Você está na página 1de 76

Aula 1 - NOÇÕES BÁSICAS DE GÊNERO E DESIGUALDADES

ESTRUTURAIS

Conceitos importantes porque boa parte da legislação utiliza esse indicador.

Gênero: homens e mulheres são diferentes não apenas bio/fisiologicamente. Esse


conceito envolve questões culturais e papéis sociais e comportamentais. Inclui o conceito
de transgênero (pessoa que não se identifica com o gênero do nascimento, pouco
importando a mudança corporal) e cisgênero (pessoa que se identifica com o gênero do
nascimento).

Desigualdades estruturais: hierarquia de poder.

a) Divisão sexual do trabalho: mulheres são tidas como mais aptas aos papéis
domésticos e os homens aos papéis públicos.
b) Nem toda mulher sofre igualmente. Há circunstâncias que agravam as opressões,
como questões de raça, classe social, orientação sexual, territoriais.

Como o gênero se reflete nas desigualdades estruturais?

Mapa da violência:

 Uma mulher é estuprada a cada 9 minutos no Brasil.


 Três mulheres são assassinadas por dia no Brasil por conta da sua condição de
gênero.
 Uma mulher registra agressão sob a Lei Maria da Penha a cada 2 minutos.

Mercado de trabalho (Consultoria Korn Ferry, OIT, MTE)

 Mulheres ocupam apenas 16% do universo total dos cargos de liderança; 5% das
grandes empresas possuem uma mulher na presidência.
 Quase metade das empresas brasileiras – 45% delas – não tem sequer uma mulher
entre seus diretores. Isso em um cenário em que mulheres á são maioria a concluir
o ensino superior (60%).
 52% das mulheres já sofreu assédio sexual no ambiente de trabalho.
 42% das mulheres informa á ter sido assediada na rua ou no transporte público.
 Cerca de 67% das estudantes informa já ter sofrido violência sexual no ambiente
acadêmico.
 27% de estudantes universitários responderam que não achavam errado abusar de
uma mulher embriagada.
AULA 2 - HISTÓRICO LEGISLATIVO E JURÍDICO DA MULHER NO
BRASIL

Por que precisamos de legislação específica de proteção à mulher?

Há muitas leis que tratam da situação da mulher na sociedade. Focaremos nos direitos
políticos e civis e na proteção penal da mulher, especialmente, sua dignidade sexual.

No que toca os direitos políticos e civis das mulheres, uma grande conquista foi o direito
ao voto em 1932. Atualmente, apenas cerca de 10% das cadeiras legislativas são ocupadas
por mulheres.

Até o começo desse século, estava em vigor o CC de 1916. Esse código colocava a mulher
em relação de submissão ao homem, que era o chefe da sociedade conjugal. A mulher
casada era considerada relativamente incapaz e precisava da autorização do parido para
pratica de atos da vida civil.

Exemplos do CC 1916.

Art. 233. O marido é o chefe da sociedade conjugal.

Compete-lhe:

I. A representação legal da família.

II. A administração dos bens comuns e dos particulares da mulher, que ao marido competir
administrar em virtude do regime matrimonial adaptado, ou do pacto antenupcial (arts. 178, § 9º,
nº I, c, 274, 289, nº I, e 311).

III. direito de fixar e mudar o domicílio da família (arts. 46 e 233, nº IV).

IV. O direito de autorizar a profissão da mulher e a sua residência fora do tecto conjugal (arts. 231,
nº II, 242, nº VII, 243 a 245, nº II, e 247, nº III).

V. Prover à manutenção da família, guardada a disposição do art. 277.

Art. 242. A mulher não pode, sem autorização do marido (art. 251):

I. Praticar os atos que este não poderia sem o consentimento da mulher (art. 235).

II. Alienar, ou gravar de onus real, os imóveis de seu domínio particular, qualquer que seja o regime
dos bens (arts. 263, nº II, III, VIII, 269, 275 e 310).

III. Alienar os seus direitos reais sobre imóveis de outra.

IV. Aceitar ou repudiar herança ou legado.

V. Aceitar tutela, curatela ou outro munus público.


VI. Litigiar em juízo civil ou comercial, anão ser nos casos indicados nos arts. 248 e 251.

VII. Exercer profissão (art. 233, nº IV).

VIII. Contrair obrigações, que possam importar em alheação de bens do casal.

IX. Aceitar mandato (art. 1.299).

O CC e a jurisprudência da época em que ele estava em vigor, faziam ingerências também


sobre a sexualidade da mulher. Caso ela não fosse virgem, o homem poderia anular o
casamento. O casamento poderia ser anulado também caso a mulher se negasse a ter
relações sexuais com o marido; compreendia-se o sexo como direito do marido e dever
da mulher. O homem poderia cobrar isso da mulher; hoje isso é entendido como estupro.

CC 1916:

Art. 219. Considera-se erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge:

IV. O defloramento da mulher, ignorado pelo marido

CC 2002: alguns advogados tentam significar os termos honra e boa fama para uma
interpretação próxima do art. 219, CC/1916.

Art. 1.557. Considera-se erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge:

I - o que diz respeito à sua identidade, sua honra e boa fama, sendo esse erro tal que o seu conhecimento
ulterior torne insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado;

Em 1962, foi publicado o Estatuto da Mulher casada. Essa lei trouxe alguns direitos para
a mulher, de modo que a mulher que casa deixa de ser relativamente incapaz para ter
capacidade plena; a mulher pode contestar o marido dentro da sociedade conjugal, mas o
homem continuava sendo o chefe da família.

Em 1977, foi promulgada a lei do divórcio. A mulher passou a poder separar-se e casar
novamente; não seria mais obrigada a adotar o sobrenome do marido. Com o divórcio,
criou-se a figura da culpa, ou seja, só era possível o divórcio em duas situações: quando
fosse consensual ou quando houvesse a culpa por um dos cônjuges. Esta figura era muito
pejorativa para a mulher porque o cônjuge considerado culpado sofria algumas
penalidades: a perda do direito de pensão alimentícia, a perda da guarda dos filhos e a
perda do direito de adotar o sobrenome do outro cônjuge.

A análise da culpa reproduzia estereótipos de gênero. Por exemplo, o homem que traía
estava violando o dever de fidelidade do casamento, mas esse comportamento praticado
pelo homem é considerado natural socialmente.

A EC 66/2010 facilitou o procedimento do divórcio e fez com que não se discutisse mais
a figura da culpa. Hoje, basta que qualquer uma das partes queira se divorciar. Alguns
advogados, no entanto, se valem dessa figura até hoje, impregnando o processo de
estereótipos de gênero.

Em 1988, com a CF, houve a consagração de igualdade de direitos e deveres entre homens
e mulheres, no art. 5°, I, CF.

Em relação à proteção penal da mulher, especialmente no que diz aos direitos sexuais e
reprodutivos, é importante mencionar que o nosso código penal data de 1940, de modo
que traduz toda a moralidade daquela época.

Quando tratamos da questão penal, tratamos da proteção dos bens jurídicos. Até 2009, o
capítulo do código penal que tutelava o bem jurídico da dignidade sexual não era chamado
de crimes contra a dignidade sexual, mas sim, crimes contra a moralidade e os costumes,
pois o que se tutelava realmente não era a liberdade ou dignidade sexual da mulher, mas
sim a moralidade. A proteção da mulher, portanto, dependia de a mulher fosse honesta,
virgem, solteira ou casada. Desde 2005, houve algumas alterações legislativas nesse
entendimento.

Até 2005 Após a lei 11.106/2005 Após a lei 12.015/2009

Posse sexual mediante Posse sexual mediante Violência sexual


fraude fraude mediante fraude

Art. 215. Ter conjunção Art. 215. Ter conjunção Art. 215. Ter conjunção
carnal com mulher carnal com mulher carnal ou praticar outro ato
honesta mediante fraude: mediante fraude: libidinoso com alguém,
mediante fraude ou outro
Pena - reclusão, de um a meio que impeça ou
três anos. dificulte a livre
manifestação de vontade
Parágrafo único. Se o
da vítima:
crime é praticado contra
mulher virgem, menor de Pena - reclusão, de 2 (dois)
18 anos e maior de 14 a 6 (seis) anos.
anos.
Parágrafo único. Se o
Pena – reclusão, de dois a crime é cometido com o
seis anos. fim de obter vantagem
econômica, aplica-se
também multa.

Atentado ao pudor Atentado ao pudor Revogado


mediante fraude mediante fraude

Art. 216 – Induzir mulher Art. 216 – Induzir


honesta, mediante fraude, alguém, mediante fraude,
a praticar ou permitir que a praticar ou submeter-se à
com ela se pratique ato pratica de ato libidinoso
libidinoso diverso da diverso da conjunção
conjunção carnal. carnal.

Sedução Revogado.

Art. 217 – Seduzir


mulher virgem menor de
dezoito anos e maior de
quatorze, e ter com ela
conjunção carnal,
aproveitando-se de sua
inexperiência ou
ustificável confiança.

Pena – reclusão, de dois a


quatro anos.

Rapto violento ou Revogado.


mediante fraude

Art. 219 - Raptar mulher


honesta, mediante
violência, grave ameaça ou
fraude, para fim
libidinoso:

Pena - reclusão, de dois a


quatro anos.

Diminuição de pena

Art. 221 - É diminuída de


um terço a pena, se o rapto
é para fim de casamento, e
de metade, se o agente,
sem ter praticado com a
vítima qualquer ato
libidinoso, a restitue à
liberdade ou a coloca em
lugar seguro, à disposição
da família.

Extinção da punibilidade Revogado.

Art. 107 - Extingue-se a


punibilidade:

VII - pelo casamento do


agente com a vítima, nos
crimes contra os costumes,
definidos nos Capítulos I,
II e III do Título VI da
Parte Especial deste
Código;

VIII - pelo casamento da


vítima com terceiro, nos
crimes referidos no inciso
anterior, se cometidos sem
violência real ou grave
ameaça e desde que a
ofendida não requeira o
prosseguimento do
inquérito policial ou da
ação penal no prazo de 60
(sessenta) dias a contar da
celebração;

Até 2005, ficaria a cargo do juiz, decidir se a mulher era honesta ou não. Com os casos
apontados de extinção de punibilidade, fia claro que não se tutelava a dignidade e
liberdade sexual das mulheres, mas sim sua moralidade, pois uma mulher violentada
“perdia seu valor de mercado” com a honra manchada, poderia ser que ninguém quisesse
se casar com ela. Se ela conseguisse se casar, ainda que com o estuprador, o mal em
questão seria remediado. Tenso!

Até 2009, apenas considerava-se crime de estupro a conjunção vaginal entre homem e
mulher. Os outros atos libidinosos (inclusive a conjunção anal) eram considerados menos
graves e enquadravam-se no crime de atentado violento ao pudor. Logo, apenas mulheres
poderiam ser vítimas do crime de estupro, pois uma mulher estuprada poderia perder seu
hímen ou iniciar uma gravidez, condições que a prejudicavam de conseguir um
casamento. A partir de 2009, o signo de violência sexual passou a abranger qualquer
forma de violência, que foram consideradas igualmente graves. Com a lei de 2009,
também houve uma mudança na ação penal (módulo 3), que passou a ser pública
condicionada à representação.

A Lei 13.718/18 traz alterações no capítulo dos crimes contra a dignidade sexual, criando
duas figuras penais novas: a de importunação sexual (que serve para proteção da
dignidade sexual em caso de assédio em espaços públicos) e o crime de divulgação sem
consentimento de imagens íntimas (pornografia de vingança). Essa lei aumentou a pena
nos casos de estupro coletivo e corretivo e também quando o crime é cometido por pessoa
que é próxima da vítima, parente ou companheiro.

Leis especiais de proteção à mulher: Lei Maria da Penha e Lei do Feminicídio.


Teremos aulas inteiras para cada uma das duas leis.
AULA 3 - NOÇÕES DE EMPATIA E ATENDIMENTO ÀS CLIENTES
MULHERES E SUAS DEMANDAS

Empatia é sentir junto com a pessoa com quem nos comunicamos; é vestir os sapatos da
outra pessoa; ver sua perspectiva; não julgar o sentimento alheio como algo menor,
desimportante; não diminuir o problema alheio; questionar sobre o que a pessoa está
sentindo; tentar entender o sentimento do outro para nos conectarmos.

Como advogadas, somos procuradas por pessoas que nos apresentam problemas e, de
uma forma geral, nossa intenção sempre é apresentar logo uma solução. Contudo, quando
estamos fora da situação, sem sentir exatamente como a pessoa, sem entender as
circunstâncias em que a pessoa está inserida, ou quais as implicações emocionais de
determinada decisão, para nós pode parecer fácil tomar determinado caminho 1 ou 2. Na
prática, sem o exercício da empatia, fica difícil conseguir opinar de uma maneira
qualificada.

No atendimento inicial, a pessoa não procura a advogada apenas pelos seus serviços,
mas também para alinhar emocionalmente o que está sentindo, expressar
determinada preocupação e tentar sozinha tomar uma decisão. Tudo que a pessoa
não precisa é alguém que direcione sua vida ou expresse opiniões que possam feri-la em
sua vulnerabilidade. É importante que entendamos que a empatia é uma escolha, que nos
coloca também em uma situação de vulnerabilidade, pois olhamos para a nossa própria
história que sejam similares ao que a pessoa está relatando. Assim, nem sempre
precisamos ter uma resposta pronta para a pessoa. Podemos escutar, identificar o
problema jurídico que a pessoa está nos endereçando, apontar direções e mencionar
direitos e validar o que a pessoa está sentindo. Isso pode ser um primeiro passo
importante para o estabelecimento de um vínculo de confiança.

Exemplos práticos:

1) Vítimas de violência sexual: supondo que a pessoa opte por tomar uma decisão
rápida em termos de denúncia, que consiga reconhecer a violência sofrida (o que
é um grande passo), e naquele momento de dor, tome a dianteira em procurar uma
delegacia para fazer uma denúncia, ela muito provavelmente está com os ânimos
à flor da pele, se sentindo muito vulnerável, constrangida, revivendo a violência
sofrida para entender onde foi que ela errou ou se foi uma violência mesmo (afinal
vivemos em uma sociedade em que esse tipo de questionamento é muito comum
e muitas vezes as instituições procuradas, reproduzem esses estereótipos
machistas, fazendo com que os receios da vítima falsamente se confirmem).

Em termos práticos, a vítima chega à delegacia, pega uma senha, e é muito


comum, que nesse momento, apareça um escrivão de polícia perguntando-lhe o
que traz ela aqui hoje. E essa mulher, constrangida, falando baixa, demonstrando
o desconforto do que ela está sentindo naquele momento, sussurra que sofreu uma
violência sexual. Infelizmente, é comum que o profissional não entenda que ela
precisa ir para um local mais reservado, que não tenha que ficar repetindo várias
vezes a história, mas ele toma outra atitude problemática que é chamar outro
investigador de polícia ou o escrivão ou o delegado, em alto e bom som para todos
ouvirem, para ouvirem a vítima, sem lavrar termo, porque nessa indagação ele
está examinando se abrirá espaço para registrar ou não a ocorrência.

Da vítima, então, nesse contexto (quase de fofoca, querendo saber o que


aconteceu, que tipo de roupa ela estava vestindo, se ela estava embriagada ou não,
se ela disse não, se em algum momento ela quis: perguntas muito inapropriadas),
é exigida uma resiliência e uma força anterior para aguentar o termino do
procedimento e aguentar por algumas horas na fila até ser atendida, contar tudo
de novo e ser encaminhada para um atendimento de saúde. Ter empatia é, ouvindo
esse relato, entender que tudo que aquela mulher precisava nesse momento é
cuidado e paciência. O profissional deveria conferir sigilo, dispensar as perguntas
discriminatórias naquele momento. Não cabe ao escrivão examinar o direito à
lavratura do registro de ocorrência, que todos têm. Esse procedimento contribui
para a subnotificação que existe para esse tipo de violência.

2) Como lidar com as clientes que chegam ao escritório? Como advogada,


primeiramente, é importante deixar claro que tudo que ela contar, ficará só entre
nós; que ela pode se abrir; que ali será um terreno livre de julgamentos; que
não cabe a nós entender ou avaliar se o que o que ela fez é certo ou errado; e
deixarmos claro que, quanto mais informações nós tivermos, mais condições nós
teremos de ajudá-la.

Em segundo, é importante anotar, havendo autorização, atenciosamente o que é


narrado, a fim de obter o máximo de informação e evitar perguntar de novo o que
foi relatado no futuro. Em terceiro, devemos deixar a pessoa contar o caso na
ordem que ela quiser, pois a memória é constituída para cada pessoa de maneiras
diferentes, assim, pode parecer que não tem muito sentido a ordem dos fatores
como a pessoa está apresentando, mas é a ordem necessária para aquela pessoa
reconstruir a sua memória. Com isso, embora muitos dos episódios que a pessoa
narre não tenham relevância jurídica, se está sendo trazido, é importante que
tenhamos uma escuta humana naquele momento.

