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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL


CAMPUS CERRO LARGO/RS
LETRAS: PORTUGUÊS E ESPANHOL - LICENCIATURA

ESTÁGIO CURRICULAR SUPERVISIONADO EM LÍNGUA PORTUGUESA III


GLA431 – 8ª FASE – 2022/2

PLANO DE AULA
Luciane Mumbach
Franciele Konzen

1 Identificação da turma
1.1 Escola / município: Colégio João de Castilho – Salvador das Missões/RS
1.2 Série / Ano / Turma / Turno: 6º ano ensino fundamental - tarde
1.3 Número de alunos: 11
1.4 Professor Titular / Supervisor: Nicoli da Rocha

2 Tema
Valores humanos

3 Objetivos
3.1 Objetivo geral:
Resgatar os valores humanos a partir da leitura de contos.

3.2 Objetivos específicos:


- Ler e interpretar alguns contos, de maneira crítica;
- Apresentar os respectivos autores dos contos;
- Propiciar o desenvolvimento de valores indispensáveis à formação humana.

4 Tempo previsto para a duração da prática: 8 horas/aula

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5 Procedimentos metodológicos
5.1 Definição e justificativa:
A escolha dos contos justifica-se pela abordagem de valores indispensáveis à
formação humana, principalmente no convívio em sociedade. A partir de sua leitura
crítica, é possível desenvolver várias reflexões sobre os valores que norteiam nossas
ações e decisões, como a família, a honestidade, a amizade, o amor, etc. Nesse
sentido, usa-se da leitura de um conto para aproximar o aluno da sua realidade,
convidando-o para aumentar seu conhecimento sobre o mundo, compartilhar
informações e vivências, e, se necessário, mudar pensamentos e atitudes.

5.2 Estratégia(s) de pré-leitura:


AULA 1: O professor iniciará a aula com a Dinâmica da Ilha, para motivar os alunos a
descobrirem seus valores. A dinâmica consiste em o aluno imaginar que vai morar em
uma ilha deserta e precisará decidir quem vai levar consigo. Então, escreverá em uma
folha o nome de 5 pessoas que levará junto e, ao lado, o motivo. Da mesma forma,
escreverá o nome de 5 pessoas que não levaria de jeito nenhum e, também, o motivo.
O professor também fará a atividade, no quadro, de forma a auxiliar os alunos. Após, o
professor pedirá que os alunos identifiquem alguns valores que surgiram nas suas
respostas e escreverá no quadro. Na sequência, o professor pedirá que os alunos
eliminem/risquem 3 opções, depois mais 4, sobrando os 3 valores mais importantes
para cada um (deverão enumerar o 1º, o 2º e o 3º mais importante). Para finalizar,
assistirão ao vídeo ON ou OFF – de que lado você está? (disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=RadIP53qXhU).

5.3 Estratégia(s) de leitura e de pós-leitura:


AULA 2: O professor distribuirá as folhas com o conto Um Apólogo, de Machado de
Assis (anexo 1), apresentando o escritor. Inicialmente, os alunos farão uma leitura

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individual e silenciosa e, em seguida, o professor lerá o conto em voz alta. Após a


leitura, haverá a interpretação do texto a partir de um questionário:
Pergunta oral:
- Quais os personagens, tempo, espaço e narrador?

Perguntas escritas:
Atividade avaliativa (1pt).
1. Por qual motivo iniciou a briga entre as personagens?
2. Qual é a visão da agulha sobre a linha, e da linha sobre a agulha (o que uma pensa
ou diz sobre a outra)?
3. Por que a linha se considera mais importante que a agulha?
4. Quais valores encontramos ou estão faltando no conto?

