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XVII Encontro Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação (XVII ENANCIB)

GT 10 – Informação e Memória

A JUREMA SAGRADA: DESCORTINANDO MISTÉRIOS, REVERENCIANDO


MEMÓRIAS

THE SACRED JUREMA: UNVEILING MYSTERIES, REVERING


MEMORIES

Maria Nilza Barbosa Rosas1, Bernardina Maria Juvenal Freire de Oliveira2

Modalidade da apresentação: Comunicação Oral

Resumo: Neste trabalho o objetivo é refletir e problematizar sobre a Jurema, tomando como
foco processos religiosos e históricos. Apresentamos neste texto discussões prévias de
pesquisa nos em andamento cujo objetivo é compreender a tradição do culto da Jurema na
Paraíba e sua importância informacional na perspectiva da memória. Nosso principal interesse
é penetrar no modo de ser dessa religiosidade buscando, principalmente, os aspectos ligados
ao fenômeno das crenças populares, posto que, estas pertencem a um olhar temporal de longa
duração e se reproduzem com alterações, transformações e adendos ao longo da história.
Partindo do modo como esse debate tem tido lugar nos estudos sobre a religiosidade juremeira
são utilizados dados bibliográficos e etnográficos, por meio de um compartilhamento das
memórias, com atenção preferencial em relação a tópicos como o ritual e a possessão nos
terreiros, para melhor compreensão do significado dos ritos. Considerando a informação como
fator preponderante nas manifestações religiosas culturais, entendemos que o espaço dedicado
à prática da Jurema pode revelar a dimensão da produção social de informação e

1 Doutora em Letras pela UFPB e pós-doutoranda pelo PPGCI /UFPB

2 DCI / PPGCI / UFPB


conhecimento. Salientamos que a Jurema é uma manifestação religiosa mediúnica,
tipicamente nordestina e de inclusão espiritual, conduzida para a prática da caridade, por meio
dos espíritos que incorporam terreiros.

Palavras-chave: Jurema. Religiosidade. Crença Popular. Memória.

Abstract: This study reflects and debates about the Jurema, focusing on historical and
religious processes. In this text, we present previous ongoing research discussions, which
objective is to understand the tradition of Jurema’s cult in Paraíba and its informational
importance to the memory perspective. Our main interest is to penetrate into the way of life of
this religiosity seeking for, mainly, the aspects related to the phenomenon of popular beliefs,
considering that these belong to a temporal look of long duration and that they reproduce
themselves with alterations, transformations and addendums along history. From how this
debate has been taking place in the studies about the juremeira religiosity, ethnographic and
bibliographic data are used, through a memory sharing, with special attention to some topics
as the ritual and the possession in the terreiros, in order to understand better the meaning of
the religious rites. Considering the information as a preponderant factor in the cultural
religious manifestations, we understand that the space dedicated to the Jurema practice can
reveal the dimension of the social production of information and knowledge. We stress that
the Jurema is a mediumistic religious manifestation, typical from the northeast region, of
spiritual inclusion, conducted to the practice of charity, through spirits that
incorporate terreiros.

Keywords: Jurema’s cult. Religiosity. Memory.

1 INTRODUÇÃO

Não é a morfologia social que domina e explica a


religião, como queria Durkheim, mas ao contrário é o
aspecto místico que domina o social. (BASTIDE,
1971, p. 45).

Religião e religiosidade são produções humanas situadas na esfera da cultura. A religião


