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BIOQUIMICA FISIOLÓGICA

Chama-se metabolismo ao conjunto de reacções químicas que ocorrem nas células, e que lhe permitem
manter-se viva, crescer e dividir-se. Classicamente, divide-se o metabolismo em:

catabolismo - obtenção de energia e poder redutor a partir dos nutrientes.

anabolismo - produção de novos componentes celulares, em processos que geralmente utilizam a


energia e o poder redutor obtidos pelo catabolismo de nutrientes.

Existe uma grande variedade de vias metabólicas. Em humanos, as vias metabólicas mais importantes
são:

glicólise - oxidação da glucose a fim de obter ATP

ciclo de Krebs - oxidação do acetil-CoA a fim de obter energia

fosforilação oxidativa - eliminação dos electrões libertados na oxidação da glucose e do acetil-CoA.


Grande parte da energia libertada neste processo pode ser armazenada na célula sob a forma de ATP.

via das pentoses-fosfato - síntese de pentoses e obtenção de poder redutor para reacções anabólicas

ciclo da ureia - eliminação de NH4+ sob formas menos tóxicas

β-oxidação dos ácidos gordos - transformação de ácidos gordos em acetil-CoA, para posterior utilização
pelo ciclo de Krebs.

gluconeogénese -síntese de glucose a partir de moléculas mais pequenas, para posterior utilização pelo
cérebro.
vias metabólicas, glicólise, glicogénio, via das pentoses fosfato, ciclo de Krebs, ciclo da ureia, ácidos
gordos

As diversas vias metabólicas relacionam-se entre si de forma complexa, de forma a permitir uma
regulação adequada. Este relacionamento envolve a regulação enzimática de cada uma das vias, o perfil
metabólico característico de cada órgão e controlo hormonal.

Regulação das vias metabólicas

Regulação da glicólise

O fluxo metabólico através da glicólise é regulado em três pontos:

hexocinase: é inibida pelo próprio produto, glucose-6-P

fosfofrutocinase: inibida por ATP e por citrato (que sinaliza a abundância de intermediários do ciclo de
Krebs). É também inibida por H+, o que é importante em situações de anaerobiose (a fermentação
produz ácido láctico, que faz baixar o pH). Provavelmente este mecanismo impede que nestas situações a
célula esgote toda a sua reserva de ATP na reacção da fosfofrutocinase, o que impediria a activação da
glucose pela hexocinase. É estimulada pelo substrato (frutose-6-fosfato), AMP e ADP (que sinalizam falta
de energia disponível), etc.

piruvato cinase: inibida por ATP, alanina, ácidos gordos e por acetil-Co. Activada por frutose-1,6-
bisfosfato e AMP

Regulação da gluconeogénese

O fluxo é regulado nas reacções características da gluconeogénese. Assim a piruvato carboxilase é


activada por acetil-CoA, que sinaliza a abundância de intermediários do ciclo de Krebs, i.e., diminuição da
necessidade de glucose.

Regulação do ciclo de Krebs

O ciclo de Krebs é controlado fundamentalmente pela disponibilidade de substratos, inibição pelos


produtos e por outros intermediários do ciclo.

piruvato desidrogenase: é inibida pelos próprios produtos, acetil-CoA e NADH

citrato sintase: é inibida pelo próprio produto, citrato. Também inibida por NADH e succinil-CoA
(sinalizam a abundância de intermediários do ciclo de Krebs).

isocitrato desidrogenase e a-cetoglutarato desidrogenase: tal como a citrato sintase, são inibidas por
NADH e succinil-CoA. A isocitrato desidrogenase também é inibida por ATP, e estimulada por ADP.Todas
as desidrogenases mencionadas são estimuladas pelo ião cálcio.

Regulação do ciclo da ureia

A actividade da carbamoil-fosfato sintetase é estimulada por N-acetilglutamato, que assinala a


abundância de azoto no organismo.

Regulação do metabolismo do glicogénio

O fígado possui uma hexocinase com pouca afinidade para a glucose e que não é inibida por glucose-6-P.
Portanto, a glucose só é fosforilada no fígado quando existe no sangue em concentrações muito elevadas
(i.e. depois das refeições). Assim, quando a concentração de glucose no sangue é baixa o fígado não
compete com os outros tecidos, e quando os níveis de glucose são elevados o excesso de glucose é
convertido pelo fígado em glicogénio.

Regulação do metabolismo dos ácidos gordos

A entrada dos acil-CoA na mitocôndria é um factor crucial na regulação. O malonil-CoA, que se encontra
presente no citoplasma em grande quantidade em situações de abundância de combustíveis
metabólicos, inibe a carnitina aciltransferase impedindo que os acil-CoA entrem na mitocôndria para
serem degradados. Além disso a 3-hidroxiacil-CoA desidrogenase é inibida por NADH e a tiolase é inibida
por acetil-CoA, o que diminui a degradação de ácidos gordos quando a célula tem energia em
abundância.

Regulação da via das pentoses-fosfato

O fluxo metabólico na via das pentoses-fosfato é determinado pela velocidade da reacção da glucose-6-
fosfato-desidrogenase, que é controlada pela disponibilidade de NADP+.

Perfis metabólicos dos órgãos mais importantes

Cérebro

Utiliza normalmente apenas glucose como fonte de energia. Armazena muito pouco glicogénio, pelo que
necessita de um fornecimento constante de glucose. Em jejuns prolongados, adapta-se à utilização de
corpos cetónicos. É sempre incapaz de utilizar ácidos gordos.

Fígado

Uma das suas principais funções é manter o nível de glucose no sangue, através da gluconeogénese e da
síntese e degradação do glicogénio. Realiza a síntese de corpos cetónicos em situações de abundância de
acetil-CoA. Responsável pela síntese da ureia.

Tecido adiposo

Sintetiza ácidos gordos e armazena-os sob a forma de triacilgliceróis. Por acção do glucagon, hidroliza
triacilgliceróis em glicerol e ácidos gordos, que liberta para a corrente sanguínea em lipoproteínas.

Músculo

Utiliza glucose, ácidos gordos, corpos cetónicos e aminoácidos como fonte de energia. Possui uma
reserva de creatina fosfatada, um composto capaz de fosforilar ADP em ATP e assim produzir energia sem
gasto de glucose. A quantidade de creatina presente no músculo é suficiente para cerca de 3-4 s de
actividade. Após este período, realiza a glicólise, primeiro em condições anaeróbicas (por ser bastante
mais rápida do que o ciclo de Krebs) e posteriormente (quando o aumento da acidez do meio diminui a
actividade da fosfofrutocinase e o ritmo da glicólise) em condições aeróbicas.

