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2 de 15 a 21 de agosto de 2013

editorial

Mais médicos cubanos e estrangeiros para a saúde do povo


AS MOBILIZAÇÕES de junho, sua
dimensão e as consequências objeti-
amortizações da dívida pública, am-
pliou de forma tímida os investimen-
A luta por avanços certo que em grande parte dos servi-
ços de saúde as condições de traba-
receber com expectativa os valorosos
médicos cubanos.
vas com a redução das passagens do
transporte público em diversas cida-
tos em saúde com a transfiguração
da Emenda Constitucional 29, man-
estruturais na lho são inadequadas, fruto de anos
de politicas econômicas que privile-
A formação de médicos e demais
profissionais da saúde deve ser am-
des reafirmam: somente o povo orga-
nizado em ações de massa é capaz de
teve a Desvinculação das Receitas da
União (DRU) e as isenções no Im-
saúde não nega giam a medicina privada concentra-
da nos grandes centros econômicos.
pliada e direcionada ao SUS e à Aten-
ção Primária. Para isso, é um avan-
mudar a correlação de forças e avan- posto de Renda para a classe média a necessidade de Porém, não é verdade que todas as ço a criação de faculdades de medici-
çar na solução dos problemas estru- comprar planos privados de saúde. unidades que hoje se encontram sem na públicas em regiões com carência
turais do país. É certo que houve avanços no encararmos de médicos estão assim por faltar estru- de médicos, desde que aliada a meca-
Entretanto, a correlação de forças acesso a serviços de saúde, mas a tura. E estão previstos investimentos nismos para facilitar o acesso da ju-
no Brasil ainda não está favorável, e agenda prioritária privilegia o tra- forma emergencial nas unidades que receberão profis- ventude negra e pobre e às mudanças
precisamos avançar em mais lutas, tamento curativo de doenças, ha- sionais no Programa Mais Médicos. curriculares para garantir uma inser-
organização e formação, em torno de ja vista a massificação de constru- a falta de médicos Os médicos brasileiros são mal ca- ção cada vez maior dos estudantes na
um projeto popular. ção das Unidades de Pronto Aten- pacitados para a Atenção Primária e realidade do nosso sistema de saúde.
A reação das forças políticas con- dimento (UPAs), os baixos investi- no Brasil para o SUS. Por isso, o apoio emer- A luta por avanços estruturais na
servadoras contrárias à proposta de mentos em Atenção Primária, a op- gencial de Cuba é imprescindível. saúde não nega a necessidade de en-
uma Constituinte exclusiva para a ção pelas comunidades terapêuti- Atualmente, a ilha conta com 72,5 cararmos de forma emergencial a fal-
reforma política foi demonstração cas na política de combate ao crack mil médicos (6,32 médicos por mil ta de médicos no Brasil. Aliás, a pre-
confessa de que a participação do e avanços tímidos na formação de habitantes), sendo que 36 mil deles sença de médicos humanos e volta-
povo com poder de decisão ameaça equipes multiprofissionais – capa- atuam na Atenção Primária e 26 mil dos para a medicina comunitária vai
seus privilégios escusos no Estado zes de colocar as necessidades das são especialistas em medicina geral gerar saudáveis contradições. E es-
brasileiro. pessoas e comunidades no centro e integral. te é momento para reivindicarmos
Na saúde, a presidenta Dilma pro- do cuidado em saúde. O Programa Mais Médicos, por sua No Brasil, são 1,9 médicos por mil os 10% das receitas correntes brutas
pôs a criação do Programa Mais Mé- Outras medidas dignas de crítica vez, é uma medida progressista que habitantes e a especialidade equiva- da União exclusivamente para o SUS,
dicos, o que gerou uma ampla reação são as inciativas de apoio aos setores aumenta o acesso do povo brasileiro lente, chamada medicina de família e melhores condições de trabalho, um
conservadora, em especial de setores privados da Saúde, como a autoriza- de regiões periféricas ao trabalho do comunidade, conta com 1,5 mil espe- plano de carreira único para os tra-
da categoria médica, aliados às forças ção da compra da AMIL pela United médico e fortalece a atenção primá- cialistas de um universo de 31,5 mil balhadores do SUS e serviços de saú-
políticas da direita. Essa posição foi Health Corporation (maior segura- ria. Refutamos a tese defendida por médicos que trabalham no Programa de 100% públicos e estatais.
corroborada por uma pequena parte da de saúde dos EUA), investimen- parte da categoria médica de que o Saúde da Família. E em Cuba não fal- Os conselhos de saúde, movimen-
da esquerda mais comprometida em tos do BNDES em empresas privadas Programa Mais Médicos é antimédi- tam bons médicos nos postos de saú- tos sociais, sindicatos, movimento
desgastar o governo federal. de saúde e a criação da Empresa Bra- co. Pelo contrário, é a favor do povo, de ou regiões rurais de difícil acesso. estudantil, instituições acadêmicas,
Sabemos que os governos Lula e sileira de Serviços Hospitalares (EB- a favor do SUS. Além disso, cerca de 40 mil profissio- partidos políticos e pessoas compro-
Dilma não avançaram para as refor- SERH), empresa pública com regi- Faltam médicos no Brasil, em es- nais de saúde cubanos estão espalha- metidas com o SUS e com a Refor-
mas estruturais do país. O mode- me jurídico privado para a gestão dos pecial nas áreas rurais, nos assenta- dos em mais de 60 países pelo mun- ma Sanitária Brasileira não podem
lo de desenvolvimento adotado man- Hospitais Universitários. Enfim, a mentos e acampamentos, nos peque- do, cuidando de pessoas em países ter dúvidas: mais médicos cubanos e
teve quase metade dos recursos da Reforma Sanitária Brasileira avançou nos municípios do interior e na peri- com realidades completamente di- estrangeiros é mais saúde para o po-
União para pagamento de juros e pouco e ainda não foi concluída. feria de grandes centros urbanos. É ferentes, do Haiti a Portugal. Vamos vo brasileiro.

opinião Guilherme Delgado crônica Luiz Ricardo Leitão


N.P.Tschopp/CC

Dia dos Pais


ESTA CRÔNICA RENDE uma insólita homenagem ao Dia dos Pais.
Não subestimo o caráter mercantil da ‘festa’, mas tampouco devo igno-
rar quantos aspectos antagônicos de nossa sociedade se abrigam sob su-
as vestes simbólicas. Sim, a data é mais uma invenção do comércio, como
também o são o Dia das Mães e esse inusitado Dia dos Namorados, cele-
brado em 12/6, à revelia do calendário mundial, que elegeu 14/2 (Dia de
São Valentim) para festejar o amor – algo talvez não muito aconselhável
no mês do carnaval, bem mais propício à sedução pagã de Momo e Baco.
A escala do comércio é bem pragmática: em maio, as mães; em junho, os
namorados; em agosto, os pais; por fim, em outubro, as crianças (sem es-
quecer, é óbvio, em dezembro, o fabulo$o Natal)...
Regidos invariavelmente pelos humores do invisível Sr. Mercado, tais
eventos nos fazem refletir sobre as contradições de Bruzundanga. Veja-

Para onde vamos? se, por exemplo, a pesquisa que uma agência publicitária realizou es-
te ano com 1.200 pais e filhos de classe média, avaliando suas expecta-
tivas de consumidores (o critério essencial numa sociedade de consumo
hipertrofiado, seja no centro ou na periferia do capitalismo). Os números
DOS LIMITES conjunturais da eco-
nomia em 2013, há farto material
Dependência o equilíbrio externo da especializa-
ção em exportações primárias. O ano
disseram que 97% dos pais de 22 a 40 anos queriam ganhar um produ-
to eletrônico (tablets, smartphones e outras novidades tecno), pensan-
em circulação na mídia: pressões in-
flacionárias se deslocando da agri-
externa, estagnação deve terminar com um déficit exter-
no ao redor de 80 bilhões de dólares,
do em se sentir mais ‘modernos’ e ‘conectados’ com a prole, ao passo que
92% dos filhos pretendiam dar-lhes presentes mais ‘tradicionais’, como
cultura para o câmbio, baixo inves-
timento, ambiente de semiestagna-
econômica e com provável redução das Reservas
Externas, haja vista que não se pode
roupas, perfumes, sapatos ou relógios (sim, o item livros não obteve des-
taque nas respostas...).
ção, contas externas deficitárias etc. instabilidade esperar continuamente o ingresso de
Na mesma linha imediatista tam- capital externo para supri-lo.
bém circula, à semelhança de um co- inflacionária, males O que precisa ficar claro pra o lei- Não sei qual foi o mimo no Leblon;
ro orquestrado, o receituário conser- tor é que há pressões inflacionárias,
vador – elevação de juros internos, conjunturais muito por ‘déficit’ externo e por estagnação só devo dizer que lá na Rocinha o
corte na despesa pública dos chama- econômica que conquanto incidam
dos ‘gastos correntes’, elevação das bem identificados nas conjunturas, são originários de cartaz de cartolina que os filhos de
exportações especializadas de bens fatores extraconjunturais. E que as
primários etc. empiricamente, não políticas conjunturais precisam si- Amarildo desenharam não pôde ser
Os limites conjunturais de 2013 nalizar mudança de rumos em rela-
efetivamente existem, mas precisam são independentes ção à dependência externa e à estag- entregue ao pai no domingo
ficar situados na estrutura econômi- nação econômica, sem o que retor-
ca que os reproduz. Sem isto a ‘so- do ambiente de naremos ao ciclo vicioso sempre que
lução’ conservadora também reali- houver qualquer surto de crescimen-
menta o constrangimento a que su- crise econômica, to econômico. Por outro lado, ao avaliar o comportamento dos dois grupos em face da
postamente viria resolver. O Brasil de 2013 sinaliza por fora paternidade, a pesquisa associa essa tendência de consumo à ansiedade
Vejamos os três constrangimen- política e social que dos círculos empresariais, midiáti- de pais que desejam participar mais da vida doméstica, mas não sabem
tos citados – pressão inflacionária, cos e oficiais que ditam a linguagem como fazê-lo. Em última instância, atualizam-se os signos da falta de co-
estagnação econômica e ‘déficit’ nas os acompanham da economia, uma clara necessida- municação entre as gerações: o velho patriarca da casa-grande é agora,
transações externas que se agrava- de por melhoria da qualidade de vi- talvez, um homem mais descolado, que trocou a autoridade e o silêncio
ram mais ainda em 2013. da do ambiente urbano e de expec- da sala de jantar pela solidão da rede social, que, o mais das vezes, não
A pressão inflacionária, aparente- tativas de estudo e emprego e para lhe rende nenhuma lição sobre a arte essencial de conviver e comparti-
mente resolvida pelo previsível com- sua juventude. Sinaliza também no lhar as agruras e prazeres do mundo real.
portamento sazonal dos preços agrí- mundo agrário uma clara insatisfa- Caberia aqui uma digressão sobre tal fenômeno, se acaso não pairas-
colas na entrada da safra (meses ção com o modelo de economia he- sem sobre nós as figuras antagônicas e emblemáticas de Amarildo e Ca-
de abril, maio junho), adquire ago- gemônico – o agronegócio. E na so- bral. Apelidado de “Boi” pelos vizinhos, o primeiro era um pedreiro que
ra um novo componente – a pres- ve-se que a origem da tensão cam- ciedade em geral há um ambiente dividia com a mulher e seis filhos um barraco de um só cômodo (e sem
são cambial (dólar a 2,30 reais, sem bial atual, diga-se de passagem, mui- difuso de intuição, mais que de cons- banheiro) na Rocinha, a maior favela da zona sul do Rio. Preso e “desa-
chance de recuo). O receituário con- to desejada pelos vários setores in- ciência, da absoluta inadequação da parecido” por policiais da UPP local, suspeita-se que ele não poderá nun-
servador para uma situação como dustriais expulsos do comércio exte- ‘ordem política’ que nos governa a ca mais desfrutar o gosto fugaz desse Dia. O caso é mais uma pedra co-
esta é direto: corte na demanda in- rior em razão do dólar ultrabarato, é um preço extorsivo de superfatura- lossal nos sapatos do governador playboy e do xerife Beltrame, que já
terna, que deveria ser feito pela ele- um movimento autônomo da econo- mento, relativamente à confiança destituíram o comandante da PM, mas não sabem como prestar contas à
vação dos juros (Selic), corte de gas- mia norte-americana de redução da que lhe é atribuída pelo voto. Anistia Internacional e à mídia mundial sobre o destino do peão.
tos correntes ou de investimentos superemissão de dólares para quitar Dependência externa, estagna- O segundo é um fanfarrão crônico, que agora evoca o constrangimen-
públicos, tendo em vista conter a parcelas de sua dívida pública. ção econômica e instabilidade infla- to dos filhos menores para exigir dos manifestantes que desocupem a rua
pressão do câmbio sobre os preços O terceiro componente da conjun- cionária, males conjunturais mui- de seu apê no Leblon, onde já estão há dois meses, exigindo o impeach-
internos. tura que tem se agravado sobrema- to bem identificados empiricamente, ment do playboy. O que ele esperava ganhar no Dia dos Pais? Uma bici-
Por outro lado, se temos uma eco- neira – o déficit nas transações ex- não são independentes do ambiente cleta de luxo para pedalar em Paris? Um helicóptero novo para verane-
nomia semiestagnada e uma expec- ternas, aparentemente ver-se-ia ate- de crise econômica, política e social ar em Mangaratiba? Outro consórcio (mui) amigo para gerir o Maraca-
tativa nada alvissareira de expan- nuado pela desvalorização do real que os acompanham. O enigma pa- nã? Não sei qual foi o mimo no Leblon; só devo dizer que lá na Rocinha
são do comércio externo, um corte (dólar mais caro). Mas aqui também rece ser este: decifra-me e age com o cartaz de cartolina que os filhos de Amarildo desenharam não pôde ser
ainda mais forte nos gastos corren- não se aplica nenhuma regra mecâ- sabedoria ou te devoro. entregue ao pai no domingo – e como nós gostaríamos que ele voltasse
tes (manutenção da política social e nica à situação de desequilíbrio es- do Hades para receber essa singela lembrança de sua família.
pagamento dos servidores públicos trutural das contas externas. O ano Guilherme Costa Delgado é
principalmente), aprofunda a estag- de 2013, com déficit cumulativo co- doutor em economia pela Unicamp Luiz Ricardo Leitão é escritor e professor associado da UERJ. Doutor em Estu-
nação, sem necessariamente resol- mercial e de serviços, revela a abso- e consultor da Comissão Brasileira dos Literários pela Universidad de La Habana, é autor de Lima Barreto: o rebel-
ver a pressão inflacionária. Obser- luta inadequação de fazer depender de Justiça e Paz. de imprescindível e Noel Rosa: Poeta da Vila, Cronista do Brasil.

Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Aldo Gama, Eduardo Sales de Lima, Marcelo Netto • Repórteres: Marcio Zonta, Michelle Amaral, Patricia Benvenuti • Correspondentes
nacionais: Daniel Israel (Rio de Janeiro – RJ), Maíra Gomes (Belo Horizonte – MG), Pedro Carrano (Curitiba – PR), Pedro Rafael Ferreira (Brasília – DF), Vivian Virissimo (Rio de
Janeiro – RJ) • Correspondentes internacionais: Achille Lollo (Roma – Itália), Baby Siqueira Abrão (Oriente Médio), Claudia Jardim (Caracas – Venezuela) • Fotógrafos: Carlos Ruggi (Curitiba – PR), Douglas Mansur
(São Paulo – SP), Flávio Cannalonga (in memoriam), João R. Ripper (Rio de Janeiro – RJ), João Zinclar (in memoriam), Joka Madruga (Curitiba – PR), Leonardo Melgarejo (Porto Alegre – RS), Maurício Scerni (Rio
de Janeiro – RJ) • Ilustradores: Latuff, Márcio Baraldi, Maringoni • Editora de Arte – Pré-Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Marina Tavares Ferreira• Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466
• Administração: Valdinei Arthur Siqueira • Programação: Equipe de sistemas • Assinaturas: Francisco Szermeta • Endereço: Al. Eduardo Prado, 676 – Campos Elíseos – CEP 01218-010 – Tel. (11) 2131-0800/
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de 15 a 21 de agosto de 2013 3

instantâneo Marcelo Barros

O que o lixo revela


HÁ TEMPOS QUE A IMPRENSA internacional divulga de-
núncias sobre espionagem do governo dos Estados Unidos
que pretende controlar mais profundamente o processo so-
cial e político em nossos países.
Na vida cotidiana, redes sociais são usadas para devas-
sar a vida privada dos cidadãos e a própria internet, ao in-
vés de ser um meio de comunicação entre as pessoas, se tor-
na instrumento para devassar a vida privada e os costumes
dos cidadãos.
Ao mesmo tempo, notícias aqui e ali insinuam que, antes
mesmo do período eleitoral, políticos contratam espiões pa-
ra descobrir segredos de rivais perigosos.
Poderosos de Brasília descobrem que o lixo de suas casas
e escritórios não é apenas objeto de interesse por parte dos
pobres que vivem da reciclagem. Existe também uma reci-
clagem não apenas de papéis e metais, mas principalmente
de transações e relações ocultas que computadores velhos e
papéis do lixo podem revelar.
Mesmo se evitamos a espionagem de nossa vida privada,
de certa forma, o lixo que produzimos se parece conosco, ou
diz quem somos e o nosso estilo de vida.

Para garantir o futuro da vida no


planeta Terra, toda a humanidade
é chamada a viver uma relação de
maior justiça e amor

Além disso, o lixo de nossas casas parece gritar que o


nosso modelo de sociedade está saturado, como resídu-
os de consumo que não têm mais onde se colocar. Somen-
te os seres humanos produzem lixo, no sentido próprio
do termo.
A natureza recicla sem problemas os dejetos animais e as
folhas secas que apodrecem para tornar a terra mais fecun-
da e a vida renovada. Os animais não produzem lixo. Só a
sociedade humana dita moderna produz um tipo de lixo que
não se reincorpora no ciclo da vida.
Igor Fuser O lixo começou a gerar problema quando a sociedade pas-
sou a produzir plástico, eletrônicos e seus derivados, como
pilhas e baterias.

A volta do vira-lata Para garantir o futuro da vida no planeta Terra, toda a hu-
manidade é chamada a viver uma relação de maior justiça e
amor com a Terra, os animais e toda a natureza.
Para o futuro, não basta apenas separar os diversos mate-
É RARO UM DISCURSO a favor da atual política externa Na conferência sobre política externa realizada em ju- riais do lixo e reciclá-lo, se se continua a consumir descon-
brasileira sem menção ao “complexo de vira-lata”. Com lho na Universidade Federal do ABC, um estudante inda- troladamente todo tipo de bugigangas para depois tentar o
essa expressão, busca-se condenar a subserviência do go- gou o motivo da negativa em acolher Snowden ao chan- trabalho da reciclagem e reaproveitamento.
verno de FHC – e da elite nativa, em geral – perante as celer Patriota, que respondeu laconicamente: “O Brasil Não basta reciclar. É preciso uma sobriedade de vida que
metrópoles do capitalismo global. Esse comportamento não concedeu asilo porque outros países concederam an- nos leve a produzir menos lixo e a reaproveitar o mais pos-
pusilânime teria sido superado a partir da posse de Lu- tes.” Disse isso como se ignorasse a diferença entre a po- sível nossos recursos.
la, quando o Brasil supostamente adotou uma nova diplo- sição do Brasil na escala mundial de poder e a da Bolívia, Uma sociedade baseada em objetos descartáveis parece
macia, “ativa e altiva”, da qual o chanceler Antonio Patrio- Equador e Venezuela, que atenderam ao pedido de Sno- nos conduzir a uma cultura em que até mesmo as pessoas
ta é um herdeiro e continuador. wden. A atitude desses países permaneceu no plano sim- são tratadas como objetos de uso e provisórias.
Essa interpretação otimista está longe de corresponder bólico, diante do risco de que, durante a viagem, o avião Na sua recente visita ao Brasil, o papa Francisco insistiu
à lamentável sucessão de episódios que incluem a negati- fosse interceptado, o que dificilmente ocorreria se o des- que os jovens criassem uma efetiva cultura de solidarieda-
va do Itamaraty em conceder asilo político a Edward Sno- tino fosse o Brasil. de. Isso precisa ser traduzido em formas concretas de novos
wden e a reação brasileira ao escândalo da espionagem No episódio da espionagem, a reação de Brasília se as- estilos de vida.
praticada em nosso país (entre outros) por agentes esta- semelhou mais aos resmungos quase inaudíveis dos vas- Nos mais diversos países, grupos e organizações sociais
dunidenses, tornada pública pelo próprio Snowden. Para salos europeus dos EUA do que ao repúdio emitido em organizam um amplo movimento pelo consumo crítico e
um governo que se diz comprometido com os direitos hu- tom firme pela Argentina. Patriota esmerou-se em mini- por um modelo novo de economia alternativa, solidária e
manos e as normas internacionais, é difícil explicar a re- mizar a importância do grampo como algo banal, coisa eticamente responsável.
cusa em proteger um indivíduo perseguido exatamente que todo mundo faz. Imagine-se, por hipótese, como rea- No Brasil, existem belas iniciativas de cooperativas e tra-
por defender esses valores – ainda mais num caso em que giria Obama se descobrisse que o Brasil instalou uma cen- balhos comunitários que se fundam nesse novo modelo de
a soberania brasileira foi afrontada. tral regional de espionagem em Washington. sociedade.

João Brant O consumo crítico e eticamente


responsável é requisito
Até breve indispensável de conversão interior
DEPOIS DE QUASE TRÊS ANOS por aqui, faço ho- tica, para coletar assinaturas com toda a sociedade e bus-
je minha última coluna neste jornal. Saio porque assu- car ampliar o debate público sobre o tema. Grupos espirituais de todas as religiões releem o apelo de
mo a partir deste mês de agosto uma função na Secreta- Mas não é só regulação democrática que falta na comu- Buda para o desapego pessoal, as palavras de Jesus Cristo
ria Municipal de Cultura de São Paulo, e prefiro não dar nicação. O que os últimos meses deixaram claro foi que que convocam para a pobreza de coração. Hoje, isso se tra-
espaço para possíveis confusões entre opinião pessoal e iniciativas simples podem ganhar força frente a uma cri- duz pela orientação de assumir a sobriedade como caminho
institucional. se de narrativa da velha mídia. A produção própria de co- concreto para que outro modelo de sociedade seja possível.
Neste tempo, meu foco foi buscar trazer para os leitores municação pelos movimentos e redes, como este jornal já O consumo crítico e eticamente responsável é requisito
um panorama da luta pela democratização da comunica- faz há dez anos, é absolutamente fundamental para que indispensável de conversão interior, amor ao próximo e res-
ção a partir das ações do movimento que atua nesta área se materialize a democratização da comunicação. Em re- peito pela criação, obra do amor divino.
e da observação crítica às ações do governo. Infelizmente, lação a isso, aliás, vale dividir aqui meu entusiasmo com a É preciso lembrar o que diz o Evangelho: o ser humano é
foram poucas as boas novidades a compartilhar no cam- proposta recente do Brasil de Fato de um jornal volta- mais do que o alimento. Vale mais do que a roupa. Por mais
po das ações governamentais. Neste período, as boas no- do a um público amplo com distribuição massiva. A pro- que nos preocupemos, não acrescentaremos um centímetro
vas vieram da sociedade civil. Saímos de uma Conferência posta é tão ousada quanto promissora. sequer à nossa estatura.
Nacional de Comunicação com centenas de propostas pa- Agradeço muito ao Brasil de Fato, que sempre deu li- Jesus pedia a seus discípulos: “Busquem acima de tudo a
ra uma plataforma comum de 20 pontos. Com esta refe- berdade total e apoio aos textos, e a todos e todas que ti- realização do projeto divino no mundo (o reino de Deus) e
rência, o Fórum Nacional pela Democratização da Comu- veram interesse nos palpites que dei pro aqui. Seguirei na tudo o mais lhes será dado por acréscimo” (Mt 6, 33).
nicação se fortaleceu e agregou vários outros atores políti- luta pela democratização da comunicação e da cultura,
cos na campanha “Para expressar a liberdade”. Finalmen- mas agora em outra frente. Tenho certeza de que nos en- Marcelo Barros é monge beneditino,
te, este ano foi lançado o projeto de lei da mídia democrá- contraremos logo. Até breve, então. teólogo e escritor. Tem 44 livros publicados.

fatos em foco
da Redação
Desemprego bate A fazenda se encontra no município de tra Eleonora lembrou destes dados ao
novo recorde na Grécia São Félix do Xingu, no Pará e, segundo comemorar a sanção do texto que obriga
A taxa de desemprego na Grécia relatos, Divo Ferreira, funcionário da hospitais públicos a oferecerem medica-
alcançou novo recorde de alta ao regis- fazenda, atirou na nuca de Welbert por mentos que evitam a gravidez para mu-
trar 27,6% em maio. Um ano antes, o causa de um desentendimento em rela- lheres vítimas de violência sexual.
nível de desocupação estava em 23,8%. ção aos direitos trabalhistas. Seu corpo
Em abril deste ano, a taxa era de 27%. ainda não foi encontrado. Um trabalhador morre por dia
A Grécia está no sexto ano de uma em acidente de trabalho em SP
recessão profunda. Os jovens foram A cada 12 segundos uma Uma pessoa morre por dia, em mé-
os mais afetados, com o desemprego mulher é estuprada no Brasil dia, no estado de São Paulo vítima de
entre pessoas de 15 a 24 anos equiva- A informação é da ministra da Se- acidentes de trabalho. Em 2012, foram
lendo a 64,9%. cretaria de Políticas para Mulheres, registradas 444 mortes no estado. Os
Eleonora Menicucci. De acordo com dados fazem parte do levantamento
Trabalhador é assassinado em dados do Fórum Brasileiro de Segurança divulgado pela Secretaria Estadual da
fazenda do grupo Santa Bárbara Pública, em cinco anos os registros de Saúde, baseado nas notificações fei-
Organizações sociais denunciam o as- estupro no país aumentaram em 168%. tas pelos municípios paulistas. Desde
sassinato do trabalhador rural Welbert As ocorrências de registro do crime su- 2006, foram registradas 2.239 mortes
Cabral Costa, de 26 anos, que teria sido biram de 15.351 em 2005 para 41.294 por acidentes de trabalho no estado. No
morto por um funcionário da Fazenda em 2010. Segundo o Ministério da Saú- mesmo período, 119.088 trabalhadores
Vale do Triunfo, do Grupo Santa Bár- de, somente entre janeiro e junho de receberam atendimentos ambulatoriais
bara, pertencente ao banqueiro Daniel 2012, ao menos 5.312 pessoas sofreram e emergenciais pelo Sistema Único de
Dantas, no dia 27 de julho deste ano. algum tipo de violência sexual. A minis- Saúde (SUS).
6 de 15 a 21 de agosto de 2013 brasil

MPT pede R$ 250 milhões da Samsung


por más condições de trabalho Alex Pazzuelo/Governo do Estado do Amazonas

IRREGULARIDADES
Ministério Público do
Trabalho aponta infrações
na fábrica da empresa na
Zona Franca de Manaus.
Em 2012, 2.018 pessoas
pediram afastamento por
problemas de saúde

Carlos Juliano Barros


de São Paulo (SP)

