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EBOOK EXCLUSIVO

A psicanálise é
uma pós-educação
Lucas Nápoli
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SOBRE O AUTOR
Lucas Nápoli é psicólogo, psicanalista, mestre
em Saúde Coletiva pela Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ) e doutor em Psicologia
Clínica pela Pontifícia Universidade Católica do
Rio de Janeiro (PUC-RJ). Possui mais de uma
década de experiência em clínica psicanalítica e
atualmente também atua como professor do
Curso de Psicologia da Faculdade Pitágoras de
Governador Valadares e como psicólogo da
Universidade Federal de Juiz de Fora (Campus
Governador Valadares). Possui artigos científicos
publicados em importantes revistas do país,
capítulos de livros e diversos trabalhos
apresentados em eventos científicos. É fundador
e diretor da maior comunidade online de
estudos em teoria psicanalítica do país, a
CONFRARIA ANALÍTICA.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 5

A imaturidade neurótica 10

Um pedacinho de prazer 17

A Psicanálise como reforma do entendimento 22

CONSIDERAÇÕES FINAIS 27

REFERÊNCIAS 32

4
INTRODUÇÃO

Em vários momentos de sua obra, Freud se

referiu à Psicanálise como sendo uma espécie de pós-

educação (cf. FREUD, 1905a/1996; 1910/1996;

1913/1996; 1917/1996; 1925/1976;), termo que não foi

muito valorizado no campo psicanalítico. Com

efeito, pós-educação evoca a ideia de que a

Psicanálise seria um método, em alguma medida,

vinculado a fins educativos, alternativa que muitos

analistas encarariam hoje com bastante

desconfiança, assombro ou até mesmo com certa

repulsa. Afinal, a maior parte dos herdeiros da arte

freudiana estão habituados a pensar que Psicanálise

e Educação são dois campos bastante distintos,

antinômicos até. Para esses, enquanto a Psicanálise

teria como um de seus objetivos promover uma

5
espécie de libertação do sujeito em relação a

elementos condicionantes e determinantes de sua

história, a Educação buscaria justamente o oposto,

isto é, submeter o indivíduo a um conjunto de

imposições externas vinculadas aos valores de uma

determinada sociedade. Assim, a Psicanálise seria

oposta à Educação na medida em que os objetivos da

primeira estariam justamente na contramão dos

esforços efetuados pela segunda. Em suma,

enquanto a Educação reprimiria, a Psicanálise

libertaria.

Na base dessa concepção encontra-se a ideia de

que a Psicanálise seria um método revolucionário

que cumpriria até uma certa finalidade política de

emancipação e de combate aos discursos que

acorrentariam o sujeito a determinados imperativos

morais, impedindo sua livre expressão. Para aqueles

6
que pensam dessa maneira, o método psicanalítico

poderia ser visto até como um antídoto contra a

hipocrisia supostamente inerente à moralidade na

medida em que revelaria a dimensão desejante que

os imperativos morais tentariam sufocar a todo

custo.

Não obstante, levando em conta a noção de pós-

educação como uma categoria em que Freud situa a

Psicanálise, é possível colocar em xeque a tese de que

o método psicanalítico seria avesso à Educação. Não

estaria o médico vienense, ao empregar o termo

pós-educação, indicando que a Psicanálise seria um

recurso útil para corrigir possíveis desvios e

equívocos produzidos ao longo do percurso

educacional?1 Se essa hipótese estiver correta, o

1 É importante esclarecer que, ao nos referirmos a “Educação”,


“processos educativos” e “percurso educacional” não estamos
designando especificamente as práticas de ensino escolar e

7
método psicanalítico não seria exatamente

antinômico em relação à Educação, mas poderia ser

encarado como um meio de aperfeiçoamento ou

mesmo de potencialização dos processos educativos.

Nesse sentido, a Psicanálise seria um movimento

muito mais reformador do que revolucionário. Essa

parece ser a posição de Freud em 1913 ao escrever a

introdução do livro The Psycho-analytic Method, do

pastor luterano e psicanalista Oskar Pfister:

A educação e a terapêutica acham-se em


relação atribuível, uma com a outra. A
educação procura garantir que algumas das
disposições [inatas] da criança não causem
qualquer prejuízo ao indivíduo ou à
sociedade. A terapêutica entra em ação se

acadêmico. Embora tais práticas evidentemente sejam educativas, a


concepção de Educação a que nos referimos no âmbito deste ensaio é
mais ampla e contempla todos os processos que dizem respeito à
inserção do indivíduo no campo social, sobretudo aqueles
relacionados às práticas desenvolvidas por pais ou outros cuidadores
primários.