AULA 3: O professor fará uma pergunta introdutória para relacionar o texto da aula
anterior com o próximo: “Vocês acharam muito doido uma agulha e uma linha
brigarem?”.
Depois, o professor distribuirá as folhas com o conto O doido da garrafa, de Adriana
Falcão (anexo 2), apresentando o escritor. Inicialmente, os alunos farão uma leitura
individual e silenciosa e, em seguida, o professor lerá o conto em voz alta. Após a
leitura, haverá a interpretação do texto a partir de um questionário:
Pergunta oral:
- Quais os personagens, tempo, espaço e narrador?

Perguntas escritas:
Atividade avaliativa (1pt).
1. O texto inicia com a seguinte frase: “Ele não era mais doido do que as outras
pessoas do mundo, mas as outras pessoas do mundo insistiam em dizer que ele era

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doido”. Quais as características e/ou atitudes do personagem para as outras pessoas o


considerarem doido?
2. Considerando a resposta anterior, você também acha que ele é doido? Justifique.
3. Há alguma atitude sua que é considerada “coisa de doido” pelas outras pessoas?
4. Quais valores encontramos ou estão faltando no conto?

AULA 4: O professor fará uma pergunta introdutória para relacionar o texto da aula
anterior com o próximo: “Vocês gostam de pescar? Se um peixe conversasse com
vocês, o que fariam?”.
Depois, o professor distribuirá as folhas com o conto Velha História, de Mário Quintana
(anexo 3), apresentando o escritor. Inicialmente, os alunos farão uma leitura individual
e silenciosa e, em seguida, o professor lerá o conto em voz alta. Após a leitura, haverá
a interpretação do texto a partir de um questionário:
Pergunta oral:
- Quais os personagens, tempo, espaço e narrador?

Perguntas escritas:
Atividade avaliativa (1pt).
1. Ao ver aquele peixinho tão lindo no seu anzol, o homem retirou e o guardou no seu
bolso. Essa atitude foi a melhor escolha para os dois? Justifique.
2. O que você acha que o peixe estava sentindo e/ou pensando quando o texto diz “
enquanto este, silencioso e levemente melancólico, tomava laranjada por um
canudinho especial”?
3. O que o homem quis dizer com a seguinte frase: "Não, não me assiste o direito de te
guardar comigo. Por que roubar-te por mais tempo ao carinho do teu pai, da tua mãe,
dos teus irmãozinhos, da tua tia solteira? Não, não e não! Volta para o seio da tua
família. E viva eu cá na terra sempre triste!…"?
4. Quais valores encontramos ou estão faltando no conto?

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AULA 5: O professor fará uma pergunta introdutória para relacionar o texto da aula
anterior com o próximo: “Quem tem um animal de estimação e que trata melhor que um
ser humano?”.
Depois, o professor distribuirá as folhas com o conto Uma vela para Dario, de Dalton
Trevisan. (anexo 4), apresentando o escritor. Inicialmente, os alunos farão uma leitura
individual e silenciosa e, em seguida, o professor lerá o conto em voz alta. Após a
leitura, haverá a interpretação do texto a partir de um questionário:
Pergunta oral:
- Quais os personagens, tempo, espaço e narrador?

Perguntas escritas:
Atividade avaliativa (1pt).
1. Ao passar mal, Dario foi levado até um táxi, cujo motorista negou-se a conduzi-lo ao
hospital sem pagamento da corrida. Se a atitude do motorista tivesse sido diferente,
poderia ter salvo a vida de Dario? Justifique.
2. Por que as coisas de Dario estavam sumindo?
3. Qual seria a sua atitude diante da situação que envolveu Dario?
4. Quais valores encontramos ou que estão faltando no conto?

AULA 6: Os alunos assistirão ao vídeo Valores Humanos (disponível em:


https://www.youtube.com/watch?v=AWE7gYzilSE). Na continuidade, farão uma
atividade lúdica “O Jardim Da Minha Escola”. A atividade consiste em montar um jardim
a partir dos valores que foram mencionados durante as aulas até o momento e que os
alunos julguem importantes dentro da escola. Os professores levarão uma cartolina
com a imagem da escola no centro. Os alunos deverão desenhar árvores, folhas,
flores, pedras, animais, etc, com o nome de um valor escrito em cima. Depois, colarão

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na cartolina essas imagens, criando o jardim da escola. A atividade será avaliada e


valerá 1 pt. para todos que participarem.