No máximo, podemos direcionar algumas perguntas, porque a pessoa não tem


obrigação de saber o que é relevante juridicamente. Se sentirmos que devemos
fazer uma pergunta mais delicada porque isso vai afetar o andamento jurídico do
processo, como saber se uma pessoa vítima de violência sexual estava sob efeito
de drogas, embriagada (porque isso altera o tipo), devemos fazer questão de
explicar porque fazemos essa pergunta.
Além disso, não cabe a nós, enquanto patronas, tomar o lugar de fala e local de
denúncia. Claro que pode ser frustrante ver uma pessoa em situação de violência
doméstica, por exemplo, envolvida naquele ciclo, com dificuldade de romper
aquela relação, em risco, vulnerável. Porém, não cabe a nós decidir que é o caso
de fazer denúncia ou apressá-la, a não ser que haja risco eminente de morte e
precisemos falar de forma um pouco mais assertiva. Nos demais casos, o mais
importante é acolher, informar, orientar sobre as possibilidades jurídicas,
deixando à pessoa a escolha de quando e qual medida tomar. Só a pessoa sabe as
circunstâncias em que se encontra, o contexto emocional. As histórias são sempre
parciais. No Brasil, as pessoas não têm cultura de procurar uma advogada/o, então
se a pessoa chegou nós, ela está numa situação de delicadeza, insegura por causa
de uma burocracia que ela não conhece.

Se a pessoa optar por não tomar qualquer medida judicial, devemos respeitar (não
cabe a nós avaliarmos se é uma boa decisão ou não) e deixar claro que, caso mude
de ideia, pode buscar seus direitos, mesmo que não conosco e com outro
profissional. A ideia é que ela saiba que os nossos serviços, a advocacia e o poder
judiciário têm como ampará-la. A nossa função é dá um suporte jurídico, deixando
claro seus direitos, o que ela não deve fazer, que tipos de cuidados ela deve tomar.
Muitas vezes, essas funções se confundem. Em um caso de divórcio, por exemplo,
a pessoa pode estar se sentindo muito sozinha, precisando de amparo emocional,
e quando a advogada oferece um suporte e confiança, pode ser que ela entenda
que a advogada pode suprir outros papéis além da assistência jurídica.

É claro que o direito é nossa formação profissional e o que temos a oferecer, nós
não temos capacitação de psicóloga, assistente social, amigas necessariamente,
mas não precisamos fechar os ouvidos quando a pessoa efetivamente precisar de
um amparo. Por outro lado, também compete a nós estabelecer certos limites.
Qualquer pessoa que atue com profissionalmente com pessoas em situação de
vulnerabilidades e violência pode imaginar que esses limites fiquem um tanto
confusos, e a pessoa nos procure em momentos inoportunos, exija demais de nós,
queira uma atenção que sejamos incapazes de oferecer porque temos outros casos
e uma vida particular. Portanto, precisamos impor esses limites entendendo
quando é realmente necessário escutar a cliente (ex.: esse é nosso horário de
trabalho, eu estou disponível pelos seguintes meios de contato, se houver uma
emergência, nós iremos atender).

3) Como enquanto profissionais, que atuamos nesta área tão delicada, fazemos para
lidar com nossa própria saúde emocional? Essa pergunta tem a ver com o fato de
que pode ser que no exercício da empatia podemos acessar dores antigas, acessar
traumas ainda não resolvidos; pode ser que uma parte da história da cliente tenha
ressonância com a nossa própria, o que é muito positivo no sentido de construção
de vínculo, de empatia, mas pode significar um desgaste emocional. A sugestão
apresentada é formar parcerias: (1) construir redes para diálogo sobre estratégicas
jurídicas e novas teses, assim como, respeitando o sigilo profissional, conversar
sobre os casos para que a gente possa, enquanto pessoas, absorver melhor a
narrativa; (2) buscar atividades terapêuticas.
[Texto da Theresa Wiseman - pdf]
AULA 04 - INTRODUÇÃO À LEI MARIA DA PENHA1

O Brasil ratificou a Convenção interamericana para prevenir, punir e erradicar a


violência contra a mulher (Convenção Belém do Pará). A partir do que dispõe essa
Convenção, o Brasil se compromete a criar instrumentos normativos, recursos jurídicos
e outras políticas públicas para mudar a realidade das mulheres e fazer com que tenham
mais segurança.

Contexto de aprovação da Lei Maria da Penha

Maria da Penha Maia Fernandes era farmacêutica, professora universitária cearense, que
foi casada por muito tempo com um professor universitário colombiano. Em 1983, ela
sofreu duas tentativas de feminicídio. Na primeira, levou um tiro na nuca enquanto dormia
em uma situação de assalto, e ficou paraplégica. Após meses de recuperação, quando
retornou ao seu lar conjugal, sofreu a segunda tentativa de feminicídio, quando ele tentou
eletrocutá-la quando estava na banheira. Ela denunciou os episódios judicialmente e
quando se aproximava o prazo de prescrição da pretensão punitiva sem uma resposta do
judiciário, em 1999, o Cladem (organismo internacional de defesa das mulheres2) entrou
com uma reclamação na Comissão Interamericana de Direitos Humanos para que o Brasil
fosse investigado e pudesse oferecer resposta ao caso da Maria da Penha.

Em 2002, o Comitê da OEA ofereceu recomendações para o Brasil, dentre elas, de que o
Brasil criasse uma legislação específica de combate à violência doméstica. Antes, a
maioria dos casos de violência doméstica resultava em transações penais por causa da lei
dos juizados especiais e as mulheres ficavam desassistidas. Também em 2002, o agressor
de Maria da Penha foi condenado e cumpriu sua pena por 2 anos. Desde 2004, está em
liberdade.

1. Vítimas dos crimes da Lei Maria da Penha: mulheres cis ou trans.

Art. 5°. Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e


familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no
gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou
psicológico e dano moral ou patrimonial:

2. Agentes dos crimes da Lei Maria da Penha: qualquer pessoa.

1
Lei Maria da Penha disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-
2006/2006/lei/l11340.htm>
Vide Dossiê mulher 2019. Disponível em <http://www.isp.rj.gov.br/Conteudo.asp?ident=48>.
2
O CLADEM é uma rede internacional de ONGs de organizações e ativistas de mulheres. Foi estabelecido
em 3 de julho de 1987, em San José, Costa Rica.
3. Quais tipos de crimes?

Art. 5°. I - no âmbito da unidade doméstica,


compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas,
com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente
agregadas;

II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade


formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados,
unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor


conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente
de coabitação.

Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo


independem de orientação sexual.

Art. 6°. A violência doméstica e familiar contra a mulher


constitui uma das formas de violação dos direitos humanos.

4. Tipos de violência

Art. 7°. São formas de violência doméstica e familiar contra a


mulher, entre outras:

I - a violência física, entendida como qualquer conduta que


ofenda sua integridade ou saúde corporal;

II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que


lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe
prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise
degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e
decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação,
manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição
contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade,
ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou
qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e
à autodeterminação; (Redação dada pela Lei nº 13.772, de 2018)

III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a


constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual
não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da
força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer
modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método
contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto
ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou
manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos
sexuais e reprodutivos;

IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta


que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de
seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais,
bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os
destinados a satisfazer suas necessidades;

V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que


configure calúnia, difamação ou injúria.

Obs.: Nem todas as formas de violências descritas nesta legislação são crimes.

Ciclo da violência doméstica: os ciclos se repetem em intervalos mais curtos de tempo


e de forma mais violenta.

1. Lua de mel: o casal está se conhecendo, ambos estão bastante entregues um ao


outro.
2. Fase de tensão: conflitos do dia a dia passam a ter mais relevância, receio de
brigas.
3. Explosão: violência fulminante. Essa primeira explosão tende a ser mais leve
(humilhação, xingamento, ameaça). Em seguida o agressor tem vários
comportamentos visando apaziguar a relação (desculpas, arrependimento, culpa
na companheira).

As medidas protetivas de urgência trazidas pela lei buscam empoderar a mulher vítima
de violência doméstica para que saia desse ciclo.

Como reconhecer uma situação de violência doméstica?

 Atenção aos tipos de violência que a lei prevê. Obs.: incluindo a violência digital.

 Geralmente ocorre na esfera do direito de família, divórcio, separação.

 Ex.: sua cliente te procura para dizer que o ex-marido, de quem ela está se
divorciando, conseguiu subtrair os bens de sua casa, inclusive os bens particulares
dela. Esse caso poderia ser resolvido dentro do próprio processo divórcio, mas a
Lei Maria da Penha, de forma clara, define que a subtração de bens é um tipo de
violência, cabendo uma medida protetiva de urgência para reaver os bens. Mesmo
que não se peça a medida protetiva, vale argumentar com base nessa legislação
no processo de divórcio para que o magistrado entenda a situação que aquela
família está vivenciando.

 Ex.: prestação de alimentos. É muito comum que o homem tenha renda e bens
para satisfazer uma eventual dívida alimentar e opte por não fazê-lo para
constranger a mulher a que se humilhe pedindo a pensão, fazer com que tenha que
procurar uma advogada e tenha esse ônus tanto financeiro quanto emocional de
acionar o judiciário para satisfazer seu direito. Essa situação é um crime
(abandono material) e um caso de violência doméstica patrimonial. É comum que
o comprovante tenha escrito “mesada da folgada”, “dinheiro dessa gorda”. Quem
milita na área da família, convive comumente com casos de violência doméstica
e quanto melhor dominarmos a legislação protetiva, mais conseguiremos importar
esses conceitos. A Lei Maria da Penha é uma lei hibrida e não apenas penal.
Contem aspectos cíveis, trabalhistas, de modo que atuar de maneira mais
informada pode ajudar bastante na prática.
AULA 05 - MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA

As medidas protetivas de urgência são a principal inovação da Lei Maria da Penha e estão
listadas em seu art. 8°.

O que são as medidas protetivas de urgência?

Artigo 7º (obrigações dos estados) da Convenção Interamericana para prevenir, punir e


erradicar a violência contra a mulher. Os Estados-partes condenam todas as formas de
violência contra a mulher e concordam em adotar, por todos os meios apropriados e sem
demora, políticas orientadas e prevenir, punir e erradicar a dita violência e empenhar-se
em: adotar medidas jurídicas que exijam do agressor abster-se de fustigar, perseguir,
intimidar, ameaçar, machucar, ou pôr em perigo a vida da mulher de qualquer forma que
atente contra sua integridade ou prejudique sua propriedade;

Medidas de caráter cautelar com objetivo de garantir integridade e segurança das


mulheres. Elas obrigam (ex.: prestar alimentos) ou impõem que o agressor deixe de fazer
algo (ex.: não pode vender os bens, se aproximar, entrar em contato). As medidas podem
ter natureza penal ou cível. Sua concessão independe da existência de um crime. Basta
haver risco e violência para que a mulher possa pleiteá-las.

O rol, embora extenso, não é taxativo, pois apesar de mapear diversos cenários de
violência possíveis, pode ser que haja algum caso específico que não seja abarcado por
ela.

Das Medidas Protetivas de Urgência que Obrigam o Agressor: art. 22, Lei 11.340/06.

Obs.: IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de


atendimento multidisciplinar ou serviço similar; → apenas nos casos em que a violência
também atinja os filhos, porque o judiciário entende que a violência contra a mulher se
difere da violência contra os filhos.

Das Medidas Protetivas de Urgência à Ofendida: art. 23 e 24 (este último sobre sua
proteção patrimonial), Lei 11.340/06.

Ex. de solicitação de medida protetiva específica: uma cliente do Braga e Ruzzi sofria
ataques virtuais por meio de perfis falsos. A medida protetiva pedida foi para que o
agressor fosse impedido de criar perfis falsos e ficasse adicionando a vítimas
incessantemente nas redes sociais. Basta demonstrar a relevância do pedido protetivo.
Como pedir uma medida protetiva de urgência?

1. Diretamente na delegacia, no momento da lavratura do registro de ocorrência. O


delegado tem 24hs para remeter esse pedido ao juiz competente, que tem 48hs
para decidir o pedido. E se o delegado não quiser lavrar o pedido?
2. Requerimento no Ministério Público.
3. Requerimento em juízo. Vista com estranhamento pelos operadores do direito,
sendo a segunda via mais comum. Esta terceira via é conveniente para casos sui
generis. Nesse processo é possível instruir com mais provas, discutir com o
magistrado. Se houver resistência por parte do juiz, é possível requerer uma
audiência de justificação, para que o magistrado ouça o depoimento da vítima.

Se na comarca não houver juizado de violência doméstica, a competência residual


mais adequada são as varas criminais.

Que tipo de provas devemos utilizar para instruir nesse pedido?

Embora o STJ tenha consolidado a tese de que a palavra da vítima nos casos de violência
doméstica tem especial relevância, isso não significa que apenas com a palavra da vítima
será conseguida uma medida protetiva. De modo geral, a cultura do judiciário é não
conceder tais medidas sem um mínimo probatório da ocorrência da violência.

Ex.: Testemunhas diretas (oculares) ou indiretas (apesar de não ter testemunhado, viu os
efeitos que a violência causou na vítima ou soube assim que encontrou com a vítima o
que tinha ocorrido); prints de conversas com ofensas, ameaças, ligações incessantes.

É importante que o pedido esteja bem instruído, pois, havendo negativa, pode demorar
muito para que haja a concessão posteriormente.

Rito processual

 Inquérito: procedimento administrativo investigativo, conduzido pela polícia civil


(na delegacia) para apurar as condições do fato para verificar se há indícios de
autoria e materialidade do fato. Uma vez encerrado, é encaminhado ao MP para
que decida se é o caso de oferecimento da denúncia ou não. Sendo oferecida a
denúncia, tem início a ação penal.

 Medida protetiva: trata-se de um procedimento de natureza cautelar. Muitas vezes


fica apensada a um processo principal, mas tem um rito próprio. Após o pedido
da ofendida, se houver deferimento, a vítima e o agressor serão intimados
pessoalmente para que possam tomar ciência dos fatos e o agressor saiba da
obrigação imposta. Caso não haja nenhum tipo de impugnação, ela se estabilizará
por algum tempo, não há data de validade. Alguns tribunais, como o TJ-DF,
entendem que a medida protetiva tem que ter uma validade prevista na própria
decisão (em regra, de 90 dias). A tese majoritária é de que a medida protetiva é
válida até que seja dispensada, como no caso de arquivamento do inquérito
policial, conclusão da ação penal. Buscamos mudar tal entendimento, já que a
medida protetiva nem sempre tem fundamento na prática de um crime, (basta que
haja violência ou risco contra a mulher); além disso, o encerramento da ação penal
não necessariamente culmina com o fim do risco que a mulher sofre. Apesar disso,
é sempre possível pedir nova medida cautelar.

 Uma possibilidade! Ação civil de obrigação de não fazer com teor de medida
protetiva por tempo indeterminado sob pena de multa diária.

 Audiência de justificação

Essa audiência pode ser só para oitiva da vítima, só do agressor ou de ambos. A partir
dela o juiz pode ter mais elementos para decidir sobre é o caso de conceder a medida
protetiva.

 Intimação pessoal. Via oficial de justiça. A decisão só passa a valer com a devida
intimação oficial (é um risco uma ciência antecipada e não oficial, porque o
agressor pode se esquivar de receber a intimação, retardando o processo). Todos
os atos relativos ao agressor devem ser notificados a ele e à vítima por meio de
intimação pessoal, sem prejuízo de intimação do patrono.

Art. 21. A ofendida deverá ser notificada dos atos processuais


relativos ao agressor, especialmente dos pertinentes ao ingresso e
à saída da prisão, sem prejuízo da intimação do advogado
constituído ou do defensor público.

Parágrafo único. A ofendida não poderá entregar intimação ou


notificação ao agressor.

 Descumprimento da medida protetiva pela vítima. Ao mesmo tempo em que


se o agressor a descumprir pode sofrer determinadas sanções; a vítima não pode,
sob nenhuma hipótese, descumprir voluntariamente a medida protetiva porque
isso pode culminar no cancelamento da obrigação legal. Entende-se que a medida
protetiva pode impor sanções e obrigações. Se a vítima se sentir à vontade de
entrar em contato com o agressor, desmorona a tese da necessidade de proteção
judicial (defesa muito comum por parte dos homens).

 Descumprimento da medida protetiva pelo agressor. Cabe aos patronos


informar casos de descumprimento ao juiz competente ou ao MP ligado ao caso,
se houver. Importante que isso seja noticiado o quanto antes e que seja instruído
com sua comprovação.
CPP. Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será
admitida a decretação da prisão preventiva: (Redação dada pela
Lei nº 12.403, de 2011).

III - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a


mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com
deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de
urgência; (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).

Lei 11.340/06. Art. 20. Em qualquer fase do inquérito


policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva do
agressor, decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do
Ministério Público ou mediante representação da autoridade
policial.

Parágrafo único. O juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no


curso do processo, verificar a falta de motivo para que subsista,
bem como de novo decretá-la, se sobrevierem razões que a
justifiquem.

Obs.: Segundo Ruzzi, verifica-se na prática, especialmente em São Paulo, um


procedimento não estabelecido em lei: com o primeiro descumprimento da medida
protetiva, não sendo um descumprimento que ponha a vida da vítima em risco, há a
designação de uma audiência de advertência. Em caso de novo descumprimento, ele pode
ser preso.

 Descumprir medida protetiva, desde 2018, é crime.

Em 2008, a Lei 11.340 sofreu uma alteração (Lei 13.641) e tipificou criminalmente o
descumprimento da medida protetiva de urgência.