8
essas mesmas disposições já conduziram ao
resultado não desejado dos sintomas
patológicos. [...] A educação constitui uma
profilaxia, que se destina a prevenir ambos
os resultados – tanto a neurose quanto a
perversão; a psicoterapia procura desfazer o
menos estável dos dois resultados a instituir
uma espécie de pós-educação. (FREUD,
1913/1996, pp. 355-356).

Façamos, pois, o exercício de explorar as

possíveis consequências de pensar a Psicanálise

como um método pós-educativo.

9
A imaturidade neurótica

Como sabemos, Freud (1905b/1996) formulou

uma teoria do desenvolvimento humano que tem

como base o percurso da libido pelo corpo. Podemos

dizer que essa teoria pressupõe a passagem de um

estágio primitivo anárquico e caótico para um

estágio amadurecido hierarquicamente organizado.

Para Freud (1905b/1996), o bebê humano vem ao

mundo dotado da capacidade de experimentar

prazer sexual nas mais diversas partes de seu corpo

e de diversas formas diferentes. A esse enorme

potencial erógeno Freud (1905b/1996) deu o nome

de sexualidade perverso-polimorfa. Com efeito, nesse

primeiro momento, o pequeno infante é capaz de

gozar de diversas formas de prazer sexual que só

aparecem de forma mais luminosa e circunscrita na

10
experiência dos perversos. Contudo,

diferentemente do que ocorre com os perversos, no

bebê nenhuma dessas formas diversificadas de

prazer é mais preponderante do que as outras – daí

o caráter anárquico que assinalamos anteriormente.

Essa falta de ordenamento muito provavelmente

leva o infante à experiência de uma angústia precoce

na medida em que o pulular de diversos prazeres

simultâneos pode ser vivenciada por ele como um

afluxo energético excessivo que seu ainda frágil

aparelho psíquico não é capaz de integrar.

Pouco a pouco essa experiência caótica de

prazer vai dando lugar a certas organizações nas

quais determinadas formas de expressão do prazer

adquirem maior destaque do que outras, de modo

que uma espécie de hierarquia erógena se estabelece.

A primeira dessas formas de organização é aquela

11
cuja mucosa da boca é alçada ao posto de zona

erógena principal, ordenamento facilitado pelo

aleitamento materno, presente na experiência da

maioria dos bebês. Num segundo momento, sob a

influência da educação relativa ao controle dos

esfíncteres, a mucosa do ânus é que se torna a zona

erógena preponderante. Por fim, numa terceira

etapa, é o órgão genital masculino e o clitóris

feminino que passam a ocupar o topo da hierarquia

erógena da criança antes da instauração do que

Freud (1905b/1996) denominou de “período de

latência”, que marca o fim da sexualidade infantil.

Após esse momento, no desenvolvimento normal, a

libido voltará a circular de forma mais intensa

vinculando-se mais acentuadamente aos órgãos

genitais tanto do homem quanto da mulher –

12
condição que, do ponto de vista freudiano,

corresponde ao clímax do desenvolvimento sexual.

Assim, podemos dizer que, para Freud

(1905b/1996), o indivíduo sexualmente maduro e

saudável é aquele que tem como fonte principal de

prazer sexual o seu órgão genital. É justamente essa

condição que tanto os perversos quanto os

neuróticos não conseguem alcançar

satisfatoriamente, visto que ambos permanecem

fixados a fontes infantis de prazer. Na experiência

dos perversos isso é mais facilmente verificável

porque a satisfação sexual do sujeito está como que

acorrentada a práticas e objetos sexuais específicos

de natureza não genital. Além disso, diferentemente

do neurótico, o perverso está consciente dos

condicionantes de seu gozo e não deseja abrir mão

deles. Em outras palavras, o perverso não busca fugir

13
de suas formas de gozo, mas vai deliberadamente ao

encontro delas. O neurótico, por sua vez, busca a

todo custo escapar de seu modo perverso de

obtenção de prazer, mas o encontra a cada esquina –

e se angustia com isso.