Rim

Pode realizar a gluconeogénese e libertar glucose para a corrente sanguínea. Responsável pela excreção
de electrólitos, ureia, etc. A síntese de ureia, que ocorre no fígado, usa HCO3-, o que contribui para a
descida do pH sanguíneo. Situações de acidose metabólica poderão portanto ser agravadas pela acção do
ciclo da ureia. Nestas circunstâncias, o azoto é eliminado pela acção conjunta do fígado e do rim: o
excesso de azoto é primeiro incorporado em glutamina pela glutamina sintase. A glutaminase renal cliva
então a glutamina em glutamato e NH3, que excreta imediatamente. Este processo permite a excreção
de azoto sem eliminar o anião bicarbonato.

Controlo hormonal

É efectuado principalmente por duas hormonas sintetizadas pelo pâncreas: a insulina e o glucagon. A
insulina é libertada pelo pâncreas quando a concentração de glucose no sangue é elevada, i.e., sinaliza a
abundância de glucose. A insulina estimula a entrada de glucose no músculo, a síntese de glicogénio e a
síntese de triacilglicéridos pelo tecido adiposo. Inibe a degradação do glicogénio e a gluconeogénese. O
glucagon é produzido pelo pâncreas quando os níveis de glucose no sangue baixam muito, e tem efeitos
contrários aos da insulina. No fígado, o glucagon vai estimular a degradação do glicogénio e a absorção
de aminoácidos gluconeogénicos. Vai também inibir a síntese do glicogénio e promover a libertação de
ácidos gordos (a nível do tecido adiposo).

1.METABOLISMO DOS ÁCIDOS GORDOS


β-oxidação dos ácidos gordos

A maior parte da reserva energética do organismo encontra-se armazenada sob a forma de


triacilglicéridos. Estes podem ser hidrolizados por lipases a glicerol e ácidos gordos:
Lipases

O glicerol pode seguir para a glicólise depois de oxidado a dihidroxiacetona fosfatada na face externa da
membrana interna da mitocôndria. Os dois electrões libertados nesta oxidação são recebidos pela
ubiquinona (Q), que os transfere para a cadeia transportadora de electrões.

Metabolismo do glicerol

Os ácidos gordos terão um destino diferente: a β-oxidação, que ocorre na mitocôndria. Antes de
entrarem na mitocôndria, os ácidos gordos são activados. A reacção de activação ocorre no citoplasma, e
consiste na sua transformação em acil-CoA. Como sabemos do ciclo de Krebs, as ligações tioéster são
muito energéticas: para a fazer, um ATP é hidrolizado a AMP (equivalente à hidrólise de 2 ATP em 2 ADP).

Activaçao dos ácidos gordos


A membrana da mitocôndria é impermeável aos acil-CoA. Para entrarem na mitocôndria estes reagem
com um aminoácido "especial", a carnitina, libertando a coenzima A. A carnitina esterificada é
transportada para dentro da mitocôndria por um transportador específico. Dentro da mitocôndria, a
carnitina transfere o grupo acilo para uma outra molécula de CoA. A carnitina livre volta então para o
citoplasma através do transportador. Note que neste processo não existe transporte de CoA para dentro
da mitocôndria: as reservas citoplasmática e mitocondrial de CoA não se misturam.

A b-oxidação dos ácidos gordos consiste num ciclo de 3 reacções sucessivas, idênticas à parte final do
ciclo de Krebs: desidrogenação, hidratação da ligação dupla formada e oxidação do álcool a uma cetona:

Oxidação dos ácidos gordos

Por acção da enzima tiolase, liberta-se acetil-CoA, e um acil-CoA com menos dois carbonos que o acil-
CoA original.

tiolase

A repetição do ciclo permite a degradação total de um ácido gordo de cadeia par em acetil-CoA, que
pode entrar no ciclo de Krebs, onde é completamente oxidado a CO2. É por isso impossível utilizar acetil-
CoA para produzir oxaloacetato para (a partir deste), realizar a gluconeogénese.

Os ácidos gordos insaturados seguem um percurso semelhante, embora novas enzimas sejam
necessárias para a oxidação na proximidade da ligação insaturada. No caso desta ligação se localizar num
carbono ímpar, intervém a Δ3, Δ2-enoil-CoA isomerase. Esta enzima transfere a ligação dupla do carbono
3 para o carbono 2, permitindo a continuação da β-oxidação. Neste ciclo de β-oxidação não se forma
FADH2.

metabolismo de ácidos gordos insaturados em carbono ímpar

No caso da ligação dupla se localizar num carbono par, é necessária a intervenção da 2,4-dienoil-CoA
reductase: a presença das ligações duplas conjugadas faz com que a reacção de hidratação tenha mais
tendência a ocorrer no carbono 4 do que no carbono correcto (2). A 2,4-dienoil-CoA reductase
transforma as ligações conjugadas Δ4, Δ2 numa única ligação dupla Δ3. Os electrões necessários para
esta conversão provêm do NADPH. O processo continua seguidamente de forma análoga à oxidação de
ácidos gordos insaturados em carbono ímpar.

metabolismo de ácidos gordos insaturados de carbono par

Um ácido gordo de cadeia ímpar dá origem, na última ronda do ciclo a acetil-CoA e propionil-CoA. Para
que este possa ser utilizado pelo ciclo de Krebs, é necessário adicionar-lhe um átomo de carbono, o que é
feito por carboxilação. O metilmalonil assim formado é então rearranjado a succinil-CoA, numa reacção
assistida pela cobalamina (a vitamina B12).

metabolismo de ácidos gordos de cadeia ímpar

O succinil-CoA, além de ser um intermediário no ciclo de Krebs, é um precursor do hemo. Uma


deficiência em vitamina B12 resulta por isso na dificuldade de sintetizar hemo, i.e., no desenvolvimento
de anemia perniciosa. Esta doença é o resultado da dificuldade de sequestrar cobalamina a nível do
estômago, e surge em indivíduos predispostos em idade avançada. Antes dos modernos meios de
produção de cobalamina, o tratamento consistia na ingestão diária de quantidades razoáveis de fígado
cru, que é bastante rico nesta vitamina. O aparecimento da doença quase só em indivíduos idosos é uma
consequência do facto de termos no fígado uma reserva de B12 suficiente para cerca de 3-5 anos, pelo
que deficiências na sua absorção têm um efeito muito retardado.