Art. 24-A. Descumprir decisão judicial que defere medidas


protetivas de urgência previstas nesta Lei: (Incluído pela Lei nº
13.641, de 2018)

Pena – detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos. (Incluído pela


Lei nº 13.641, de 2018)

§1°. A configuração do crime independe da competência civil ou


criminal do juiz que deferiu as medidas. (Incluído pela Lei nº
13.641, de 2018)

§2°. Na hipótese de prisão em flagrante, apenas a autoridade


judicial poderá conceder fiança. (Incluído pela Lei nº 13.641, de
2018)
§3°. O disposto neste artigo não exclui a aplicação de outras
sanções cabíveis. (Incluído pela Lei nº 13.641, de 2018)

Antes dessa alteração, a menos que houvesse a prática de qualquer outro crime durante o
descumprimento, poderia haver prisão preventiva. Apesar de a pena ser baixa, a fiança só
pode ser concedida por autoridade judicial, o que faz com que o agressor tenha que passar
por uma audiência de custódia, podendo esta prisão em flagrante ser relaxada (caso seja
ilegal), convertida em preventiva ou concedida liberdade provisória. Ademais, sendo um
crime autônomo, ensejará um inquérito policial específico para apurá-lo.
AULA 06 - ATUAÇÃO PRÁTICA E ASPECTOS PENAIS: TIPOS DE
CRIMES MAIS COMUNS E SEUS RITOS

Não devemos confundir o processo cautelar de medida protetiva com o processo


decorrente da violência em si. Aqui estudaremos o processo penal que ocorre por causa
da violência doméstica; não é um processo que visa resguardar a integridade física da
vítima. A Lei Maria da Penha é uma lei de competência hibrida e multidisciplinar,
abrigando questões pertinentes à assistência social, políticas públicas, saúde. Na área
jurídica, condensa diversas disciplinas, principalmente penal, cível, trabalhista e
previdenciário.

Por conta desta multidisciplinariedade, a lei previu a criação de juizados especiais que
devem tratar de maneira uniforme dessas questões, pois a violência em questão traz
impactos diversos e para que a proteção jurídica seja integral deve-se tratar os efeitos em
conjunto.

Art. 14. Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar


contra a Mulher, órgãos da Justiça Ordinária com competência
cível e criminal, poderão ser criados pela União, no Distrito
Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para o processo, o
julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de
violência doméstica e familiar contra a mulher.

Parágrafo único. Os atos processuais poderão realizar-se em


horário noturno, conforme dispuserem as normas de organização
judiciária.

Art. 33. Enquanto não estruturados os Juizados de


Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, as varas
criminais acumularão as competências cível e criminal para
conhecer e julgar as causas decorrentes da prática de violência
doméstica e familiar contra a mulher, observadas as previsões do
Título IV desta Lei, subsidiada pela legislação processual
pertinente.

Parágrafo único. Será garantido o direito de preferência, nas


varas criminais, para o processo e o julgamento das causas
referidas no caput.

Segundo Braga, na prática, em SP, os juizados de violência doméstica tratam apenas da


matéria penal. Isso porque o judiciário não tem estrutura para absorver todas as demandas.
Os pedidos de medida protetiva e os processos de natureza penal são suficientes para
inundar as varas. Mas isso não é uniforme. As demandas de matéria cível, família e outras
têm que ser processadas nas varas específicas. Cada estado lida com essa realidade de
formas diferentes. Logo, é importante saber nos cartórios se os juizados estão adotando a
competência híbrida ou não em cada comarca.

Qual a função do advogado em um processo penal de violência doméstica?

Muitos advogados confundem a atuação no processo penal com a atuação no processo


cautelar de medidas protetivas.

Art. 27. Em todos os atos processuais, cíveis e criminais, a


mulher em situação de violência doméstica e familiar deverá estar
acompanhada de advogado, ressalvado o previsto no art. 19 desta
Lei.

Art. 19. As medidas protetivas de urgência poderão ser


concedidas pelo juiz, a requerimento do Ministério Público ou a
pedido da ofendida.

§ 1°. As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas


de imediato, independentemente de audiência das partes e de
manifestação do Ministério Público, devendo este ser
prontamente comunicado.

Parte penal

A lei Maria da Penha cria apenas um tipo legal: o crime de descumprimento de medida
protetiva, adicionado por uma mudança legislativa ocorrida pela lei 13.641, de 2018.

Exercício de adequação do fato à norma: olhar para o CP e para a legislação penal


extravagante e identificar que tipo penal se adequa ao fato.

1. Em qual crime se enquadra a violência: crimes mais comuns (seguindo o


art. 7°):

Art. 7°. São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:

I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade
ou saúde corporal;

 Lesão corporal (art. 129, §9°, CP): forma qualificada.


 Vias de fato (art. 21 da Lei de Contravenções penais): agressão física mais leve.
 Feminicídio e feminicídio tentado (art. 121, inciso IV do CP/Lei 13.104/15)

II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano
emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno
desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos,
crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação,
isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem,
violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e
vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à
autodeterminação; (Redação dada pela Lei nº 13.772, de 2018)

 Presente em praticamente em todos os casos de violência doméstica. Funciona


como plano de fundo. Esse inciso é bem amplo, mas não é taxativo.
 A maior parte das condutas não configura crime no caso prático.
 Ameaça (art. 147, CP)
 Perturbação do sossego e da tranquilidade (art. 42, Lei de contravenções n°
3.688/41): quando o agente persegue, liga incessantemente, manda mensagens
com conteúdo perturbador (ameaça suicidar-se), p. ex.
 Cárcere privado (art. 148, CP): misto de violência física e psicológica. Ex.:
prender a vítima em um quarto.
 Constrangimento ilegal (art. 146, CP)
 Lesão à saúde (art. 129, CP. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem).
É preciso provar o nexo causal das doenças psicológicas (depressão, síndrome do
pânico) e das violências. Ex.: quando o agente mina a autoestima, busca
enlouquecer a mulher.

III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a


presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante
intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a
utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer
método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à
prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite
ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;

 Não só o estupro, mas todos os crimes contra os direitos sexuais e reprodutivos


da mulher.
 Importunação sexual (art. 215-A, CP): Novo (2018)!
 Divulgação de imagens íntimas sem consentimento (art. 218-C, CP): Novo
(2018)!
 Constrangimento ilegal (art. 146, CP): quando o agente não permite que a vítima
faça uso de métodos contraceptivos.

IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure


retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de
trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos,
incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;

 Furto (art. 155, CP)


 Extorsão (art. 158, CP)
 Apropriação indébita (art. 168, CP)
 Estelionato (art. 171, CP) e Estelionato afetivo (tem ganhado destaque na
jurisprudência, especialmente na esfera cível. Independe de quem é o agente e a
vítima. Implica que uma pessoa dentro da relação se aproveite de uma relação
amorosa, de uma vulnerabilidade emocional/afetiva para obter vantagem
indevida; ex.: homem aplica golpes em sua companheira que tem boa condição
financeira)
 Abandono material (art. 244, CP). Ex.: não pagamento de pensão alimentícia nos
casos devidos;
 Dano patrimonial (art. 163, CP). Ex.: destruição de objetos.

Obs.: Escusa absolutória: art. 181 e 182, CP. Estabelece que a ação se procederá
mediante representação, em desconformidade com a Lei Maria da Penha.

Art. 181 - É isento de pena quem comete qualquer dos


crimes previstos neste título, em prejuízo: (Vide Lei nº 10.741, de
2003)

I - do cônjuge, na constância da sociedade conjugal;

II - de ascendente ou descendente, seja o parentesco legítimo ou


ilegítimo, seja civil ou natural.

Art. 182 - Somente se procede mediante representação, se


o crime previsto neste título é cometido em prejuízo: (Vide Lei nº
10.741, de 2003)

I - do cônjuge desquitado ou judicialmente separado;

II - de irmão, legítimo ou ilegítimo;

III - de tio ou sobrinho, com quem o agente coabita.

→ Duas posições:

1. A Lei Maria da Penha invalidou esses dispositivos por ser incompatível com a
natureza das violências patrimoniais contra a mulher (Maria Berenice Dias)
2. Permanece em vigor, pois não houve revogação expressa (posição majoritária e
do STF)

V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia,


difamação ou injúria.

 Calúnia (art. 138, CP)


 Difamação (art. 139, CP)
 Injúria (art. 140, CP)
2. Qual a natureza da ação penal cabível? E em qual prazo?

Primeiramente, precisamos conhecer como funciona o processo penal. Em linhas gerais,


segue a seguinte cronologia (simplificadíssimo):

Fato criminoso → Registro de ocorrência ou auto de prisão em flagrante (notícia criminis)


→ inquérito policial (processo administrativo investigativo que ocorre no âmbito da
Polícia Civil; tem a finalidade de investigar a conduta criminosa, recolher as provas, os
indícios de autoria e materialidade, e informações sobre as circunstâncias do crime). →
envio do relatório ao MP → o promotor de justiça responsável decide entre: (1) iniciar a
persecução penal por meio da oferta de uma denúncia criminal ou (2) arquivar o processo.
Se a denúncia for ofertada e recebida pelo juiz, teremos o início da ação penal que
resultará em uma sentença penal condenatória ou absolutória.

Natureza da ação penal:

1. Ação penal pública incondicionada: o titular da ação é o MP. Pode pedir


providências ao Estado dentro do prazo prescricional (prazos do art. 109, CP).
Uma vez noticiado o crime, a vítima não pode retirar a denúncia, porque são
crimes em que há interesse do Estado na persecução penal.
 A impossibilidade de retirar a denúncia é importante para nosso estudo porque
nem sempre a mulher quer seu agressor seja processado. Muitas vezes é uma
pessoa próxima de seu convívio, é o pais dos filhos dela, ela pretende reatar a
relação depois ou ela só quer que a agressão cesse. A impossibilidade de
desistência tem que ser informada antes que a vítima decida noticiar o crime.
 O crime de lesão corporal quando é cometido no contexto da violência doméstica,
vai ser de ação penal pública incondicionada (entendimento confirmado pelo STF;
a Lei Maria da Penha diz que a Lei dos Juizados Especiais não é aplicada nos
casos de violência doméstica). O crime de lesão corporal, pelo CP, é condicionado
à representação (prazo de 6 meses).

2. Ação penal pública condicionada à representação: titular da ação é o MP, mas


depende de autorização expressa da vítima para prosseguir (representação
criminal). Prazo decadencial de 6 meses contados da data do fato ou descoberta
da autoria.
 Nesses casos, algumas vezes a vítima faz o boletim de ocorrência acreditando que
isso seja o suficiente para que a persecução penal seja iniciada. Contudo, é
necessária uma representação criminal expressa, que pode ser feita no Registro
de Ocorrência, mas de forma expressa. Nem todas as delegacias informam isso às
vítimas; às vezes, dizem erroneamente que é preciso fazê-lo em outro ato,
aconselhando-a a retornar para um assinar um termo específico. Nesse caso, esse
retorno tem que respeitar o prazo decadencial de 6 meses da data do fato (e não
do RO). O pedido de representação criminal também pode ser feito com
assistência de uma advogada.
 Nesse tipo de ação, a vítima pode retirar a denúncia, mas apenas mediante uma
audiência designada para tal, na presença do juiz.

Lei 11.340. Art. 16. Nas ações penais públicas condicionadas à


representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida
a renúncia à representação perante o juiz, em audiência
especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento
da denúncia e ouvido o Ministério Público.

3. Ação penal privada: o titular da ação é a pessoa ofendida, que deve apresentar a
petição inicial chamada queixa-crime assistida por advogada no prazo decadencial
de 6 meses a partir da data do fato ou descoberta da autoria.
a. Ação penal privada subsidiária da pública: cabível em caso de inércia
do MP.

Atenção! Quando não há expressamente no CP qual a natureza da ação adequada ao


crime tipificado, entende-se que a ação deve ser pública incondicionada (regra geral).
Geralmente está no final do título ou do capítulo.

3. O registro de ocorrência

 Nós vamos nos dirigir a uma delegacia de polícia, de preferência uma delegacia
especializada de atendimento à mulher e buscaremos a lavratura de um registro
de ocorrência. Nessa oportunidade, poderemos requerer uma medida protetiva de
urgência, se for o caso. Para esse momento é importante termos em mente os arts.
10 – 12 da Lei Maria da Penha, artigos que tratam do tratamento humanizado. Se
as autoridades se recusarem a atender esses direitos, é possível fazer uma denúncia
na corregedoria da Polícia Civil.

 Se o crime em questão deixar vestígios, a ofendida deve ser encaminhada para o


Instituto Médico Legal para realizar exame de corpo de delito, cujo atendimento
é prioritário para vítimas de violência doméstica (Lei n° 13.721/18).

Art. 10. Na hipótese da iminência ou da prática de violência doméstica


e familiar contra a mulher, a autoridade policial que tomar
conhecimento da ocorrência adotará, de imediato, as providências
legais cabíveis.
Parágrafo único. Aplica-se o disposto no caput deste artigo ao
descumprimento de medida protetiva de urgência deferida.

Art. 10-A. É direito da mulher em situação de violência doméstica e


familiar o atendimento policial e pericial especializado, ininterrupto e
prestado por servidores - preferencialmente do sexo feminino -
previamente capacitados. (Incluído pela Lei nº 13.505, de 2017)

§ 1o A inquirição de mulher em situação de violência doméstica e


familiar ou de testemunha de violência doméstica, quando se tratar de
crime contra a mulher, obedecerá às seguintes diretrizes:
(Incluído pela Lei nº 13.505, de 2017)

I - salvaguarda da integridade física, psíquica e emocional da depoente,


considerada a sua condição peculiar de pessoa em situação de violência
doméstica e familiar; (Incluído pela Lei nº 13.505, de 2017)

II - garantia de que, em nenhuma hipótese, a mulher em situação de


violência doméstica e familiar, familiares e testemunhas terão contato
direto com investigados ou suspeitos e pessoas a eles relacionadas;
(Incluído pela Lei nº 13.505, de 2017)

III - não revitimização da depoente, evitando sucessivas inquirições


sobre o mesmo fato nos âmbitos criminal, cível e administrativo, bem
como questionamentos sobre a vida privada. (Incluído pela
Lei nº 13.505, de 2017)

§ 2o Na inquirição de mulher em situação de violência doméstica e


familiar ou de testemunha de delitos de que trata esta Lei, adotar-se-á,
preferencialmente, o seguinte procedimento: (Incluído pela
Lei nº 13.505, de 2017)

I - a inquirição será feita em recinto especialmente projetado para esse


fim, o qual conterá os equipamentos próprios e adequados à idade da
mulher em situação de violência doméstica e familiar ou testemunha e
ao tipo e à gravidade da violência sofrida; (Incluído pela Lei
nº 13.505, de 2017)

II - quando for o caso, a inquirição será intermediada por profissional


especializado em violência doméstica e familiar designado pela
autoridade judiciária ou policial; (Incluído pela Lei nº 13.505,
de 2017)

III - o depoimento será registrado em meio eletrônico ou magnético,


devendo a degravação e a mídia integrar o inquérito. (Incluído
pela Lei nº 13.505, de 2017)
Art. 11. No atendimento à mulher em situação de violência doméstica
e familiar, a autoridade policial deverá, entre outras providências:

I - garantir proteção policial, quando necessário, comunicando de


imediato ao Ministério Público e ao Poder Judiciário;

II - encaminhar a ofendida ao hospital ou posto de saúde e ao Instituto


Médico Legal;

III - fornecer transporte para a ofendida e seus dependentes para abrigo


ou local seguro, quando houver risco de vida;

IV - se necessário, acompanhar a ofendida para assegurar a retirada de


seus pertences do local da ocorrência ou do domicílio familiar;

V - informar à ofendida os direitos a ela conferidos nesta Lei e os


serviços disponíveis.

Art. 12. Em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a


mulher, feito o registro da ocorrência, deverá a autoridade policial
adotar, de imediato, os seguintes procedimentos, sem prejuízo daqueles
previstos no Código de Processo Penal:

I - ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência e tomar a


representação a termo, se apresentada;

II - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e


de suas circunstâncias;

III - remeter, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, expediente


apartado ao juiz com o pedido da ofendida, para a concessão de medidas
protetivas de urgência;

IV - determinar que se proceda ao exame de corpo de delito da ofendida


e requisitar outros exames periciais necessários;

V - ouvir o agressor e as testemunhas;

VI - ordenar a identificação do agressor e fazer juntar aos autos sua


folha de antecedentes criminais, indicando a existência de mandado de
prisão ou registro de outras ocorrências policiais contra ele;

VII - remeter, no prazo legal, os autos do inquérito policial ao juiz e ao


Ministério Público.

§ 1o O pedido da ofendida será tomado a termo pela autoridade policial


e deverá conter:

I - qualificação da ofendida e do agressor;


II - nome e idade dos dependentes;

III - descrição sucinta do fato e das medidas protetivas solicitadas pela


ofendida.

§ 2o A autoridade policial deverá anexar ao documento referido no §


1o o boletim de ocorrência e cópia de todos os documentos disponíveis
em posse da ofendida.

§ 3o Serão admitidos como meios de prova os laudos ou prontuários


médicos fornecidos por hospitais e postos de saúde.

Art. 12-A. Os Estados e o Distrito Federal, na formulação de suas


políticas e planos de atendimento à mulher em situação de violência
doméstica e familiar, darão prioridade, no âmbito da Polícia Civil, à
criação de Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher
(Deams), de Núcleos Investigativos de Feminicídio e de equipes
especializadas para o atendimento e a investigação das violências
graves contra a mulher.