Essa espécie de parentesco entre a perversão e a

neurose foi o que levou Freud (1905b/1996) a pensar

a segunda como um negativo da primeira. Assim

como o perverso, o neurótico também está preso a

formas infantis de obtenção de prazer. A diferença é

que o perverso não encara suas fixações como um

problema. Ao contrário do neurótico, ele não encara

a satisfação com o prazer genital, adulto e maduro

como um alvo a ser alcançado. Em suma, tal como

Peter Pan, o perverso recusa-se deliberadamente a

crescer. O neurótico, por outro lado, está dividido:

ao mesmo tempo em que inconscientemente goza

14
das mesmas fantasias que são concretamente

encenadas na experiência dos perversos,

conscientemente repudia tais fantasias, pois almeja

alcançar o clímax do desenvolvimento genital. Em

outras palavras, o neurótico quer e, ao mesmo tempo,

não quer tornar-se adulto.

O sintoma neurótico é justamente uma tentativa

de solucionar essa incongruência. Nesse sentido, é

possível dizer que o neurótico adoece precisamente

porque não consente em abrir mão da parcela de

gozo infantil à qual ficou fixado, mas, por outro lado,

também não está disposto a assumir

conscientemente esse gozo – tal como faz o

perverso. Preso a esse impasse, o neurótico não

consegue fazer a experiência da genitalidade de

forma satisfatória – e, por isso, procura a análise –

15
mas também não consegue usufruir prazerosamente

da fixação infantil (como o perverso).

16
Um pedacinho de prazer

Por que isso acontece? Por que o neurótico não

alcança suficientemente bem o estágio genital do

desenvolvimento da libido, mas, ao mesmo tempo,

diferentemente do perverso, não consegue

reconhecer o prazer pré-genital ao qual permanece

fixado? A resposta está justamente nos processos

educativos, isto é, na forma como o sujeito foi

ensinado pelo contexto a sua volta a lidar com a

sexualidade. Na conferência “Sobre a Psicoterapia”,

publicada em 1905, Freud já caracteriza a Psicanálise

como uma pós-educação e aponta a influência

repressiva do contexto educativo na gênese da

neurose:

17
Portanto, de modo muito geral, os senhores
podem conceber o tratamento psicanalítico
como essa espécie de pós-educação para
superar as resistências internas. Mas em
nenhum ponto essa pós-educação é mais
necessária, nos doentes nervosos, do que no
tocante ao elemento anímico de sua vida
sexual. É que em parte alguma a cultura e a
educação causaram danos tão grandes
quanto justamente aí, e é também aí, como
lhes mostrará a experiência, que se
encontrarão as etiologias das neuroses
passíveis de ser dominadas [...]. (FREUD,
1905a/1996, p. 253, grifo do autor)

Aliás, podemos considerar que a própria fixação

a certas formas pré-genitais de prazer já seja produto

da influência do contexto educativo parental sobre o

sujeito. Com efeito, a experiência autoerótica que a

criança vivencia, inicialmente caótica e depois

paulatinamente organizada, vai recebendo

18
significações constituídas a partir dos significantes

que o sujeito recebe de seus cuidadores primários, os

quais exercem para a criança a função de primeiro

Outro. Essa submissão do gozo infantil original às

determinações impostas pelo discurso do Outro –

discurso encarnado tanto nas falas propriamente

ditas dos pais quanto nas práticas educativas

desenvolvidas por eles – pode se dar de modo

saudável ou não. Quando os cuidadores primários

oferecem as condições necessárias para que a criança

possa dar significação a sua experiência de prazer

corporal por meio da afirmação dessa experiência, a

tendência é que a libido faça o percurso que vai da

boca ao órgão genital sem se deter em nenhum dos

estágios pré-genitais. No entanto, se a incidência do

discurso do Outro ocorre pela via de uma negação da

experiência corporal, por exemplo, por meio da

19
atribuição de uma significação pecaminosa ou suja

às formas pré-genitais de prazer, a tendência é que a

criança desenvolva justamente uma fixação como

uma defesa contra a exigência de negação

(mortificação) do corpo que estaria implícita no

cuidado parental. Nesse caso, é como se a criança

estivesse dizendo algo como: “você (Outro) está me

pedindo para abrir mão de todo o prazer, mas eu vou

guardar pelo menos esse pedacinho”.

O problema é que no campo de significações

instaurado pelo discurso dominador do Outro não

há espaço para esse “pedacinho”, de modo que o

sujeito se vê obrigado a gozar com ele “no escuro”,

em segredo, sem o devido reconhecimento. É daí

que nasce o impasse e a incongruência que

caracterizam a existência neurótica. O neurótico

mantém o gozo infantil em cativeiro porque não

20
pode deixá-lo viver em seu habitat natural – o qual,

vale dizer, não é a vida adulta, mas a infância. Afinal,

o que a Psicanálise propõe não é a colocação em

prática da fantasia infantil. Não se trata de

transformar o neurótico em um perverso. O que se

busca na experiência analítica é levar o sujeito a

reconhecer a fantasia infantil a fim de que ela possa

ser “libertada” do cativeiro inconsciente e retornar

ao seu habitat natural, a infância.