5.5 Produção textual:


AULA 7: O professor pedirá aos alunos que escrevam um novo conto curto a partir da
visão de um dos personagens dos contos lidos (diferente do narrador). O texto precisa
ter no mínimo 15 linhas e será necessário entregar ao professor. Atividade avaliativa
com os seguintes critérios:
Escrever a partir da visão de um dos personagens dos contos lidos. 3 pt.
Abordar o seu 1º valor mais importante da Dinâmica da Ilha (aula 1). 2 pt.

Total de pontos: 5 pt.

AULA 8: O professor devolverá os contos com as devidas correções e sugestões de


melhoria, e os alunos terão que reescrever a partir dessas orientações. Para finalizar,
os alunos colarão seus contos em uma cartolina que será exposta na parede da sala,
juntamente à atividade do jardim.

5.6 Avaliação
Serão três atividades avaliativas que, juntas, resultarão na nota final (10 pt.):
- Atividade avaliativa 1= entrega dos questionários respondidos nas aulas 2 a 5,
valendo 1 pt. cada (total de 4 pt.).;
- Atividade avaliativa 2= elaboração da atividade “O Jardim Da Minha Escola”, valendo
1 pt.;
- Atividade avaliativa 3= escrita de um conto curto, realizada na aula 8, valendo:
Escrever a partir da visão de um dos personagens dos contos lidos. 3 pt.
Abordar o seu 1º valor mais importante da Dinâmica da Ilha (aula 1). 2 pt.

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Total de pontos: 5 pt.

6 Recursos necessários:
- cópias xerográficas;
- notebook;
- projetor.

7 Anexos:

Anexo 1:
Um Apólogo, de Machado de Assis

Era uma vez uma agulha, que disse a um novelo de linha:


— Por que está você com esse ar, toda cheia de si, toda enrolada, para fingir que vale
alguma cousa neste mundo?
— Deixe-me, senhora.
— Que a deixe? Que a deixe, por quê? Porque lhe digo que está com um ar
insuportável? Repito que sim, e falarei sempre que me der na cabeça.
— Que cabeça, senhora? A senhora não é alfinete, é agulha. Agulha não tem cabeça.
Que lhe importa o meu ar? Cada qual tem o ar que Deus lhe deu. Importe-se com a
sua vida e deixe a dos outros.
— Mas você é orgulhosa.
— Decerto que sou.
— Mas por quê?
— É boa! Porque coso. Então os vestidos e enfeites de nossa ama, quem é que os
cose, senão eu?

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— Você? Esta agora é melhor. Você é que os cose? Você ignora que quem os cose
sou eu e muito eu?
— Você fura o pano, nada mais; eu é que coso, prendo um pedaço ao outro, dou feição
aos babados...
— Sim, mas que vale isso? Eu é que furo o pano, vou adiante, puxando por você, que
vem atrás obedecendo ao que eu faço e mando...
— Também os batedores vão adiante do imperador.
— Você é imperador?
— Não digo isso. Mas a verdade é que você faz um papel subalterno, indo adiante; vai
só mostrando o caminho, vai fazendo o trabalho obscuro e ínfimo. Eu é que prendo,
ligo, ajunto...
Estavam nisto, quando a costureira chegou à casa da baronesa. Não sei se disse que
isto se passava em casa de uma baronesa, que tinha a modista ao pé de si, para não
andar atrás dela. Chegou a costureira, pegou do pano, pegou da agulha, pegou da
linha, enfiou a linha na agulha, e entrou a coser. Uma e outra iam andando orgulhosas,
pelo pano adiante, que era a melhor das sedas, entre os dedos da costureira, ágeis
como os galgos de Diana — para dar a isto uma cor poética. E dizia a agulha:
— Então, senhora linha, ainda teima no que dizia há pouco? Não repara que esta
distinta costureira só se importa comigo; eu é que vou aqui entre os dedos dela,
unidinha a eles, furando abaixo e acima...
A linha não respondia; ia andando. Buraco aberto pela agulha era logo enchido por ela,
silenciosa e ativa, como quem sabe o que faz, e não está para ouvir palavras loucas. A
agulha, vendo que ela não lhe dava resposta, calou-se também, e foi andando. E era
tudo silêncio na saleta de costura; não se ouvia mais que o plic-plic-plic-plic da agulha
no pano. Caindo o sol, a costureira dobrou a costura, para o dia seguinte. Continuou
ainda nessa e no outro, até que no quarto acabou a obra, e ficou esperando o baile.
Veio a noite do baile, e a baronesa vestiu-se. A costureira, que a ajudou a vestir-se,
levava a agulha espetada no corpinho, para dar algum ponto necessário. E enquanto