 Início do inquérito policial: se estivermos diante de um crime cuja natureza da


ação penal é pública incondicionada, o inquérito policial será iniciado
automaticamente com o registro de ocorrência. Se o crime for de ação penal
pública condicionada à representação ou de ação penal privada, será necessária a
representação para que o inquérito tenha início. Quando estamos de um caso
complexo, é interessante fazer esse pedido assistida de uma advogada,
especialmente, quando se tem o interesse de já pedir algumas provas e
diligências a fim de comprovar autoria e materialidade: testemunhas diretas
ou indiretas, fotos, mensagens, vídeos, laudos psicológicos avaliando o abalo
emocional, imagem de câmeras de segurança, etc.

Atenção! Não confundir o inquérito policial com o processo cautelar de medida protetiva
de urgência. Essa confusão é bem comum, de modo que advogados tentem produzir
provas no processo cautelar, quando apenas é necessário provar a necessidade das
medidas protetivas (da integridade psicológica, moral, patrimonial, física e sexual da
mulher). A cautelar só precisa de indícios (fumus boni iuris) e o inquérito busca
materialidade. O processo cautelar das medidas protetivas pode estar em apenso ao
inquérito, pois podem tramitar juntos.

 Ao fim do inquérito policial, o delegado fará um relatório de encerramento do


inquérito, que será encaminhado ao MP.
 O promotor que receber esse relatório poderá decidir:
o Pelo arquivamento. Se for arquivado, o juiz precisará concordar. Da
decisão que concorda com o arquivamento não cabe recurso. O
desarquivamento apenas pode ser realizado mediante apresentação de
prova nova. Sugestão da Braga: despachar com o promotor de justiça no
MP, explicando o caso, para tentar evitar que o processo seja arquivado,
pois é muito complicado produzir novas provas. É interessante despachar
também com o juiz, haja vista que ele terá que concordar ou não com o
arquivamento.
o Pelo oferecimento da denúncia. Uma vez oferecida e recebida a denúncia,
temos que nos habilitar como assistentes de acusação.
AULA 07 - ASPECTOS CÍVEIS E DE FAMÍLIA DA LEI MARIA DA
PENHA

Por conta da multidisciplinariedade que abrange, a lei previu a criação de juizados


especiais que devem tratar de maneira uniforme da violência cível e penal, pois embora
diversos, os impactos exigem uma proteção jurídica seja integral, devendo-se tratar os
efeitos em conjunto.

Contudo, nem todas as comarcas possuem as varas especializadas em violência


doméstica. Em sua ausência, a lei prevê que os casos em que a lei se aplica tramitem em
uma vara criminal, ou seja, inclusive as demandas cíveis tramitariam ali. Na prática, tanto
a vara especializada quanto a vara criminal apenas lidam com a questão penal. Não há
uniformidade sobre esse tratamento e devemos pesquisar como se dá a prática em cada
comarca.

Parte cível

Medidas protetivas

Direito de família

Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar


contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de
imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as
seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:

IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores,


ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço
similar;

V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.

Art. 23. Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras


medidas:

IV - determinar a separação de corpos.

Proteção patrimonial

Art. 24. Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade


conjugal ou daqueles de propriedade particular da mulher, o juiz
poderá determinar, liminarmente, as seguintes medidas, entre
outras:
I - restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à
ofendida;

II - proibição temporária para a celebração de atos e contratos de


compra, venda e locação de propriedade em comum, salvo
expressa autorização judicial;

III - suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao


agressor;

IV - prestação de caução provisória, mediante depósito judicial,


por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência
doméstica e familiar contra a ofendida.

Algumas dessas medidas protetivas se esgotam em si mesma, como a restituição de bens


subtraídos. Se a medida protetiva tiver seu cumprimento frustrado, se os bens em
subtraídos foram destruídos, será necessária uma ação complementar de reparação do
prejuízo material.

Por outro lado, há situações que não se adequam à via da medida cautelar para regularizar
um caso cível ou de direito de família, como no caso de divórcio e pedido de guarda de
filhos. São necessárias ações próprias.

Deve-se, como na parte penal, fazer um exercício de adequação do fato à norma. Qual a
situação? Qual ação cabível? Qual o rito?

A Lei Maria da Penha traz uma fundamentação a mais, o panorama da situação de


violência (doméstica). Também pode alterar regras de competência, tanto material quanto
territorial.

Art. 15. É competente, por opção da ofendida, para os processos


cíveis regidos por esta Lei, o Juizado:

I - do seu domicílio ou de sua residência;

II - do lugar do fato em que se baseou a demanda;

III - do domicílio do agressor.

Essa previsão visa assegurar o acesso à justiça das mulheres vítimas de violência
doméstica, pois a regra processual seu direito pode ser inviabilizado. Por exemplo, uma
ação de indenização, segundo o CPC, deve ter como foro o local do fato ou do dano (e se
esse local for distante de sua residência?).
Exemplo de ações:

 Perdas e danos (quando há destruição de bens, p. ex.)


 Danos morais → dano presumido no caso de violência doméstica (STJ: REsp
1.675.874/MS)
 Ações possessórias

Como a violência doméstica ocorre em torno do ambiente familiar, é natural que haja
muitas consequências jurídicas no âmbito da família. É muito comum que as clientes que
nos procurem por causa de violência doméstica também busquem regularizar a separação,
a partilha de bens, a situação dos filhos menores, ou pode ser que busquem por causa de
um tema de direito de família e percebamos, pela narrativa, um caso de violência
doméstica.

Importante mencionar que nem sempre as varas de família se comunicam com as varas
de violência doméstica. É sempre bom, portanto, trazer esses elementos do processo
criminal para o processo que tramita na vara de família para justificar os pedidos feitos.

Ação de alimentos

Há uma protetiva de alimentos provisórios para mulheres em situação de violência


doméstica. A criação desta protetiva veio porque a dependência econômica é um dos
fatores que mais dificultam que uma mulher rompa um ciclo de violência doméstica. Esse
pedido pode ser feito liminarmente numa ação de alimentos (costuma funcionar melhor
do que entrar com cautelar de medida protetiva e ação de alimentos), usando-se a
fundamentação da Lei Maria da Penha para embasar a necessidade econômica na
situação.

Nas ações de alimentos, utilizaremos o código civil, o código de processo civil e a lei de
alimentos (Lei n° 5.478/68) como fundamento.

Ação de divórcio e separação de corpos

Há uma protetiva específica da separação de corpos que corresponde a uma cautelar


(inclusive no CPC), que tem o objetivo de não só separar fisicamente o casal, mas de fazer
cessar os efeitos da comunhão de bens. Assim, evita-se que eventuais créditos ou dívidas
contraídas por ambas as partes se comunique.

Pelo CPC, há o prazo de 30 dias para emendar a separação de corpos para torná-la uma
ação de divórcio, que envolverá discussão sobre o estado civil, a partilha de bens, eventual
uso de nome de solteira. Quando houver partilha de bens, Braga sugere que prestemos
muita atenção se há violência patrimonial. O mesmo para ações de alimentos.
Quando tratamos da questão patrimonial, é comum que essa violência esteja presente.

Nas ações de divórcio de separação, utilizaremos o código civil e o código de processo


civil como fundamento.

Guarda e visita de filhos

Há uma cautelar correspondente referente à suspensão de visita e da guarda de filhos


menores.

Há algumas questões a serem refletidas:

A violência doméstica pode ter acontecido tanto contra a mãe como contra os filhos.
Quando as crianças são vítimas de alguma violência, é claro que a protetiva deve ser
aplicada. Mas quando a violência é só contra a mulher, encontramos barreiras no
judiciário para aplicação desta protetiva. Há dois entendimentos: um deles de que um
homem pode ser um péssimo marido, mas um ótimo pai e que o direito de conviver com
os filhos não lhe deve retirado por ser um direito subjetivo. Por outro lado, alguns juristas
entendem que não há como dissociar tais situações, e que se uma criança cresce em um
lar violento, é claro que isso irá afetá-la.

Recentemente, foi aprovada a Lei 13.715/19, que prevê a perda do poder familiar para
quem cometer crime doloso contra o outro genitor.

Guara vs. Convivência

Guarda é o poder-dever de decisão e responsabilidade sobre os filhos menores de idade.


Por esse poder, decide-se onde a criança vai estudar, se a criança vai poder viajar ou não,
qual tratamento médico ela vai seguir, etc. Convivência é o período que a criança passa
na companhia de cada genitor.

Essa diferença é importante porque a Lei da Guarda Compartilhada (Lei n° 13.058/14)


prevê que o ideal é que o exercício desse poder-dever de responsabilidade, criação e
decisão sobre os filhos seja compartilhado entre os genitores. A guarda deve ser unilateral
apenas em algumas hipóteses. Ex.: quando um dos genitores não quiser exercer essa
guarda ou quando ela trouxer algum prejuízo para a criança.

Nos casos de violência doméstica, pode ser que haja medida protetiva proibindo um
contato entre pai e mãe e mesmo que não haja, muito provavelmente, a relação de ambos
pode estar muito desgastada. Para o exercício de uma guarda compartilhada, sem
prejudicar as crianças, é fundamental que os pais tenham algum diálogo. Esse tipo de
situação nem sempre é observada pelo judiciário. Muitas vezes, mesmo em casos de
violência doméstica, já juízes que não se sensibilizam e impõem a guarda compartilhada.
Logo, é preciso fundamentar bem porque a guarda deve ser unilateral quando houver uma
situação que impeça que os pais exerçam conjuntamente esse poder-dever.

Direito de visita

Existe a proteção de suspensão do direito de visita do pai aos filhos menores, que costuma
ser concedida quando a criança também é vítima da violência doméstica. Mas uma
segunda hipótese de aplicação dessa protetiva é quando o momento de entrega da criança
ao pai pode gerar uma nova violência e colocar a mulher em risco. Nesse caso, até que
ocorra uma situação de equilíbrio da convivência, pode ser necessária essa protetiva.

Na análise do caso concreto, pode ser que seja adequada uma visita assistida, caso
entenda-se que se entenda que há risco à criança quando ela se encontra com o pai, seja
porque ela também sofria agressões ou porque ela estava em um ambiente de violência e
isso lhe traga insegurança emocional. Na visita assistida um terceiro acompanha o
momento de convivência, que pode ser um familiar, um parente, um assistente social.

Para evitar o encontro entre mãe e pai na entrega dos filhos é que o pai pegue as crianças
na escola ou na casa dos avós ou de terceiros. É preciso analisar como viabilizar as
convivências mantendo a cliente a salvo.

Alienação parental

 Pode ser entendida como uma disputa ou desavença entre os genitores que utiliza
a criança para atingir o outro.
 É a principal defesa dos agressores em disputa de guarda. Eles apontam que a
denúncia de violência doméstica visa afastar o convívio do pai com os filhos.
 Fundamento: Lei da Alienação Parental (Lei n° 12.318/10)

Art. 2°. Considera-se ato de alienação parental a interferência na


formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou
induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a
criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para
que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à
manutenção de vínculos com este.

Parágrafo único. São formas exemplificativas de alienação parental,


além dos atos assim declarados pelo juiz ou constatados por perícia,
praticados diretamente ou com auxílio de terceiros:

I - realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no


exercício da paternidade ou maternidade;

II - dificultar o exercício da autoridade parental;


III - dificultar contato de criança ou adolescente com genitor;

IV - dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência


familiar;

V - omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes


sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações
de endereço;

VI - apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares


deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles
com a criança ou adolescente;

VII - mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a


dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor,
com familiares deste ou com avós.

 Consequência perversa: inversão da guarda em favor do pai e afastamento da mãe


do convívio com os filhos. É muito importante fundamentar muito bem a
existência da violência para que isso não ocorra.

Audiência de conciliação nos casos de violência doméstica

A regra do novo CPC:

Art. 694. Nas ações de família, todos os esforços serão empreendidos


para a solução consensual da controvérsia, devendo o juiz dispor do
auxílio de profissionais de outras áreas de conhecimento para a
mediação e conciliação.

O entendimento é de sempre tentar resolver amigavelmente. Mas havendo medida


protetiva que proíbe que ele entre em contato ou se aproxime da vítima, como poderíamos
fazer conciliação nesses casos?

Em primeiro, deve-se conhecer o que deseja a cliente e o quanto ela se sente segura.
Muitas vezes, as mulheres só querem resolver a situação o mais rápido possível e com
menos conflito, pois já foi muito difícil pra ela denunciar a violência, sair do
relacionamento abusivo, que ela não quer mais litigar. Ela só quer resolver e seguir a vida.
Se assim for, é preciso garantir que ela se sentirá segura tanto física, quando
psicologicamente porque esses diálogos costumam ser bem desgastantes. Se houver
medida protetiva, é importante comunicar a realização da audiência ao juízo que concedeu
essas medidas, para que o agressor não alegue descumprimento da medida protetiva pela
vítima, sob pena de ter suas medidas protetivas canceladas. A audiência deve ser
informada ao juízo como uma situação excepcional, de busca de conciliação, e que
não há renúncia das medidas protetivas. (obs.: quem advoga pelo agressor também
deve comunicar para evitar pena de prisão para o cliente).
Se a cliente não tem interesse na conciliação, pensa que isso seria uma revitimização, é
importante demonstrar a situação de existência de violência contra a mulher, da existência
de medida protetiva para o juízo de família/civil e peça que essa audiência seja
dispensada. Alguns juízes não aceitam esse pedido, porque a regra é que se uma das partes
insiste a audiência de conciliação irá acontecer. Nesse caso, se a audiência não for
desmarcada é possível requerer aplicação do art. 334, II, §10, CPC:

Art. 334, CPP.

II - quando não se admitir a autocomposição.

§ 10. A parte poderá constituir representante, por meio de procuração


específica, com poderes para negociar e transigir.

Nós próprias poderemos desempenhar essa função, se a procuração tiver poderes para
negociar e transigir. Assim, evita-se a aplicação de multa por ato atentatório à dignidade
da justiça devido ao não comparecimento e garante que a cliente ficará bem.
AULA 08 - FEMINICÍDIO CONCEITO E EVOLUÇÃO JURÍDICA

A Lei do feminicídio define-o como o homicídio contra a mulher em razão da condição


do sexo feminino, podendo ser motivado por condição de gênero, caso do crime de ódio,
e pela última instância de controle do homem sobre a mulher.

Art. 121. Matar alguém:

Feminicídio (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)

VI - contra a mulher por razões da condição de sexo feminino:


(Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)

§ 2o-A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino


quando o crime envolve: (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)

I - violência doméstica e familiar (Incluído pela Lei nº 13.104, de


2015)

II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher. (Incluído


pela Lei nº 13.104, de 2015)

Dados

 A cada 1h30min uma mulher é assassinada no Brasil


 13 homicídios femininos diários (Mapa da Violência 2015)
 O Brasil é o 5° país que mais mata mulheres no mundo (Mapa da Violência 2015)
 É o país que mais mata travestis e transexuais no mundo
 De 2003 a 2013, o número de homicídios de mulheres negras aumentou 54%,
enquanto que no mesmo período o número de mulheres brancas diminuiu 9,8%.

Ou seja, o feminicídio tem classe e cor. A vítima do feminicídio é majoritariamente a


mulher pobre, negra, periférica. Isso se dá pelo fato de que essas mulheres possuem mas
dificuldades de acessar as rotas de fuga. Elas estão em situações de maior vulnerabilidade
e têm mais dificuldade de encontrar ajuda para sair de uma situação de violência que pode
ser fatal.

Por que diferenciar o homicídio de homem e mulher?

Quando a gente analisa os dados frios, vemos que morrem mais homens por assassinato
do que mulheres. Mas as motivações são significativas. Os homens morrem, em sua
maioria, por violência urbana (assalto, briga de trânsito, de bar). Os homicídios de
mulheres, em sua maioria, são cometidos por pessoas próximas à vítima. Mais da metade
são cometidos por familiares do sexo masculino, dentre eles, o companheiro ou ex-
companheiro praticam 1/3 dos assassinatos. 27% dos homicídios de mulheres
aconteceram dentro de casa. Ou seja, são mortes que possuem uma característica
particular, decorrente do machismo.
Característica

 Mortes muito violentas (com objetos cortantes ou penetrantes, por


estrangulamento ou sufocação, p. ex.)
 Indícios de proximidade entre vítima e agressor
 Destruição e mutilação de partes do corpo tidos como tipicamente femininos:
seios, vagina, nádegas, barriga, rosto, cabelo, pescoço.

A cultura machista e desigual, da qual decorre a colocação da mulher em um papel de


submissão ao homem. A mulher tem papéis socialmente definidos de mãe, esposa,
cuidadora, recatada, que não tem sua sexualidade respeitada. Quando uma mulher foge
desses papéis, muitas vezes é punida, chegando à morte.

As violências no âmbito doméstico vão ficando mais intensas e menos espaçadas, e vêm
justificadas como se a mulher tivesse feito algo para provocar, “ela mereceu”. Uma das
razões mais comuns é quando a mulher decide terminar um relacionamento ou quando é
descoberta uma traição. Por conta da desigualdade, ela é vista como um objeto masculino
e não com um ser humano autônomo.

O feminicídio é, portanto, o ápice do ciclo da violência doméstica. Assim, é uma morte


anunciada pelas violências posteriores. Portanto, devemos prever a possibilidade de que
ele ocorra e prevenirmos para que não se chegue a esse ponto.