sempre foi parte integrante da vida do homem, como fenômeno cultural, que ocorre no tempo
e no espaço. A temática da religião vem, no Brasil, apresentando interesse cada vez mais
intenso entre os pesquisadores, que reconhecem a importância do sagrado na vida das pessoas.
Essa preocupação com a experiência religiosa de indivíduos e grupos sociais representa tema
central em várias ciências dedicadas ao estudo do homem, dentre os quais citamos a
psicologia da religião, tanto na abordagem freudiana, em que se considera o caráter ilusório
da religião quanto na junguiana, na qual se valorizam os sonhos, mitos e seus símbolos.
Desponta também, na sociologia, através do pensamento de Durkheim (2009) e Weber (1974).
Na antropologia, a temática surge nas teorias da religião dominadas pela vontade de explicar a
origem das religiões. Na perspectiva humanista é defendida a dimensão subjetiva e a
experiência vivida pelo indivíduo e os grupos sociais. Nas diversas direções de análise se
incluem a diversidade dos fenômenos religiosos e as inúmeras suposições para explicar a
expansão e/ou retração de diferentes religiões.
Concentrando nossa atenção sobre o componente religioso na cultura realizamos um
estudo situando a Jurema na Paraíba, associado a processos religiosos e históricos. Nosso
principal interesse é penetrar no modo de ser dessa religiosidade, buscando principalmente os
aspectos ligados ao fenômeno das crenças populares, posto que, estas pertencem a um olhar
temporal de longa duração e se reproduzem com alterações, transformações e adendos ao
longo da história.
A Jurema é tradicionalmente usada para fins rituais e medicinais. Seus efeitos
alucinógenos e curativos já foram relatados por muitos que a consumiram, no entanto, há
carência de material científico dedicado a uma explicação ou comprovação desses efeitos.
Como destaca Grünewald (1995), outros elementos são misturados ou usados
concomitantemente à Jurema nos rituais indígenas, por exemplo, o manacá, o maracujá
silvestre, entre outros. Neste trabalho focalizamos a Jurema sob o aspecto ritual, de onde
surgem manifestações diversas de práticas religiosas que fundamentam fenômenos como os
de construção de identidade social e memória coletiva. Deixamos claro que a Jurema faz parte
não apenas de ritos indígenas, mas sua utilização ritual acha-se também difundida entre
diversos sistemas de cultos, tais como catimbós, candomblés etc.
Neste estudo a informação é considerada fator preponderante nas manifestações
religiosas culturais. Entendemos que o espaço dedicado ao culto da Jurema pode revelar a
dimensão da produção social de informação e conhecimento, uma vez que essa prática não se
restringe a uma posição receptora de informações, mas abarca múltiplas possibilidades de
interação decorrentes dos processos informacionais nesse espaço (MARTELETO, 2003).
Na esteira do pensamento de Marteleto (2003), podemos dizer que esse é um
posicionamento que leva os indivíduos do simples papel de receptores e espectadores para o
de sujeitos produtores da informação e do conhecimento, pois os sujeitos agem nesse espaço,
denominado sagrado, ajudando a melhorar e a transformar a realidade desse ambiente.
Apresentamos neste texto discussões prévias de pesquisa em andamento cujo objetivo é
compreender a tradição do culto da Jurema na Paraíba e sua importância informacional na
perspectiva da memória. Partindo do modo como esse debate tem tido lugar nos estudos sobre
as práticas religiosas dos nativos, bem como as religiões de matriz africana, são utilizados
dados bibliográficos, com atenção preferencial em relação a tópicos como crenças, ritos e
símbolos.
O percurso da pesquisa - a tradição do culto da Jurema na Paraíba e sua importância
informacional na perspectiva da memória - envolve o universo das subjetividades e suas
construções históricas, que estão inseridas em contextos culturais, sociais, políticos e
econômicos. O marco temporal abrange as memórias coletivas e as manifestações da
religiosidade juremeira no presente, embora reconheçamos que a memória coletiva retém do
passado aquilo que ainda é capaz de viver na consciência do grupo que a mantém. Nessa
perspectiva, os saberes e as práticas da jurema vão se reconstruindo por meio de práticas
sociais e fluxo de representações desse social.
Esclarecemos que esta investigação não se propõe a uma recuperação da memória,
posto que, não concebemos a memória como algo uniforme e estático. Nesse entendimento
nos propusemos a pesquisar situações em que a memória é construída e reconstruída dentro
do espaço na qual se insere, assim adotamos procedimentos flexíveis de pesquisa, os quais
sugerem um conjunto de técnicas interpretativas que visam a descrever os componentes de um
sistema de significados (BECKER, 1999). O trabalho de descrição tem caráter relevante em
um estudo qualitativo, pois é por meio dele que os dados são coletados (MINAYO, 1992).
Na fase preliminar da pesquisa foi realizado um trabalho de mapeamento das fontes que
compõem os centros juremeiros na cidade de João Pessoa.