O succinil-CoA é oxidado pelo ciclo de Krebs a malato, que depois de passar para o citoplasma pode ser
utilizado na gluconeogénese. No citoplasma pode também ser descarboxilado a piruvato pela enzima
málica, com produção simultânea de NADPH:

enzima málica, NADPH

O piruvato pode entrar na mitocôndria, e ser completamente oxidado a CO2 pelo ciclo de Krebs.

Degradação peroxissomal de ácidos gordos


Os peroxissomas são pequenos organelos onde decorre a b-oxidação de ácidos gordos de cadeia longa,
de forma a facilitar a sua degradação subsequente pela mitocôndria. As principais diferenças entre os
dois processos são:

os ácidos gordos difundem-se livremente para dentro do peroxissoma, não precisando de ser
transportados pela carnitina. Os produtos de oxidação seguem para a mitocôndria, depois de
esterificarem a carnitina.

a oxidação do acil CoA não é feita pelo FAD, mas pelo oxigénio, produzindo peróxido de hidrogénio.

A tiolase peroxissomal é praticamente inactiva com acil-CoA com menos de 8 carbonos. Por isso, a
degradação de ácidos gordos no peroxissoma é incompleta.

Síntese de corpos cetónicos (Cetogénese)

Uma grande quantidade do acetil-CoA produzido pela b-oxidação dos ácidos gordos nas mitocôndrias do
fígado é convertida em acetoacetato e b-hidroxibutirato (também denominados corpos cetónicos). Estes
compostos podem ser usados pelo coração e pelos músculos esqueléticos para produzir energia. O
cérebro, que normalmente depende da glucose como fonte de energia, pode também utilizar corpos
cetónicos durante um jejum prolongado (maior do que 2-3-dias). A síntese de corpos cetónicos começa
pela condensação de duas moléculas de acetil-CoA, para formar acetoacetil-CoA:

A condensação de outra molécula de acetil-CoA produz 3-hidroxi-3-metil-glutaril-CoA (HMG-CoA). Esta


reacção é idêntica, no seu mecanismo, à condensação do oxaloacetato com o acetil-CoA para formar
citrato, que ocorre no ciclo de Krebs.
O HMG-CoA é então degradado a acetoacetato e acetil-CoA:

acetoacetato, corpos cetónicos

O acetoacetato assim produzido passa para a corrente sanguínea e é distribuído pelos tecidos. Uma vez
absorvido, reage na mitocôndria com o succinil-CoA, produzindo succinato e acetoacetil-CoA, que pode
ser clivado em duas moléculas de acetil-CoA.

Síntese de ácidos gordos


Em situações de abundância de acetil-CoA, o fígado e o tecido adiposo sintetizam ácidos gordos. O
processo de síntese apresenta bastantes semelhanças com o inverso da b-oxidação, mas também tem
diferenças importantes:

ocorre no citoplasma, e não na mitocôndria.

usa NADPH como fonte de electrões

o transportador de grupos acilo é a ACP (Acyl Carrier Protein), e não a coenzima A.

A síntese de ácidos gordos é feita a partir de acetil-CoA. No entanto, o processo é endergónico, pelo que
o acetil-CoA deve ser previamente activado. Este é portanto carboxilado pela acetil-CoA carboxilase, uma
enzima que tal como as outras carboxilases (p.ex., do piruvato ou do propionil-CoA) possui biotina:
malonil-CoA

O malonil é então transferido para a proteína transportadora de acilos (ACP), dando a origem a malonil-
ACP. Este será então condensado com acetil-ACP (sintetizado de forma semelhante a partir de acetil-
CoA).

malonil ACP

Em animais, todos os passos da síntese do ácido palmítico (o ácido gordo saturado com 16 carbonos) são
catalizados pela sintase dos ácidos-gordos, uma enzima bastante grande que leva a cabo todas as
reacções seguintes desta via. O butiril-ACP produzido na primeira reacção vai ser transformado em butil-
ACP. A sequência de reacções é o inverso da que ocorre na b-oxidação, i.e., redução, desidratação e
hidrogenação:

síntese de ácidos gordos


O butil-ACP pode então condensar com outra molécula de malonil-ACP. O ciclo repete-se sete vezes, até
se formar palmitoil-ACP, que por hidrólise produz ácido palmítico. A estequiometria da síntese do ácido
palmítico é portanto:

Acetil-CoA + 7 Malonil-CoA + 14 NADPH + 7 H+ ---> palmitato + 7 CO2 + 14 NADP+ + 8 CoA + 6 H2O

Ácidos gordos insaturados ou de cadeia mais longa são produzidos a partir do ácido palmítico por acção
de elongases e desaturases.

Note que a síntese de ácidos gordos ocorre no citoplasma, ao passo a a síntese de acetil-CoA ocorre na
mitocôndria. É por isso necessário transportar acetil-CoA para o citoplasma. Isto é feito pelo sistema de
transporte dos ácidos tricarboxílicos, também chamado ciclo do citrato: o citrato formado na mitocôndria
por condensação do acetil-CoA com oxaloacetato difunde-se para o citoplasma, onde é clivado pela
citrato-liase em acetil-CoA e oxaloacetato, que é depois reduzido a malato, que se pode difundir de volta
para a mitocôndria. Por acção da enzima málica, o malato também pode ser usado para produzir parte
do NADPH necessário para a síntese dos ácidos gordos. O restante NADPH deve ser produzido pela via
das pentoses-fosfato.

2.Degradação de aminoácidos e do ciclo da ureia


Além de serem constituintes das proteínas os aminoácidos podem ser usados como precursores de
moléculas biológicas azotadas: hemos, nucleótidos, glutationa, animas fisiologicamente activas, etc.

O excesso de aminoácidos da dieta não é armazenado nem excretado: é convertido em piruvato,


oxaloacetato, a-cetoglutarato, etc. Consequentemente, os aminoácidos são também precursores de
glucose, ácidos gordos e corpos cetónicos. Podem por isso ser usados também para produção de energia.

O processo envolve a eliminação do grupo amina (desaminação), incorporação do amónio assim


produzido em ureia para posterior excreção e conversão do esqueleto carbonado em intermediários
metabólicos.