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compunha o vestido da bela dama, e puxava de um lado ou outro, arregaçava daqui ou


dali, alisando, abotoando, acolchetando, a linha para mofar da agulha, perguntou-lhe:
— Ora, agora, diga-me, quem é que vai ao baile, no corpo da baronesa, fazendo parte
do vestido e da elegância? Quem é que vai dançar com ministros e diplomatas,
enquanto você volta para a caixinha da costureira, antes de ir para o balaio das
mucamas? Vamos, diga lá.
Parece que a agulha não disse nada; mas um alfinete, de cabeça grande e não menor
experiência, murmurou à pobre agulha:
— Anda, aprende, tola. Cansas-te em abrir caminho para ela e ela é que vai gozar da
vida, enquanto aí ficas na caixinha de costura. Faze como eu, que não abro caminho
para ninguém. Onde me espetam, fico.
Contei esta história a um professor de melancolia, que me disse, abanando a cabeça:
— Também eu tenho servido de agulha a muita linha ordinária!

ASSIS, Machado de. Para Gostar de Ler - Volume 9. São Paulo: Ática, 1984.

Anexo 2:
O doido da garrafa, de Adriana Falcão

Ele não era mais doido do que as outras pessoas do mundo, mas as outras
pessoas do mundo insistiam em dizer que ele era doido.
Depois que se apaixonou por uma garrafa de plástico de se carregar na bicicleta
e passou a andar sempre com ela pendurada na cintura, virou o Doido da Garrafa.
O Doido da Garrafa fazia passarinhos de papel como ninguém, mas era
especialista mesmo em construir barquinhos com palitos. Batizava cada barco com um
nome de mulher e, enquanto estava trabalhando nele, morria de amores pela dona

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imaginária do nome. Depois ia esquecendo uma por uma, todas elas, com exceção de
Olívia, uma nau antiga que levou dezessete dias para ser construída.
Batucava muito bem e vivia inventando, de improviso, músicas especialmente
compostas para toda e qualquer finalidade, nos mais variados gêneros. Vai aí aquela
da mulher de blusa verde atravessando a rua apressada, e o Doido da Garrafa
imediatamente compunha um samba, uma valsa, um rock, um rap, um blues,
dependendo da mulher de blusa verde, do atravessando, da rua e do apressada.
Geralmente ficava uma obra-prima.
Gostava muito de observar as pessoas na rua, do cheiro de café, de cantar e de
ouvir música. Não gostava muito do fato de ter pernas, mas acabou se acostumando
com elas. De cabelo ele gostava. Em compensação, tinha verdadeiro horror a multidão,
bermudão, tubarão, ladrão, camburão, bajulação, afetação, dança de salão, falta de
educação e à palavra bife.
Escrevia cartas para ninguém, umas em prosa, outras em poesia, como mero
exercício de estilo.
Tinha mania de dar entrevistas para o vento e já sabia a resposta de qualquer
pergunta que porventura alguém pudesse lhe fazer um dia.
Ajudava o dicionário a explicar as coisas inventando palavras necessárias, como
dorinfinita.
Adorava álgebra, mas tinha particular antipatia por trigonometria, pois não
encontrava nenhum motivo para se pegar pedaços de triângulos e fazer contas tão
difíceis com eles.
Conhecia mitologia a fundo.
Tinha angústia matinal, uma depressão no meio da tarde que ele chamava de
cinco horas, porque era a hora que ela aparecia, e uma insônia crônica a quem
chamava carinhosamente de Proserpina.
Sentia uma paixão azul dentro do peito, desde criança, sempre que olhava o
mar e orgulhava-se muito disso.