PARA PREPARAR uma caixa de telefone


celular com carregador de bateria, fone
de ouvido e dois manuais de instrução, o
empregado da fábrica da Samsung loca-
lizada na Zona Franca de Manaus dispõe
de apenas seis segundos. Finalizada essa
etapa, a embalagem é repassada ao fun-
cionário seguinte da linha de montagem,
que tem a missão de escanear o pacote
em dois pontos diferentes e, em seguida,
colar uma etiqueta. Em um único dia, a
tarefa chega a ser repetida até 6.800 ve-
zes pelo mesmo trabalhador.
Na fábrica erguida no coração da maior
floresta tropical do planeta pela multina-
cional de origem sul-coreana – que em
2012 registrou lucro líquido recorde de
US$ 22,3 bilhões – uma televisão é co-
locada em uma caixa de papelão a cada Linha de montagem da Fábrica da Samsung em Manaus (AM)
4,8 segundos. A montagem de um smar-
tphone, feita por dezenas de trabalhado- coluna, casos de tendinite e bursite, além eles constataram que os empregados da No texto da ACP, os procuradores afir-
res dispostos ao longo da linha de pro- de outros distúrbios osteomusculares re- companhia sul-coreana chegam a reali- mam que a indenização por danos mo-
dução, leva 85 segundos. Já um ar-con- lacionados ao trabalho (os chamados zar três vezes mais movimentos por mi- rais coletivos de R$ 250 milhões “pode
dicionado split fica pronto em menos de DORT), geraram 2.018 pedidos de afas- nuto do que o limite considerado seguro parecer, num primeiro momento, exces-
dois minutos. tamento de até 15 dias por motivos de por estudos ergonômicos. sivo, no entanto, bem postas as coisas,
saúde, de acordo com o texto da ACP. equivale ao que a ré lucra, ao redor do
A Samsung emprega ao todo cerca de mundo, em menos de dois dias”.
Empregados que trabalham 5.600 pessoas na fábrica, que abastece “A sujeição de trabalhadores Ainda segundo a ação, se os R$ 250
toda a América Latina. Segundo os pro- milhões fossem divididos pelo número
até dez horas em pé, assim curadores, apesar da gravidade dos pro- a jornadas de 15 horas é algo de empregados na fábrica de Manaus, o
como um funcionário blemas encontrados, não se trata de caso inadmissível, especialmente em uma valor (R$ 44 mil) seria próximo ao dos
de exploração de trabalho escravo. pedidos individuais de indenização por
cuja jornada extrapolou empresa do porte da Samsung” danos morais, motivados por doenças
Doenças em série ocupacionais, que correm na Justiça do
15 horas em um dia Se o sistema de trabalho nos setores Trabalho do Amazonas.
de montagem de celulares e de TVs não Para se instalar na Zona Franca de Ma-
for alterado, o MPT projeta que cerca de A cadência frenética e os movimen- naus, a Samsung conta com incentivos
20% dos empregados vão desenvolver al- tos repetitivos típicos da linha de produ- fiscais, como a isenção do Imposto sobre
Os dados que poderiam inspirar uma gum tipo de DORT nos próximos cinco ção também são agravados por falhas no Produtos Industrializados (IPI) e o aba-
versão amazônica de “Tempos Moder- anos. chamado “layout dos postos de trabalho” timento de até 75% do Imposto de Ren-
nos”, do cineasta Charles Chaplin, cons- A ação movida pelos procuradores tem – como a altura inapropriada de mesas da, dentre outros estímulos. “A empresa
tam de uma Ação Civil Pública (ACP) como base os autos de infração registra- e a ausência de cadeiras para descanso, recebe benefícios fiscais e transfere to-
ajuizada dia 10 de agosto, contra a Sam- dos por auditores do Ministério do Tra- por exemplo. “A empresa não tem um ge- do esse passivo trabalhista para o INSS
sung pela Procuradoria Regional do Tra- balho e Emprego (MTE) após duas fis- renciamento adequado da parte de saúde [que banca os trabalhadores afastados
balho da 11ª Região do Ministério Públi- calizações feitas na fábrica de Manaus – ocupacional. Ela não está preocupada de por problemas de saúde]. Ela onera du-
co do Trabalho (MPT). Mas os proble- uma em maio de 2011 e outra em maio fato em resolver o problema”, afirma Rô- plamente o Estado”, critica o procurador
mas não param por aí. deste ano. Por meio de análises técnicas, mulo Lins, auditor fiscal do MTE. Ilan Fonseca. (Repórter Brasil)
O MPT flagrou diversos empregados
que trabalham até dez horas em pé, as-
sim como um funcionário cuja jornada
extrapolou 15 horas em um dia e um em-
pregado que acumulou 27 dias de servi-
ço sem folga.
Por conta dos riscos à saúde de seus
empregados imposto pelo ritmo inten-
so e pela atividade repetitiva da linha
MPT quer que empresa conceda
de montagem, eles cobram uma indeni-
zação por danos morais coletivos de, no
mínimo, R$ 250 milhões da companhia
pausas a trabalhadores
sul-coreana, líder mundial do mercado
de smartphones. Procurada, a Samsung Procuradores pedem mitação de horas-extras – a fiscalização e o fim da jornada – sejam instaladas na
não se manifestou até o fechamento des- encontrou empregados que trabalham portaria da fábrica. Atualmente, o tem-
ta reportagem. intervalos de dez até 15 horas por turno e até mesmo um po gasto pelo funcionário para percor-
funcionário que acumulou 27 dias de tra- rer o trajeto entre a entrada da indústria
Sem pausas minutos a cada 50 balho, sem folga. e o seu posto de trabalho (onde ele de fa-
Não é possível, no entanto, calcular o minutos trabalhados na Uma das principais exigências do MPT to bate o ponto) não é computado, o que
número preciso de pessoas que fazem é a concessão de “pausas para recupera- gera um prejuízo salarial ao trabalhador
jornadas exaustivas e horas-extras abusi- fábrica de Manaus para ção de fadiga” de 10 minutos após cada que é ilegal, segundo o MPT.
vas. “A empresa foi notificada a apresen- período de 50 minutos de serviço – como
tar a documentação referente à jornada, recuperação de fadiga prevê a Norma Regulamentadora (NR) Terceirização irregular
mas se recusou a mostrá-la”, afirma Ilan 17 do MTE, que trata especificamente Outro problema que chama a aten-
Fonseca, um dos procuradores do MPT de questões de ergonomia. “O proble- ção das autoridades é a contratação
que assina a ação. Nela, os procurado- ma sério é de ergonomia: postos de tra- de trabalhadores terceirizados em re-
res pedem que a empresa conceda pau- Carlos Juliano de Barros balho irregulares, ritmo muito estressan- gime temporário. Por lei, uma empre-
sas aos empregados. de São Paulo (SP) te. A nossa expectativa é que o judiciário sa até pode contratar terceirizados para
conceda pausas como forma de atenuar trabalhar na chamada “atividade-fim”
Além de exigir uma indenização míni- o desgaste que é inerente a esse tipo de (no caso da Samsung, a fabricação de
“A empresa foi notificada a ma de R$ 250 milhões, a Ação Civil Pú- atividade da linha de produção”, afirma equipamentos eletrônicos). Porém, es-
blica (ACP) movida na última sexta-fei- Ilan Fonseca, outro procurador do MPT se precedente só é aberto em situações
apresentar a documentação ra (10) contra a Samsung pela Procura- que assina a ação. excepcionais, como picos inesperados
referente à jornada, mas se doria Regional do Trabalho da 11ª Re- de demanda.
gião do Ministério Público do Trabalho “Não é o caso da Samsung. A quanti-
recusou a mostrá-la” (MPT) também requer que a multinacio- “A quantidade de dade de temporários na fábrica de Ma-
nal sul-coreana arque com os gastos do naus é absurda. E eles trabalham na
tratamento médico dos empregados com temporários na fábrica de atividade-fim durante longos períodos,
doenças ocupacionais e implemente mu- Manaus é absurda. E eles ininterruptamente”, afirma o procurador
“Essa Ação Civil Pública é importan- danças na linha de montagem de sua fá- Ilan Fonseca.
te porque o valor postulado possui um brica na Zona Franca de Manaus. trabalham na atividade-fim Segundo o auditor fiscal do MTE, Rô-
efeito pedagógico”, afirma Luiz Antônio De acordo com a ação, somente em durante longos períodos, mulo Lins, além de diminuir os custos da
Camargo de Melo, Procurador-Geral do 2012 foram registrados 2.018 pedidos contratação de mão de obra, a terceiriza-
Trabalho, que também assina a ação. “A de afastamento de até 15 dias por proble- ininterruptamente” ção também impede que a empresa re-
sujeição de trabalhadores a jornadas de mas de saúde, como tendinite e bursite, pense seu sistema produtivo, a fim de ge-
15 horas é algo inadmissível, especial- além de outros distúrbios osteomuscula- rar menos adoecimentos.
mente em uma empresa do porte da Sa- res relacionados ao trabalho (os chama- “Se o trabalhador manifestar algum ti-
msung”, completa o representante máxi- dos DORT). A Samsung emprega ao todo Atualmente, quem trabalha na linha po de dor ou de desconforto, o que vo-
mo do MPT. cerca de 5.600 pessoas na fábrica. de montagem de celulares da Samsung, cê acha que vai acontecer? Ele vai ser de-
“O estabelecimento da Samsung em Dentre os pedidos da ACP, figuram a por exemplo, faz uma ginástica laboral mitido e a empresa não vai pesquisar a
Manaus há alguns anos vem apresen- redução do ritmo de trabalho, já que os de cinco minutos antes do início do ex- causa da dor nem tentar corrigir o pos-
tando um índice de adoecimento mui- funcionários da fábrica realizam até três pediente. E, ao longo do turno, tem ape- to de trabalho”, explica o auditor fiscal
to elevado, acima até da média de ou- vezes mais movimentos por minuto do nas duas pausas de dez minutos para ir do MTE.
tras empresas”, continua o procurador que o limite considerado seguro, segun- ao banheiro e tomar água – uma de ma- “É muito mais fácil demitir e rescindir o
Ilan Fonseca. do auditores fiscais do Ministério do Tra- nhã e outra à tarde. contrato do empregado: ele não vai apa-
De fato, as estatísticas impressionam. balho e Emprego (MTE). O MPT ainda exige que as máquinas de recer nas estatísticas de adoecimento da
Ao longo do ano passado, problemas na Os procuradores também exigem a li- ponto eletrônico – que registram o início empresa”, completa. (Repórter Brasil)
brasil de 15 a 21 de agosto de 2013 7
espaço sindical
Denúncia de assédio moral da Redação

Centrais em semana de enfrenta-

na Samsung de Campinas mento contra as terceirizações


As centrais sindicais fazem enfren-
tamento ao longo da semana pelo veto
ao PL 4.330/2004 que regulamenta e
potencializa as terceirizações no país. A

Alex Pazzuelo/Governo do Estado do Amazonas


IRREGULARIDADES batalha principal ocorre na Câmara dos
Deputados, onde a Comissão de Consti-
Na cidade do interior de tuição e Justiça (CCJ) pode votar o tema
no dia 14. Antes disso, no dia 12, há
São Paulo, empregados mesa de negociação entre empresários,
governo e centrais sindicais. “A CUT
denunciaram violências permanecerá na mesa de negociação
para tentar construir um acordo capaz
físicas e pressões de regulamentar a terceirização sem
psicológicas para dar que isso seja sinônimo de precarização,
redução de direitos, de salários e enfra-
conta do ritmo da linha de quecimento da representação sindical.
Mas também faremos o enfrentamento
produção. Samsung pagou colocando nossos militantes em Brasília
para impedir que um texto com uma
indenização de R$ 500 mil série de ataques aos trabalhadores seja
votado e aprovado”, diz o presidente na-
cional da CUT, Vagner Freitas.
Carlos Juliano Barros Terceirização
de São Paulo (SP) é precarização
O trabalhador terceirizado permanece
ANTES DE SER processada pelo Minis- Entre outras irregularidades, o MPT flagrou diversos empregados que trabalham até dez horas em pé 2,6 anos a menos no emprego, tem uma
tério Público do Trabalho (MPT), que co- jornada semanal de três horas a mais e
bra R$ 250 milhões de indenização devi- Outros problemas os relatórios técnicos da perícia, esse é ganha 27% a menos que o contratado de
do a problemas de saúde gerados a seus Até dois meses atrás, os empregados um ponto crucial que terá de ser resolvi- forma direta, diz um estudo de 2011 do
empregados na fábrica da Zona Franca da fábrica da Samsung em Campinas só do”, explica o procurador. “Isso vai exi- Departamento Intersindical de Estatísti-
de Manaus (AM), a Samsung já havia en- dispunham de 45 minutos para o almo- gir uma readequação do layout físico da cas e Estudos Socioeconômicos (Dieese).
trado na mira do órgão federal por con- ço. “Após longo acordo com o sindicato, fábrica. Da forma como as linhas de pro- O número mais drástico, porém, é o de
ta de denúncias de agressão física e ver- mediado pelo MPT, voltou a se conceder dução estão montadas, não cabe um as- que, a cada dez acidentes de trabalho,
bal em sua segunda planta industrial no o intervalo integral de uma hora para re- sento”, analisa. oito ocorrem entre terceirizados. No
país, localizada em Campinas, no inte- pouso e alimentação”, conta Alex Duboc Brasil, estima-se que existam entre 12
rior de São Paulo. Garbellini, procurador da PRT-15 que e 13 milhões de terceirizados, mas esse
Em setembro de 2011, a companhia vem acompanhando o caso da multina- O inquérito civil que investiga as número pode ser bem maior, uma vez
sul-coreana aceitou pagar uma indeniza- cional sul-coreana. que os dados não são oficiais.
ção de R$ 500 mil por danos morais co- Além disso, segundo o procurador, o denúncias de assédio moral corre
letivos e assinou um acordo com a Procu- MPT encontrou um número “razoável” Justiça do Trabalho suspende
radoria Regional do Trabalho da 15ª Re- de empregados trabalhando além do
em sigilo, para proteger a identidade demissões da Editora Abril
gião comprometendo-se a acabar com a permitido. “Na maior parte dos casos, dos empregados da empresa que Na noite do dia 9 de agosto, a Justiça
prática de assédio moral na fábrica – o as jornadas estavam extrapolando du- do Trabalho decidiu pela suspensão das
que pôs fim ao processo judicial. as horas-extras no dia. Em alguns casos, prestaram depoimento ao órgão 71 demissões de jornalistas da Editora
De acordo com depoimentos colhidos três horas, quatro horas, quatro horas e Abril. Fato é que não houve acordo nas
pelos procuradores do MPT durante o meia. Também havia casos de trabalho negociações realizadas entre dirigentes
inquérito, funcionários da indústria da ininterrupto de sete, oito dias, sem fol- do Sindicato dos Jornalistas Profissio-
multinacional em Campinas eram víti- ga”, afirma Garbellini. Medidas para reduzir o ritmo de tra- nais no Estado de São Paulo (SJSP) e
mas de empurrões e xingamentos para “Mas a Samsung se prontificou a revi- balho e atenuar os impactos dos movi- representantes da empresa. Trata-se de
dar conta do acelerado ritmo da linha sar suas escalas de trabalho e regularizar mentos repetitivos da linha de monta- uma importante vitória da unidade dos
de montagem de aparelhos eletrônicos isso em dois meses [prazo que venceu gem também vêm sendo tomadas. Há trabalhadores contra os ataques de um
da fábrica. O clima de terror psicológi- em julho passado]”, acrescenta. Até o fi- cerca de seis meses, os painéis que indi- grupo que representa o oligopólio da
co era agravado por ameaças de demis- nal de agosto, o procurador deve receber cavam em tempo real as metas e a pro- comunicação.
são aos funcionários que reclamassem. os documentos que comprovam se a em- dução dos empregados, estimulando a
Trabalhadores chegaram a pedir afas- presa resolveu ou não o problema. competitividade entre eles, foram reti- Trabalhadores do Metrô de São
tamento médico por quadros de de- O perito médico da PRT-15 também rados da planta industrial. Paulo contra a corrupção tucana
pressão e até de síndrome do pânico. está procedendo a avaliações técnicas e “Mas aqui temos sentido pelo menos No dia 14, a Central dos Trabalhadores
O MPT vem monitorando o cumpri- ergonômicas para mensurar os riscos à boa vontade de encontrar soluções de do Brasil (CTB) e entidade sindicais pro-
mento do acordo. Porém, o inquérito ci- saúde provocados pelo sistema de pro- forma consensual. Não temos tido ne- moverão ato no Vale do Anhangabaú,
vil que investiga as denúncias de assé- dução da fábrica em Campinas. nhum foco de resistência na Samsung em São Paulo, para cobrar a apuração
dio moral corre em sigilo, para proteger “Nos postos de trabalho, a posição em relação às exigências que o MPT e o do escândalo que envolve o desvio de
a identidade dos empregados da empre- em pé é bastante difundida. E já avisa- MTE têm feito”, pondera o procurador. verbas e irregularidades nas obras da
sa que prestaram depoimento ao órgão. mos a Samsung que, tão logo tenhamos (Repórter Brasil) Companhia do Metropolitano (Metrô) e
da Companhia Paulista de Trens Metro-
politanos (CPTM).

