ser efetiva para tratar o vício em pornografia, ainda que o ideal e mais
efetivo seria certamente um acompanhamento psicológico ou psicanalítico que visase se
aprofundar nas causas do problema e direcionar a abstinência masturbatória de acordo com as
circunstâncias individuais do adicto.
Todavia, é imprescindível ressaltar que se mostra problemático existir aqueles que
vêm no Nofap uma conduta que deve ser seguida à risca sem se atentarem às suas forças
pulsionais individuais cuja repressão pode resultar em consequências danosas. Por isso, o
Nofap não deve ser tomado como conduta benéfica a todos e tampouco ser imposto como
parte de algum tipo de exigência social ou cultural, de modo que não contribua para o que
Freud (1908) colocou como uma evidente injustiça da sociedade: o fato de que o padrão
cultural exige de todas as pessoas a mesma condução da vida sexual, o que algumas, devido à
sua organização, conseguem seguir sem maior esforço, mas que a outras impõe enormes
sacrifícios psíquicos.
Referências
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DUNKER, Christian. Vício em pornografia | Christian Dunker | Falando nIsso 298. Youtube.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=UgRi2WhDHvk>
Freud, S. (2013) As pulsões e seus destinos, do corporal ao psíquico. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira. (Trabalho original publicado em 1915)
Freud, S. (1996). Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. In Edição Standard Brasileira
das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro, RJ: Imago.
(Trabalho original publicado em 1905).
Freud, S. (1996). A sexualidade na etiologia das neuroses. In Edição Standard Brasileira das
Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro, RJ: Imago. (Trabalho
original publicado em 1898).
Freud, S. A moral sexual “cultural” e o nervosismo moderno, 1908.
LAPLANCHE, J.; PONTALIS, J.B. Vocabulário de psicanálise​. 4.ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2001

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