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Acreditava no amor, mas tinha vergonha da frase.


Às vezes falava sozinho. Preferia tristeza à agonia.
Todas as noites, entre oito e dez e meia, era visto andando de um lado para o
outro da rua, método que tinha inventado para acabar de vez com a preocupação de
fazer a volta de repente, quando achava que já tinha andado o suficiente. (Preferia que
ninguém percebesse que ele não tinha para onde ir.) Enquanto andava, repetia dentro
da cabeça incessantemente a palavra ecumênico sem ter a menor idéia da razão pela
qual fazia isso.
Durante o dia o Doido da Garrafa trabalhava numa multinacional, era sujeito
bem visto, supervisor de departamento, ganhava um bom salário e gratificações que
entregava para a mulher aplicar em fundos de investimento.
No fim do ano ia trocar de carro.
Era excelente chefe de família.
Não era mais doido do que as outras pessoas do mundo, mas sempre que ele
passava as outras pessoas do mundo pensavam, lá vai o Doido da Garrafa, e assim se
esqueciam das suas próprias garrafas um pouquinho.

FALCÃO, Adriana. O doido da garrafa. São Paulo: Planeta, 2003.

Anexo 3:
Velha História, de Mário Quintana

Era uma vez um homem que estava pescando, Maria. Até que apanhou um
peixinho! Mas o peixinho era tão pequenino e inocente, e tinha um azulado tão
indescritível nas escamas, que o homem ficou com pena. E retirou cuidadosamente o
anzol e pincelou com iodo a garganta do coitadinho. Depois guardou-o no bolso
traseiro das calças, para que o animalzinho sarasse no quente. E desde então ficaram

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inseparáveis. Aonde o homem ia, o peixinho o acompanhava, a trote, que nem um


cachorrinho. Pelas calçadas. Pelos elevadores. Pelos cafés. Como era tocante vê-los
no "17"! – o homem, grave, de preto, com uma das mãos segurando a xícara de
fumegante moca, com a outra lendo o jornal, com a outra fumando, com a outra
cuidando do peixinho, enquanto este, silencioso e levemente melancólico, tomava
laranjada por um canudinho especial...
Ora, um dia o homem e o peixinho passeavam à margem do rio onde o segundo
dos dois fora pescado. E eis que os olhos do primeiro se encheram de lágrimas. E
disse o homem ao peixinho:
"Não, não me assiste o direito de te guardar comigo. Por que roubar-te por mais
tempo ao carinho do teu pai, da tua mãe, dos teus irmãozinhos, da tua tia solteira?
Não, não e não! Volta para o seio da tua família. E viva eu cá na terra sempre triste!..."
Dito isto, verteu copioso pranto e, desviando o rosto, atirou o peixinho n'água. E
a água fez um redemoinho, que foi depois serenando, serenando... Até que o peixinho
morreu afogado...
QUINTANA, Mário. Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2005.

Anexo 4:
Uma vela para Dario, de Dalton Trevisan.