Em um segundo momento, realizamos pesquisa bibliográfica a partir da qual se tornou
possível refletir sobre as contribuições de autores da Ciência da Informação, como também
dos campos da História e da Antropologia da Informação, na verificação do ambiente que
compõe o culto da Jurema, sob a perspectiva dos domínios da Memória. Como resultado o
trabalho apresenta considerações acerca da constituição e preservação de memórias como
elementos que determinaram o surgimento religioso e social dos cultos da Jurema e sua
influência na discussão dos debates acerca da mediação da informação. Nessa fase tomamos
conhecimento da incorporação do culto do Catimbó Jurema dentro da Umbanda, com a
utilização de plantas nos seus rituais, com seus banhos, suas ervas, seus chás, sendo uma
característica importante para os processos ritualísticos.
Em uma terceira etapa (em andamento), iniciamos com pesquisa de campo em alguns
centros na cidade de João Pessoa, por meio da técnica da visitação e observação em campos
de reconhecimento, para depois nos aprofundarmos na religião juremeira e umbandista.
Em João Pessoa, três são as denominações principais da religiosidade: Catimbó-Jurema,
Umbanda e Candomblé. De acordo com Gonçalves (2013), os registros iniciais do Catimbó
apontam fins da década de 1950. Nele, predominaram as mesas do Catimbó-Jurema, marcadas
pela influência kardecista e do catolicismo popular. A partir de 1960, é o período de chegada e
expansão da Umbanda, quando ela passa a incorporar o Catimbó-Jurema e surgem as
federações do culto. E por último, o período que se estende da segunda metade da década de
80 aos dias atuais, marcado pelo surgimento dos primeiros terreiros de Candomblé e sua
expansão facilitado pelo pluralismo religioso e pela liberdade de culto. Gonçalves (2013)
ressalta que, com o passar do tempo, devido às práticas dos rituais de Catimbó, acontece o
processo de ressignificação do Catimbó-Jurema para a Umbanda.
Segundo preceitua Fernandes (1938), o Catimbó, além da enfatizada herança indígena,
traz elementos negros de longas datas. Bastide (1971) concebe o Catimbó como uma religião
já organizada quando o negro chegou à região. Para Bastide, o Catimbó teria se desagregado
na magia negra e no espiritismo.
Como esclarece Gonçalves (2013), a chegada da Umbanda em João Pessoa ocorreu na
década de 1960, com a liberação do culto por Lei Estadual, surgimento da primeira Federação
dos Cultos Africanos do Estado da Paraíba (FECAB), primeiros registro oficiais de terreiros,
reconhecimento de pais de santo, uso de tambores nos rituais e eventos de divulgação da
religião por meio de Mostras de Umbanda e festas de Iemanjá nas praias, entre outros. A
Umbanda incorporou as formas locais de expressão da religiosidade afro-brasileira, o
Catimbó-Jurema, e a partir da década de 1980, tornou-se interlocutora principal do recém-
chegado Candomblé.
Segundo apresenta Gonçalves (2013), em 1966 ocorreu a promulgação da Lei Estadual
3.443 de 6 de novembro que tornou “livre o exercício dos cultos africanos em todo o território
do Estado da Paraíba, observadas as disposições constantes desta lei”, ano em que surgiu a
FECAB, a primeira do gênero no Estado. Gonçalves (2013) esclarece que a consolidação das
religiões afro-brasileiras em João Pessoa está ligada às formas locais do Catimbó-Jurema e às
influências provenientes de Recife, da Bahia e do Rio de Janeiro, além de algumas
manifestações isoladas do Tambor de Mina Maranhense.
Conforme mapeamento oficial, sob a coordenação da Casa de Cultura (ONG), na
Grande João Pessoa foram identificados 111 terreiros das religiões de matriz africana,
Umbanda e Jurema, do município de João Pessoa. Atualmente há na cidade seis federações
além da representação do Instituto Nacional da Tradição e Cultura Afro-Brasileira
(INTECAB). Interessante destacar que a pesquisa identificou um percentual de 54% dos
terreiros são dirigidos por homens e 46% são dirigidos por mulheres. Como destaca
Gonçalves (2013), por essa época os terreiros passaram a ser reconhecidos como templos e,
aos poucos, os cultos foram ganhando estatuto de religião, deixando a esfera genérica da
cultura, da magia ou do folclore. Nesse ínterim, surge um instrumento legal de garantias (Lei
Estadual 3.433), bem como a primeira Federação dos Cultos e as primeiras lojas de produtos
religiosos destinados à prática religiosa afro-brasileira (GONÇALVES, 2013).
Assim, podemos dizer que a Jurema se firma no cerne do livre fluxo de informação e da
relação informação e conhecimento. Na esteira do pensamento de Barreto (1998, não
paginado), podemos dizer que
A estrutura da relação entre o fluxo de informação e o público a quem o
conhecimento é dirigido vem se modificando com o tempo, como uma
função das diferentes técnicas que operam na transferência da informação do
gerador ao receptor. O fluxo em si, [é] uma sucessão de eventos, de um
processo de mediação entre a geração da informação por uma fonte emissora
e a aceitação da informação pela entidade receptora [...].