21
A Psicanálise como reforma do entendimento

Ora, para conseguir obter esse efeito, o

psicanalista deverá ser capaz de oferecer ao sujeito

uma atmosfera que seja completamente distinta

daquela que lhe foi oferecida quando criança. Afinal,

foi justamente por ter sido criado num contexto que

lhe demandava a negação da experiência corporal,

que o sujeito se viu obrigado a bloquear o percurso

natural da libido a fim de preservar um mínimo de

satisfação que, ao ser desligada do restante da

sexualidade, acabou se tornando uma fixação. Por

outro lado, em análise, o sujeito será introduzido em

um novo contexto, um ambiente que lhe permitirá

reafirmar a experiência corporal e não mais negá-la.

O primeiro resultado dessa experiência com um

ambiente com essas características, isto é, acolhedor

22
e não invasivo, é justamente o reconhecimento

consciente da fixação. No universo de significações

original do qual o neurótico é proveniente

(oferecido pela educação parental), a fixação

precisava ser mantida em segredo, recalcada no

inconsciente. Agora, no novo universo de significações

instaurado pela análise, a fantasia pré-genital pode

finalmente ser reconhecida:

Um tratamento analítico exige do médico,


assim como do paciente, a realização de um
trabalho sério, que é empregado para
desfazer as resistências internas. Através da
superação dessas resistências, a vida mental
do paciente é modificada
permanentemente, é elevada a um alto
nível de evolução e fica protegida contra
novas possibilidades de adoecer. Esse
trabalho de superar as resistências constitui
a função essencial do tratamento analítico;

23
o paciente tem de realizá-lo e o médico lhe
possibilita fazê-lo com a ajuda da sugestão,
operando em um sentido educativo. Por esse
motivo, o tratamento psicanalítico tem sido
apropriadamente qualificado como um tipo
de pós-educação. (FREUD, 1917/1996, p. 452,
grifos do autor)

Ora, como se opera essa mudança no que

estamos denominando aqui de universo de

significações e que Freud chama de “superação das

resistências”? O analista introduz o paciente a um

novo campo discursivo, com novos valores e ideais?

É claro que não. De fato, o que o método inventado

por Freud busca não é submeter o sujeito a um novo

universo de significações prêt-à-porter – a Psicanálise

não é uma cosmovisão.

A Psicanálise é uma pós-educação justamente

porque é um método que permite ao sujeito fazer

24
uma espécie de revisão do modo como foi educado.

Ao pedir ao sujeito que fale o que lhe vier à cabeça,

o psicanalista confere ao paciente a oportunidade de

se colocar na posição de espectador de si mesmo.

Trata-se, todavia, de um espectador imparcial, que

não julga o que está assistindo, mas simplesmente

faz um exercício de contemplação. A prática

reiterada desse procedimento – a associação livre,

chamemo-lo pelo nome – leva o sujeito

inevitavelmente a desnaturalizar certas formas de

pensar que até então lhe pareciam óbvias, pois ele

perceberá que elas não nasceram espontaneamente,

mas foram construídas a partir do discurso do

Outro. O sujeito também será capaz de reavaliar

certos acontecimentos, abrindo caminho para uma

nova forma de enxergá-los. Além disso, as

interpretações do analista lhe auxiliarão a perceber

25
conexões para as quais ele ainda não havia se

atentado. Em suma, a experiência analítica

proporcionará ao sujeito a oportunidade de operar

uma espécie de “reforma do entendimento”, para

usar uma expressão spinoziana2. Ao se dedicar a tal

expediente, o paciente terá também a oportunidade

de desfazer as sínteses deletérias que se viu obrigado

a compor em função da submissão ao discurso

mortificante do Outro. Assim, a fixação será não

apenas reconhecida, como também percebida como

algo de ordem infantil, que é incompatível com a vida

adulta não porque seja má ou pecaminosa, mas

porque se trata de uma forma imatura de satisfação.

2Referência ao livro inacabado Tratado sobre a reforma do entendimento,


de Benedictus de Spinoza (1632-1677).