A desaminação da maior parte dos aminoácidos envolve uma transaminação prévia, que consiste na
transferência do seu grupo amino para um a-cetoácido, produzindo o aminoácido correspondente ao a-
cetoácido e o a-cetoácido correspondente ao aminoácido original. Geralmente o aceitador do grupo
amina é o a-cetoglutarato, que é convertido em glutamato:

As aminotransferases usam piridoxal-5'-fosfato, um derivado da vitamina B6. O piridoxal está também


envolvido em reacções de descarboxilação de aminoácidos, e de eliminação das suas cadeia laterais. É
também o cofactor envolvido na reacção da glicogénio fosforilase, embora neste caso o mecanismo de
actuação seja diferente. As aminotransferases são específicas para cada tipo de aminoácido, produzindo
os a-cetoácidos correspondentes. No entanto, a maioria só aceita a-cetoglutarato ou (em menor
extensão) oxaloacetato, como aceitador de grupo amina, produzindo glutamato ou aspartato. Por
conseguinte, os grupos amina da maior parte dos aminoácidos são utilizados para produzir glutamato ou
aspartato, que por sua vez podem ser interconvertidos pela glutamato-aspartato aminotransferase.
Existe um grupo de aminotransferases musculares que usa piruvato (que também é um a-cetoácido)
como aceitador de amina. O aminoácido produzido por estas (a alanina), é lançado para a corrente
sanguínea e absorvido pelo fígado, onde é transaminado a piruvato, que será usado na gluconeogénese.
A glucose assim produzida é depois oxidada a piruvato pelo músculo, completando o ciclo da alanina. O
grupo amina é depois utilizado para a síntese da ureia. O resultado do ciclo da alanina é o transporte de
azoto do músculo para o fígado.

A transaminação conserva os grupos amina. A desaminação é levada a cabo principalmente pela


glutamato desidrogenase, uma enzima mitocondrial que usa quer NAD+ quer NADP+.
O azoto libertado sob a forma de amoníaco nesta reacção deve ser excretado. Muitos animais aquáticos
excretam-no simplesmente sob a forma de amónio. Outros animais, que não têm tanta água à sua
disposição, convertam o amónio em produtos menos tóxicos, e que por isso não precisam de tanta água
para serem excretados. Um desses produtos é a ureia.

As causas da toxicidade do amónio não estão bem elucidadas, mas sabe-se que quando a concentração
de amónio é muito alta, este reage com o glutamato para formar glutamina, numa reacção catalizada
pela glutamina sintase.

Para repôr os níveis de glutamato, outros aminoácidos reagem com o a-cetoglutarato por transaminação.
O resultado é o progressivo esgotamento das reservas de a-cetoglutarato e glutamato, com
consequências particularmente lesivas a nível cerebral.

A ureia é sintetizada no fígado, que depois a secreta para a corrente sanguínea, de onde será excretada
pelo rim. A reacção global do ciclo da ureia é:
O primeiro passo é a formação de carbamoil-fosfato, uma forma activada de azoto:

O grupo carbamoil é então transferido para a ornitina para produzir citrulina. Esta duas moléculas são
aminoácidos "especiais", i.e., não fazem parte da estrutura de proteínas.

Estas duas primeiras reacções ocorrem na mitocôndria. A citrulina é então transferida para o citoplasma,
onde ocorre o resto do ciclo.

O segundo átomo de azoto presente na ureia é proveniente do aspartato:


Nesta reacção o ATP é hidrolizada a AMP, em vez de ADP (como acontece normalmente). Como o AMP
pode receber um fosfato do ATP, dando origem a 2 ADP, hidrolizar ATP a AMP é equivalente a hidrolizar 2
ATP a 2 ADP.

O argininosuccinato é depois clivado em arginina e fumarato:

O fumarato pode entrar no ciclo de Krebs para produzir NADH e oxaloacetato, que por sua vez pode ser
reconvertido em aspartato por transaminação.

A hidrólise da arginina produz ureia e ornitina, que depois de reentrar na mitocôndria pode recomeçar o
ciclo.
O ciclo da ureia tem um elevado custo energético, equivalente à hidrólise de 4 ATP a 4 ADP. No entanto,
este custo pode ser recuperado na cadeia transportadora de electrões, uma vez que um NADH é
produzido na desaminação do glutamato e outro NADH na posterior oxidação do fumarato a
oxaloacetato, o que é equivalente a cerca de 6 ATP.

3. Ciclo de Krebs
O piruvato produzido na glicólise ainda contém bastante poder redutor (verifique o estado de oxidação
de cada um dos seus carbonos e compare-o com o estado de oxidação do carbono no CO2). Este poder
redutor vai ser aproveitado pela célula no ciclo de Krebs. Em primeiro lugar, o piruvato é utilizado para
produzir acetil-CoA, que é uma forma activada de acetato (CH3COO-)

Ciclo de Krebs : descarboxilação do piruvato, piruvato desidrogenase, acetil-CoA

Nesta reacção intervém a piruvato desidrogenase. É uma enzima bastante complexa, que contém
bastantes cofactores: lipoamida, FAD, coenzima A. A hidrólise da ligação tioéster (S-C=O) do acetil-CoA é
bastante exergónica, pelo que a sua formação exige energia. Essa energia provém da descarboxilação do
piruvato (note que o piruvato tinha três carbonos e a porção acetil do acetilCoA apenas possui dois: o
grupo carboxilato migrou como CO2). A energia proveniente de descarboxilações é frequentemente
usada pela célula para empurrar um equilíbrio no sentido da formação de produtos, como se verá em
várias reacções do ciclo de Krebs e na gluconeogénese.

Na primeira reacção do ciclo de Krebs, o acetil-CoA é adicionado a oxaloacetato, dando origem a citrato,
numa reacção de adição aldólica. A hidrólise do tioéster ajuda a deslocar o equilíbrio no sentido da
formação de produtos:
Ciclo de Krebs : citrato sintetase

O citrato é depois isomerizado a isocitrato. Este é então descarboxilado a a-cetoglutarato. Se o citrato


não tivesse sido isomerizado a isocitrato antes da descarboxilação, esta produziria um composto de
carbono ramificado, mais difícil de metabolizar.

Ciclo de Krebs : citrato, isocitrato, cetoglutarato, aconitase, isocitrato desidrogenase

Tal como o piruvato, o a-cetoglutarato é um a-cetoácido, i.e., possui um grupo carbonilo adjacente ao
grupo ácido carboxílico. É portanto de prever que reaja exactamente como o piruvato, i.e., que a sua
descarboxilação forneça energia suficiente para que se forme uma ligação tioéster com a coenzima A. E é
isto que de facto ocorre... A enzima responsável por esta reacção, a a-cetoglutarato desidrogenase, é
aliás bastante análoga à piruvato desidrogenase na sua composição e cofactores.
Ciclo de Krebs : cetoglutarato desidrogenase

A ligação tioéster do succinil-CoA é, como todas as ligações tioéster, bastante energética.A sua hidrólise
vai constituir o único ponto do ciclo de Krebs onde ocorre produção directa de ATP (ou equivalente).