IRREGULARIDADES Peritos federais agrários param


e ameaçam entregar cargos

MRV é condenada a pagar


Os peritos federais agrários chegam
ainda sem avanços concretos ao mês
final das negociações salariais com o go-
verno Federal. Eles fazem parte das cin-
co categorias que rejeitaram, em 2012,
os 15,8% de reajuste oferecidos. A cate-

R$ 6,7 mi por escravidão goria já realizou quatro paralisações de


atividades em 2013, a última de 3 dias (7
a 9 de agosto). Nesta semana, os profis-
sionais cruzam os braços novamente na
quarta-feira (14). Os peritos prometem
parar as áreas estratégicas do órgão caso
DENÚNCIA Entre as ter impedido o retorno da equipe de au- similares”. Ela informou ainda que está a negociação não alcance resultado mi-
ditores do trabalho ao canteiro de obras “negociando a assinatura de Acordo so- nimamente positivo, com a entrega co-
irregularidades está um para verificar o cumprimento das de- bre Terceirização com o MPT” e que de- letiva dos cargos de chefia que ocupam.
flagrante de trabalho terminações de fiscalização anterior, o ve recorrer da decisão, ao mesmo tempo Em algumas unidades, processos já
que não permitiu que se verificasse seu em que “dará continuidade às negocia- estão paralisados, viagens a campo não
análogo à escravidão cumprimento. Além disso, a empresa ções com o MPT”. estão sendo realizadas e cartões corpora-
também deve pagar R$ 100t mil por di- tivos estão sendo devolvidos pelos pro-
na construção de um ficultar o andamento do processo e da Trabalho escravo fissionais da carreira. Segundo o Incra,
condomínio que recebeu fiscalização. Além desse caso, a MRV foi flagrada 50% das áreas finalísticas do órgão são
Através do programa Minha Casa, Mi- em outras três ocasiões se beneficiando ocupadas pelos peritos federais agrários
financiamento do Minha nha Vida, os bancos públicos Caixa Eco- com trabalho escravo. Em 2011, três me- e só eles podem assinar laudos de fiscali-
nômica Federal e Banco do Brasil finan- ses depois do flagrante em Americana, zação e de avaliação dos imóveis rurais,
Casa, Minha Vida ciam casas para famílias com renda men- cinco trabalhadores foram libertados em dentre outros, o que compromete dire-
sal de até R$ 5 mil. Na sentença, a juíza obra da empresa Bauru, também no in- tamente o trabalho da autarquia, caso as
considerou “no mínimo irônico imaginar terior de São Paulo. No mesmo ano, uma negociações não avancem.
que trabalhadores análogos a escravos fi- fiscalização em Curitiba (PR) flagrou on-
Stefano Wrobleski nanciam a moradia de casas populares e ze empregados em condições análogas às Confederações lançam
de São Paulo (SP) que o Estado efetua regiamente os paga- de escravo. gibi sobre redes sindicais
mentos referentes a esses contratos”. Em abril deste ano, a construtora foi O projeto “Promoção de Direitos
A MRV ENGENHARIA, uma das princi- denunciada mais uma vez por manter Trabalhistas da América Latina” lançou
pais empreiteiras do país, foi condenada seis trabalhadores nessas condições em cartilha especial, em formato de gibi,
a pagar R$ 6,7 milhões por infrações que A juíza considerou “no Contagem, zona metropolitana de Belo para explicar como funcionam as redes
incluem o flagrante de 63 trabalhadores Horizonte (MG). No período, a empre- sindicais. A publicação é voltada para
em condições análogas às de escravo nas mínimo irônico imaginar sa foi incluída por duas ocasiões na “lis- os trabalhadores dos setores químicos
obras de um condomínio residencial em ta suja” do trabalho escravo, mas for- e metalúrgicos. O projeto é conduzido
Americana, interior de São Paulo, em fe- que trabalhadores análogos çou, através de liminar na Justiça, sua pela CUT, por meio da Confederação
vereiro de 2011. a escravos financiam a retirada. Nacional dos Metalúrgicos e Confe-
A construção, que estava sendo execu- deração Nacional do Ramo Químico.
tada por uma empresa terceirizada, rece- moradia de casas populares” PEC da Escravidão As redes promovem o intercâmbio de
beu financiamento do programa federal Na decisão em que determinou o paga- trabalhadores de diferentes plantas de
Minha Casa, Minha Vida. A decisão, de mento de R$ 6,7 milhões à MRV Enge- uma empresa.
primeira instância, é da juíza do trabalho nharia, a juíza do trabalho Natália Scas-
Natália Scassiotta Neves Antoniassi. Além disso, a juíza também autorizou siotta Neves Antoniassi disse ser “frus- Educadores em greve
De acordo com a sentença, do valor to- que o Ministério Público do Trabalho trante saber que em pleno século 21 tra- sitiam a capital do Paraguai
tal a que a MRV foi condenada, R$ 4 mi- (MPT) envie ofício ao Ministério das Ci- mita pelo Congresso Nacional uma Pro- A Federação de Educadores do Pa-
lhões são por danos morais resultantes dades e às Superintendências Regionais posta de Emenda Constitucional visando raguai (FEP) sitiou a capital Assunção,
do uso de mão de obra escrava. Outros e Nacionais da Caixa Econômica Federal a extinção do trabalho escravo – a PEC nos dias 14 e 15 de agosto, durante os
R$ 2,6 milhões são devidos pelo descum- e do Banco do Brasil para que se tome ci- 438/2001”. atos oficiais de posse do novo governo. O
primento de uma liminar deferida em ja- ência da decisão. “O numerário público “Há 12 anos essa PEC sequer foi vota- objetivo é reivindicar a manutenção da
neiro de 2012 que determinou a respon- não pode, mesmo por via indireta, sus- da por nossos representantes das casas atual lei de aposentadoria e o pagamen-
sabilidade da empresa na aplicação de tentar a manutenção de trabalho escra- legislativas, e o principal motivo são os to de salários atrasados de centenas de
medidas de segurança e saúde do traba- vo”, argumentou. empecilhos colocados pela bancada ru- professores, que não recebem há meses.
lho na construção civil, de acordo com Em nota à imprensa, a MRV decla- ralista, categoria que, segundo relatório Apoiados por outras organizações, os
Norma Regulamentadora nº 18, além de rou que a terceirização de mão de obra é da OIT sobre trabalho escravo, é a que educadores mantêm sem aula mais de
outras obrigações trabalhistas. um tema “controverso” e que a empresa mais adota essa prática”, disse. (Repór- 40% das escolas e não aceitam novas
A multa é resultante do fato de a MRV já obteve “ganho de causa em processos ter Brasil) promessas sobre soluções futuras.
8 de 15 a 21 de agosto de 2013 brasil

Jornada de Agroecologia expõe


os confrontos no campo hoje Joka Madruga

PARANÁ Encontro, que acontece


anualmente desde 2002, reuniu
3500 agricultores da Via Campesina
na Escola Milton Santos, região
metropolitana de Maringá

Pedro Carrano*
de Paiçandu (PR)

MAIS DE 3500 agricultores da Via Cam-


pesina de diferentes regiões do Para-
ná participaram, entre os dias 7 e 10 de
agosto, da 12ª Jornada de Agroecolo-
gia, em Paiçandu, região metropolitana
de Maringá.
Tradicionalmente, a jornada – este ano
realizada na Escola Milton Santos, centro
de formação em agroecologia dos movi-
mentos sociais do campo –, serve como
um momento de síntese dos debates que
acontecem ao longo do ano sobre as con-
sequências do atual projeto do capitalis- Marcha de abertura da 12ª Jornada de Agroecologia do Paraná, realizada em Maringá
mo para a agricultura.
Relatos de casos concretos de ataques
(e resistências) sofridos pela população
camponesa são apresentados, assim co-
mo também sempre é reforçada a neces-
sidade de se haver uma aliança entre o
campo e a cidade.
No lugar de comida, eucalipto
Para Salete Mariane, da direção nacio-
nal do MST, “um modelo de produção Mais de 300 mil hectares A pesquisa, que contou com a partici- Na avaliação do pesquisador, o gover-
sem agrotóxicos, transgênicos e que res- pação direta de 30 camponeses atingi- no Lula foi o mais favorável para as em-
peite o meio ambiente” só tem como se do território paranaense dos, identificou mais de 40 nascentes se- presas de papel e celulose. De 2003 a
viabilizar com uma luta conjunta de tra- cas como resultado do intenso plantio de 2007, foram aplicados R$ 4,4 bilhões
balhadores do campo e da cidade.
são de propriedade da pinus e eucalipto – a destruição de nas- no setor, além da criação do Plano Na-
Diante das maiores manifestações so- empresa de papel e centes é uma das consequências do cha- cional de Florestas e do Conselho Na-
ciais ocorridas no país desde os anos de mado “deserto verde”. cional de Florestas, ambos, na avalia-
1980, outros assuntos foram abordados celulose Klabin Ariolino Alves Moraes, agricultor do ção de Martins, para avançar no desen-
na jornada, como a democratização da assentamento Guanabara, em Imbaú, volvimento do setor. Há de se lembrar
comunicação e a organização dos movi- conta, por exemplo, que 90% do territó- que a lógica da produção industrial de
mentos sociais para exigir uma Consti- rio de Telêmaco Borba está tomado pe- árvores se dá nos marcos do agronegó-
tuinte exclusiva para uma reforma políti- de Paiçandu (PR) la Klabin. “Não sobrou gente na lavou- cio: plantio em larga escala, flexibiliza-
ca, por meio de um Plebiscito Popular. ra. Sem gente, acabou alimento, está ção das leis trabalhistas, com situações
Po sua vez, João Pedro Stedile, da coor- Durante a jornada, o professor Rober- se acabando a água, e a natureza se re- de trabalho análogo à escravidão, e des-
denação nacional do MST, lembrou que o to Martins, do Instituto Federal do Para- duziu à planta de eucalipto”, lamenta o respeito à natureza.
ambiente atual de lutas e manifestações ná (IFPR), apresentou uma pesquisa que camponês. De acordo com o pesquisador, a reali-
também favorece as pautas históricas do aponta que mais de 300 mil hectares no “O famoso progresso, desenvolvimen- dade do Paraná segue uma tendência in-
campo. “A reforma agrária precisa de um Paraná pertencem a uma única empresa, to sustentável, seja lá o neologismo que ternacional, de as plantações industriais
impulso, e acredito que as mobilizações a Klabin. a empresa queira criar, não consegue se de árvores estarem passando para o Sul
recentes ocorridas nas ruas vão ajudar a De acordo com ele, o município de Im- efetivar na região porque o modelo auto- global. “África, América Latina e Ásia
dar uma sacudida no país e obrigar a ne- baú é um dos mais afetados: cerca de ritário de desenvolvimento não permite a são os alvos das plantações industriais
cessidade de se abrir um debate sobre as 40% do território está coberto pela pro- inclusão e o desenvolvimento participati- do grande setor de papel e celulose mun-
políticas estruturais do país como a re- dução industrial de árvores. vo da região”, afirma Martins. dial”, complementa.
forma agrária.”

De acordo com Stedile, 85% das terras


agricultáveis hoje no Brasil cultivam
soja, o que faz com que o Brasil tenha
Maringá está cercada de
sido obrigado a importar feijão e milho
agrotóxicos por todos os lados
Bolsa de Chicago Geógrafo denuncia uso da de Agroecologia. As pesquisas de de transgênicos no Brasil completa tris-
Durante atividade no dia 8, Stedile Vilallobos trazem uma realidade que tes dez anos. Ao longo dos debates des-
contextualizou a inserção do capitalis- de agrotóxicos dentro do aponta para o não cumprimento do ar- se encontro, ficou evidente o vínculo en-
mo na agricultura, por meio do capital perímetro urbano da cidade tigo 43 da Lei Complementar nº 632/ tre a liberação dessa forma de cultivos e,
dos bancos e das empresas transnacio- 2006, que diz que “é vedado o uso de na outra ponta, a intensificação no uso
nais, que hoje repartem os lucros da pro- agroquímicos na Macrozona Urbana de de agrotóxicos.
dução. Nesse contexto, são submetidos à Qualificação”. De acordo com Darci Frigo, coordena-
exploração pequenos e até médios pro- de Paiçandu (PR) O pesquisador apresentou fotos de dor da organização Terra de Direitos, a
dutores rurais. pulverizadoras, pessoas usando produ- luta para barrar os transgênicos segue na
Stedile apontou que os preços dos ali- O uso indevido de agrotóxicos ultra- tos químicos e até placas sinalizando o ordem do dia no Brasil. “Essa forma de
mentos hoje são definidos na Bolsa de passa as fronteiras do perímetro urba- uso de veneno na cidade. “Isso fere com- cultivo deve continuar sendo questiona-
Valores – especificamente a Bolsa das no e os químicos podem ser achados pletamente o planejamento do território, da na voz dos movimentos sociais. Isso
matérias-primas agrícolas de Chicago em várias regiões da cidade de Marin- mas, acima de tudo, a vida das pessoas”, porque essa cultura não aumentou a pro-
(Commodity Stock Exchange) e não mais gá. Isto é o que afirmou o professor e disse o geógrafo. dutividade da agricultura e apenas dimi-
de acordo com os custos de produção. geógrafo Jorge Vilallobos, em um dos A atual Jornada de Agroecologia ocor- nui a variedade dos cultivos, como é o ca-
O dirigente do MST também apresen- seminários realizados na 12ª Jorna- re quando a liberação do uso e cultivo so do milho.”
tou dados sobre a relação subordinada
do Brasil, que não tem soberania sobre
a produção. Hoje, 85% das terras agri-
cultáveis no Brasil cultivam soja. E o
país tem sido obrigado a importar culti-
vos tradicionais, como feijão e milho, pa-
ra alimentação.
Em todas as edições, a Jornada de
Reconhecimento de terras indígenas
Agroecologia apresenta saberes acumu-
lados na luta pela terra e na produção
camponesa. Entre os objetos de pesqui-
no Paraná é entrave ao agronegócio
sa apresentados em materiais e mais de
44 oficinas na jornada, há reflexões so- Para Stedile, indígenas refere à politização do embate. “No iní- sa de preconceito, intolerância e vio-
bre a produção de sementes crioulas, sis- cio, eles [indígenas] acreditavam na lei e lência contra os indígenas. Tivemos
temas intensivos de criação de suínos ao passaram a entender que no governo, agora eles passaram a enten- uma grande amostra quando uma indí-
ar livre, bionergia, produção de mel, en- der que se trata de luta de classes”, res- gena, que é recepcionista da Funai em
tre outras.
a sua luta pela terra faz saltou, declarando o apoio da Via Cam- Guaíra, foi vítima de sequestro relâm-
“A tecnologia deve estar a serviço do parte da luta de classes pesina aos povos tradicionais. pago, cárcere privado e abuso sexual”,
agricultor, e não deve impor a exclusão disse Porto.
no campo, além da produção de alimen- Povo Guarani O caso citado pelo indigenista aconte-
tos que fazem mal à saúde, destroem o Indigenista e fotógrafo profissional, ceu no dia 2 de agosto quando a indíge-
meio ambiente e a biodiversidade”, re- de Paiçundu (PR) Paulo Porto, vereador de Cascavel, foi na, irmã de um dos caciques da região,
flete José Maria Tardin, coordenador da convidado pela Via Campesina para uma foi raptada ao dirigir-se ao trabalho. Se-
Escola Latino-Americana de agroecolo- Em outro momento da jornada, João exposição coletiva na Jornada de Agro- gundo relatos, os agressores deram o se-
gia (ELAA), uma das quatro escolas de Pedro Stedile afirmou que a Via Cam- ecologia com os repórteres fotográficos guinte recado à vítima. “Nós vamos aca-
agroecologia do MST no Paraná. pesina e a causa indígena estão cada vez Joka Madruga e Leandro Taques, com bar com a Funai e os índios, os fazendei-
Ao lado das plenárias com os temas mais irmanadas. “A questão indígena ensaios sobre a violação de direitos hu- ros não vão permitir que vocês fiquem
centrais do evento, das oficinas e da pró- é intocável. Temos a obrigação moral manos e a resistência dos povos pelo aqui”, disse um dos agressores, amea-
pria dinâmica de organização das briga- de preservar as terras tradicionais, is- mundo. çando lideranças Guarani da região.
das, aconteceu também a Feira Artesanal so não se trata de folclore, mas de uma Em plenária junto aos movimentos so- Porto complementou que a demarca-
da Jornada de Agroecologia, em que pro- questão ética com esses povos que vêm ciais, Porto explanou sobre a luta dos po- ção de terras tradicionais representa um
dutores da região montaram cerca de 30 sendo massacrados ao longo da histó- vos indígenas na região Oeste do Paraná, grande entrave ao avanço do agronegó-
barracas de produtos artesanais e agro- ria”, destacou. sobretudo em Guaíra, cidade onde há pe- cio. “Segundo a Constituição, após a de-
ecológicos. *(com Camilla Hoshino, Ed- Questionado sobre o avanço do agro- lo menos 12 aldeamentos Guarani e ne- marcação de uma terra indígena, nenhu-
nubia Ghisi, Geani Paula Souza, José negócio aos territórios indígenas, o diri- nhuma área demarcada. ma empresa privada pode explorar a área
Coutinho Júnior, Julio Cesar Carigna- gente do MST destacou que a preocupa- “Vivemos uma ofensiva contra os po- e isso representa um obstáculo ao grande
no, Riquieli Capitani) ção dos grandes proprietários de terra se vos tradicionais, uma escalada perigo- capital”, comentou Porto.
brasil de 15 a 21 de agosto de 2013 9