26
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao apresentar a Psicanálise como uma pós-

educação, Freud sinaliza que o método criado por

ele oferece ao paciente uma experiência de natureza

corretiva – aspecto mais enfatizado por analistas da

tradição anglo-saxã, como Winnicott e Balint.

Embora o sujeito seja responsável por seus sintomas

– e boa parte do potencial terapêutico da Psicanálise

esteja atrelado ao fato de que, ao se submeter à

experiência analítica, o paciente é convocado a

responsabilizar-se por seu sofrimento – é preciso

reconhecer que a neurose não é uma criação

individual do sujeito, mas um efeito de suas relações

com um ambiente infantil que só podemos

caracterizar como desfavorável.

27
À luz da teorização freudiana, podemos

considerar como um ambiente desfavorável aquele

que, ao exercer sua função inevitável e necessária de

introduzir a criança a um determinado universo de

significações (Educação), o faz predominantemente

pela via da repressão, ou seja, da negação da

experiência corporal e erógena do infante. Como

vimos, ao se apresentar dessa maneira impositiva,

autoritária e insensível, o ambiente força o sujeito a

tomar certas formas de satisfação infantil como uma

espécie de tábua de salvação para evitar o

afogamento completo na mortificação do corpo

exigida pelo ambiente.

O apego reativo e desesperado a essas formas

infantis de satisfação (fixação), por sua vez, afasta o

sujeito do curso natural de seu desenvolvimento

(rumo à genitalidade) e consequentemente priva-o

28
também de uma inserção plena na realidade visto

que uma parte de si precisará permanecer presa ao

passado ao invés de continuar se desenvolvendo. O

resultado, como vimos, será a produção de fantasias

em torno das fixações. Tais fantasias deverão ser

mantidas afastadas da consciência visto que não

podem ser reconhecidas pela outra parte do sujeito

que se submeteu ao universo de significações

imposto pelo Outro. A tentativa nada eficaz de

eliminar essa cisão e restabelecer a unidade do

sujeito perdida em função do processo educacional

será justamente a neurose.

Em outras palavras, o sujeito adoece justamente

ao tentar reintegrar ao conjunto de sua

personalidade a parte de si que se recusou a

mortificar-se pela submissão às imposições do

Outro. Nesse sentido, o que o psicanalista encontra

29
diante de si quando uma pessoa lhe solicita uma

análise é alguém que está tentando

desesperadamente (e falhando miseravelmente)

corrigir, com suas próprias mãos, ou seja,

neuroticamente, as consequências deletérias do

processo educacional que vivenciou na infância. O

que o psicanalista faz, por sua vez, é oferecer ao

sujeito uma estratégia nova, que passa pela

reavaliação de seu processo educacional pela via da

associação livre e da análise das formações do

inconsciente.

Na neurose, o sujeito tenta curar-se tentando

remendar pano velho com tecido novo, na medida

em que não coloca em questão o universo de

significações a que foi submetido. A Psicanálise, por

outro lado, na medida em que se apresenta como

uma pós-educação, propõe ao sujeito que um vinho

30
novo deve ser colocado em odres novos, ou seja, em

um novo universo de significações, que não corre o

risco de se arrebentar.

31
REFERÊNCIAS

FREUD, S. Sobre a Psicoterapia. In: ______. Edição

standard brasileira das obras psicológicas completas de

Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996, v. 07, p.

241-254. (Originalmente publicado em 1905a)

FREUD, S. Três Ensaios sobre a Teoria da

Sexualidade. In: ______. Edição standard brasileira

das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio

de Janeiro: Imago, 1996, v. 7, p. 117-229.

(Originalmente publicado em 1905b)

FREUD, S. Cinco Lições de Psicanálise. In: ______.

Edição standard brasileira das obras psicológicas

32
completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago,

1996, v. 11, p. 15-65. (Originalmente publicado em

1910)

FREUD, S. Introdução a The psycho-analytic

method, de Pfister. In ______. Edição standard das

obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de

Janeiro: Imago, 1996, v. 12, p. 351-357.

(Originalmente publicado em 1913)

FREUD, S. Conferência XXVIII – Terapia Analítica.

In ______. Edição standard das obras psicológicas

completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago,

1996, v. 16, p. 449-463. (Originalmente publicado em

1916)

33
FREUD, S. Prefácio à juventude desorientada, de

Aichhorn. In ______. Edição standard das obras

psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de

Janeiro: Imago, 1976, v. 19, p. 341-345.

(Originalmente publicado em 1925)

ESPINOSA, B. Tratado da reforma do entendimento.

São Paulo: Escala, 2007.

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