O succinato é, tal como o oxaloacetato, um produto com quatro carbonos. A parte final do ciclo de Krebs
consiste em regenerar o oxaloacetato a partir do succinato. O succinato é primeiro oxidado a fumarato,
pelo complexo succinato desidrogenase (também denominado complexo II), que se encontra na face
matricial da membrana interna da mitocôndria. A oxidação de ligação simples a dupla (alcanos a alcenos)
tem um potencial demasiado elevado para que os electrões possam ser aceites pelo NAD+ (E0=-320 mV).
A célula utiliza portanto FAD (E0= 0 mV)como aceitador destes electrões. A hidratação do fumarato
produz malato, que depois é oxidado a oxaloacetato, completando o ciclo. Uma sequência semelhante de
reacções ocorre na b-oxidação dos lípidos.

Ciclo de Krebs : succinato, fumarato, malato, oxaloacetato


O resultado do ciclo de Krebs é portanto:

Acetil-CoA + oxaloacetato + 3 NAD+ + GDP + Pi +FAD --> oxaloacetato + 2 CO2 + FADH2 + 3 NADH + 3 H+ +
GTP

A concentração de glucose na corrente sanguínea é mantida a níveis sensivelmente constantes de cerca


de 4-5 mM. A glucose entra nas células por difusão facilitada. Este processo não permite a acumulação
na célula de concentrações de glucose superiores às existentes no sangue, pelo que a célula deve ter um
processo para acumular glucose no seu interior. Isto é feito por modificação química da glucose pela
enzima hexocinase:

Glicolise : hexocinase

A membrana celular é impermeável à glucose-6-fosfato, que pode por isso ser acumulada na célula. A
glucose-6-fosfato será utilizada na síntese do glicogénio (uma forma de armazenamento de glucose) ,
para produzir outros compostos de carbono na via das pentoses fosfato, ou degradada para produzir
energia - glicólise.

Para poder ser utilizada na produção de energia, a glucose-6-fosfato é primeiro isomerizada a frutose-6-
fosfato. A frutose-6-fosfato é depois fosforilada a frutose-1,6-bisfosfato numa reacção catalizada pela
fosfofrutocinase. Este é o ponto de não-retorno desta via metabólica: a partir do momento em que a
glucose é transformada em frutose-1,6-bisfosfato já não pode ser usada em nenhuma outra via.

Glicolise : glucose-6-fosfato frutose-6-fosfato, frutose-1,6-bisfosfato

Seguidamente, numa reacção inversa da adição aldólica, a frutose-1,6-bisfosfato é clivada em duas


moléculas de três carbonos cada:
aldolase

Estas duas moléculas (dihidroxiacetona fosfatada e gliceraldeído-3-fosfato) são facilmente


interconvertíveis por isomerização. Portanto, basta uma via metabólica para degradar as duas. É por esta
razão que a glucose-6-P foi isomerizada a frutose-6-P: a clivagem da glucose pela reacção inversa da
condensação aldólica daria origem a duas moléculas bastante diferentes, de dois e quatro átomos de
carbono, respectivamente, que exigiriam duas vias metabólicas diferentes para a sua degradação.

Os aldeídos têm potenciais de oxidação redução bastante baixos (cerca de -600 a -500 mV). A reacção de
oxidação do gliceraldeído-3-fosfato pelo NAD+ (E0=-320 mV) é portanto bastante espontânea. É uma
reacção tão exergónica que pode ser usada para produzir ATP (a produção de ATP a partir de ADP e Pi
pode ser realizada se existir uma diferença de potencial de cerca de 180 mV). A produção de ATP é feita
em dois passos. No primeiro, dá-se a oxidação do gliceraldeído-3-fosfato e a fosforilação do ácido
produzido.
Glicolise : gliceraldeído-3-fosfato e formação do primeiro ATP

Os ácidos fosforilados (tal como os fosfoenóis e os fosfoguanidinos) têm grupos fosfatos bastante
energéticos: a saída do grupo fosfato dá origem a espécies muito mais estabilizadas por ressonância. O
grupo fosfato do carbono 1 do 1,3-bisfosfoglicerato pode por isso ser transferido para ADP, produzindo
ATP.

O 3-fosfoglicerato é isomerizado a 2-fosfoglicerato, que depois de desidratado (i.e. perder H2O) dá


origem a um fosfoenol:

Glicolise : formação do fosfoenolpiruvato (PEP)

Devido ao seu elevado potencial de transferência de fosfato o fosfoenolpiruvato pode transferir um


fosfato ao ADP:
Glicolise : piruvato cinase

Na glicólise gastam-se portanto dois ATP, e produzem-se quatro ATP. O NAD+ tem de ser regenerado, caso
contrário a glicólise pára, uma vez que é substrato de uma das reacções. Em condições aeróbicas, o
NADH transfere os seus electrões para a cadeia transportadora de electrões. Na ausência de O2 o NADH
transfere os seus electrões para o próprio piruvato, dando origem a lactato. É o que se denomina
fermentação : um processo em que o aceitador final dos electrões provenientes da degradação é um
produto orgânico da própria degradação.

4/5. Fermentação e Respiração


Os electrões libertados pela oxidação de substratos são transferidos pelas enzimas para moléculas
especiais: os aceitadores de electrões. Os aceitadores de electrões podem ser de vários tipos, e os mais
comuns são o NAD+ e o FAD. Cada uma destas moléculas pode receber dois electrões, transformando-se
respectivamente em NADH+H+ e FADH2. Como as quantidades de NAD+ e FAD na célula são muito
pequenas, é necessário haver mecanismos para transformar o NADH+H+ e FADH2 de novo em NAD+ e o
FAD. Isto é feito por transferência dos electrões do NADH+H+ e FADH2 para outras moléculas, o que pode
ocorrer por fermentação ou respiração. A distinção entre estes não é (ao contrário do que geralmente se
pensa) o facto de um utilizar O2 e o outro não!