Formas de feminicídio

1. Por meio de violência doméstica ou familiar (maioria)


2. Quando ocorre ódio ou menosprezo à condição de mulher
a. Feminicídio seguido de estupro
b. Feminicídio transfóbico (ódio à identidade de gênero trans)
c. Feminicídio lesbofóbico (ódio à orientação sexual)

Por que precisamos da lei do feminicídio?

Digressão histórica:

 A legítima defesa da honra é uma tese doutrinária e jurisprudencial criada para


defesa dos homens que matavam suas filhas e esposas. Defendia-se que a mulher
teria feito algo que comprometeu tanto a honra do homem que tinha um status de
proprietário dela, que ele poderia lavar sua honra assassinando a mulher. Isso era
comum nos casos de adultério. Os crimes contra a vida são decididos pelo tribunal
do Juri. Isso significa que são pessoas leigas que vão decidir se o assassino deve
ser condenado ou absolvido. Logo, se pensarmos que vivemos em uma sociedade
machista, misógina, patriarcal, que realmente culpa a mulher pela violência que
sofre, podemos concluir que essa tese funcionava para absolver os assassinos de
mulheres. Em 2001, o STF proibiu a utilização dessa tese por atentar contra a
dignidade da pessoa humana.

 Outra tese de defesa dos homens que matavam por feminicídio é a do homicídio
passional. A própria mídia noticia os crimes como um episódio em que o homem
“perdeu a cabeça”, “matou por amor”, “matou por ciúmes”. Essas justificativas
naturalizam a morte dessas mulheres, desumanizam a vítima e humanizam o
agressor. Muitas vezes a defesa tenta desmoralizar a vítima, colocando ela própria
em julgamento, de forma degradante.

 Uma qualificadora que torna o crime mais grave faz afastar esses tipos de tese,
que acaba naturalizando a morte de mulheres. A lei do feminicídio, mais do que
agravar uma conduta, reconhece a gravidade do crime.

 Carmen Hein de Campos: “A tipificação em si não é uma medida de prevenção.


Ela tem por objetivo nominar uma conduta existente que não é conhecida por este
nome, ou seja, tirar da conceituação genérica do homicídio um tipo específico
cometido contra as mulheres com forte conteúdo de gênero. A intenção é tirar
esse crime da invisibilidade.”.

 Na prática, não houve uma diminuição das taxas de feminicídio. Por outro lado,
há o reconhecimento estatal da gravidade.

Processo penal em caso de feminicídio

 Atuação preventiva: identificar a situação de violência doméstica, não duvidar do


temor que a cliente diz sentir, pedido de medida protetiva para afastar o homem
da mulher. (a medida protetiva não vai colocar um policial do lado da mulher 24hs
por dia, mas só de haver uma ordem da justiça com possibilidade de prisão
preventiva no caso de descumprimento, é o suficiente para que ele pare de
importuná-la. Por mais que pareça drástico colocar alguém na cadeia, há casos em
que esse é o único meio de manter sua cliente viva). Outra medida protetiva
cabível é o acolhimento de mulheres em “casas abrigo”: são lugares sigilosos,
nem seus próprios advogados sabem onde ela estará, que vão garantir que a
mulher e seus filhos fiquem a salvo.
 Submetido ao Tribunal do Júri. Possibilidade de sustentação perante os juízes
leigos para convencer os jurados de que a mulher morreu por ser mulher e agora
merece justiça.
 Como advogadas, podemos nos habilitar como assistentes de acusação do MP, em
defesa da vítima (em caso de tentativa de feminicídio) ou de seus familiares.
 Militar para afastar as teses de defesa que buscam desqualificar a vítima e
convencer o júri de que assassinatos de mulheres não devem ser naturalizados.
AULA 09 - ASPECTOS GERAIS DA VIOLÊNCIA SEXUAL

Esse assunto é bem delicado não só por conta da temática que envolve, mas porque é
difícil de lidar na prática também, seja pelo envolvimento emocional que podemos ter
com o caso, seja porque é muito difícil reconhecer a violência na prática.

Muitas clientes se queixam de que já buscaram atendimento jurídico anteriormente e não


tiveram seu problema reconhecido ou devidamente tratado, ou ouviram comentários que
não cabem. Isso se deve tanto à falta de qualificação para atuar com esse tipo de
atendimento quanto pelo fato de vivermos em uma sociedade machista e que naturaliza a
violência contra a mulher, tornando ainda mais difícil que a gente perceba que alguns
casos são violência.

Cultura do estupro

De acordo com a ONU Mulheres, podemos conceituar como o termo usado para abordar
as maneiras como a sociedade culpa as vítimas de violência sexual e normaliza o
comportamento sexual violento dos homens. Ou seja: quando, em uma sociedade, a
violência sexual é normalizada por meio da culpabilização da vítima, isso significa que
existe uma cultura do estupro.

 Desresponsabilização masculina, do forma a não questionar seu comportamento


violento.
 Responsabilização da vítima (feminina): comportamento, forma de se vestir,
horário que saiu de casa, se estava sozinha.

Dados (IPEA 2015)

 Em 90% dos casos, os agressores são do sexo masculino e 88% das vítimas são
do sexo feminino.
 27% dos homens entrevistados acreditam que não é violência abusar de uma
mulher caso ela esteja alcoolizada.
 1/3 dos brasileiros concordavam com a frase “mulheres que usam roupas que
mostram o corpo merecem ser atacadas”.
 1 mulher é estuprada a cada 11 minutos.

Características

 Objetificação da mulher enquanto objeto de satisfação masculina. Essa


objetificação é reforçada pela mídia, por propagandas que colocam mulheres
seminuas para vender um produto.
 Desrespeito ao “não”. Há uma crença de que quando a mulher diz não, ela está
dizendo sim, que o não faz parte de um jogo de sedução já que a mulher não pode
ser “fácil”. Um único não tem que ser suficiente para que o recado esteja dado.
 Relativização da violência sexual contra a mulher. O crime de violência sexual é
um dos poucos do nosso ordenamento jurídico que a palavra da vítima é
contestada. As pessoas não acreditam que a violência realmente aconteceu.
Quando alguém vai a uma delegacia dizendo que foi assaltado, ninguém
questiona. Quando uma mulher noticia que sofreu um estupro, ela é duvidada.
Esse descrédito reforça uma cultura de silenciamento. A vítima acaba não falando.
 Estereótipos do tipo “ela mereceu”, “ela provocou” reforçam sua culpabilização.
 Outra forma de relativização da denuncia é quando a violência é vista como um
elogio. Isso é comum nos casos de assédio sexual em espaços públicos, nas
cantadas grosseiras.
 Também se relativiza a violência afirmando que ela quis e não apenas que
provocou, como quando a mulher começou a ter um envolvimento físico com a
pessoa, mas não quer mais ir adiante, ela quer parar ali. Braga afirma que esses
casos entre casais, ficantes são comuns no escritório porque se ela disse sim uma
vez, valeria pra todo e qualquer tipo de ato.
 A gente tem um imaginário de que o estupro é uma violência ocorrida em um beco
escuro, um matagal, por um maníaco sexual, que colocou uma arma na cabeça de
uma mulher e forçou-a a ter uma relação sexual não desejada. Esses casos existem,
mas a maioria não é cometida dessa forma. Dados do dossiê mulher de 2016,
registram que a maior parte dos casos de violência sexual é cometida por pessoas
próximas à vítima; 24% dos agressores das crianças são os próprios pais ou
padrastos e 32% são amigos ou conhecidos da vítima. 78,6% dos casos acontece
nem casa. 50,9% dos casos registrados foram cometidos contra crianças menores
de 13 anos. 17% contra adolescentes e 32% contra adultas(os).

Forma como a violência acontece

 Somente 50% dos casos utiliza violência ou ameaça.


 Muitas vezes a violência é sutil e naturalizada, disfarçada de “carinho” ou imposta
como se fosse sua obrigação ceder (culpabilização da vítima). Isso gera
subnotificação.
 Nem sempre a mulher se reconhece de imediato como vítima.

Estrupo íntimo

 Subnotificação: ainda existe a cultura de que é obrigação da mulher ceder ao


marido/companheiro/namorado.
 47% das jovens entre 14 e 24 anos relatam que já foram forçadas pelo parceiro a
ter relações sexuais (Instituto Patrícia Galvão, 2015)

Quais as dificuldades que uma vítima tem para denunciar?

 Às vezes a mulher demora muito tempo pra reconhecer que sofreu uma violência.
 O agressor muitas vezes é um conhecido da vítima, a quem ela encontra com
alguma frequência.
 A vítima pode ter medo de alguma retaliação ou represália.
 Pode ser que tenha sido ameaçada.
 Pode ser que se sinta constrangida a expor que passou pela violência, já que a
sociedade a culpabiliza.
 Pode ser que simplesmente tenha vontade de esquecer. Levando um processo
penal em diante, ela vai ter que ir algumas vezes à delegacia, em audiência, repetir
o ocorrido. O descrédito na justiça leva a essa situação. Isso costuma acontecer
porque casos de violência sexual não costumam deixar provas ou tem provas
muito difíceis. Na maioria das vezes é palavra contra palavra.
 A culpa nunca é da vítima!
AULA 10 – TIPOS PENAIS PRINCIPAIS

Estupro

CP. Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção
carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: (Redação
dada pela Lei nº 12.015, de 2009)

Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)

Elementos do crime:

 Conjunção carnal: o ato de penetração vaginal ou anal. Antes de 2009, era só


penetração vaginal.
 Ato libidinoso: qualquer ato de caráter sexual ou libidinoso que vise a satisfação
da lascívia (prazer) do agente.
 Emprego de violência ou grave ameaça: na prática, nem sempre essa violência
é direta. O medo de vir a sofrer uma violência pode paralisar a vítima. Pode ser
que seja uma violência simbólica, como a insistência mesmo depois do não. Para
efeitos legais, quando a gente não tem uma ameaça ou violência explícitas, em
regra, não se entende que está configurado o crime de estupro. Alguns juristas
pautavam que a violência poderia ser mais sutil, mas com a criação do crime de
importunação sexual, que dispensa esse elemento de violência e grave ameaça,
que abarca esses tipos de caso.

É muito comum que o agressor seja o marido, companheiro, namorado, um amigo, um


ficante da vítima. Pode ter casos de estupro em que a mulher estava se relacionando com
a pessoa e aceitou ficar, ter interação física, mas não aceitou ter conjunção carnal e isso
ser-lhe imposto. Se alguma prática sexual não foi consentida e foi praticada, mediante
violência ou grave ameaça, vamos ter um caso de estupro.

Estupro de vulnerável (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14
(catorze) anos: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

 Independe para configuração do tipo a vontade da vítima porque menores de 14


anos não tem capacidade para consentir.
 Independe a existência de emprego ou grave ameaça.

§1°. Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que,
por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a
prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.
(Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

 Vítima maior de 14 anos.


 A incapacidade pode ser permanente ou momentânea. O que importa é sua
condição no momento do crime.
 Causas que impedem a resistência: uso de drogas, embriaguez acentuada,
desmaio, sono profundo.

Violação sexual mediante fraude (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)

Art. 215. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante
fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima:
(Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)

 Consentimento da vítima é viciado por fraude, indução a erro ou outro meio.


 Crime que estava em desuso. Exemplo na doutrina clássica: irmão gêmeo que
finge ser o marido na “calada da noite”.
 Exemplos atuais: (1) na relação médico paciente, o médico finge que vai examinar
a vítima, mas está abusando sexualmente dela. Ou seja, a mulher acredita que o
toque faria parte do exame, mas, na verdade, visaria satisfazer a lascívia do agente.
(2) líder religioso que afirma que precisa fazer um trabalho espiritual e que pra
isso precisará liberar alguma energia no corpo da vítima, e com isso, se aproveita
para tocá-la de maneira libidinosa. (3) stealthing (furtividade): retirada do
preservativo sem que a vítima consinta. Pode-se tratar como uma violência sexual
mediante fraude, porque, provavelmente, ela não teria consentido sequer em ter a
relação sexual se fosse sem o preservativo (não há notícia de caso no Brasil
analisado pela jurisprudência).
 Nesses casos, importante entender que há o consentimento da vítima para
determinado tipo de interação, mas não a que foi praticada pelo agente.

Assédio sexual (Incluído pela Lei nº 10.224, de 15 de 2001)

Art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento


sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou
ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função. (Incluído pela Lei nº
10.224, de 15 de 2001)

Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos. (Incluído pela Lei nº 10.224, de 15 de 2001)

 Aplicado a situações de trabalho!


 O agente deve ser superior hierárquico da vítima ou ter vínculo de subordinação
com ela.
 Situações análogas: professor-aluna, médico-paciência (se não configurar
violação sexual). Há julgados nesse sentido.
 É mero constrangimento. Não precisa ter havido prática de ato sexual, basta o
constrangimento. A insinuação sexual já caracteriza o crime.
 Não confundir com assédio sexual em espaços públicos e outros contextos. Antes
de 2009, não havia uma figura penal que tratasse desse tipo de situação, mas isso
mudou recentemente com a criação do tipo da importunação sexual.

Assédio sexual em espaços públicos

Assédio sexual em espaço público é também um constrangimento. É uma invasão do


corpo e liberdade sexual da mulher. Ex.: quando a mulher tem seu corpo apalpado no
transporte público; cantadas de rua que constrangem. (obs.: o assédio sexual é simples
constrangimento; a violação sexual mediante fralde acontece com a prática do ato
libidinoso).

Figuras que tínhamos à disposição para tratar desse assédio nos espaços públicos
antes da criação do tipo da importunação sexual (art. 215-A, CP criado pela Lei
13.718/18).

 Ato obsceno (art. 233, CP). Ex.: indivíduo que se masturba no ônibus.não há
interação.
 Importunação ofensiva ao pudor (art. 61 da Lei de Contravenções penais,
revogado pela Lei 13.718/18): pena de multa.
 Estupro (o mais grave), envolve violência ou grave ameaça.

Importunação sexual

Art. 215-A. Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo
de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro: (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)

Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o ato não constitui crime mais grave.
(Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)

Contexto de criação da importunação sexual:

 Casos de grande repercussão midiática: estupro coletivo de uma mulher dentro de


um ônibus no Rio de Janeiro, com vídeo publicado nas redes sociais (2016);
ejaculação de um homem em cima de uma mulher, dentro de um ônibus na Av.
Paulista (2017).
 Pressão popular para criação de um tipo específico para o caso, com penas mais
duras.
 Projeto de lei elaborado com a participação de movimentos sociais.
 A lei criada fez algumas modificações na parte dos crimes contra a dignidade
sexual do CP.

Elementos:

 Dispensa a violência ou grave ameaça, basta que não haja anuência e seja
cometido contra a vítima.
 Nesse tipo de crime também se enquadram as violências sexuais que falamos no
início, que não tinham consentimento, mas não se valem de violência e grave
ameaça.
 Como essa lei é muito recente, ainda não temos muito elementos para dizer como
funciona na prática.
 Problema: a lei revogou a importunação ofensiva ao pudor, que incluíam casos de
cantadas ofensivas e invasivas. Logo, precisamos aguardar como as cortes
enquadrarão esses casos. Braga acredita que não se enquadra em importunação
sexual por ter uma pena relativamente alta e não ser considerado ato libidinoso, e
que deve ser visto como injúria.

Divulgação de cena de estupro ou de cena de estupro de vulnerável, de cena


de sexo ou de pornografia (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)

Art. 218-C. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda,


distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio - inclusive por meio de comunicação
de massa ou sistema de informática ou telemática -, fotografia, vídeo ou outro registro
audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça
apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez
ou pornografia: (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)

Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime mais grave.
(Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)

 Antes da criação dessa lei, esses casos se enquadravam em difamação, cuja pena
é muito baixa e a natureza da ação é privada (depende da contratação de
advogado). Atualmente, basta o registro de ocorrência, pois a ação é pública.
 Lei Carolina Dieckman: só protege quando as imagens são obtidas por invasão do
dispositivo informático.

Aumento de pena (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)

§ 1º. A pena é aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se


o crime é praticado por agente que mantém ou tenha mantido
relação íntima de afeto com a vítima ou com o fim de vingança
ou humilhação. (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)
 Essa figura combate a pornografia de vingança: acontece quando, depois do
término de um relacionamento, um dos envolvidos divulga imagens íntimas do
outro, expondo aquela pessoa por conta do sentimento de vingança.
 Lei 13.718/18: cria aumento de pena quando o crime é cometido por parceiro com
intuito de vingança.

Obs.: sobre a Lei 13.718/18

 Essa lei cria um aumento de pena para o estupro coletivo e corretivo (geralmente
acontece contra pessoas LGBT’ e profissionais do sexo); e para quando os crimes
são cometidos por familiares da vítima (principais agressores, comumente) ou
quando do ato resulta gravidez ou contágio de DST.
 Todos os crimes contra a dignidade sexual se tornaram de ação penal pública
incondicionada. Logo, o prazo não é mais de 6 meses para denúncia, que passa a
seguir o prazo prescricional (109 e ss, CP).
AULA 11 – ASPECTOS PROCESSUAIS (REPRESENTAÇÃO, AÇÕES
PENAIS PÚBLICAS, PRIVADAS, ETC.)

Qual ação penal vai reger o crime?