CPI Mista pode apurar propinoduto Jeff Dias/Governo SP


CORRUPÇÃO nistério Público Estadual nos últimos
cinco anos. Uma delas se refere a um
Apuração na Câmera e contrato que durou mais de dez anos,
no Senado; segundo o quando existe limite legal de 60 meses,
segundo a Lei de Licitações.
deputado Paulo Teixeira Enquanto insiste na CPI, a bancada do
PT na Alesp age em outras frentes. Em 9
(PT-SP), iniciativa conjunta de agosto, um grupo de deputados esteve
reunido com o procurador-geral de Jus-
daria mais repercussão às tiça, Márcio Fernando Elias Rosa.
investigações do Além de abordar o andamento das in-
vestigações, os parlamentares solicita-
esquema tucano ram o afastamento de cinco agentes pú-
blicos envolvidos na formação de cartel
em licitações e a suspensão dos contratos
com as empresas Alstom e Siemens.
Patrícia Benvenuti As medidas foram criticadas pelo líder
da Redação do governo na Alesp, deputado Barros
Munhoz (PSDB), que declarou à impren-
AS DENÚNCIAS de corrupção e forma- sa tratar-se de uma “manobra midiática”
ção de cartel envolvendo o sistema fer- visando às eleições de 2014.
roviário em São Paulo e no Distrito Fe-
deral poderão ser alvo de uma Comis- Na Câmara
são Parlamentar Mista de Inquérito. A Líder do PT na Câmara Municipal, o
informação é do deputado Paulo Tei- vereador Alfredinho também defende
xeira (PT-SP), que tem liderado as arti- que os fatos sejam elucidados. “Ninguém
culações para apurar as irregularidades está condenando ninguém antes de ser
no Congresso Nacional. O objetivo, se- julgado, apenas têm de ser apuradas es-
gundo ele, é dar mais visibilidade à ini- sas denúncias”, afirma.
ciativa, que deverá investigar o desvio O desvio de recursos, destaca o verea-
de pelo menos R$ 425 milhões dos co- Governo tucano segue blindado pela mídia e pela Assembleia Legislativa dor, causa prejuízos não apenas aos co-
fres públicos. “Ela [CPI] teria mais re- fres públicos, mas principalmente aos
percussão com o Senado e a Câmara quem desviou e ir atrás para recuperar “Além do prejuízo financeiro, usuários. “Além do prejuízo financeiro,
juntos”, argumenta. o dinheiro”, afirma o parlamentar, que em valores, há o prejuízo na qualidade
defende a utilização das verbas para me- em valores, há o prejuízo na do transporte, que poderia ter sido am-
lhorar o transporte público. qualidade do transporte, que pliado”, diz.
“Os fatos envolvem uma Mesmo sendo uma questão que afeta
Irregularidades poderia ter sido ampliado” diretamente a população paulistana, Al-
quantidade grande de As irregularidades começaram a ser fredinho afirma que não haverá movi-
divulgadas em julho pela empresa Sie- mentações na Câmara com intuito de in-
dinheiro, desviada de mens, que fez um acordo de leniência vestigação. “A Câmara debate o proble-
uma área muito sensível à com o Conselho Administrativo de De- Alternativa ma, cobra de autoridades, mas o princi-
fesa Econômica (Cade), que trabalha A instalação de uma CPI no Congresso pal ator, em nível de apuração legislati-
sociedade brasileira” em conjunto com a Polícia Federal. é considerada uma alternativa para levar va, é a Assembleia”, justifica.
As suspeitas apontam para o envolvi- adiante as investigações. No âmbito esta- A tensão entre PT e PSDB verificada
mento de 13 empresas na formação de dual, o trabalho esbarra na força tucana na Alesp não vem se repetindo na Câ-
cartel em licitações para aquisição de na Assembleia Legislativa (Alesp), onde mara. Em 6 de agosto, durante sessão
A relevância do tema, de acordo com o trens, manutenção e construção de li- Geraldo Alckmin tem maioria. Com 26 na Casa, vereadores da base aliada de-
deputado, também justifica a criação de nhas ferroviárias e de Metrô entre 1998 assinaturas já coletadas, a oposição teria fenderam o colega Andrea Matarazzo,
uma CPI nas duas Casas. “Os fatos envol- e 2007. de conseguir o apoio de mais seis depu- que vem sendo investigado por supos-
vem uma quantidade grande de dinhei- Em São Paulo, o esquema teria se ini- tados entre os 68 que o governo tem em ta participação no esquema no período
ro, desviada de uma área muito sensível ciado em 2000, no governo de Mário seu favor para criar uma CPI. em que foi secretário estadual de Ener-
à sociedade brasileira, que é o transporte Covas, para a construção da linha 5 do Esta é a quarta tentativa do PT, desde gia, em 1998.
público. É um tema muito relevante para Metrô, e continuado durante os gover- 2008, de criar comissões para apurar de- Além de prestar solidariedade a Mata-
não ser investigado”, pontua. nos de Geraldo Alckmin (2001-2006) núncias de irregularidades em contratos razzo, os vereadores – inclusive da base
Os principais desafios da CPI, de acor- e também no primeiro ano do manda- do governo paulista relacionados ao sis- de Fernando Haddad (PT) – criticaram a
do com Teixeira, serão reunir os dados to de José Serra (2007) – todas gestões tema ferroviário da capital e da região “leviandade” da imprensa ao divulgar as
analisados em diferentes investigações do PSDB. Além da Siemens, o esquema metropolitana. informações. O próprio Alfredinho che-
e, ao final, encontrar meios de devolver teve participação da Alstom, Bombar- Ao todo, o partido já formalizou 15 re- gou a afirmar que todos estão “sujeitos a
os recursos à população. “Temos que ver dier, CAF, Siemens, TTrans e Mitsui. presentações sobre o tema junto ao Mi- isso” ao ingressar na vida pública.

Uma rotina de falhas e limitações


Rivaldo Gomes/Folhapress

Recursos desviados te da frota K, que está sendo reformada


pelo consórcio MTTrens.
poderiam ter sido De acordo com o Sindicato dos Me-
troviários, a falha foi ocasionada por um
investi dos em problema no truque (sistema composto
melhorias do sistema ou por rodas, tração, frenagem e rolamen-
tos do trem), que foi fornecido pelas em-
na redução da tarifa presas e apresentava baixa qualidade. Os
contratos da reforma, que somam R$ 1,8
bilhão, também estão na mira do Minis-
tério Público.
da Redação Apesar das tentativas de criação de
CPIs (leia matéria acima), Pasin acre-
Em apenas seis projetos, R$ 425 mi- dita que somente a pressão da popula-
lhões de reais. Esse foi o prejuízo para os ção será capaz de levar as investigações
cofres públicos paulistas do esquema de adiante. “Acreditamos que só com mobi-
corrupção e pagamento de propina em li- lização popular vai se verificar todo esse
citações do Metrô e da CPTM, segundo o esquema de corrupção”, assegura.
Conselho Administrativo de Defesa Eco-
nômica (Cade). O rombo, no entanto, po-
de ser muito maior, já que as investiga- “Acreditamos que só com
ções ainda estão em andamento.
O desvio de recursos públicos revol- mobilização popular vai se
ta a quem assiste, dia a dia, à piora do verificar todo esse esquema
sistema de transportes. “Esses episó- Desvio de recursos públicos revolta quem sofre com a piora do sistema de transportes
dios são mais uma demonstração de que de corrupção”
transformaram o transporte em fonte Segundo um cálculo da BBC, o metrô trens atrasados, sucateados e superlota-
de lucro e de enriquecimento ilícito para paulistano, em seu atual ritmo dos. A maioria, no entanto, ainda depen-

172
grandes empresários e políticos”, afirma (1,91 quilômetro por ano), levaria de dos ônibus.
o presidente da Federação Nacional dos Francisco Morato, na região metropo- “O cara que rouba uma carteira da
Metroviários e secretário-geral do Sin- litana, é um caso extremo. Segundo Pris- rua é preso, um cara que desvia milhões
dicato dos Metroviários de São Paulo, cila, os moradores precisam recorrer a não?”, questiona Priscila Rabelo. “Espe-
Paulo Pasin. duas ou três conduções para então poder ramos que essa conjuntura possibilite
embarcar em um trem. uma ação mais dura”, completa.
“Com o tempo as pessoas deixaram de

anos
Somente os valores identificados pegar o ônibus e agora caminham cin- Às ruas
co quilômetros até a estação para não O transporte é pauta de um novo pro-
até agora, segundo o sindicalista, perder tempo com o transporte públi- testo na capital paulista em 14 de agos-
teriam sido suficientes para concluir para chegar à extensão atual do
metrô de Londres
co”, relata. to. Convocado pelo Sindicato dos Me-
A falta de estrutura afeta não apenas a troviários, a mobilização será engrossa-
a expansão da Linha 5 população, mas também os seus traba- da pelo Movimento Passe Livre (MPL),
lhadores. O Metrô tem hoje com 10 mil movimentos sem teto e outras organiza-
Limitações funcionários, que têm de atender a uma ções populares.
Com 39 anos de existência e 74,3 qui- média de quatro milhões de usuários. A manifestação dá continuidade às lu-
Somente os valores identificados até lômetros, o Metrô de São Paulo está lon- Para dar conta de todo o sistema com o tas iniciadas em junho que, além da re-
agora, segundo o sindicalista, teriam si- ge de atender as necessidades da popula- quadro atual, o presidente da Federação dução das tarifas, pedem gratuidade e
do suficientes para concluir a expansão ção. Segundo um cálculo da BBC, o me- Nacional dos Metroviários denuncia que qualidade nos serviços. “Hoje há uma
da Linha 5 do Metrô, na zona sul – uma trô paulistano, em seu atual ritmo (1,91 a empresa impõe um regime permanen- precarização e uma superlotação. Não é
das obras suspeitas de integrar o cartel. quilômetro por ano), levaria 172 anos pa- te de horas extras. à toa que o lema do ato é ‘chega de su-
Os recursos também poderiam ter si- ra chegar à extensão atual do metrô de Estresse e problemas médicos, assim, foco’”, afirma o integrante do MPL Lu-
do utilizados, segundo Pasin, para sub- Londres, que possui 270 estações e mais se tornaram comuns na categoria. “O cas Monteiro
sidiar as tarifas de transporte. Cálcu- de 400 quilômetros de trilhos. trabalhador está em estresse absoluto o Um dos objetivos do ato, segundo
los do Sindicato dos Metroviários indi- As limitações do Metrô atingem prin- tempo inteiro, sabendo que qualquer fa- Monteiro, é reivindicar outra forma de
cam que, se os índices de inflação fos- cipalmente quem mora em áreas mais lha pode se transformar em um incidente gestão para os transportes, em que in-
sem aplicados de 1995 até esse momen- afastadas de São Paulo. A militante do de grandes proporções”, afirma. teresses privados não se sobreponham
to, a passagem deveria custar R$ 1,90. Movimento Periferia Ativa Priscila Ra- Incidente como o ocorrido em 5 de aos interesses da população. “Defende-
Com os R$ 425 milhões ainda nos co- belo recorda que os bairros nas periferias agosto, quando um trem descarrilou en- mos uma gestão em que as decisões se-
fres, o valor pago pelo usuário poderia não contam com estações de metrô. Com tre as estações Marechal Deodoro e Barra jam tomadas pelos trabalhadores”, ex-
ser ainda menor. sorte, alguns têm estações da CPTM, com Funda, na linha 3. A composição faz par- plica. (PB)
12 de 15 a 21 de agosto de 2013 cultura

Pílulas diárias de história


RESENHA Núcleo Piratininga de Comunicação
lança livro-agenda 2014 com informações sobre
as lutas ocorridas nos países latino-americanos
desde o século 19 até os tempos atuais

Claudia Santiago
do Rio de Janeiro(RJ)

“AMÉRICA, AMÉRICA sou teu filho e digo. Um dia quero ser livre contigo.
América morena do velho e do novo. Construindo a história na luta do povo.”
Os versos da canção de Jacir Strapazzan expressam o sentimento de milhões de latino-
americanos e latino-americanas que há 500 anos resistem ao roubo de suas riquezas, ao des-
respeito à sua cultura, sua religião, sua língua, à exploração do seu corpo e à expropriação do
seu trabalho.
Essa história é contada pelo Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC) no seu livro-agen-
da 2014, que a cada dia traz notícias e informações sobre as lutas e insurreições ocorridas nos
países latino-americanos desde o século 19 até os tempos atuais.
Na abertura de cada mês, há textos sobre importantes acontecimentos, como a Revolução
Cubana, a Insurreição Negra do Haiti, a formação do Exército Zapatista de Libertação Nacio-
nal, o pensamento de José Carlos Mariátegui, as lutas dos mineiros na Bolívia.
Os artigos foram escritos por jornalistas e pesquisadores como Gilberto Maringoni, Nilton
Viana, Mário Maestri, Mergulhão Ruas, Pedro Carrano, Claudia Korol, Carolina Ojeda, Be-
to Almeida e outros.
O objetivo do material é possibilitar conhecer melhor a história dos nossos vizinhos, con-
tribuindo para uma integração cada vez maior entre os países do continente.