Fermentação

Na fermentação, a molécula que recebe os electrões do NADH (ou FADH2) é um produto da mesma via
metabólica que produziu o NADH (ou FADH2). Por exemplo, nos músculos, durante exercício físico
intenso, o NADH produzido na glicólise transfere os seus electrões para o piruvato (uma molécula
orgânica produzida também pela glicólise), dando origem a lactato.

fermentação láctica
(A relação entre a descida do pH dos músculos durante a produção do lactato e a ocorrência de cãibras é
discutida em pormenor nestes dois artigos). Esta é a fermentação láctica . Existem muitos outros tipos de
fermentação em microorganismos, sendo o mais conhecido a fermentação alcoólica:

fermentação alcoólica

Respiração

Na respiração, a molécula que recebe os electrões do NADH (ou FADH2) não é um produto da mesma via
metabólica que produziu o NADH (ou FADH2). Existem microorganismos que utilizam como aceitador de
electrões SO42-, SeO42- ,NO3-, NO2-, NO, U6+ (urânio), Fe3+, H+, etc. Os mamíferos utilizam O2, e a sua
respiração é por isso chamada respiração aeróbica. A respiração aeróbica ocorre na membrana interna da
mitocôndria, que contém os complexos proteicos de transferência electrónica. Cada um destes
complexos recebe electrões de uma molécula e transfere-os para outra molécula diferente, e o conjunto
chama-se por isso cadeia transportadora de electrões:

NADH desidrogenase ou complexo I. Em mamíferos é constituído por mais de vinte cadeias


polipeptídicas, de muitas das quais não se conhece a função. Este complexo recebe os dois electrões do
NADH+H+ e transfere-os através de agregados de Fe-S para uma molécula lipofílica a ubiquinona (Q), que
se transforma então em ubiquinol (QH2). Neste complexo a transferência de electrões para a ubiquinona
liberta energia suficiente para transportar protões (H+) da matriz mitocondrial para o espaço
intermembranar, o que faz diminuir o pH do espaço intermembranar em relação à matriz. (Mais
pormenores, incluindo uma estrutura tridimensional manipulável, aqui)
sucinato desidrogenase ou complexo II. É a única enzima do ciclo de Krebs que não se encontra na matriz
mitocondrial. Oxida succinato a fumarato, e transfere os dois electrões para uma molécula de FAD, que é
reduzida a FADH2. Posteriormente estes electrões são transferidos para a ubiquinona, tal como acontece
no complexo I. (Mais pormenores, incluindo uma estrutura tridimensional manipulável, aqui)

citocromo bc1 ou complexo III. Recebe os electrões do ubiquinol produzido pelos complexos I e II, e
transfere-os para o citocromo c, uma pequena proteína solúvel presente no espaço intermembranar.
(Mais pormenores, incluindo uma estrutura tridimensional manipulável, aqui).

citocromo c oxidase ou complexo IV. Transfere quatro electrões para o O2, reduzindo-o a duas moléculas
de água. Estes electrões provêm de outras tantas moléculas de citocromo c. (Mais pormenores, incluindo
uma estrutura tridimensional manipulável, aqui)

cadeia transportadora de electrões, membrana interna da mitocôndria

ATP sintetase, teoria quimiosmótica, Mitchell Nos complexos I, III e IV a transferência electrónica liberta
energia suficiente para transportar H+ da matriz mitocondrial para o espaço intermembranar. Isto
provoca um aumento da concentração de H+ (e do potencial eléctrico) no espaço intermembranar, i.e.
um maior potencial químico do H+ no espaço intermembranar do que na matriz. No entanto, quando se
têm duas soluções de potencial químico diferente separadas por uma membrana, o soluto tem tendência
para se deslocar do local onde o seu potencial químico é maior para o local em que o seu potencial
químico é menor (o que, para uma substância sem carga eléctrica, é equivalente a mover-se dos locais de
maior concentração para os de menor concentraçao).

No entanto, como a membrana interna da mitocôndria é impermeável ao H+, em condições normais a


única forma destes protões voltarem para a matriz é através de uma proteína especial: a ATP sintetase.
Esta proteína é constituída por duas partes: um canal intermembranar de protões (F0) e uma porção
voltada para a matriz mitocondrial (F1). A porção F1 é constituída por várias subunidades com diferentes
funções, e usa a energia do movimento de protões de volta à matriz para sintetizar ATP a partir de ADP e
Pi.

A quantidade de ATP produzida pela ATP sintetase está por isso relacionada com a diferença de
concentração de H+ através da membrana. Uma vez que a oxidação do NADH provoca transferência de
protões da matriz para o espaço intermembranar em 3 complexos (I, III e IV) ao passo que a oxidação do
FADH2 só provoca essa transferência em dois complexos (III e IV) a quantidade de ATP produzida a partir
do NADH é maior do que a produzida a partir do FADH2. São produzidos quase 3 ATP por NADH e quase 2
ATP por cada FADH2.

O NADH não consegue atravessar a membrana da mitocôndria. Existem por isso processos para transferir
os electrões do NADH produzido no citoplasma durante a glicólise para a cadeia transportadora de
electrões. Estes são:

o vaivém do malato-aspartato (que também é importante na gluconeogénese: o NADH transfere os seus


electrões ao oxaloacetato. Este transforma-se em malato, que pode entrar na mitocôndria, onde é
novamente transformado em oxaloacetato, com formação de NADH dentro da mitocôndria. Este NADH
transfere então os seus electrões para a cadeia transportadora de electrões através do complexo I. Neste
caso produzem-se aproximadamente 3 ATP por cada NADH citoplasmático.

Vaivem do malato
o vaivém do glicerol-3-P. Neste vaivém, que é muito activo no tecido adiposo castanho, o NADH
citoplasmático transfere os seus electrões à dihidroxiacetona-fosfato (DHAP), que é um intermediário da
glicólise. Esta transforma-se em glicerol-3-P, que pode doa os seus electrões à ubiquinona através de uma
glicerol-3-P desidrogenase situada na face externa da membrana interna da mitocôndria. Neste caso
produzem-se aproximadamente 2 ATP por cada NADH citoplasmático.