Ainda seguindo as proposições de Barreto, a respeito do fluxo de informação:

O fluxo de informação que, através de processos de comunicação, realiza a


intencionalidade do fenômeno da informação não almeja somente uma
passagem. Ao atingir o público a que se destina deve promover uma
alteração; aqueles que recebem e podem elaborar a informação estão
expostos a um processo de desenvolvimento, que permite acessar um estágio
qualitativamente superior nas diversas e diferentes gradações da condição
humana. E esse desenvolvimento é repassado ao seu mundo de convivência
(BARRETO, 1998, não paginado).

Estudar os processos informacionais a partir do que acontece nos cultos da Jurema, os


seus ritos e suas crenças é uma forma de desvendarmos o contexto social e espiritual, além de
percebermos as conexões e interações daí decorrentes. É justamente sobre o posicionamento
da Jurema no sistema social de populações indígenas cujos rituais passaram por um processo
sincrético que este trabalho se debruça.
Esta breve contextualização tem o propósito de levar à compreensão sobre a
religiosidade juremeira em João Pessoa, uma religiosidade que contribui para sanar os anseios
dos fiéis através do culto à natureza, da utilização de plantas nos seus rituais, do chá
miraculoso, do transe mediúnico. Para Grünewald (1995), todos esses elementos são de
expressiva simbologia e revelam uma significativa incorporação do culto do Catimbó-Jurema
dentro da Umbanda. Assim, a questão do processo informacional e comunicacional é
apresentada tendo o espaço da Jurema como atividade prática, a partir das relações tecidas
entre os juremeiros e frequentadores, de seus processos e produções simbólicas e materiais.
Como preceitua Marteleto (2007, p. 13), “cada vez que realinhamos o cabedal de
conceitos, questões, abordagens e métodos para pensar sobre a informação, as lentes
empregadas para olhar, ver e enxergar abre novos feixes e ângulos de leitura sobre a realidade
informacional”. Sob esse aspecto, nos situamos na interface cultura, informação e memória.
“Informação é artefato material e simbólico de produção de sentidos, fenômeno da ordem do
conhecimento e da cultura. Por conta desse ordenamento gera memória” (MARTELETO,
2007, p.14).
Portanto, este trabalho se orienta pelos caminhos dos sentidos e das práticas culturais
em ambientes juremeiros, daí a centralidade da memória nesse campo. O reconhecimento
sobre a mediação da informação, que tem origem nas interações sociais e nas mediações
simbólicas, foi suficiente para embasamento do processo informacional. Como diria Marteleto
(2007), processo que consiste em uma ação ligada à vida e ao modo de construção de
sentidos.