Índio bom é índio morto


A história dos povos latino-americanos é feita de dor, muita dor. Desde que aqui desem-
barcaram, os europeus nos viram sempre como mão de obra a ser escravizada e usada con-
tra a nação latino-americana.
Assim, 8 milhões de vidas foram tragadas nas minas de Potosí, na Bolívia, durante 300
anos. Tantas vidas mais foram consumidas na extração do ouro e da prata para sustentar a
Europa.
Em Veias Abertas da América Latina, o uruguaio Eduardo Galeano denuncia que, entre
1503 e 1660, desembarcaram na Espanha 185 mil quilos de ouro e 16 milhões de quilos de
prata. Contra as elites locais, no início da colonização, ou posteriormente, aliada a elas, a Eu-
ropa fez correr sangue na América Latina.
Os Estados Unidos, filho pródigo da Europa, não tardaram a seguir o mesmo caminho e ce-
do na sua história republicana puseram-se a arrombar com força as veias já abertas do nos-
so continente.
Na Guerra do México (1845-48), os EUA incorporaram cerca de metade das terras do país.
Os índios foram vítimas de um genocídio. Valia a máxima atribuída a um general estaduni-
dense que dizia que “o único índio bom é um índio morto”.
“As grandes greves de operários, mineiros,
Desde que aqui desembarcaram, os europeus nos viram sempre como ferroviários e camponeses por melhorias salariais,
mão de obra a ser escravizada e usada contra a nação latino-americana laborais e organizacionais foram sempre reprimidas
violentamente pelos exércitos das oligarquias, com
o apoio do capitalismo internacional”
América de sangue e suor
Os EUA serão o principal responsável pelo sangramento da América Latina do século 20.
A chamada Doutrina Monroe, de 1823, que tinha como tese central “a América para os ame-
ricanos”, na prática, significava a América para os Estados Unidos. SERVIÇO
Um caso típico de aplicação da doutrina é o da transnacional estadunidense United Fruit A agenda NPC-2014 vai ser lançada no dia 1º
Company (1899-1970), grande produtora e comerciante de frutas tropicais na América de setembro no cine Odeon-BR, na Cinelân-
Central e no Caribe, que atuava politicamente na nossa região participando da implanta- dia, no Rio de Janeiro (RJ) após a exibição do
ção de ditaduras e derrubada de regimes democráticos. filme No, que reconstitui o plebiscito de 1988
“As grandes greves de operários, mineiros, ferroviários e camponeses por melhorias sala- no Chile, através do qual Pinochet pretendia
riais, laborais e organizacionais foram sempre reprimidas violentamente pelos exércitos das conseguir um aval para continuar no poder e
oligarquias, com o apoio do capitalismo internacional”, como relembra Waldir José Rampi- acabou derrotado.
nelli, ao falar sobre o século 20, no prefácio do livro História da nação latino-americana, de Após esta data a agenda será vendida na
Jorge Abelardo Ramos (2012, p. 25). livraria Antonio Gramsci que fica na Rua
O livro-agenda, organizado pelo Núcleo Piratininga de Comunicação, fala das lutas, revol- Alcindo Guanabara, 17, térreo – Cinelân-
tas e rebeliões dos povos latino-americanos ao longo dos séculos 19, 20 e 21. dia – Rio de Janeiro (RJ) ou pelo e-mail
Trata da América Latina de sangue e suor e de suas cidades “alisadas pelo silêncio e pela npiratininga@uol.com.br. Preço: R$ 20,00.
morte”, como escreveu uma vez o escritor argentino Julio Cortázar.

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PALAVRAS CRUZADAS
Horizontais: 1.Diz-se dos carros turbinados – As Olimpíadas de 2016 acontecerão nesta cidade. 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18
2.Indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 2013 que trata de um plebiscito ocorrido no 1
Chile quanto à permanência ou não do ditador Pinochet no poder – Na bandeira olímpica eles
são cinco, representando a união dos cinco continentes. 3.Obedecer – Tendência interna do PT. 2
4.Indica anterioridade e é seguido de hífen – Pronome na língua inglesa que é utilizado para coi-
sas e animais. 5.Área da comunicação em que as demissões em massa de seus profissionais são 3
conhecidas como passaralhos – – Muitos dos doces portugueses são feitos à base dela porque
antigamente as freiras usavam clara de ovo para engomar suas vestes e ela sobrava. 6.As pinturas 4
rupestres mais conhecidas no Brasil se encontram neste estado (sigla) – Pule – Quinto dos doze
meses do calendário judaico. 7.Em inglês, diz-se grandson – Regras estabelecidas por direito 5
– A das baianas é obrigatória no desfile de uma escola de Carnaval. – 8.Como o pronto-socorro
é chamado nos Estados Unidos – Estado brasileiro (sigla) que em tupi significa bico de tucano. 6
9.Avidez de ganho, lucro – A cocaína popularmente é chamada assim – Conjunto dos ossos sol-
tos do cadáver. 10.Paulo Freire, Nelson Rodrigues, Gilberto Freyre e João Cabral de Melo Neto 7
nasceram neste estado (sigla). 11.Recentemente elas tomaram as ruas do país – Movimento que
iniciou uma série de atos até conseguir baixar as tarifas do trem, ônibus e metrô, em São Paulo e 8
no Rio de Janeiro.
9
Verticais: 1.Razão de existir das agências de informação. 3.Este número, em alemão, pronuncia-
se neun – Dez, em inglês. 4.Reza. 5.Considerada a maior ave brasileira. 6.Espécie de cobra que 10
também dá nome a um grupo de pessoas regido por um maestro. 7.Grupo separatista basco que
encerrou suas atividades em 2011. 8.Sopra o apito. 9.Agência federal, vinculada ao Ministério do 11
Meio Ambiente, responsável pela implementação da gestão dos recursos hídricos no país, que
tem uma sigla que forma um nome próprio – O malandro é assim – Ferramenta usada para cavar.
10. Sensação mais ou menos aguda, mas que incomoda. 11. Que tem inflamação em quaisquer
refegos da pele, causada pelo calor, pela nutrição ou pelo andar. 12.Vez, em alemão – Tem cinco dão.
10.Dor. 11.Assado. 12.Mal – Pé. 13.Violações. 14.Rã. 15.Indígenas. 16.Oeste. 17.MA. 18.Escravi-
dedos. 13.Os indígenas, ao longo da história do Brasil, têm sido alvo constante delas. 14. Sua Verticais: 1.Espionagem. 3.Nove – Ten. 4.Ora. 5.Ema. 6.Coral. 7.ETA. 8.Apita. 9.ANA – Liso – Pá.
carne é apreciada por muitos, a despeito de outros terem nojo. 15.De acordo com o Cimi, mais de – MPL.
500 foram assassinados no Brasil nos últimos dez anos. 16.O seu oposto é o Leste. 17.Os holande- 6.PI – Salte – Av. 7.Neto – Leis – Ala. 8.ER – TO. 9.Ganância – Pó – Ossada. 10.PE. 11.Manifestações
Horizontais: 1.Envenenados – Rio. 2.No – Anéis. 3.Acatar – DS. 4.Pré – It. 5.Jornalismo – Gema.
ses ocuparam este estado brasileiro (sigla), no século XVII, por 27 meses. 18.Falta de liberdade.
américa latina de 15 a 21 de agosto de 2013 13

Em Honduras, governo e empresas


aterrorizam trabalhadores en.maquilasolidarity.org

INTIMIDAÇÃO
Segundo denúncia de
sindicalistas, assassinatos
fazem parte de violenta
campanha apoiada pela
mídia hegemônica do país

Leonardo Wexell Severo


de San José (Costa Rica)

“UM DOS PRINCIPAIS obstáculos que


enfrentamos em relação à liberdade de
organização dos trabalhadores e à ne-
gociação coletiva em Honduras é a vio-
lenta campanha antissindical desenvol-
vida pelas grandes empresas que, com
apoio do governo, utilizam os meios de
comunicação para intimidar e perse-
guir. Se o assédio não funciona, ime-
diatamente vem a demissão. Os assassi-
natos de jornalistas e sindicalistas tam-
bém fazem parte desse pacote”.
A denúncia da dirigente da Confe-
deração Unitária de Trabalhadores de
Honduras (CUTH), Idalmy Carcamo,
foi feita quinta-feira (8), em San José,
capital da Costa Rica, durante o lança-
mento da campanha continental Liber-
dade Sindical, Negociação Coletiva e
Autorreforma Sindical.
Promovido pela Confederação Sindi-
cal dos Trabalhadores e Trabalhadoras
das Américas (CSA), o evento contou
com a participação de representantes
da Organização Internacional do Tra- Trabalhadores em indústria “maquiladora” hondurenha, onde a violência seria uma realidade
balho (OIT) e de sindicalistas de 15 paí- Leonardo Severo
ses da região. os abusos. “Do contrário, a situação vai
De acordo com a secretária-geral ad- se agudizar, os assassinatos vão aumen-
junta da CUTH, “a violência antissindi- tar. Esta é a orientação dada pela oli-
cal é uma realidade em todos os centros garquia, e alavancada pela corrupção e
de trabalho do país, seja nas indústrias parcialidade dos magistrados e deputa-
“maquiladoras” – empresas transnacio- dos. Querem repetir o que nos fizeram
nais que subcontratam serviços precá- nos dias posteriores ao golpe, quando
rios para a exportação –, no setor ba- fecharam os sindicatos e passaram a
naneiro – controlado diretamente pelos perseguir, demitir e acabar com a vida
estadunidenses –, ou na cana-de-açú- dos companheiros identificados com a
car, café, melão, tabaco, camarão e pal- resistência”, assinalou Idalmy.
ma africana”.

“Em Honduras, hoje,


“Embora a legislação
reclamar um direito é um
trabalhista estabeleça o delito que se paga com a
direito à organização, própria vida”
na prática ele é
violado pelas próprias
“Matando advogados, jornalistas e
autoridades que atuam juízes o governo tenta intimidar, calar
como base de sustentação todos os que disponham a defender os
As sindicalistas Idalmy Carcamo, Manuela de Jesus Chavarria e Maria del Carmen Reyes direitos humanos”, acrescentou a diri-
do grande capital” gente da Central Geral dos Trabalhado-
da Confederação dos Trabalhadores de Anibal Barrow, raptado e desaparecido res de Honduras (CGTH), Manuela de
Honduras (CTH), Altagracia Fuentes, em julho deste ano, um dia após ter en- Jesus Chavarria, citando o recente as-
que teve seu carro atingido por inúme- trevistado em seu programa televisivo o sassinato da juíza Mireya Mendoza, de
Mais perseguição ros disparos”. líder sindical Juan Barahona, membro 43 anos, que teve o carro atingido por
Para complicar, a legislação hondure- Altagracia foi executada em junho de da coordenação da Frente Nacional de duas dezenas de balas em El Progreso,
nha limita o espectro de atuação da enti- 2008 quando lutava pela reintegração Resistência Popular e candidato à vi- no norte do país.
dade ao local de trabalho, o mais do que de trabalhadores de uma maquiladora ce-presidência da República pelo Par- Para Maria del Carmen Reyes, secre-
vulnerável Sindicato por empresa, que coreana em San Pedro Zulia. Também tido Liberdade e Refundação na cha- tária de Assuntos Femininos da CTH, “é
necessita ter um mínimo de 30 filiados. perderam a vida no ataque a dirigente pa de Xiomara Castro – esposa de Ma- urgente deter o derramamento de san-
Para não falar de outros absurdos, vale do Sindicato do Instituto Nacional de nuel Zelaya. gue em que pais ficam sem filhos e fi-
dizer que tão somente por este “critério” Formação Profissional (INFOP), Yolan- lhos ficam sem pais, deixando os lares
já se nega a maior parte dos trabalhado- da Virgínia Sánchez e o condutor do ve- Jornalistas mortos vazios”. “Em Honduras, hoje, reclamar
res o direito à representação, uma vez ículo, Juan Aceituno. “Não só mataram Anibal a tiros; o um direito é um delito que se paga com
que parcela significativa das empresas cortaram em pedaços, esquartejaram a própria vida”, concluiu.
possui menos de 30 empregados. seu corpo e o queimaram. Depois, jo-
Além disso, explica Idalmy, “quando “Depois do golpe foram garam numa lagoa para os crocodilos”,
as empresas se informam que os traba- relatou Idalmy, lembrando que desde o
lhadores estão montando um sindica- mortos vários professores, golpe contra Zelaya três dezenas de jor- Pobreza extrema
to, os encerram numa sala e começam a nalistas foram assassinados, sem que
lhes apresentar listas para que apontem
camponeses e lutadores nenhum dos crimes tenha sido esclare-
quem está liderando, quem está partici- pelos direitos humanos e só cido. “Reina uma total impunidade, que De acordo com o informe apre-
pando e surge todo o tipo de chantagens amplifica as ameaças”, assinalou a sin- sentado à OIT – com dados de
e ameaças”. tem aumentado a lista de dicalista.
2011 –, a pobreza alcança 67,6%
“Embora a legislação trabalhista esta- “Com os meios de comunicação a ser-
beleça o direito à organização, na práti- desaparecidos” viço do governo, que está a serviço das dos 8,2 milhões de hondurenhos,
ca ele é violado pelas próprias autorida- empresas, a orientação é potencializar ou 5,5 milhões de pessoas, situa-
des que atuam como base de sustenta- os dois partidos tradicionais, princi-
ção do grande capital”, acrescentou. palmente o Partido Nacional, que está ção que se agrava na zona rural,
Entre outros ataques do governo aos A partir do golpe orquestrado pela no poder. Eles têm medo de que o Par- chegando a 70%.
trabalhadores, a dirigente cita a cria- embaixada dos Estados Unidos contra tido Liberdade e Refundação, de Xio-
ção de projetos que vão contra o direi- o presidente constitucional Manuel Ze- mara Castro, possa ganhar as eleições “No caso da pobreza extrema ou
to à obtenção de garantias fundamen- laya, em 28 de junho de 2009, a oligar- de 24 de novembro. Estão preocupados indigência, 3,8 milhões de hondu-
tais estabelecidas no trabalho e os be- quia retirou qualquer trava para exer- com a desvantagem que têm na popula-
nefícios sociais. “Iniciativas do governo cer o seu poder político e econômico, ção, mas como têm o controle absoluto renhos se encontram nesta condi-
como a lei do emprego temporário são avalia. Como se a roda da história tives- da mídia, isso amplia sua tendência de ção, o equivalente a 46,9% da po-
altamente daninhas, pois por meio de- se dado marcha à ré, retornando a tem- intimidar e matar”, alertou. pulação. A renda média nacional,
las é retirada a estabilidade, não há fé- pos em que o país foi transformado em
rias, direito à seguridade social. A pes- “porta-aviões” ianque. Se no plano ex- de apenas 5.315 lempiras, equiva-
soa é submetida a um ritmo de trabalho terno abastecia com soldados, armas e “Não só mataram Anibal a tiros; o le a 273 dólares [R$ 620]”, apon-
intenso, a baixos salários em longas jor- munições a oposição à revolução sandi-
nadas por dois, três ou seis meses, e de- nista na Nicarágua e o avanço da Frente cortaram em pedaços, esquartejaram ta o informe.
pois sai de mão abanando”, explica. Farabundo Martí de Libertação Nacio- seu corpo e o queimaram. Depois, Para a Comissão Econômica pa-
De acordo com Idalmy, como mais de nal (FMLN) em El Salvador, no plano
metade da população está desemprega- interno desatava uma feroz repressão jogaram numa lagoa para os ra a América Latina e o Caribe
da, com famílias recebendo um dólar com “padrão CIA”: torturas, assassina- (CEPAL), Honduras tem os níveis
por dia, até por questão de sobrevivên- tos e desaparecimentos. crocodilos”
mais altos de pobreza da América
cia muitas pessoas acabam se subme- “Depois do golpe foram mortos vá-
tendo à precarização. rios professores, camponeses e lutado- Idalmy avalia que diante de uma con- Central. A desigualdade salta aos
A brutalidade antissindical tem sido res pelos direitos humanos e só tem au- juntura tão complexa, a solidariedade olhos: “os 10% mais pobres rece-
uma marca constante da oligarquia do mentado a lista de desaparecidos. Esta internacional jogará um papel decisivo
país, denuncia a dirigente, ressaltan- é a sua forma de agir, esta é a sua forma para dar a visibilidade necessária aos bem somente 0,6% da renda na-
do que “são inúmeros os companhei- de intimidar e calar”, frisou Idalmy. crimes que estão sendo praticados con- cional, enquanto que os 10% mais
ros que foram ameaçados e assassina- Entre tantos exemplos, a dirigente da tra os lutadores do movimento social ricos ficam com 43,4%”. (LWS)
dos, como a primeira secretária-geral CUTH citou o assassinato do jornalista hondurenho, contribuindo para inibir
14 de 15 a 21 de agosto de 2013 américa latina