1. Ações penais públicas


 Acusador: Ministério Público.
 Crimes considerados graves, entende-se que são cometidos inclusive contra a
sociedade/Estado.
 Inicia com o indício de autoria, materialidade e circunstâncias do crime,
geralmente apurados em um inquérito policial. Esse inquérito se inicia com a
notificação do crime, que pode se dar com o registro de ocorrência.
 Prazo prescricional conforme art. 109 e seguintes do CP: tempo que a vítima tem
para pedir providências do Estado. A prescrição intercorrente e a executiva são
para o Estado condenar e punir a conduta.

2. Ações penais públicas condicionadas à representação


 São crimes tidos como graves, mas possuem certo grau de particularidade,
individualidade.
 A natureza é pública, mas depende da representação para iniciar. Essa
representação também é necessária para inauguração do inquérito policial.
 A representação é uma autorização expressa da vítima, em que deve constar
expressamente que a vítima deseja ver seu agressor processado e punido.
 A representação pode ser feita no registro de ocorrência, mas deve ser expressa.
Muitas delegacias não fazem a representação no mesmo ato e exigem que a vítima
compareça em outro momento. Esse retorno à delegacia deve observar o prazo
decadencial de 6 meses para a representação. Depois desse tempo, a vítima não
pode mais pedir providências penais ao Estado.
 A vítima pode desistir antes do recebimento da denúncia.

3. Ações penais privadas


 Crimes que são muito particulares. Não há interesse do Estado em promover a
persecução penal.
 MP atua como fiscal da lei.
 Cabe ao próprio ofendido processar seu agressor.
 Prazo decadencial de 6 meses para iniciar a investigação na esfera policial, assim
como para prestação de queixa. Mesmo que o inquérito não esteja findo, é preciso
prestar a queixa.
Por que é importante saber a natureza da ação para trabalhar com os crimes
sexuais?

Porque houve sucessivas alterações legislativas sobre o tema. Até 2009, todas as ações de
crimes contra a dignidade sexual eram de ação penal privada, com algumas exceções:

 Súmula 608, STF - no crime de estupro, praticado mediante violência real (cabe
ao judiciário identificar, mas geralmente envolvia agressões), a ação penal é
pública incondicionada.
 Crime cometido com abuso do pátrio poder: art. 225, §1°, II, CP.
 Vítima pobre: ação penal pública condicionada à representação (art. 225, §1°, I e
§2°, CP). O MP faria essa ação pela vítima.

Em 2009, os crimes sexuais passaram a ser de ação penal pública condicionada à


representação. Lei 12.015/09.

Exceções: ações penais públicas incondicionadas:

 Vítimas menores de 18 anos. Duas correntes sobre a decadência aplicada nesse


caso: o prazo decadencial passaria a fluir a partir da maioridade (STJ) ou a
maioridade não mudaria a natureza da ação penal (com quando o fato ocorreu a
vítima era menor de idade, a ação continua sendo pública incondicionada).
 Vítima vulnerável (art. 217-A, CP)

Em 2012, foi aprovada a Lei Joana Maranhão

 Quando a vítima for criança ou adolescente, o prazo prescricional só passa a


contar da maioridade. Antes da sentença, a prescrição tem como parâmetro a pena
máxima do crime em abstrato.

Em 25/09/2018, foi publicada a lei 13.718/18.

Art. 225. Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título, procede-se mediante
ação penal pública incondicionada. (Redação dada pela Lei nº 13.718, de 2018)

 Esse alargamento do prazo, segundo Braga, é importante porque muitas vezes há


vários obstáculos para que a vítima não denuncie: medo, não reconhecer a
violência, momento pós-traumático, etc. o prazo de 6 meses era uma mordaça.
Lei penal no tempo

Perguntas que devemos fazer:

1. Quando aconteceu o crime?


2. Qual a idade do agressor (art. 115, CP)?
3. Qual a idade da vítima?
4. Qual era a condição ou vulnerabilidade da vítima?
5. Qual lei se aplica ao caso e qual o prazo prescricional se aplica?

Princípios pertinentes:

1. O tempo rege o ato: aplica-se a legislação vigente na época do fato.


2. Irretroatividade da lei penal em desfavor do réu. Obs.: em casos anteriores a 2009,
e não está no rol das exceções, se a vítima não deu início à ação penal em 6 meses,
não há possibilidade de pedir providências penais do Estado. Se ocorreu entre
2009 e 25/09/18, é necessário observar se foi feita a representação criminal no
prazo de 6 meses.

E se não houver o que fazer na esfera criminal?

É possível demandar na esfera civil ação por danos morais. Todo ilícito penal é um ilícito
cível. Ato ilícito cível que causa dano gera o dever de indenizar.

Prescrição cível:

CC. Art. 206. Prescreve:

§ 3o Em três anos:

V - a pretensão de reparação civil;

Prescrição cível – regras especiais:

CC. Art. 197. Não corre a prescrição:

I - entre os cônjuges, na constância da sociedade conjugal;

II - entre ascendentes e descendentes, durante o poder familiar;

Art. 198. Também não corre a prescrição:


I - contra os incapazes de que trata o art. 3°;

Art. 200. Quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal, não
correrá a prescrição antes da respectiva sentença definitiva.
AULA 12 – ATUAÇÃO PRÁTICA: ATENDIMENTO À VÍTIMA,
ATUAÇÃO NA ESFERA POLICIAL E JUDICIAL

1. Quando a vítima nos procura imediatamente depois da violência sofrida

 Primeiramente, garantir a saúde e integridade física e psíquica da pessoa


vítima. Questão humanitária (nossa profissão nos leva a ter uma preocupação
imediata com as provas, mas precisamos ter sensibilidade e empatia com a
vítima). Verificar se a vítima está precisando de atendimento médico. Se estiver,
precisamos encaminhá-la a um hospital para fazer um tratamento de saúde.

o Lei 12.845/13: garante atendimento obrigatório e imediato no SUS a


vítimas de violência sexual: Todos os hospitais da rede pública são
obrigados a oferecer, de forma imediata, a chamada pílula do dia seguinte.
Garante para as vítimas de estupro o direito a diagnóstico e tratamento de
lesões no aparelho genital; amparo médico, psicológico e social; profilaxia
de DST’s, realização de exame de HIV e acesso a informações sobre seus
direitos garantidos por lei e sobre os serviços sanitários disponíveis na rede
pública.

o Essa lei foi regulamentada pelo Decreto 7.958/13: reforça a humanização


e adequação dos serviços de saúde e ds IML’s, incluindo a guarda da
prova. Obs.: as lesões genitais, quando acontecem, costumam evadir
bastante rápido. Então não precisamos ficar preocupadas em mandar a
vítima fazer um exame de corpo de delito urgente se que ela precisar de
atendimento médico, já que o hospital tem o dever de guardar as provas.

o Lei 10.778/03: notificação compulsória dos casos de violência contra a


mulher.

 Em segundo, registro de ocorrência: de preferência em uma delegacia


especializada da mulher, pois costumam ter um tratamento um pouco mais
humanitário. Se não for possível, porque nem todas as delegacias ficam abertas
24hs ou nos finais de semana, vá numa delegacia comum. Tente garantir à sua
cliente um tratamento humanitário sem questionamentos desnecessário e
revitimização.

o Decreto 7.958/13: determinada atendimento humanizado às vítimas de


violência sexual também pelos profissionais de segurança pública.
Art. 2º O atendimento às vítimas de violência sexual pelos profissionais
de segurança pública e da rede de atendimento do SUS observará as
seguintes diretrizes:

I - acolhimento em serviços de referência;

II - atendimento humanizado, observados os princípios do respeito


da dignidade da pessoa, da não discriminação, do sigilo e da
privacidade;

III - disponibilização de espaço de escuta qualificado e privacidade


durante o atendimento, para propiciar ambiente de confiança e
respeito à vítima;

IV - informação prévia à vítima, assegurada sua compreensão sobre o


que será realizado em cada etapa do atendimento e a importância das
condutas médicas, multiprofissionais e policiais, respeitada sua decisão
sobre a realização de qualquer procedimento;

V - identificação e orientação às vítimas sobre a existência de serviços


de referência para atendimento às vítimas de violência e de unidades do
sistema de garantia de direitos;

VI - divulgação de informações sobre a existência de serviços de


referência para atendimento de vítimas de violência sexual;

VII - disponibilização de transporte à vítima de violência sexual até os


serviços de referência; e

VIII - promoção de capacitação de profissionais de segurança pública e


da rede de atendimento do SUS para atender vítimas de violência sexual
de forma humanizada, garantindo a idoneidade e o rastreamento dos
vestígios coletados.

Segundo Braga, infelizmente, acontece com frequência, que a vítima chegue para fazer o
registro de ocorrência e tenha que passar por vários profissionais que vão ficar
perguntando o que aconteceu. Relata que assistiu um caso numa delegacia, em que uma
vítima, que tinha acabado de sofrer uma violência, não tinha passado por um atendimento
médico ainda porque não tinha sido orientada a respeito e foi colocada no final da fila
porque os policiais estavam achando engraçada aquela situação. É função da advogada
proteger a cliente com os instrumentos jurídicos disponíveis para não deixar que ela
seja revitimizada. Quando Braga foi conversar com ela, a primeira coisa que o escrivão
que ficava na recepção fez foi a gritar para todos que “a vítima estava doida, que estava
dizendo que foi estuprada, mas não acreditem nela não”.

Perguntas que não são pertinentes não devem ser feitas, como qual a roupa que a
vítima vestia, como é a sexualidade da vítima (Braga disse que já ouviu a pergunta de se
a mulher costumava fazer sexo grupal).
 O próximo passo é pegar a guia do IML e ir fazer o corpo de delito para
garantir a guarda da prova.

2. Quando a vítima nos procura algum tempo depois da violência sofrida

 Situações possíveis:
o A vítima pode ter ido sozinha à delegacia, mas teve algum óbice e não
conseguiu registrar a ocorrência.
o Ou pode ter conseguido, mas busca orientação jurídica porque foi
maltratada, ou não conseguiu registrar satisfatoriamente a ocorrência.
Nesse caso, é preciso verificar se os requisitos legais estão devidamente
preenchidos, como se foi um caso que ocorreu antes da alteração
legislativa da lei 13.718/18 (que tornou os crimes sexuais de ação penal
pública incondicionada). Se a representação não foi feita, é preciso fazer
indo à delegacia e pedindo a lavratura de um termo ou por meio de petição
de representação e instauração de inquérito policial.

o Pode acontecer de a cliente não ter passado por nenhum procedimento.


Nesse caso, devemos acompanhá-la na delegacia para registrar a
ocorrência, observar se os requisitos legais estão cumpridos e acompanhar
o inquérito policial.

 Depois de registrada a ocorrência, é importante ter em mente os próximos passos


da ação penal:
Obs.: é registro de ocorrência e não boletim.

Notícia Criminis (comumente feito por meio do registro de ocorrência) → instauração de


inquérito policial (ocorre na Polícia Civil/fase de produção de provas) → envio do
relatório final do inquérito ao MP → MP decide se arquiva a denúncia (petição inicial do
processo penal) ou arquiva o caso → o juiz decide se recebe a denúncia ou arquiva o
processo → se o caso for recebido, o caso será processado no judiciário buscando-se uma
absolvição ou condenação.

 Uma vez instaurado o inquérito policial, trabalharemos com a produção de provas.

Produção de provas

 Aberto o inquérito policial, nosso trabalho será com a produção de provas.


 Sempre bom observar se ainda há prazo para pedir providências do Estado para
punir o agressor. Se o fato ocorreu antes de 24/09/18 (data de publicação da lei
13.718/18), e não houve instauração de inquérito (atenção! salvo as exceções
trazidas pela lei!), o prazo para representação foi perdido, porque antes disso, os
crimes contra a dignidade sexual eram de ação penal condicionada à representação
e já se passaram mais de 6 meses da promulgação da lei até hoje.
 O inquérito policial é regulamentado pelos art. 1° a 23 do CPP.
 O advogado pode pedir produção de provas e diligências que entender
necessários. Cumprimento fica a cargo da autoridade policial.
 O inquérito policial, em regra, não impõe a necessidade de advogado para a
ofendida para que seja conduzido. Isso é feito pelo próprio Estado. Quem o preside
é o delegado de polícia e a ele cabe decidir que provas irá produzir e observar os
prazos legais.
 Como advogadas da vítima, podemos pedir provas e diligências.

Exemplos de provas e diligências que podemos pedir em um caso de crime de


violência sexual:

o Exame de corpo de delito ou laudo médico indireto (feito no hospital,


quando a vítima precisa de atendimento de saúde). Essas provas são de
grande relevância, mas há alguns problemas. Quase nunca a violência
sexual deixa vestígios, a não ser que seja muito brutal. Pode ser que a
vítima tenha passado imediatamente pelo hospital ou IML e não ser
atestada lesão nenhuma.
 Uma pesquisa realizada pelo Hospital Pérola Byington, de SP, que
é referência no atendimento a vítimas de violência sexual, que
contatou que “De 10 mil mulheres e adolescentes atendidas pelo
serviço do hospital, apenas 11% apresentavam traumas físicos. Em
90% dos casos, elas não tinham nenhuma marca no corpo e, em
95%, nem sequer marcas nos genitais” (Jefferson Drezett, médico
especialista em Ginecologia e Obstetrícia, coordenador do Serviço
de Atenção à Vítimas de Violência Sexual do Hospital Pérola
Byington).
 Nem toda violência será uma conjunção carnal, logo o exame de
corpo de delito não pode ser considerada a única prova do crime,
mas sim em conjunto com outros elementos.

o Trocas de mensagens entre vítima e agressor. É bastante comum que o


agressor seja uma pessoa bem próxima da vítima. Braga conta que em
vários dos casos que já pegou existiam troca de mensagens, ou porque a
vítima estava achando a situação estranha e quis esclarecer algo que não
gostou ou porque foi cobrar satisfação.
o Pensando nas circunstâncias em que o crime ocorreu, perguntar-se: foi
em local público? Privado? Tem imagens de câmera de segurança? Pode
ser que não haja imagens da consumação, mas haja imagens do agressor
forçando a vítima a entrar num local ou saindo.
o Testemunho indireto. Comum nesses casos. Dificilmente haverá
testemunhas diretas, oculares, que tenham presenciado o fato criminoso.
No entanto, é comum que a vítima, logo depois de ter sofrido a violência,
comente com alguma pessoa (amiga, parente). Essa pessoa pode narrar o
que sabe sobre o caso em juízo.
o Laudo psicológico/psiquiátrico. O profissional de saúde que atende a
vítima em um tratamento psicológico ou psiquiátrico.
o No caso de estupro de vulnerável, em situação de embriagues, é
interessante pedir um exame toxicológico ou testemunhas que atestem
o estado da vítima.
o A palavra da vítima: tem que ser a melhor prova. O judiciário reconhece
que em casos de violência sexual, a palavra da vítima tem especial
relevância. O depoimento da vítima deve ser coerente: ela vai depor,
primeiramente, para fazer o registro da ocorrência; posteriormente,
durante o inquérito policial; e depois, pelo juiz. A coerência corrobora para
o convencimento.

 Com o fim da apuração, a autoridade policial elaborará o relatório final. Em tese,


esse procedimento deve durar 30 dias (o que segundo Braga, nunca acontece). É
muito comum que o inquérito seja destinado ao juiz com pedido de mais prazo e
retorne para a delegacia. Uma vez encerrado, é enviado ao MP para que o
promotor de justiça competente analise se será caso de arquivamento ou
oferecimento de denúncia criminal, ou seja, se há indícios de autoria,
circunstâncias e materialidade do delito no inquérito.
 Se o MP entender que há uma fragilidade de provas, ele é obrigado a mandar
arquivar o inquérito ou pedir que retorne à delegacia para novas diligências. Se o
processo for arquivado, apenas pode ser desarquivado mediante prova nova.
 Qualquer que seja a decisão do MP, ela está submetida a uma decisão judicial de
concordância ou discordância. Com a concordância, ocorre o arquivamento. Com
a discordância, há remessa do processo para a procuradoria geral de justiça, para
que o superior hierárquico do promotor decida por: (1) arquivar o inquérito; (2)
designar outro promotor para o caso ou ele próprio apresentar a denúncia.

 É interessante, segundo Braga, que despachemos com ambas as autoridades, MP


e juiz, para que o processo seja recebido.

 A partir do recebimento da denúncia, nós nos habilitaremos no processo como


assistentes de acusação do MP. Identificamos o rito em observância da pena
máxima em abstrato do crime.
AULA 13 – DESIGUALDADE DE GÊNERO NO AMBIENTE DE
TRABALHO, DESIGUALDADE SALARIAL ENTRE HOMENS E
MULHERES, DUPLA JORNADA DE TRABALHO

Dados da Organização Internacional do Trabalho

 Mulheres participam menos do mercado de trabalho formal


o Na América Latina, a participação de mulheres em idade economicamente
ativa (não há contabilização de mulheres desempregadas entre as que não
estão trabalhando) é pouco maior do que 50%; enquanto a dos homens,
quase 80%.
o O Brasil é considerado emergente. Neste grupo de países, está a maior
diferença entre homens e mulheres, ou seja, 30,5%.

 O desemprego é maior entre as mulheres no Brasil


o Em 2018, a taxa era de 13,2% para mulheres e 9,8% entre os homens.
o Por que as mulheres estão mais afastadas do mercado de trabalho do que
os homens, apesar de terem, de modo geral, uma capacitação maior do que
os homens (elas se formam mais no ensino superior do que eles;
participam de uma série de cursos, etc.)? Isso é reflexo da mentalidade de
que é mais precário o vínculo empregatício com mulheres (ex.: em
momentos em que há demissões em massa; quando há demissão por
necessidade de cortes de gasto em uma empresa).