2 RELIGIÃO E RELIGIOSIDADE: elos de interpretações

A religião está presente em toda a existência


dos adeptos. (BASTIDE, 1971).
A religião e religiosidade expressam, mais que as crenças ou práticas, a cultura
contemporânea, isto é, um conjunto de significados simbólicos que permitem entender o
pensamento e a mentalidade das pessoas, as relações sociais, as instituições políticas.
As práticas da religiosidade são manifestações não institucionalizadas da religiosidade
e, por isso, são sincréticas, livres de ortodoxias dominantes. A religiosidade, como destaca
Ramos (2010), revela aquilo que é próprio do ser humano, a busca pelo sagrado, tanto como
fuga ou explicação para o real vivido, ou ainda para negociações e entendimentos com as
divindades na procura de soluções de problemas.
A história das religiões indígenas e afro-brasileiras (o Catimbó-Jurema, a Umbanda, o
Candomblé) é, em geral, narrada por meio de um procedimento recursivo que situa essas
religiões numa história que lhes é exterior para, em seguida, reduzir o seu estudo ao
esclarecimento do seu verdadeiro lugar nessa história previamente fixada (GOLDMAN,
2009). Como esclarece Goldman (2009), fins do século XIX e pouco mais da metade do
século XX alguns pesquisadores, preocupados em detectar sobrevivências africanas,
enfatizavam o sistema de culto, os objetos rituais, os símbolos e os mitos. Para Goldman
(2009), a partir dos anos 70 do século XX, esses ritos, mitos e símbolos passaram a ser
analisados como a expressão de relações sociais concretas contemporâneas, e não como
sobrevivências de um passado.
Os primeiros estudos da cultura negra no Brasil são de Nina Rodrigues e Homero
Pires. Ambos demonstravam em seus escritos extremo preconceito em relação a essa cultura.
Nina Rodrigues, por exemplo, via as manifestações religiosas como histeria. Outro autor a se
destacar é Manuel Querino. Ele foi o primeiro, no início do século XX, a valorizar a
contribuição da cultura africana na formação da civilização brasileira. Bastide (1971), entre os
anos 40 e 70 no século XX, por sua vez, se utiliza das obras desses autores, mas de forma
crítica (SILVA, 2002).
Conforme relata Silva (2002), Nina Rodrigues em 1900, com seu texto sobre os rituais
fetichistas dos negros baianos inaugura uma linha de pesquisa antropológica, uma forma de
narrar sobre o fenômeno religioso marcado pela preocupação em explicitar uma minuciosa e
severa documentação daquilo que foi observado em campo.
Preocupado em saber se os africanos no Brasil estariam aptos, para a integração na
sociedade brasileira, Bastide (1971) explora a questão do que pode ocorrer com um sistema de
crenças e valores quando perde o seu enraizamento social em sentido estrito. Na expressão de
Goldman (2009, p.103), Bastide acreditava ser a diáspora africana no Brasil, “uma espécie de
laboratório propício para uma experiência em torno dos desajustes e reajustes, entre uma
superestrutura que perdeu a sua base, e uma infraestrutura que é trabalhada por forças que
escapam ao controle dos agentes e que atuam sobre o conjunto, modificando-o
continuamente”. Diante dessa realidade, expressa Goldman (2009, p.103):

A ênfase parece ter sido desviada de preocupações com o detalhe sobre os


cultos para os aspectos sociológicos e, mais especificamente, sociopolíticos
aparentemente mais amplos. Além disso, uma atenção preferencial em
relação a tópicos como o ritual, a mitologia, a possessão foi cedendo espaço
a um interesse crescente pelas formas de interação e convivência com a
chamada sociedade abrangente. Também pode ser observado certo
deslocamento do objeto empírico de formas tidas, por vezes, como mais
"puras": o candomblé baiano fornecendo o paradigma para esse tipo de
análise, para aquelas mais "sincréticas" como a umbanda.