A contraditória etapa de um continente J. Freitas/ABr

ENTREVISTA
Para economista argentino,
o neodesenvolvimentismo
adotado por alguns países
latino-americanos não
significa uma ruptura
como o modelo neoliberal

Márcio Zonta
de Guararema (SP)

COM O OLHAR sobre uma América La-


tina em permanente disputa econômica,
política e cultural entre grandes grupos
internacionais capitalistas, burguesias
regionais e governos de esquerda, o eco-
nomista argentino Claudio Katz afirma
que o neodesenvolvimentismo adotado
por alguns países não rompeu com o ne-
oliberalismo.
O professor da Universidade de Bue-
nos Aires acredita que o Brasil deixou de
lado somente algumas medidas neolibe-
rais mais rígidas. “Lula e Dilma fomen-
taram apenas políticas que se afastaram
do neoliberalismo ortodoxo”, comenta.
Em entrevista ao Brasil de Fato,
Katz analisou as políticas econômicas e
a participação de Brasil e Argentina em
busca de uma verdadeira integração do
continente.
“Tanto Brasil quanto Argentina têm
uma ambiguidade entre seus interes- FHC e Lula: neodesenvolvimentismo adotado por alguns países não rompeu com o neoliberalismo
ses econômicos; dúvidas se aprofundam
em suas relações econômicas com os paí- fundo de troca entre os países, e a forma- Desindustrialização Essa é uma característica muito nociva
ses do Mercosul ou outros mercados pe- ção do Banco do Sul. E, naturalmente, Diante desse contexto de tentativa à classe trabalhadora porque o lucro des-
lo mundo”, diz. esses processos de integração têm mui- de recolonização do continente, se está sas empresas é pensado por meio do lu-
Ademais, Katz chama atenção para os ta fragilidade porque depende muito do criando uma brecha em términos indus- cro do salário comparado. Ou seja, quan-
investimentos na América Latina advin- petróleo venezuelano para avançar. trial muito grande entre América Lati- do o salário no Brasil sobe muito, elas co-
dos do capital financeiro internacional na e Ásia, justamente entre duas regiões locam seus negócios no Paraguai, como
para exploração dos recursos naturais, Cenário Político que participavam com condições perifé- acontece agora.
sobretudo, no setor agromineral. Se tem registrado uma mudança mui- ricas. A Coreia do Sul é mais industriali- Eu não gosto de chamá-los de bur-
“Esse é o principal perigo estratégico to grande no cenário político em rela- zada, se comparar, com qualquer país la- guesia lúmpen. Não me parece adequa-
que tem o continente hoje. A crise atual ção à década passada na América La- tino-americano. do porque gera uma imagem descone-
do capitalismo é uma crise de reestrutu- tina, pois se constituiu uma força polí- O que se torna mais grave é a enorme xa. Lúmpen é a burguesia do narcotráfico
ração neoliberal. Onde a América Latina tica que fez declinar a Organização dos associação de grupos capitalistas latino- que existe à margem do Estado. Essa bur-
tem totalmente pré-determinadas su- Estados Americanos (OEA) e levan- americanos nesses processos. guesia regional, pelo contrário, são estru-
as funções no mercado mundial, como tou a Comunidade dos Estados Lati- As oligarquias exportadoras dos re- turas que atuam com a base do Estado.
abastecedora de matéria-prima”, alerta. noamericanos e Caribenhos (CELAC) cursos naturais do final do século 19 não Portanto, são classes capitalistas me-
Abaixo, confira a entrevista na qual o e o MERCOSUL. Isso sim são fatores existem mais. O modelo atual é compos- nos nacionais e divorciadas de seus po-
economista também fala sobre a União muito contundentes na geopolítica sul- to por empresas capitalistas brasileiras, vos, e mais associadas ao capital estran-
de Nações Sul-Americanas (Unasul), ba- americana. argentinas e mexicanas que atuam com geiro.
ses estadunidenses no continente e as ca- Realizar reuniões entre países latinos muito mais perversidade, pois trabalham
racterísticas atuais das elites regionais. sem a presença dos Estados Unidos é visando a exploração de um recurso até a Neoliberalismo ou Neodesenvolvi-
inédito. Ter a Venezuela com presença destruição plena. mentismo?
no Mercosul é fato simbólico inimaginá- Provavelmente, é o setor que mais en- O que temos visto na América Latina
“Uma potência regional vel há uma década. riqueceu nos últimos anos estando vin- é o ingresso de países em processos di-
Ou seja, em um plano geopolítico exis- culado ao agronegócio. O pior é que mui- ferenciados do neoliberalismo por conta
tem que pensar aonde vai te uma mudança. Entretanto, ainda não to deles atuam dentro dos projetos da de rebeliões populares. Parte da popula-
sabemos se esse ritmo de conquistas ge- Unasul e Mercosul. ção do continente se revoltou justamente
concentrar seus recursos, e opolíticas se converterá em ganhos eco- contra o tripé da base neoliberal: flexibi-
vemos, nos últimos dez anos, nômicos para o continente. lização nos direitos trabalhistas, abertura
Uma das funções da ALBA é fazer com “O modelo atual é composto por comercial e privatizações.
que não houve avanço na que ambos se cruzem positivamente:
empresas capitalistas brasileiras,
Portanto, houve mudanças contra es-
avanço geopolítico e a economia. Porém, sas características mais centrais do neoli-
região puxado pelo Brasil” sem uma força social desde baixo, eu não argentinas e mexicanas que atuam beralismo e os Estados recuperaram fun-
acredito que vai avançar para além do dos e recursos financeiros que utilizam
que já existe. com muito mais perversidade” politicamente para o assistencialismo.
Agora, essa mudança é muito compli-
Em disputa Unasul cada, e não se trata de um abandono do
Existem projetos em disputa no con- Também dentro da Unasul existe um neoliberalismo por alternativa de mes-
tinente. Um exemplo foi o projeto da conflito, uma disputa porque a institui- Burguesia regional mo nível com uma política econômica
ALCA [Acordo de Livre Comércio das ção não só tem países com TLC, como Existem mudanças estruturais na bur- coerente e definida.
Américas], que hoje em dia continua tem também um problema geopolítico guesia regional. Já desapareceu o papel O neodesenvolvimentismo no momen-
com os Tratados de Livre Comércio mais complicado. Por exemplo, a Colôm- da velha oligarquia como existia antes. to não está competindo com o neolibera-
(TLC). A ideia de que a ALCA foi derro- bia com as bases militares estaduniden- Antigamente, uma pessoa era dona de lismo em sentido de um programa eco-
tada é certa enquanto projeto, mas hou- ses. Portanto, dentro da Unasul temos uma grande extensão de terra improdu- nômico sólido.
ve uma contraofensiva estadunidense a intervenção militar estadunidense por tiva e ficava praticamente ausente nessa
que conseguiu tecer acordos econômi- meio do Exército da Colômbia. propriedade sem investir na mesma.
cos de livre comércio consolidada com A principal mudança estrutural é que a “Uma nova burguesia está
a NAFTA, no México, além de TLCs fir- velha burguesia industrial brasileira, ar-
mados com Colômbia, Peru, Chile e vá- “Uma das funções gentina e mexicana, muito centrada na totalmente focada na exportação
rios países da América Central. Obama, produção de bens para o mercado inter-
ademais, concebeu uma estratégia da da ALBA é fazer com no, também tem declinado.
associada ao capital estrangeiro,
Aliança do Pacífico, que articula todos
que ambos se cruzem Uma nova burguesia está totalmente e trabalha com horizontes
os países que formaram Tratados de Li- focada na exportação associada ao capi-
vre Comércio com os Estados Unidos, positivamente: avanço tal estrangeiro, e trabalha com horizon- regionais e internacionais”
Canadá e países asiáticos. tes regionais e internacionais. As gran-
Em segundo lugar, temos ainda um geopolítico e a economia” des companhias brasileiras e argentinas
projeto de integração muito frágil no são transnacionais multilatinas.
Mercosul, que tem se consolidado como Librería La Marabunta/CC Ademais, não é uma ruptura radical
tentativa de integração nos últimos dez com o neoliberalismo, pois não altera a
anos, principalmente em torno da Ar- Recolonização característica de redistribuição de renda.
gentina e do Brasil. Porém, tanto Bra- Esse é o principal perigo estratégico Essa é a grande diferença de políti-
sil quanto Argentina têm uma ambigui- que tem o continente hoje. A crise atual cas econômicas redistributivas reais, co-
dade entre seus interesses econômicos, do capitalismo é uma crise de reestrutu- mo as ocorridas na Venezuela, onde sim
principalmente. Dúvidas se aprofun- ração neoliberal, na qual a América Lati- houve uma ruptura com o sistema neo-
dam em meio a suas relações econômi- na tem totalmente pré-determinadas su- liberal, porque passou a ter verdadeira-
cas com os demais países do Mercosul as funções no mercado mundial, como mente uma redistribuição dos ingressos
ou outros mercados pelo mundo. abastecedora de matéria-prima. econômicos do país.
Uma potência regional tem que pen- Os capitais estrangeiros que entram Dessa forma, muitas das tradicionais
sar aonde vai concentrar seus recur- no continente, atualmente, vão dire- políticas neoliberais seguem no Brasil e
sos, e vemos, nos últimos dez anos, que to ao setor extrativista, aos recursos na- seguem na Argentina. A política financei-
não houve avanço na região puxado pe- turais. Uma situação que traz um gran- ra no Brasil, ou a política de mineração
lo Brasil, que não ajudou na criação do de perigo para a região, que tem sua his- na Argentina são neoliberais clássicas.
Banco do Sul. O país não participa de tória marcada por uma inserção periféri- O neodesenvolvimentismo, portanto, é
nenhum debate sério sobre a criação de ca, que sempre dependeu da oscilação da uma tentativa de maior regulação de Es-
moeda comum no continente e está au- necessidade da matéria-prima pelos paí- tados na economia, o que se diferencia
sente na discussão de um projeto finan- ses centrais. do neoliberalismo. Porém, a discussão é:
ceiro regional de manejo comum para Assim, quando mudam os ciclos eco- para quem vai servir? Para que grupos?
uma reserva econômica. nômicos, os efeitos são nefastos para a Por fim, penso que a Argentina tem
Por outro lado, o que mais teve pro- população. Lamentavelmente, não existe uma tentativa de política neodesenvolvi-
gresso foi a ideia da Aliança Bolivaria- uma consciência sobre isso, pois de novo mentista, o Brasil não, porque Lula e Dil-
na para as Américas (ALBA). Essa sim é há um espírito de satisfação por essa po- ma fomentaram apenas políticas que se
um concepção de integração econômi- sição e um suposto pensamento de que afastaram do neoliberalismo ortodoxo.
ca muito densa fomentado pela Vene- esse ciclo de exploração dos recursos na- Já a Argentina tomou duas medidas:
zuela, Bolívia, Nicarágua, Equador, en- turais pode durar para sempre. nacionalizou os fundos de pensão e na-
tre outros. Isso é uma velha mitologia exportadora cionalizou a principal empresa petrolei-
É no bloco desses países, aliás, que es- liberal da América Latina, que volta a cir- ra. São duas ações que indicam mudan-
tão as ideias mais fortes de integração, cular, como se não tivéssemos tido esses ças significativas e marcou um tipo de
como a moeda de Sucre, a ideia de um ciclos de exploração no século passado. O economista argentino Claudio Katz ruptura, algo que não ocorreu no Brasil.
internacional de 15 a 21 de agosto de 2013 15

Vlad, a Marreta, versus


Obama, o Bebê-chorão Pete Souza/White House

OPINIÃO Putin sabe


exatamente o que está
fazendo, enquanto
Barack está com cara de
alce atropelado de frente
por uma locomotiva na
Trans-Siberiana