Vaivem do glicerol-3-P

É possível ocorrer respiração mitocondrial sem produção de ATP: basta arranjar uma forma de fazer com
que os protões regressem à matriz sem passarem pela ATP sintetase. Isto pode ser feito com ionóforos:
moléculas lipossolúveis com capacidade de transportar iões. São produzidas p. ex. por plantas, para se
defenderem de fungos parasitas. No tecido adiposo castanho, existe uma proteína (a termogenina) que
funciona como canal de protões na membrana interna da mitocôndria: o regresso dos protões à matriz
através dessa proteína em vez da ATP sintetase é responsável pela geração de calor característica deste
tipo de tecid

5.Via das pentoses-fosfato


Para realizar o seu anabolismo, a célula não precisa apenas de energia (ATP): também precisa de poder
redutor, sob a forma de NADPH. O NADPH é produzido durante a oxidação da glucose-6-P por uma via
distinta da glicólise, a via das pentoses-fosfato. Esta via é muito activa em tecidos envolvidos na
biossíntese de colesterol e de ácidos gordos (fígado, tecido adiposo, cortex adrenal, glândulas mamárias).
Esta via também produz ribose-5-P, o açúcar constituinte dos ácidos nucleicos.

A glucose-6-P é primeiro oxidada no seu carbono 1, dando origem a uma lactona (um ácido carboxílico
cíclico). Os electrões libertados são utilizados para reduzir uma molécula de NADP+. O anel é então
aberto por reacção com água:

pentoses fosfato: formação de NADPH

A descarboxilação do gluconato liberta dois electrões, que vão reduzir outra molécula de NADP+. Obtém-
se assim um açúcar de 5 carbonos, a ribulose-5-fosfato, que por isomerização é transformado em ribose-
5-P. (Na figura assinalam-se a verde as diferenças entre os isómeros).

pentoses fosfato: descarboxilação do fosfogluconato e formação do segundo NADPH


O que se passa a seguir depende das necessidades da célula: se a célula só precisar de NADPH e não
precisar de ribose-5-P esta poderá ser reaproveitada. Isto é feito através de 3 reacções. Na primeira, a
ribose-5-P recebe dois carbonos da xilulose-5-P (obtida por epimerização da ribulose-5-P):

pentoses fosfato: reciclagem de pentoses

Seguidamente, são transferidos três carbonos da sedoeptulose-7-P para o gliceraldeído-3-P:

pentoses fosfato: reciclagem de pentoses

Por transferência de dois carbonos da xilulose-5-P para a eritrose-4-P, forma-se outra molécula de
frutose-6-P e uma molécula de gliceraldeído-3-P:
pentoses fosfato: reciclagem de pentoses

O balanço destas últimas reacções é:

2 xilulose-5-P + ribose-5-P -----> 2 frutose-6-P + gliceraldeído-3-P

A frutose-6-P e o gliceraldeído-3-P podem ser utilizados na glicólise para produção de energia, ou


reciclados pela gluconeogénese para formar novamente glucose-5-P. Neste último caso, através de seis
ciclos da via das pentoses-fosfato e da gluconeogénese uma molécula de glucose-6-P pode ser
completamente oxidada a seis moléculas de CO2 com produção simultânea de 12 moléculas de NADPH.
Quando as necessidades de ribose-5-P são superiores às de NADPH, esta pode ser produzida por estas
reacções a partir de frutose-6-P e gliceraldeído-3-P.

Gluconeogénese
Existem duas formas principais de manter os níveis de glucose no sangue entre as refeições: a
degradação do glicogénio e a gluconeogénese. A Gluconeogénese consiste na síntese de glucose a partir
de outros compostos orgânicos (piruvato, succinato, lactato, oxaloacetato, etc.). O processo é bastante
semelhante ao inverso da glicólise. De facto, quase todas as reacções da glicólise são reversíveis em
situações fisiológicas. As três excepções são as reacções catalizadas por:

piruvato cinase
fosfofrutocinase

hexocinase

Na gluconeogénese, cada um destes passos é substituído por reacções termodinamicamente favoráveis.


Desses três passos, a síntese do fosfoenolpiruvato a partir do piruvato é o mais exigente em termos
energéticos, por ter um DG bastante positivo. Para ultrapassar esta barreira termodinâmica, esta reacção
vais ser acoplada a uma descarboxilação, uma estratégia usada frequentemente pela célula para
empurrar um equilíbrio no sentido da formação de produtos, como se verá em várias reacções do ciclo
de Krebs. Como quer o piruvato quer o fosfoenolpiruvato (PEP) são compostos com três carbonos, isto
implica uma carboxilação prévia, cuja energia provém da hidrólise do ATP. A descarboxilação do
oxaloacetato assim formado produz a energia necessária para a fosforilação do carbono 2 pelo GTP,
dando origem ao fosfoenolpiruvato (numa reacção catalizada pela fosfoenolpiruvato carboxicinase -
PEPCK).

gluconeogénese : piruvato,oxaloacetato,fosfoenolpiruvato

A enzima responsável pela carboxilação do piruvato (a piruvato carboxilase) existe na matriz


mitocondrial, e contém biotina. O oxaloacetato (OAA) formado nesta reacção é incapaz de atravessar a
membrana da mitocôndria. Pode sair da mitocôndria apenas depois de transformado em malato ou
aspartato. A escolha do processo depende da disponibilidade de NADH (necessário para a
gluconeogénese) no citoplasma. Se houver NADH suficiente no citoplasma (p.ex. se se estiver a realizar
gluconeogénese a partir do lactato) o oxaloacetato é transaminado a aspartato. Caso contrário, o OAA é
reduzido a malato, que sai da mitocôndria para o citoplasma, onde é novamente oxidado a OAA com
produção simultânea de NADH. O OAA é então descarboxilado a PEP pela PEPCK citoplasmática. Em
humanos, existe também uma PEPCK mitocondrial.
As reacções catalizadas pela fosfofrutocinase e pela hexocinase são substituídas na gluconeogénese por
reacções hidrolíticas. Neste ponto, em vez de fosforilar ADP a ATP (o inverso da glicólise, mas
desfavorecido termodinamicamente em condições fisiológicas), ocorre a libertação do fosfato por
hidrólise:

gluconeogénese - frutose-1,6-bisfosfatase

A frutose 1,6-bisfosfatase existe em quase todos os tecidos, mas a glucose-6-fosfatase existe apenas no
fígado e no rim, o que lhes permite fornecer glucose ao resto do organismo:

gluconeogénese - glucose-6-fosfatase

Durante o exercício físico intenso, o lactato produzido nos músculos é enviado para a corrente sanguínea,
e pode ser utilizado pelo fígado para sintetizar novas moléculas de glucose. Apesar de se gastarem no
fígado 6 ATP por cada molécula de glucose assim sintetizada, e de estas apenas gerarem 2 ATP no
músculo em condições anaeróbicas, o processo é vantajoso pois permite a manutenção do exercício (o
que pode ser determinante para a sobrevivência do indivíduo, p. ex. permitindo escapar a um predador,
ou a continuação da perseguição a uma presa).
GLICOGÉNESE
Logo que entra na célula, a glucose é fosforilada a glucose-6-P pela enzima hexocinase:

glucose-6-P

A membrana celular é impermeável à glucose-6-fosfato, que pode por isso ser acumulada na célula. A
glucose-6-fosfato será utilizada na síntese do glicogénio (uma forma de armazenamento de glucose), na
síntese de outros compostos de carbono na via das pentoses fosfato, ou degradada para produzir energia
- glicólise.