Para Goldman (2009), o problema consistia em tentar desvendar o mistério,


constituído pela permanência dessas religiões primitivas num país que se modernizava. Mas o
problema fora resolvido com o apelo à noção de sobrevivência, que explicava, por meio de
uma espécie de inércia própria das instituições culturais, a permanência das crenças e
costumes ameríndios e africanos desde o período da colonização. Durante a constituição
colonial, a miscigenação cultural criou no Brasil um conjunto de elementos religiosos,
informando sobre vários sentidos e revelando o sistema econômico, o social, o étnico; um
sistema cultural que mostra a capacidade adaptativa do povo brasileiro em absorver
características externas e transformá-las. Por essa época, como preceitua Goldman (2009), o
Brasil esteve inserido no ideal de cruzada presente em Portugal. Os portugueses buscavam
cristãos e especiarias, pretendendo encontrar riquezas que pudessem ser comercializadas e
cristianizar o mundo.
Ramos (2010) esclarece que a origem desse processo de ocupação territorial serviu de
certa forma, às intenções da igreja católica. O catolicismo serviu como insígnia do poder da
coroa e a não aceitação da fé em cristo, que foi considerada como contestação do poder do rei
e afronta direta a todo português, uma contestação que motivou o extermínio dos indígenas,
vistos como pagãos e infiéis. “Os verdadeiros donos da Terra foram hostilizados, ao contrário
do que levaria supor o estereótipo do bom selvagem em voga ainda hoje, e que tantas vezes
falseou a retratação dos ameríndios quinhentistas” (RAMOS, 2010, p. 2).
Dentro deste contexto, ressaltamos que a alternativa dos indígenas foi partir rumo ao
interior, pois as suas manifestações culturais, entre elas o politeísmo, não agradavam em nada
aos missionários cristãos. Os africanos, por sua vez, eram vigiados de perto por seus senhores
e fiscalizados pelos eclesiásticos católicos. Na qualidade de escravos, foram obrigados a
aceitar a fé em cristo como símbolo da submissão aos europeus e à coroa portuguesa.
Grünewald (1995) esclarece que numa primeira fase da colonização, a resistência dos
povos indígenas no Nordeste não permitiu que a Jurema fosse conhecida, em seus usos e
significados, como árvore sagrada, não sendo assim documentada pelos colonizadores e
cronistas à época. No entanto, como reforça o autor, o Catimbó-Jurema aparece em
documentos escritos por viajantes e missionários europeus que visitaram a região por volta do
século XVI. Poderíamos citar o nome de alguns missionários que estiveram no Brasil, mas
destacamos Jean de Léry, que esteve no Brasil por volta de 1557 e relata um ritual onde os
maracás ou chocalhos, elementos utilizados até hoje nas sessões do Catimbó, são
reverenciados como deuses: “[...] caraíbas vão de aldeia em aldeia e enfeitam seus maracás
com as mais bonitas penas; em seguida, ordenam que lhes sejam dados comida e bebida”
(LÉRY, 1980, p.210). O que Léry descreveu foi provavelmente um ritual do Catimbó-Jurema.
Souza e Andrade Júnior (2013) explicam que com o passar do tempo, acontece o
processo de ressignificação do Catimbó-Jurema para a Umbanda e apontam a Umbanda como
uma religião constituída pelas matrizes africana, indígena, católica popular e kardecista e
chegou ao Nordeste na década de 1960. Para os autores, é provavelmente neste momento que
o Catimbó estabelece contato com a Umbanda, passando a adotar alguns aspectos da doutrina.
Relatam Souza e Andrade Júnior (2013, p.05), que “em algumas regiões do Nordeste, as
práticas da Jurema coexistem harmoniosamente no mesmo espaço onde se cultua a
Umbanda”. O Catimbó parece ter percebido na Umbanda uma oportunidade de se legitimar
como religião, tendo em vista que esta, já se encontrava representada institucionalmente.
(SOUZA; ANDRADE JÚNIOR, 2013). Sendo assim,

A criação da Federação Espírita Umbandista-FEU em 1939, proporcionou


legalidade à religião que ainda era muito recente. Com o tempo, essas
federações ramificaram-se em sedes regionais, passando a reconhecer as
demais religiões e religiosidades de caráter mediúnico. A Umbanda, por sua
vez, parece não ter relutado em aceitar as transformações trazidas pela
Jurema, pois a flexibilidade e dinamismo presentes desde suas origens faz
parte de sua estrutura, além do mais, essa hibridação colaborou para a
expansão do culto umbandista para o interior do Nordeste (SOUSA;
ANDRADE JÚNIOR, 2013, p.05).