Pepe Escobar

ESSA COISA já está ficando ridícula. O


presidente dos Estados Unidos berrou
e esperneou, porque queria que queria
que queria de volta seu espião (Edward
Snowden). Snowden, nos termos que
determinam as leis russas, recebeu asi-
lo temporário. A Casa Branca ficou “de-
sapontada”.
Então, Obama esnobou o encontro bi-
lateral com o presidente da Rússia Vla-
dimir Putin em Moscou, que coincidiria
com o encontro do G20 em São Peters-
burgo no início de setembro. O Kremlin
ficou também “desapontado”.
Putin telegrafou a George “Dábliu”
Bush – com votos de pronta recupera-
ção de cirurgia cardíaca. Já o presiden-
te estadunidense foi a um programa de
entrevistas em seu país e disse que a Obama e Putin em tempos mais amistosos
Rússia “escorregou para trás, de volta a
ideias da Guerra Fria e a uma mentali- Lavrov e o Ministro da Defesa da Rús- com Itália, França e Polônia, por exem- produtos asiáticos chegam à Europa em
dade de Guerra Fria.” sia, Sergei Shoigu, se reunirão com o se- plo, o jogo russo é garantir contratos 10 dias: por mar, da Coréia do Sul ou Ja-
cretário de Estado dos EUA John Kerry de longa duração cheios de quebras de pão, são pelo menos 28 dias até a Alema-
e Chuck Hagel, chefe do Pentágono. preços e esquemas de tributos. nha. Não surpreende que Japão e Coreia
Yes, We Can [Sim, podemos] foi Basta que Vlad dê a ordem, e a já hu- Na Europa Central e do Leste, Vlad do Sul sejam grandes fãs da Trans-Sibe-
milhante retirada do Afeganistão, dos também navega – claro – com ven- riana. E de um ponto de vista europeu,
convertido em Yes, We Scan [Sim, exércitos de EUA/OTAN – postos pa- to em popa, com a Rússia comprando nada bate a Trans-Siberiana, caminho
espionamos]; e agora já está virando ra correr de lá, chutados no traseiro por montanhas de ativos estratégicos (fá- mais barato e mais rápido para a Ásia.
um bando de pashtuns armados com bricas, indústrias químicas e empresas
Yes, We Scorn [Sim, escarnecemos] fuzis Kalashnikovs falsos – será conver- de transporte). Não faço nem ideia...
tida em desastre cataclísmico. Guerra Fria? Só como parte do busi-
Vlad pode calibrar com minúcia o ness da nostalgia. Com a Europa em co-
apoio russo ao governo de Bashar al-As- Atualmente, se trata só ma; fricções múltiplas entre Europa e
Adequado distanciamento brechtiano sad na Síria – especialmente depois que EUA; Pequim olhando mais para den-
ensina que “ridículo” é pouco; que es- o chefe da inteligência saudita, príncipe de carga pesada. A Trans- tro que para fora e tentando resolver o
se comentário não basta nem para dar a Bandar “Bush” bin Sultan correu a visi- enigma de como estimular seu modelo
partida de alguma crítica. A mentalida- tá-lo em Moscou e, ao que se conta, ofe-
Siberiana movimenta nada de desenvolvimento; e com o governo
de de Guerra Fria vive hoje impregnada receu-se para comprar quantos carrega- menos que 120 milhões de Obama paralisado-catatônico, Moscou
nos genes do governo dos EUA em Wa- mentos de armas a Rússia queira ven- identificou aí a abertura perfeita com
shington – do Capitólio ao Pentágono. der, desde que a Rússia desista de As- toneladas de carga por ano que sonhava e embarcou sem meias
Quanto a Obama, falou como, no máxi- sad. Putin não piscou. A verdade é que medidas, numa expansão comercial es-
mo, um diletante metido a diplomata. Bandar não teria empreendido a viagem tratégica.
Yes, We Can [Sim, podemos] foi con- nem tentado o negócio, sem “consultar” O governo Obama não faz nem ideia
vertido em Yes, We Scan [Sim, espiona- seus patrões estadunidenses. E há também o crucial gambito [ar- – e a “think-tank-lândia”, então, me-
mos]; e agora já está virando Yes, We Vlad pode oferecer abundante apoio timanha] Trans-Siberiano. Viajei duas nos ainda. A ignorância é absoluta, to-
Scorn [Sim, escarnecemos]. Aplica-se diplomático extra ao novo governo do vezes pela Trans-Siberiana, no inverno, tal. Ninguém em todo o ‘circo’ do gover-
também àquele sortimento de poodles presidente Rouhani no Irã – inclusive, no início dos anos de 1990 e, depois, no no na Beltway jamais conseguiu articu-
de sangue europeu. Mas não faz nem e crucialmente importantes, novos ne- final da década; e que viagens! Naquele lar qualquer coisa que se aproximas-
cócegas em Vlad, a Marreta. gócios de armas; e pode ajudar a firmar tempo, tratava-se quase exclusivamen- se, que fosse, pelo menos, de uma só-
Para justificar a decisão, a Casa Bran- a posição de Teerã em possíveis futuras te de russos empobrecidos, comprando lida política para a Rússia; só ‘sabem’
ca falou de “falta de progresso” em tudo, negociações com Washington. tudo que encontrassem na China e de demonizar Putin. É ótimo para Vlad, a
inclusive nos mísseis de defesa, contro- chineses espertos vendendo tudo que Marreta, que tem atentamente se dedi-
le de armas, relações comerciais e de tro- pudessem vender na Rússia. cado a construir uma nova realidade es-
ca, questões da segurança global, direitos “O sr. Putin é líder repressivo e Atualmente, se trata só de carga pe- tratégica não só na periferia da Europa,
humanos e sociedade civil. Bobagem e sada. A Trans-Siberiana movimenta na- mas também no centro. A Rússia voltou
mais bobagem. Tratou-se exclusivamen- arrogante, que trata o próprio povo da menos que 120 milhões de toneladas – e arrebentando!
te de um presidente impotente impedido com desprezo” de carga por ano – e aumentando; é pe-
de avançar em sua guerra contra os sen- lo menos 13% do comércio de contêine-
tinelas-vazadores [whistleblowers]. res entre Europa e Ásia. A Rússia es- O jogo aqui é a Rússia cada
Yury Ushakov, assessor de Putin pa- tá investindo numa expansão de 17 bi-
ra assuntos internacionais, aproximou- No Cáucaso, Vlad navega com vento lhões de dólares e acrescentando 55 mi- vez mais exportando sua
se bem mais da verdade; disse que “os em popa. A Georgia é hoje muito menos lhões de toneladas de capacidade de produção agrícola por todos
EUA são incapazes de construir rela- adversária de Moscou. E no “Oleogaso- carga extra.
ções sobre bases igualitárias.” dutostão”, a Rússia influenciou a deci- E acrescente-se a triplicação da capa- os meios possíveis
Como um urso polar que caça sua fo- são do Azerbaijão de privilegiar o Ole- cidade dos terminais costeiros do Pací-
ca, Vlad, a Marreta, sente que Obama ogasoduto Trans-Adriático, em detri- fico russo, até 2020; a expansão do por-
manca, claudicação de proporções “car- mento do permanentemente condena- to de São Petersburgo; o fornecimento,
terescas” [referência ao ex-presidente do Nabucco Oeste (gasoduto), que ime- pela empresa Siemens, de 675 locomo- Nesse esquema mais amplo de coi-
estadunidense Jimmy Carter]. Foi um diatamente mudou e passou a dar mais tivas elétricas de carga, como parte de sas, de uma deriva rumo a um ambiente
bater de olhos, e Putin avaliou o quan- solidez à cooperação energética entre a um negócio de 3,2 bilhões de dólares. pós-pós Guerra Fria, o affair Snowden
to o governo Obama estava reduzindo empresa SOCAR do Azerbaijão e a Ros- O jogo aqui é a Rússia cada vez mais é só uma das peças do quebra-cabeças.
a cinzas sua já claudicante credibilida- neft da Rússia. A Georgia e o Azerbai- exportando sua produção agrícola por E é onde o pessoal é perfeita imagem
de, e simultaneamente em duas fren- jão sempre foram considerados aliados todos os meios possíveis. Pelo menos, especular do político. Vlad, a Marre-
tes: por causa da escala do complexo “firmes” dos EUA. 250 mil barris de petróleo/dia – e au- ta, sabe exatamente o que está fazendo
orwelliano/Panóptico que Snowden ex- Na Europa, todos os pilotos de navios mentando – deslocam-se da Rússia pa- – enquanto Obama, o Bebê-chorão, es-
pôs ao mundo; e pela violência ensan- de cruzeiro do rio Reno sabem sobre a ra a Ásia. A ampliação da Trans-Siberia- tá com cara de alce atropelado de frente
decida com que Obama insiste em caçar parceria estratégica entre Rússia e Ale- na operará maravilhas no comércio Eu- por uma locomotiva na Trans-Siberia-
Snowden pelo mundo. manha. Nas negociações de gás natural ropa-Ásia. Pela estrada Trans-Siberiana, na. (Asia Times Online)
Como mais meia dúzia de pregos no Reprodução
esquife da imprensa-empresa estadu-
nidense, o New York Times publicou o
editorial – há quem diga que teria sido
‘sugerido’ pela Casa Branca –, no qual
tenta justificar o cancelamento do en-
contro: “O sr. Putin é líder repressivo e
arrogante, que trata o próprio povo com
desprezo.” É. E a Branca de Neve mora
na Casa Branca.

“Os EUA são incapazes de


construir relações sobre
bases igualitárias”

Trans-Siberiana
O alarido adolescente de Obama nada
tem a ver com a Guerra Fria. Para co-
meçar, os EUA e as Rússia dependem
crucialmente um do outro em uma vas-
ta lista de questões. Mas nesse fim de
semana, alguns adultos estarão discu-
tindo essas questões em Washington,
pelo menos no plano teórico, quando o
ministro de Relações Exteriores Sergei O Expresso Trans-Siberiano, caminho mais barato e mais rápido para a Ásia
16 de 15 a 21 de agosto de 2013 áfrica

Camponeses erguem suas vozes


e mudam o jogo no ProSavana Via Campesina/GRAIN

RESISTÊNCIA
Tendo como referência
o Prodecer, implantado
no Cerrado brasileiro,
o ProSavana seria mais
um caminho para
ampliar os lucros das
grandes transnacionais
do setor agrícola

Fátima Mello
de Maputo (Moçambique)

TERMINA EM MAPUTO, capital de


Moçambique, a Conferência Triangu-
lar dos Povos frente ao ProSavana. O
evento, realizado nos dias 7 e 8 de agos-
to, mudou o jogo que até há pouco tem-
po era amplamente favorável às corpo-
rações do agronegócio brasileiro e às
transnacionais.
Em 2009, os governos do Brasil, Ja-
pão e Moçambique assinaram um Me-
morando de Entendimento para im-
plantar o ProSavana, um megaprograma
que visa levar o pacote da chamada “Re-
volução Verde” para o norte de Moçam- Homem caminha ao lado dos trilhos do Corredor de Nacala, território que pertence a mais de quatro milhões de camponeses
bique, na área de cerca de 14 milhões de
hectares que hoje é conhecida como Cor- sando socializar informações sobre os Passaram a pressionar os três tos representantes do governo moçam-
redor de Nacala. riscos dos planos das corporações. Bus- bicano presentes. As propostas das orga-
Para tal, contrataram a Fundação Ge- caram alianças com parceiros no Brasil governos pelo direito a informação nizações camponesas estão explicitadas
túlio Vargas (GV Agro), o instituto de e no Japão buscando estabelecer ações e a serem consultados na Carta Aberta de maio de 2013, den-
pesquisas ligado às grandes corpora- de pesquisa, monitoramento e incidên- tre elas “Que todos os recursos humanos,
ções da agricultura industrial, para ela- cia comuns. Visitaram e documentaram materiais e financeiros alocados ao Pro-
borar o Plano Diretor que definirá como a área do Prodecer no Cerrado brasileiro grama ProSavana sejam realocados na
ocorrerá a exploração daquele rico ter- onde construíram alianças com as orga- aos Presidentes de Moçambique, Brasil e definição e implementação de um Plano
ritório. Tudo parecia se encaminhar pa- nizações que ali fazem a resistência con- Primeiro-Ministro do Japão, divulgada Nacional de Apoio a Agricultura Familiar
ra se tornar um grande negócio para as tra os monocultivos de soja, cana e milho em maio de 2013. sustentável (sistema familiar)”.
corporações, chancelado pelas agências voltados para exportação e envenenados A mais recente iniciativa foi a realiza- A carta reivindica também que o go-
de cooperação e por financiamentos de por agrotóxicos. ção desta Conferência Triangular dos Po- verno moçambicano priorize a sobera-
bancos públicos que alimentam interes- Passaram a pressionar os três governos vos, que contou com a participação de nia alimentar, a agricultura de conserva-
ses privados. Uma missão de empresá- pelo direito a informação e a serem con- parceiros do Brasil e Japão e com uma ção e agroecológica como as únicas solu-
rios da Confederação Nacional da Agri- sultados. Elaboraram uma pauta comum ampla representação de organizações ções sustentáveis para a redução da fome
cultura (CNA), organizada pela Agência de lutas e proposições que está expressa camponesas de diversas províncias de e promoção da alimentação adequada.
Brasileira de Cooperação (ABC), visitou na Carta Aberta das Organizações e Mo- Moçambique que na ocasião fizeram ma-
o território. vimentos Sociais Moçambicanas dirigida nifestações contundentes frente aos al- Fátima Mello é diretora da FASE.
Tendo como referência o Prodecer,
implantado no Cerrado brasileiro pela
cooperação japonesa nos anos de 1980,
o grande negócio do ProSavana seria a
forma de avançar sobre a chamada no-
va fronteira agrícola do mundo, a Sava-
na africana, onde os lucros das grandes
transnacionais do setor agrícola pode-
A presença do Brasil em Moçambique
riam se ampliar ainda mais, associadas Via Campesina/GRAIN

ao agronegócio brasileiro e a empresas Enquanto a retórica das


japonesas.
diretrizes de política
Um megaprograma que visa externa anuncia uma
levar o pacote da chamada cooperação, na prática
“Revolução Verde” para o norte de
o país está exportando
seus históricos conflitos
Moçambique, na área de cerca de
domésticos
14 milhões de hectares
de Maputo (Moçambique)
Camponeses de Nacala
As empresas envolvidas e as agências Dos dois lados do Oceano Atlântico
de cooperação e investimentos que as as propostas da agricultura que garan-
representam não enxergaram porém o te a produção de alimentos para todos
que há de mais fundamental: o chama- são muito semelhantes. E são opostas
do Corredor de Nacala é um território ao modelo de agricultura que tem he-
que pertence a mais de quatro milhões gemonia política e econômica no Bra-
de camponeses que ali vivem, produzem sil, e que agora tenta ser exportado pa-
e se organizam. ra Moçambique.
Passados quatro anos desde a assina- O ProSavana é um caso emblemáti-
tura do Memorando de Entendimento co. A luta dos camponeses se insere em
entre os três governos, podemos afirmar um cenário global onde a África se tor- Camponeses em reunião contra a monocultura voltada para exportação e envenenada por agrotóxicos
que estes camponeses e camponesas, e nou um dos palcos da disputa por uma
as organizações que os representam, vi- nova correlação de forças no sistema in- crescente cooperação e os investimen- ameaças ao direito à terra, à segurança
raram o jogo. ternacional. Os BRICS buscam ampliar tos do Brasil estão tomando. Na ausên- e à soberania alimentar.
Ao verem a força de sua ligação com seu peso político e econômico frente às cia de um debate público e de um pro- Enquanto a retórica das diretrizes de
a terra e seus sistemas de produção de potências tradicionais e os membros do cesso decisório democrático sobre este política externa anuncia uma coopera-
base familiar e camponesa ameaçados, bloco – em especial Brasil e China - dis- componente crucial da política externa ção por demanda do receptor, solidarie-
fortaleceram sua organização e cons- putam entre si com suas empresas e in- do país, o ProSavana demonstra que há dade, horizontalidade, troca de conheci-
truíram alianças com entidades parcei- vestimentos a exploração de terra, mi- uma clara privatização das decisões em mentos e aprendizado mútuo, na práti-
ras dentro e fora de Moçambique, em nérios e outros recursos naturais em di- que instituições públicas atuam como ca o país está exportando seus históri-
especial no Brasil e no Japão. E os go- versos países do continente. encaminhadores dos interesses empre- cos conflitos domésticos. Melhor seria
vernos finalmente estão sendo obriga- Em Moçambique, o Brasil combina sariais, que por sua vez passam a con- se a política externa fosse uma política
dos a escutar o que os verdadeiros do- sua ala soft da cooperação técnica com fundir seus interesses com o chamado pública, aprovada pela sociedade e defi-
nos da terra no norte de Moçambique a pesada presença de empresas como a interesse nacional. nida por legislação que estabelecesse li-
têm a dizer. Vale – na exploração da segunda maior mites para a voracidade da Kátia Abreu
mina de carvão a céu aberto do mundo e sua turma e que valorizasse as ricas ex-
em Moatize, província de Tete –, a Ca- O ProSavana demonstra periências e propostas da agricultura fa-
Os governos finalmente margo Correa e a Odebrecht com gran-
que há uma clara miliar e camponesa que, afinal, é quem
des empreendimentos de infraestrutura coloca na mesa mais de 70 % dos ali-
estão sendo obrigados a como o aeroporto de Nacala. privatização das decisões mentos consumidos pelos brasileiros.
A presença do Brasil em Moçambique Na ausência de uma esfera públi-
escutar o que os verdadeiros não deixa dúvidas de que a cooperação em que instituições ca onde a disputa de rumos da polí-
donos da terra no norte de técnica, pesados investimentos na in-
públicas atuam como
tica externa, da cooperação e investi-
ternacionalização de empresas e a pro- mentos possam se processar, só res-
Moçambique têm a dizer moção comercial andam de mãos dadas encaminhadores dos ta a nós, entidades sociais brasileiras
e se reforçam mutuamente. E este pa- que defendem o direito à terra, à segu-
drão tende a se intensificar com a cria- interesses empresariais rança e soberania alimentar no Brasil e
ção do banco dos BRICS, que terá co- no mundo, lutar, resistir, dentro e fora
As organizações que representam os mo uma de suas prioridades o financia- do país, em aliança com nossos parcei-
camponeses do norte de Moçambique mento de empreendimentos de infraes- ros internacionais, para que os usinei-
desencadearam iniciativas em diversas trutura na África. O Brasil passa, assim, a ser ‘represen- ros e as corporações da soja e do fran-
frentes. Intensificaram diálogos e pro- O ProSavana é o sinalizador das mui- tado’ pela sua cooperação e investimen- go que tanto mal fazem às maiorias no
cessos de formação com as comunida- tas pautas a serem enfrentadas pelos tos nos países receptores com os pio- Brasil não façam o mesmo contra povos
des ao longo do Corredor de Nacala vi- que querem questionar os rumos que a res padrões de violações de direitos e de irmãos na África. (FM)

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