 Qualidade dos postos de trabalho


o As mulheres têm mais do que o dobro de chance de atuarem como
colaboradoras de empreendimentos familiares (da própria unidade
familiar ou de terceiros; ex.: empregadas, auxiliares administrativas)
quando comparadas com os homens.
o São vínculos mais precários, sem cobertura de seguridade social e da
vigilância do ministério do trabalho e emprego, pois são postos
“autônomos”.
o As mulheres têm, em sua maioria, postos de trabalho mais precários, o que
faz com que fiquem em situação de desemprego constantemente, tenham
sua carreira prejudicada. Ocupam cargos, dentro da divisão sexual do
trabalho, que são tidos como menos valorizados (profissões tidas como
femininas (estão dentro da esfera do cuidado e são desvalorizadas
socialmente, de modo que os salários tendem a ser menores): enfermagem,
secretariado, assistente social, professora de nível infantil ou fundamental,
etc.).
 Desigualdade salarial
o Tomando por base a população de 25 anos ou mais de idade com ensino
superior completo em 2016, as mulheres somam 23,5%, e os homens,
20,7%.
o Em relação ao rendimento habitual médio mensal de todos os trabalhos e
razão de rendimentos, por sexo, entre 2012 e 2016, as mulheres ganharam,
em média, 75% do que os homens ganharam.
o Essa diferenciação salarial significa, na prática, não só que um homem e
uma mulher nos mesmos postos recebem salários diferenciados, mas
também que às mulheres são reservados postos inferiores; é inferior a
quantidade de mulheres que ocupam cargos de liderança no mundo do
trabalho. Isso influencia a média salarial.

 Dupla jornada de trabalho


o Ex.: uma mulher trabalhadora, com jornada de 8hs, tem três filhos
(lembrando que 40% dos ladres são chefiados exclusivamente por
mulheres). Para chegar às 9:00 da manhã em seu trabalho, ela precisa
acordar umas 5:30 para organizar suas coisas, tomar banho, fazer o café
da manhã dos filhos, acordá-los, fazer com que se vistam para a escola, e
só assim chegar ao trabalho, provavelmente cansada ou exausta, já que seu
dia começou há 3h30min atrás com uma dinâmica de correria. Ela chega
querendo produzir, tenta cumprir suas tarefas e recebe uma ligação da
escola do filho, dizendo que uma das crianças está com febre. Ela precisará
pedir para o chefe para sair para levar a criança no médico. Provavelmente,
ela terá que compensar essas horas que deixou de trabalhar. Não
surpreende que as mulheres sejam as primeiras a serem mandadas embora,
pois os empregadores tem a impressão, completamente injusta, de que as
mulheres são menos comprometidas com o trabalho. Voltando, depois de
voltar para casa de um dia de trabalho, ela tem que fazer janta, lavar roupa,
arrumar a casa, fazer lição com os filhos, lavar a louça, ir ao mercado, etc.
Ela vai dormir meia noite ou mais. Isso é a dupla jornada: conciliação de
múltiplas tarefas.
o No Brasil, as mulheres se dedicavam a aproximadamente 22hs de tarefas
domésticas e de cuidado (68hs semanais de trabalho), enquanto os
homens, em média, apenas a 10hs semanais (54hs semanais de trabalho).
o Por outro lado, ao se contemplar o tipo de afazeres domésticos executados
pelos homens, um estudo realizado pelo IPEA em 2010, ressalta que a
participação masculina mais frequente nessas tarefas está concentrada em
atividades mais interativas e em espaços fora do lar, como a realização de
compras de mantimentos em supermercados e transporte dos filhos para
escola; no âmbito doméstico, os homens se dedicam esporadicamente a
atividades de manutenção doméstica com reparos e consertos.
Panorama sobre a evolução dos direitos juslaborais das mulheres no Brasil

1. Nesse tema, temos que ter em mente um importante paradigma que é a segurança
no trabalho das mulheres. Quando o direito trabalho surge, no final do século
XVIII e início do século XIX, e no Brasil, mais especificamente, no começo do
século XX, para frear certos abusos que ocorriam dentro das relações de trabalho,
especialmente o feminino e o infantil. Esse foi um movimento mundial. A
Organização Mundial do Trabalho, em suas primeiras convenções que buscavam
vincular a produção legislativa dos Estados-nação, visavam resguardar direitos
desses grupos muito mais exploradas, em um contexto fabril e rural.

As novas normas protegiam esses grupos com proibições de que desempenhassem


algumas funções, trabalhassem em determinadas condições de risco. Ex.: as primeiras
normas brasileiras que regularizaram a questão do trabalho feminino e infantil surgiram
em 1924 e depois em 1932: regularizavam a maternidade e sua licença; proibiam de
alguns tipos de serviço perigosos e insalubres, nos subterrâneos, minerações, pedreiras e
obras de construção, com lavramento de materiais pesados; trabalho noturno (a OIT
revogou sua convenção que proibia o trabalho noturno por mulheres apenas em 1990).

Essa legislação abrigava exceções: trabalhadoras em estabelecimentos familiares;


mulheres cujo trabalho fosse indispensável para evitar interrupção do funcionamento do
estabelecimento; mulheres encarregadas do cuidado de enfermos em hospitais e
sanatórios; mulheres empregadas em serviços de telefonia; e mulheres ocupantes de
postos de direção.

2. A CF de 1932 previa a igualdade salarial entre homens e mulheres. A CF de 1937


revogou esta previsão (nenhuma conquista está imune a retrocessos). A previsão
de igualdade voltou a aparecer na constituição apenas em 1988.

3. Em 1940, o Decreto-lei 2.548 estabelece a possibilidade de mulheres receberem


salários inferiores aos dos homens em até 10%.

4. A CLT entra em vigor em 1943 e tem um capítulo específico sobre a “proteção


do trabalho da mulher”, que praticamente apenas reúne a legislação espaça já em
vigor, pois traz poucas inovações. Atenção ao parágrafo único, já revogado, do
art. 372, CLT. Os dispositivos deste capítulo, que visavam proteger a mulher,
eram relativizados se a mulher estivesse sob a direção do esposo, do pai, da mãe,
do tutor ou do filho. Vale lembrar que em 1967 foi publicado o Estatuto da Mulher
casada, que previa capacidade civil plena mesmo depois de contrair matrimônio.

Art. 372 - Os preceitos que regulam o trabalho masculino são aplicáveis


ao trabalho feminino, naquilo em que não colidirem com a proteção
especial instituída por este Capítulo.

Parágrafo único - Não é regido pelos dispositivos a que se refere este


artigo o trabalho nas oficinas em que sirvam exclusivamente pessoas da
família da mulher e esteja esta sob a direção do esposo, do pai, da mãe,
do tutor ou do filho. (Revogado pela Lei nº 13.467, de 2017)

5. A CF de 1988 traz o paradigma da igualdade de gênero, logo, todas as demais


normas tiveram que se adequar a ela, inclusive a CLT. Vários dispositivos da CLT
foram revogados, outros foram criados.

As normas protetivas do direito, em regra, visam mitigar desigualdades. Algumas


proteções, no entanto, prendiam a mulher em estereótipos de gênero, de que a mulher é
mais frágil fisicamente, mentalmente. A rigor, isso gerava mais desigualdades, pois ficava
mais difícil contratar uma mulher e os empregadores preferiam contratar homens. Além
disso, as atividades de insalubridade, perigosas são inadequadas para qualquer ser
humano, não havendo necessidade de distinção nessa seara. Precisamos estar atentas em
onde chegamos quando fazemos uma norma que distingue os gêneros para avaliar se ela
contribui para combater a desigualdade ou reforçá-la.
AULA 14 – ASSÉDIO SEXUAL E MORAL

Conceito de discriminação:

A Convenção n° 111 da Organização Internacional do Trabalho, da qual o Brasil é


signatário, define discriminação como toda distinção, exclusão ou preferência, que tenha
por efeito anular ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de
emprego ou profissão, o que abrange também casos de assédio no ambiente de trabalho.

Essa Convenção determina que os países signatários devem combater ativamente


qualquer tipo de discriminação no ambiente de trabalho.

Assédio moral

 O assédio moral não se caracteriza por uma conduta pontual. Então, uma eventual
desavença entre trabalhador e superior hierárquico (que haja tom de violência e
ofensas), de modo geral, não se classifica como assédio moral, que, em regra, é
uma conduta reiterada.

 Envolve palavras abusivas, qualquer tipo de situações que possam constranger,


diminuir a autoestima e autonomia do trabalhador. Esse abuso pode se dar por
meio de humilhações, palavras que vão diminuir a pessoa, pode ser um tratamento
que ignore a trabalhadora (para que ela se sinta dispensável no ambiente de
trabalho). Isso é muito comum, segundo Ruzzi, no setor público, em que é mais
difícil que a pessoa seja demitida, visando induzir o trabalhador a abandonar seu
posto de trabalho.

 O assédio moral pode contar com colaboradores alocados no mesmo patamar


hierárquico que a trabalhadora assediado.

 Importante mencionar que, embora esse tipo de assédio no ambiente de trabalho


comumente seja cometido por um superior hierárquico (pela própria configuração
da relação de trabalho), chefe ou diretor, não é necessário que o assediador seja
cometido pelo superior. Outros trabalhadores que estejam no mesmo nível
hierárquico ou até subalternos podem praticar esse tipo de conduta.

 É um dado sintomático que a maioria das vítimas de assédio no trabalho sejam


mulheres, especialmente, mulheres negras.

 Muitos assédios morais sucedem tentativas de assédio sexual que não foram
correspondidas, visando retaliar a vítima. Importante questionar as clientes, nos
casos de assédio moral, se houve tentativa de assédio sexual antes ou
concomitantemente.
Assédio sexual

 O assédio sexual pode ser trabalhado em duas esperas distintas: a trabalhista e a


penal.

 Na esfera trabalhista:
o Definição: o assédio no ambiente de trabalho consiste em constranger a
trabalhadora por meio de insinuações e cantadas constantes, com objetivo
de obter vantagem ou favorecimento sexual.
o Pode ser explícita ou não. Pode se dar por gestos, comportamentos,
palavras, e até mesmo na promessa de favorecimento ou chantagem,
colocando a dignidade sexual da mulher em cheque.
o Normalmente ocorre por intimidação ou chantagem.

 Na esfera penal:

Assédio sexual (Incluído pela Lei nº 10.224, de 15 de 2001)

CP. Art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou


favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior
hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou
função. (Incluído pela Lei nº 10.224, de 15 de 2001)

Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos. (Incluído pela Lei nº 10.224, de 15


de 2001)

§ 2°. A pena é aumentada em até um terço se a vítima é menor de 18 (dezoito)


anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

Obs.: basta o registro de ocorrência para dar início à persecução penal.


Não há possibilidade de desistência.

CP. Art. 225. Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título, procede-
se mediante ação penal pública incondicionada. (Redação dada pela Lei nº
13.718, de 2018)

Atenção! A diferença principal entre ambas abordagens é que para configuração de um


crime de assédio sexual há, como elementar do tipo, a restrição de que o agente seja um
superior hierárquico. É necessária a circunstância de que o agente se vale da sua posição
hierárquica para cometer o crime.
Considerações sobre como lidar – com as inovações trazidas pela reforma
trabalhista

 Em primeiro, Ruzzi recomenda a tentativa de uma denúncia administrativa


formal, se a empresa é mais estruturada (minoria), que conta com um setor de RH
ou uma ouvidoria, visando gerar uma prova de que houve tentativas anteriores à
demanda judicial.

 E segundo, ingressar com uma reclamação trabalhista na Justiça do Trabalho.


o Verificar se a cliente é celetista. A Justiça do Trabalho pressupõe a
existência de uma relação de emprego, além de uma relação de trabalho.
Caso a cliente não seja celetista, mas cumpra os requisitos ensejadores de
uma relação de emprego, é necessário produzir provas também para
confirmar o vínculo empregatício, que a garante guarida da JT.
o Que tipos de prova produzir para demonstrar que houve assédio?
Costuma ser difícil produzir provas, especialmente no caso de assédio
sexual, porque o agente faz isso dentro de contextos de pouca visibilidade
e dificilmente é cometido com testemunhas. Já o assédio moral tem
essencialmente como característica o constrangimento público, com
testemunhas.
Muitas testemunhas acabam sendo resistentes, porque se sentem
ameaçadas de perder seu emprego, ser retaliadas, sofrer a mesma violência
e até perder um novo emprego por ter testemunhado contra um
chefe/diretor.
Antes de entrar com a ação, é importante refletir sobre que provas
estão disponíveis, conversar com as possíveis testemunhas para que
ajudem na própria redação da ação/defesa e que não haja surpresas
indesejadas (dizerem que não se lembram do ocorrido, dizerem que
achavam que era uma brincadeira), o que pode ser muito prejudicial para
a cliente; para saber exatamente o que as testemunhas sabem e se elas estão
confortáveis de prestar esse depoimento perante a autoridade. É
importante que as testemunhas estejam bem informadas.

 Ruzzi recomenda que se invista em um inquérito policial, pois pode ser que seja
vantajoso para a reclamação trabalhista, por suas eventuais provas.
Obs.: Para os crimes praticados antes de março de 2018, se ainda não houve
representação, não é mais cabível a instauração de inquérito, porque antes a ação
era condicionada à representação e tinha prazo de 6 meses para sua instauração.
o Muitas provas pertinentes à reclamação trabalhista podem ser
obtidas pelo inquérito policial, como depoimentos, mensagens, prints,
laudo de psicológico.
o Atenção! A iniciativa do inquérito é importante também porque em 90%
dos casos, segundo Ruzzi, uma das formas de defesa da reclamada é alegar
que a vítima não buscou a justiça criminal, o que poderia ser um indicativo
de que os fatos não ocorreram conforme seu depoimento. Para evitar
revitimizar a trabalhadora é importante fortalecer o inquérito (inclusive,
pode ser que valha a pena esperar um pouco sua conclusão para que instrua
a reclamação trabalhista).

 Polo passivo e ativo:


o Justiça do trabalho: empresa empregadora na reclamação trabalhista vs.
Empregada.
o Justiça criminal: agente assediador na ação penal vs. Ministério Público.

 Pedido de segredo de justiça: não esquecer de jeito nenhum! Pois é uma ação
que envolve a intimidade da cliente e pode expô-la (ex.: a matérias jornalísticas,
como no caso de uma empresa grande).
o Fundamento:
 CF. Art. 5°, X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a
honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização
pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
 CPP. Art. 189. Os atos processuais são públicos, todavia tramitam
em segredo de justiça os processos: III - em que constem dados
protegidos pelo direito constitucional à intimidade;

Danos Morais

Considerações acerca da Reforma Trabalhista: Muitas pessoas que militavam na


esfera do direito do trabalho e não atuavam tanto com direito civil, ficaram assustadas
com a possibilidade de o cliente trabalhador ser condenado com o ônus da sucumbência.
Antes da reforma, era garantido ao trabalhador o benefício da justiça gratuita diante do
reconhecimento de sua condição de hipossuficiência.

Muitas vezes, respaldados nessa garantia de que mesmo se perdesse não teria que pagar
custas e honorários sucumbenciais para o advogado da outra parte e seu cliente não seria
prejudicado, alguns advogados agiam de forma irresponsável, atribuindo à causa valores
mais elevados do que o razoável conforme parâmetros jurisprudenciais. Com essa
mudança, é preciso ter critérios.

O art. 223-G, CLT prevê a forma como se deve atribuir a mensuração do dano moral.
Mas além disso, devemos nos atentar para os parâmetros jurisprudenciais (como as cortes
têm julgado casos semelhantes?).

Art. 223-G. Ao apreciar o pedido, o juízo considerará: (Incluído pela Lei nº


13.467, de 2017)

I - a natureza do bem jurídico tutelado; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)


II - a intensidade do sofrimento ou da humilhação; (Incluído pela Lei nº 13.467,
de 2017)

III - a possibilidade de superação física ou psicológica; (Incluído pela Lei


nº 13.467, de 2017)

→ Demonstrar se a vítima precisou recorrer a auxílio psicológico.

IV - os reflexos pessoais e sociais da ação ou da omissão; (Incluído pela Lei nº


13.467, de 2017)

V - a extensão e a duração dos efeitos da ofensa; (Incluído pela Lei nº 13.467,


de 2017)

VI - as condições em que ocorreu a ofensa ou o prejuízo moral; (Incluído pela


Lei nº 13.467, de 2017)

VII - o grau de dolo ou culpa; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)

VIII - a ocorrência de retratação espontânea; (Incluído pela Lei nº 13.467, de


2017)

→ Pode ser que a empregadora tente reparar ou minimizar a ofensa. Ex.: uma
resposta da ouvidoria, após a abertura de um processo administrativo, com
ofensa do assediador.