Como ressaltam Sousa e Andrade Júnior (2013), essas religiões contribuíram para a
formação do sincretismo religioso brasileiro e sua simbologia polissêmica colaborou para
formar a cultura brasileira que, com sua capacidade adaptativa, é tributária do pensamento e
da prática religiosas colonial, abarcando em seu interior elementos que ajudaram a modelar o
sincretismo contemporâneo polissêmico típico da mentalidade brasileira. Como afiançam os
autores, a expansão territorial portuguesa, durante o período colonial, foi acompanhada pela
rubrica do catolicismo, símbolo da submissão dos indígenas e, posteriormente, dos escravos
africanos ao poder da coroa portuguesa. Sendo a fé em cristo imposta, indígenas iniciaram
uma fuga em busca de espaços aonde pudessem praticar seus credos sem a punição dos
missionários cristãos (SOUSA; ANDRADE JÚNIOR, 2013). Os autores entendem que não
foi tarefa fácil para os missionários incutir nos nativos a crença em um só Deus e fazer um
processo de ressignificação dos rituais por eles praticados. Muitos se tornavam cristãos
batizados, porém mantinham seus rituais e costumes, alimentado assim, o sincretismo
religioso.
Luiz Assunção, antropólogo, estudioso há décadas dos elementos simbólicos das
tradições indígenas e do universo afro-brasileiro do sertão nordestino, discorre sobre o que
ocorreu entre as matrizes religiosas. Ele explica que nos dias de hoje o culto da Jurema está
presente tanto no litoral como no interior nordestino. Nesse sentido, ele esclarece que:

No decorrer do tempo ocorreram alterações na constituição desse culto,


[Catimbó-Jurema] advindas de diversas influências do universo afro-
brasileiro. São essas influências que vão dar forma à jurema praticada
atualmente no contexto dos terreiros de umbanda. É, portanto, a mistura de
elementos oriundos do candomblé, do espiritismo kardecista, do catolicismo
popular e principalmente, da umbanda, que ao serem reelaborados, dão
origem a um processo de criação de uma nova prática da jurema, onde os
elementos religiosos de outros cultos coexistem de forma dinâmica,
reformulando o espaço religioso tradicional, assimilando-o e transformando-
o em uma nova prática (ASSUNÇÃO, 2006, p.182).

O Catimbó estava próximo aos símbolos indígenas e aos símbolos católicos, não
demonstrando a existência de símbolos africanos. Também a presença de sacrifícios de
animais, rituais de iniciação, ligação com orixás, culto a exus e pombagira não estão presentes
na Jurema praticada hoje. Porém, como preceitua Vandezande (apud GONÇALVES, 2013,
não paginado), “o Catimbó já se diversificava e se adaptava à emergência de novas demandas
apresentadas pela Federação dos Cultos Africanos e cuja mostra disso, poderia ser sentida nas
práticas recentes das mesas brancas e dos Catimbós umbandistas”. Atualmente, Catimbó é
uma palavra usada com teor depreciativo, mas o Catimbó mudou de nome, se renovou e
incorporou novos elementos, e com nova aparência oficializou-se como religião, diluído na
Umbanda, explica Gonçalves (2013).
Gonçalves (2013) esclarece que a partir da segunda metade da década de 80, outros
terreiros foram surgindo na Paraíba. O Candomblé passa a concorrer com a Umbanda e, neste
confronto, vários adeptos da Umbanda mudam para o Candomblé. Seguindo ainda o
entendimento de Gonçalves (2013), sobre o Candomblé e a Umbanda, destacamos que muitos
dos convertidos não abandonam completamente a Umbanda, e a Jurema vai sendo
desvinculada da Umbanda, recuperando sua autonomia, o que lhe permite ser associada à
outra tradição, sem entrar em concorrência ou conflito com o Candomblé (GONÇALVES,
2013).
Assunção (2006) explica que os Caboclos, Mestres e Reis da Jurema coexistem nos
terreiros com Pretos Velhos, Exus e Pombagira, entidades originalmente cultuadas na
Umbanda, mas que logo foram adicionadas ao Catimbó. Além dos Pretos Velhos, outras
vertentes se juntaram ao Catimbó, a Encantaria, por exemplo, que está presente em parte dos
cultos afro-luso-indígenas no Nordeste. Como preceitua Assunção (2006), os Encantados são
entidades que, segundo a tradição, não morreram, mas antes, se transformaram noutra forma
de vida, material ou espiritual. Eles simbolizam e contribuem para a legitimação de uma
identidade, tendo em vista que boa parte da Encantaria está intimamente ligada ao ambiente
no qual se manifesta.
Na Jurema, muitos rituais foram reelaborados e a partir das adaptações feitas por seus
discípulos, o Catimbó ganhou novo significado. As aproximações de uma religião para com
outra ajudaram a fortalecer e reafirmar a eficácia de um culto aumentando sua capacidade
religiosa. Há nisso, portanto,