Dario vinha apressado, guarda-chuva no braço esquerdo e, assim que dobrou a


esquina, diminuiu o passo até parar, encostando-se a parede de uma casa. Por ela
escorregando, sentou-se na calçada, ainda úmida de chuva, e descansou na pedra o
cachimbo.
Dois ou três passantes rodearam-no e indagaram se não se sentia bem. Dario
abriu a boca, moveu os lábios, não se ouviu resposta. O senhor gordo, de branco,
sugeriu que devia sofrer de ataque.

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Ele reclinou-se mais um pouco, estendido agora na calçada, e o cachimbo tinha


apagado. O rapaz de bigode pediu aos outros que se afastassem e o deixassem
respirar. Abriu-lhe o paletó, o colarinho, a gravata e a cinta. Quando lhe retiraram os
sapatos, Dario roncou feio e bolhas de espuma surgiram no canto da boca.
Cada pessoa que chegava erguia-se na ponta dos pés, embora não o pudesse
ver. Os moradores da rua conversavam de uma porta à outra, as crianças foram
despertadas e de pijama acudiram a janela. O senhor gordo repetiu que Dario sentara-
se na calçada, soprando ainda a fumaça do cachimbo e encostando o guarda-chuva na
parede. Mas não se via guarda chuva ou cachimbo ao seu lado.
A velhinha de cabeça grisalha gritou que ele estava morrendo. Um grupo o
arrastou para o táxi da esquina. Já no carro a metade do corpo, protestou o motorista:
quem pagaria a corrida? Concordaram chamar a ambulância. Dario conduzido de volta
e recostado a parede – não tinha os sapatos nem o alfinete de pérola na gravata.
Alguém da farmácia informou na outra rua. Não carregaram Dario além da
esquina: a farmácia no fim do quarteirão e, além do mais, muito pesado. Foi largado na
porta de uma peixaria. Enxame de moscas lhe cobriu o rosto, sem que fizesse um
gesto para espantá-las.
Ocupado o café próximo pelas pessoas que vieram apreciar o incidente e,
agora, comendo e bebendo, gozavam as delicias da noite. Dario ficou torto como o
deixaram, no degrau da peixaria, sem o relógio de pulso.
Um terceiro sugeriu que lhe examinassem os papéis, retirados – com vários
objetos de seus bolsos e alinhados sobre a camisa branca. Ficaram sabendo do nome,
idade, sinal de nascença. O endereço na carteira era de outra cidade.
Registrou-se correria de mais de duzentos curiosos que, a essa hora, ocupavam
toda a rua e as calçadas: era a polícia. O carro negro investiu a multidão. Várias
pessoas tropeçaram no corpo de Dario, que foi pisoteado dezessete vezes.

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O guarda aproximou-se do cadáver e não pode identificá-lo – os bolsos vazios.


Restava a aliança de ouro na mão esquerda, que ele próprio – quando vivo – só podia
destacar umedecida com sabonete. Ficou decidido que o caso era um rabecão.
A última boca repetiu – ele morreu, ele morreu. A gente começou a se dispersar.
Dario levara duas horas para morrer, ninguém acreditou que estivesse no fim. Agora
aos que podiam vê-lo, tinha todo o ar de um defunto.
Um senhor piedoso despiu o paletó de Dario para lhe apoiar a cabeça. Cruzou
as mãos no peito. Não conseguiu fechar os olhos nem a boca, onde a espuma tinha
desaparecido. Apenas um homem morto e a multidão se espalhou, as mesas do café
ficaram vazias. Na janela alguns moradores com almofadas para descansar os
cotovelos.
Um menino de cor e descalço veio com uma vela, que acendeu ao morto
desbotado pela chuva.
Fecharam-se uma a uma as janelas e, três horas depois, estava Dario à espera
do rabecão. A cabeça agora na pedra, sem o paletó, e o dedo sem a aliança. A vela
tinha queimado até a metade e apagou-se às primeiras gotas de chuva, que voltava a
cair.

TREVISAN, Dalton. Cemitério de elefantes. Rio de Janeiro: Record, 1988.

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