Grandes quantidades de glucose-6-P dentro da célula provocam um aumento da pressão osmótica.


Nessas condições a água terá tendência a entrar para dentro da célula, provocando um aumento do seu
volume e eventual lise. Por isso, a glucose-6-P vai ser armazenada sob a forma de um polímero: o
glicogénio. O glicogénio é um polissacarídeo pouco solúvel (e que portanto não provoca aumento da
pressão osmótica), bastante ramificado e constituído exclusivamente por monómeros de glucose unidos
entre si por ligações a-1,4 e a-1,6 (nas ramificações):

glicogénio

Para poder ser utilizada na síntese do glicogénio, a glucose-6-fosfato é primeiro isomerizada a glucose-1-
fosfato, pela enzima fosfoglucomutase.

fosfoglucomutase

A adição de glucose-1-P ao carbono 4' de uma extremidade da cadeia de glicogénio não é uma reacção
favorecida termodinamicamente em condições fisiológicas, uma vez que o potencial de transferência de
fosfato das ligações C-O-P normais é bastante baixo. Por isso, a glucose-1-P vai ser activada, i.e., vai ser
transformada numa espécie com alto potencial de transferência de fosfato. Isto é conseguido por reacção
com uridina trifosfatafa (UTP, uma molécula análoga do ATP, mas com uridina no lugar da adenina).
UDP-glucose

Esta reacção, só por si, não parece ser termodinamicamente favorável, pelo que se poderia pensar que
não teria utilidade. No entanto, o pirofosfato (PPi) que se forma nesta reacção pode ser hidrolizado,
numa reacção bastante exergónica. A eliminação do PPi empurra o equilíbrio no sentido de formação da
UDP-glucose, ilustrando mais uma vez o princípio da utilização de uma reacção bastante exergónica para
tornar espontânea uma outra reacção que de outra forma não seria favorecida termodinamicamente.

A UDP-glucose tem um elevado potencial de transferência de fosfato, o que lhe permite doar glucose à
extremidade 4' de uma cadeia de glicogénio, numa reacção catalizada pela glicogénio sintase:

glicogénio sintetase
A glicogénio sintase só consegue adicionar glucose a cadeias de glicogénio pré-existentes, i.e., não é
capaz de começar a síntese de uma nova molécula de glicogénio. A síntese do glicogénio é iniciada pela
adição de uma molécula de glucose a um resíduo de tirosina de uma proteína denominada glicogenina.

As ramificações são realizadas por uma "enzima ramificadora". Esta actua sobre cadeias lineares de
glicogénio com pelo menos 11 glucoses. A enzima ramificadora (amilo(1,4 -->1,6)-transglicosilase)
transfere segmentos terminais de glicogénio de cerca de 7 resíduos de glucose para o grupo OH no
carbono 6 de um resíduo de glucose (que pode estar na mesma ou noutra cadeia). As ramificações
devem estar a pelo menos 4 resíduos de distância uma da outra.

Degradação do glicogénio

O glicogénio é degradado pela acção conjunta de três enzimas:

glicogénio fosforilase, que cliva uma ligação a(1-4) com fosfato inorgânico (Pi). Esta enzima só cliva
resíduos de glucose que estejam a mais de 4 resíduos de distância de uma ramificação. Utiliza piridoxal,
um derivado da vitamina B6, como cofactor.

glicogénio fosforilase
Uma molécula de glicogénio com ramos de apenas 4 glucoses (o que se denomina uma "dextrina-limite")
não pode ser degradada apenas pela glicogénio fosforilase. Necessita da acção da enzima seguinte:

enzima desramificadora do glicogénio: transfere três resíduos de glucose de uma ramo limite para outro
ramo. O último resíduo da ramificação (com uma ligação a(1-6)) é eliminado por hidrólise, dando como
resultado glucose livre e glicogénio desramificado. A hidrólise é catalizada pela mesma enzima
desramificadora.

enzima desramificadora do glicogénio

A glicogénio fosforilase é bastante mais rápida do que a enzima desramificadora, pelo que os ramos
exteriores do glicogénio são degradados muito rapidamente no músculo em poucos segundos quando é
necessária muita energia. A degradação do glicogénio para lá deste ponto exige a enzima desramificadora
e é portanto mais lenta, o que explica em parte o facto do musculo só poder exercer a sua máxima força
durante poucos segundos.

fosfoglucomutase: cataliza a isomerização de glucose-1-P a glucose-6-P, e vice-versa:

glucose-1-P to glucose-6-P
A glucose 6-fosfato pode então ser utilizada na glicólise. Ao contrário do músculo, o fígado (e em menor
extensão, o rim) possui glucose-6-fosfatase, uma enzima hidrolítica que cataliza a desfosforilação da
glucose 6-fosfato, o que lhe permite fornecer glucose ao resto do organismo:

glucose-6-fosfatase

Regulação do metabolismo do glicogénio

A glicogénio fosforilase é activada por uma sequência de reacções de activação desencadeadas pela
ligação de uma hormona a um receptor membranar específico. A hormona responsável pelo processo é
diferente no fígado e no músculo, e isto está relacionada com o diferente papel destes órgãos e com as
enzimas neles presentes:

o músculo não possui glucose-6-fosfatase, e não pode por isso transformar a glucose-6-P (que não pode
sair da célula)em glucose (que pode sair das células). O glicogénio do músculo é por isso uma reserva de
glucose-6-P para consumo póprio em situações de emergência. A sua degradação é estimulada pela
ligação de uma hormona que sinaliza situações de perigo: a adrenalina (também chamada epinefrina).

o fígado possui glucose-6-fosfatase, e pode por isso transformar a glucose-6-P (que não pode sair da
célula) em glucose (que pode sair das células). O seu glicogénio é por isso uma reserva de glucose para
utilização por outras células em períodos de carência de glucose. A sua degradação é estimulada pela
ligação de uma hormona libertada pelo pâncreas qundo os níveis de glucose no sangue estão baixos: o
glucagon.

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