IX - o esforço efetivo para minimizar a ofensa; (Incluído pela Lei nº 13.467,


de 2017)

X - o perdão, tácito ou expresso; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)

XI - a situação social e econômica das partes envolvidas; (Incluído pela Lei nº


13.467, de 2017)

XII - o grau de publicidade da ofensa. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)

→ Quando mais publicidade tem a situação, maior o grau de constrangimento

§ 1º. Se julgar procedente o pedido, o juízo fixará a indenização a ser paga, a


cada um dos ofendidos, em um dos seguintes parâmetros, vedada a
acumulação: (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)

I - ofensa de natureza leve, até três vezes o último salário contratual do


ofendido; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)

II - ofensa de natureza média, até cinco vezes o último salário contratual do


ofendido; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)

III - ofensa de natureza grave, até vinte vezes o último salário contratual do
ofendido; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)
IV - ofensa de natureza gravíssima, até cinquenta vezes o último salário
contratual do ofendido. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)

§ 2°. Se o ofendido for pessoa jurídica, a indenização será fixada com


observância dos mesmos parâmetros estabelecidos no § 1o deste artigo, mas
em relação ao salário contratual do ofensor. (Incluído pela Lei nº 13.467, de
2017)

§ 3º. Na reincidência entre partes idênticas, o juízo poderá elevar ao dobro o


valor da indenização. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)

 A maioria dos casos transita entre ofensas de natureza média e grave.

 Esse tipo de dispositivo abriga contradições de natureza classista, pois uma


vítima que é faxineira e tem um baixo salário receberia muito menos pelo mesmo
tipo de assédio sofrido por uma diretora e tem um alto salário.

 Se a empregadora tem por método e prática a hostilidade, sendo comum assédio


moral e junto com a cobrança de metas, os trabalhadores sejam ofendidos,
xingadas, expostas, é importante que a empresa seja denunciada no Ministério
Público do Trabalho, que é responsável por investigar o descumprimento das
normas trabalhistas, por fazer transações com empregadores que visem a proteção
da coletividade dos trabalhadores envolvidos. Há a possibilidade, por exemplo, de
fixação de multa administrativa que é convertida para o Fundo de Amparo ao
Trabalhador. A atuação do MPT é bastante efetiva, segundo Ruzzi.

 Por fim, pode ser que o assédio moral também incorra em algum tipo de crime.
Se houve ofensa verbal, dano à honra, podemos estar diante de um crime de
injúria; se houve confronto físico, pode ter havido lesão corporal.
AULA 15 – PRÁTICAS DISCRIMINATÓRIAS LEI N. 9.029/95 E
OUTRAS PRÁTICAS COMUNS

A lei 9.029/95 proíbe a exigência de atestados de gravidez e esterilização, e outras práticas


discriminatórias, para efeitos admissionais ou de permanência da relação jurídica de
trabalho, e dá outras providências.

Direitos da trabalhadora gestante (art. 391 e seguintes, CLT)

 Estabilidade do emprego: pela CF, fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa
causa (ou seja, há estabilidade no emprego) da empregada gestante, desde a
confirmação da gravidez até cinco meses após o parto. Vale mencionar que esse
mesmo dispositivo se aplica em caso de mulher adotante.
o Quando seria a confirmação da gravidez? Já se encontra pacificado no STF
que a confirmação de que trata a lei é a confirmação no corpo da mulher,
ou seja, desde o momento da concepção. Independe do momento em que
a gestante comunica a gravidez à sua empregadora. A lógica desse
dispositivo é proteger a infância.

Art. 391-A. A confirmação do estado de gravidez advindo no curso do contrato


de trabalho, ainda que durante o prazo do aviso prévio trabalhado ou
indenizado, garante à empregada gestante a estabilidade provisória
prevista na alínea b do inciso II do art. 10 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias. (Incluído pela Lei nº 12.812, de 2013)

Parágrafo único. O disposto no caput deste artigo aplica-se ao empregado


adotante ao qual tenha sido concedida guarda provisória para fins de adoção.
(Incluído pela Lei nº 13.509, de 2017)

 Licença maternidade de 120 dias: contada a partir do 8° mês de gestação, sem


prejuízo do emprego, do salário integral. Caso seu salário seja de natureza
variável, receberá mensalmente a média dos últimos 6 meses. Se a empresa
empregadora for inscrita no programa Empresa Cidadã (Lei nº 11.770/2008 - foi
criado, inicialmente, para prorrogar a licença-maternidade mediante a concessão
de incentivo fiscal às empresas inscritas no referido programa), o período da
licença-maternidade é de 180 dias.

Art. 393 - Durante o período a que se refere o art. 392, a mulher terá direito ao
salário integral e, quando variável, calculado de acordo com a média dos 6
(seis) últimos meses de trabalho, bem como os direitos e vantagens adquiridos,
sendo-lhe ainda facultado reverter à função que anteriormente ocupava.
(Redação dada pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967)
 Dois descansos diários de 30 minutos para amamentação, até a criança completar
6 meses de vida.
o Supondo que a trabalhadora voltou a trabalhar após 4 meses de licença-
maternidade, ela terá dois meses de descanso diário.
o A reforma trabalhista prevê que o horário dos descansos fica a cargo de
acordo individual formal.

Art. 396. Para amamentar seu filho, inclusive se advindo de adoção, até que
este complete 6 (seis) meses de idade, a mulher terá direito, durante a jornada
de trabalho, a 2 (dois) descansos especiais de meia hora cada um. (Redação
dada pela Lei nº 13.509, de 2017)

§ 1o Quando o exigir a saúde do filho, o período de 6 (seis) meses poderá ser


dilatado, a critério da autoridade competente. (Redação dada pela Lei nº
13.467, de 2017)

§ 2o Os horários dos descansos previstos no caput deste artigo deverão ser


definidos em acordo individual entre a mulher e o empregador. (Incluído pela
Lei nº 13.467, de 2017)

 Afastamento de atividades de insalubridade em grau máximo (apresentação de


atestado).
o Antes da reforma trabalhista, as gestantes deveriam ser afastadas de
qualquer atividade insalubre, a reforma restringiu o afastamento ao
exercício das atividades de grau máximo. Todavia, caso a gestante queira
continuar no exercício da atividade insalubre de grau máximo, ela pode
fazê-lo por meio da apresentação de um atestado médico que ateste sua
aptidão.
o O atestado também é necessário, atualmente, para a impossibilidade de
exercício de atividades de insalubridade em grau médio e leve.

Art. 394-A. Sem prejuízo de sua remuneração, nesta incluído o valor do


adicional de insalubridade, a empregada deverá ser afastada de: (Redação dada
pela Lei nº 13.467, de 2017)

I - atividades consideradas insalubres em grau máximo, enquanto durar a


gestação; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)

II - atividades consideradas insalubres em grau médio ou mínimo, quando


apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que
recomende o afastamento durante a gestação; (Incluído pela Lei nº
13.467, de 2017) (Vide ADIN 5938)

III - atividades consideradas insalubres em qualquer grau, quando apresentar


atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende
o afastamento durante a lactação. (Incluído pela Lei nº 13.467, de
2017) (Vide ADIN 5938)
ADIN 5938

Decisão final: O Tribunal, por unanimidade, conheceu da ação direta de


inconstitucionalidade. Por maioria, confirmou a medida cautelar e julgou
procedente o pedido formulado na ação direta para declarar a
inconstitucionalidade da expressão "quando apresentar

atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende


o afastamento", contida nos incisos II e III do art. 394-A da Consolidação das
Leis do Trabalho (CLT), inseridos pelo art. 1º da Lei 13.467/2017, nos termos
do voto do Relator,

vencido o Ministro Marco Aurélio. Falaram: pelo amicus curiae


Confederação Nacional de Saúde - CNS, o Dr. Marcos Vinicius Barros Ottoni;
e, pelo amicus curiae Central Única dos Trabalhadores - CUT, o Dr. Ricardo
Quintas Carneiro. Presidência do Ministro

Dias Toffoli.

- Plenário 29.05.2019.

 A gestação não pode ser motivo de negativa de admissão.

 Ser dispensada, no horário de trabalho, para a realização de pelo menos 6


consultas médicas e demais exames complementares. Ex.: pré-natal.

CLT. Art. 392.

§ 4°. É garantido à empregada, durante a gravidez, sem prejuízo do salário e


demais direitos: (Redação dada pela Lei nº 9.799, de 26.5.1999)

II - dispensa do horário de trabalho pelo tempo necessário para a realização de,


no mínimo, seis consultas médicas e demais exames complementares.
(Incluído pela Lei nº 9.799, de 26.5.1999)

 Mudar de função ou setor de acordo com seu estado de saúde e ter assegurada a
retomada da antiga posição.

CLT. Art. 392.

§ 4°. É garantido à empregada, durante a gravidez, sem prejuízo do salário e


demais direitos: (Redação dada pela Lei nº 9.799, de 26.5.1999)

I - transferência de função, quando as condições de saúde o exigirem,


assegurada a retomada da função anteriormente exercida, logo após o retorno
ao trabalho; (Incluído pela Lei nº 9.799, de 26.5.1999)
 Duas semanas de repouso no caso de aborto natural.

Art. 395 - Em caso de aborto não criminoso, comprovado por atestado médico
oficial, a mulher terá um repouso remunerado de 2 (duas) semanas, ficando-
lhe assegurado o direito de retornar à função que ocupava antes de seu
afastamento.

 Creche/reembolso creche: os estabelecimentos em que trabalham pelo menos 30


mulheres com mais de 16 anos de idade devem fornecer creche ou reembolso-
creche (o reembolso é construção jurisprudencial).

CLT. Art. 389.

§ 1º - Os estabelecimentos em que trabalharem pelo menos 30 (trinta) mulheres


com mais de 16 (dezesseis) anos de idade terão local apropriado onde seja
permitido às empregadas guardar sob vigilância e assistência os seus filhos no
período da amamentação. (Incluído pelo Decreto-lei nº 229,
de 28.2.1967)

 A regulamentação do trabalho em home-office por acordo individual.

Obs.: Licença paternidade de 5 dias. No caso de Empresa Cidadão, 20 dias.

O que fazer em caso de descumprimento dessas obrigações?

 Reclamação trabalhista:
o Ex.: requerendo, conforme o caso, a reintegração ao posto de trabalho.
Caso haja impossibilidade de reintegração (o setor foi fechado, p. ex.),
indenização pelo tempo em que teria estabilidade (cálculo até o 5° mês
após o nascimento – período da estabilidade), o que inclui todas as verbas
acessórias.
o De modo geral, a mulher demitida nesse estado dificilmente quer retornar
ao seu antigo posto de trabalho. Se for uma empresa muito grande, ela
pode ficar em outro posto e sentir como se estivesse em uma empresa
nova. Mas se a empresa for pequena ou média, de modo geral, as mulheres
se sentem constrangidas. Contudo, geralmente, a justiça determina a
reintegração, pois a jurisprudência é pacifica no sentido de que sempre
deve haver a tentativa de reintegração da trabalhadora e a indenização é
uma hipótese subsidiária.
Súmula nº 244 do TST

GESTANTE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA (redação do item III


alterada na sessão do Tribunal Pleno realizada em 14.09.2012) - Res.
185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012

I - O desconhecimento do estado gravídico pelo empregador não afasta o


direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade (art. 10,
II, "b" do ADCT).

II - A garantia de emprego à gestante só autoriza a reintegração se esta se der


durante o período de estabilidade. Do contrário, a garantia restringe-se aos
salários e demais direitos correspondentes ao período de estabilidade.

III - A empregada gestante tem direito à estabilidade provisória prevista no art.


10, inciso II, alínea “b”, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias,
mesmo na hipótese de admissão mediante contrato por tempo determinado.

 Danos morais
 Denúncia ao Ministério Público do Trabalho: se os descumprimentos forem uma
prática recorrente da empresa. O MPT tem competência de fiscalizar
empregadoras; tem poder de firmar Termo de Ajustamento de Conduta.

Tipos de discriminação

Podem estar nos anúncios de empregou, nos requisitos para promoção da empregada, na
consideração de elementos discriminatórios para estabelecer a remuneração, nos motivos
de dispensa, no momento da entrevista ou durante a relação de emprego.

CLT.

Art. 373-A. Ressalvadas as disposições legais destinadas a corrigir as


distorções que afetam o acesso da mulher ao mercado de trabalho e certas
especificidades estabelecidas nos acordos trabalhistas, é vedado:
(Incluído pela Lei nº 9.799, de 26.5.1999)

I - publicar ou fazer publicar anúncio de emprego no qual haja referência ao


sexo, à idade, à cor ou situação familiar, salvo quando a natureza da atividade
a ser exercida, pública e notoriamente, assim o exigir; (Incluído pela Lei nº
9.799, de 26.5.1999)

II - recusar emprego, promoção ou motivar a dispensa do trabalho em razão de


sexo, idade, cor, situação familiar ou estado de gravidez, salvo quando a
natureza da atividade seja notória e publicamente incompatível; (Incluído pela
Lei nº 9.799, de 26.5.1999)

III - considerar o sexo, a idade, a cor ou situação familiar como variável


determinante para fins de remuneração, formação profissional e oportunidades
de ascensão profissional; (Incluído pela Lei nº 9.799, de 26.5.1999)
IV - exigir atestado ou exame, de qualquer natureza, para comprovação de
esterilidade ou gravidez, na admissão ou permanência no emprego; (Incluído
pela Lei nº 9.799, de 26.5.1999)

V - impedir o acesso ou adotar critérios subjetivos para deferimento de


inscrição ou aprovação em concursos, em empresas privadas, em razão de
sexo, idade, cor, situação familiar ou estado de gravidez; (Incluído pela Lei nº
9.799, de 26.5.1999)

VI - proceder o empregador ou preposto a revistas íntimas nas empregadas ou


funcionárias. (Incluído pela Lei nº 9.799, de 26.5.1999)

Parágrafo único. O disposto neste artigo não obsta a adoção de medidas


temporárias que visem ao estabelecimento das políticas de igualdade entre
homens e mulheres, em particular as que se destinam a corrigir as distorções
que afetam a formação profissional, o acesso ao emprego e as condições gerais
de trabalho da mulher. (Incluído pela Lei nº 9.799, de 26.5.1999)

Lei 9.029/95

Art. 1o É proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa


para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção, por motivo
de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência,
reabilitação profissional, idade, entre outros, ressalvadas, nesse caso, as
hipóteses de proteção à criança e ao adolescente previstas no inciso XXXIII do
art. 7o da Constituição Federal. (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015)

Art. 2º Constituem crime as seguintes práticas discriminatórias:

I - a exigência de teste, exame, perícia, laudo, atestado, declaração ou qualquer


outro procedimento relativo à esterilização ou a estado de gravidez;

II - a adoção de quaisquer medidas, de iniciativa do empregador, que


configurem;

a) indução ou instigamento à esterilização genética;

b) promoção do controle de natalidade, assim não considerado o oferecimento


de serviços e de aconselhamento ou planejamento familiar, realizados através
de instituições públicas ou privadas, submetidas às normas do Sistema Único
de Saúde (SUS).

Pena: detenção de um a dois anos e multa.

Parágrafo único. São sujeitos ativos dos crimes a que se refere este artigo:

I - a pessoa física empregadora;


II - o representante legal do empregador, como definido na legislação
trabalhista;

III - o dirigente, direto ou por delegação, de órgãos públicos e entidades das


administrações públicas direta, indireta e fundacional de qualquer dos Poderes
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Art. 3°. Sem prejuízo do prescrito no art. 2o desta Lei e nos dispositivos legais
que tipificam os crimes resultantes de preconceito de etnia, raça, cor ou
deficiência, as infrações ao disposto nesta Lei são passíveis das seguintes
cominações: (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015)

I - multa administrativa de dez vezes o valor do maior salário pago pelo


empregador, elevado em cinquenta por cento em caso de reincidência;

II - proibição de obter empréstimo ou financiamento junto a instituições


financeiras oficiais.

Exemplos discriminatórios que ferem a dignidade de trabalhadoras:

 Exigir que a pessoa alise o cabelo, emagreça, utilize vestimentas que não sejam o
uniforme, pergunta sobre a pretensão de ser mãe.
 Empresa que coloque no anúncio a preferência por boa aparência, jovem, solteira.

Lei 9.029/95

Art. 4°. O rompimento da relação de trabalho por ato discriminatório, nos


moldes desta Lei, além do direito à reparação pelo dano moral, faculta ao
empregado optar entre: (Redação dada pela Lei nº 12.288, de 2010)

I - a reintegração com ressarcimento integral de todo o período de


afastamento, mediante pagamento das remunerações devidas, corrigidas
monetariamente e acrescidas de juros legais; (Redação dada pela Lei nº 13.146,
de 2015) → a trabalhadora volta para o mesmo contrato de trabalho.

II - a percepção, em dobro, da remuneração do período de afastamento,


corrigida monetariamente e acrescida dos juros legais.

Caso emblemático3: uma professora trans de SP foi afastada de metade de sua carga
horária, perdendo parte significativa de seus rendimentos quando passou pelo

3
Vídeo de 2018: Escola deve recontratar professora transexual demitida por discriminação:
https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2018/09/12/justica-de-sp-condena-escola-a-recontratar-
professora-transexual-demitida-por-discriminacao.ghtml
procedimento transição de gênero e, posteriormente, foi demitida. Essa professora
ingressou com reclamação trabalhista e o Tribunal deferiu o pedido de danos morais no
montante de 30 mil e sua reintegração.

Justiça de SP condena escola a recontratar professora


transexual demitida por discriminação

Juíza ainda determinou que Anglo pague indenização de R$ 30 mil por dano moral
a Luiza Coppieters. Colégio nega demissão por preconceito, mas diz que irá
cumprir decisão judicial.

Por Kleber Tomaz, G1 SP — São Paulo

12/09/2018 06h00 Atualizado há 8 meses

Você também pode gostar