Uma ressignificação no cenário religioso, tendo em vista que o contexto


moderno permite essas “bricolagens” religiosas. E mesmo que se tenha
preservado ou tentasse manter a fidelidade a sua estrutura primária, não
podemos esquecer de que estamos diante de cultos extremamente híbridos,
dinâmicos, e a qualquer momento podem incorporar um novo elemento em
sua composição para atender a demanda cada vez maior de pessoas que
buscam nas religiões mediúnicas uma solução prática para resolverem seus
problemas (SOUZA; ANDRADE JÚNIOR, 2013).

A busca por novas formas de religiosidade e deslocamentos vêm ocorrendo em várias


dimensões da construção do cotidiano. É dentro de uma perspectiva mais ampla de
compreensão de religiosidade em relação ao conceito de religião que podemos entender
porque a religiosidade parece estar sendo considerada como a procura por valores que
transcendam a materialidade. É uma postura de vida que busca sentido para estar no mundo e
as relações entre as diversas esferas da vida racional, afetiva e social. Isso se dá em uma
dimensão mais ligada a significados típicos das novas religiosidades, como auto
aperfeiçoamento e auto crescimento, consequentemente, valores ligados a uma postura
humanista diante do mundo (GOLDMAN, 2009).
O pensamento religioso do homem e sua situação num mundo carregado de valores
religiosos permitem que o homem identifique alguns espaços qualitativamente diferentes de
outros. Segundo afiança Goldman (2009), a estrutura do espaço denominado sagrado implica
a ideia da repetição da hierofania, ou seja, um espaço ritualmente construído, consagrado e
singularizado. Podemos dizer que se trata de conjuntos mitológicos de revelação do sagrado,
que direcionam o comportamento religioso dos indivíduos e permitem manter a santidade no
mundo. Esse conjunto mitológico é a própria memória da religião, feita de tradições que
remontam a acontecimentos distantes e que ocorreram em lugares determinados. Conforme
preceitua Halbwachs (1985), seria difícil evocar o acontecimento se não houvesse o lugar do
ocorrido, cuja existência é garantida por testemunhos. Ainda no que concerne a memória, Le
Goff (2003, p.423) ressalta que ela “representa a conservação de informações individuais ou
coletivas de determinados fatos, acontecimentos, situações, reelaborados constantemente”.
Pensar o culto da Jurema como espaço informacional e comunicacional, como “emissor
de informação, constitui-se em um fato científico que o assenta como território a ser
explorado para removerem-se camadas cristalizadas de informação, de contemplação estática
e alienação conceitual” (CASTRO, 1999, p.15). Nesta perspectiva, procuramos reconhecer o
campo da Jurema como um espaço dinâmico de construções e reconstruções da memória, uma
fonte de informação para os sujeitos em âmbitos culturais e religiosos. As relações entre
informação e memória podem ser visualizas e refletidas neste estudo, levando em
consideração o campo informacional onde são estabelecidas as interações sociais.
Ainda no que tange ao conceito de memória, Diehl (2002) considera que ela está ligada
à cultura, podendo relacionar-se com um momento particular, no caso a memória individual
ou memória coletiva no espaço e no tempo. Apesar de a religião brasileira ser composta de
vários elementos, existe uma lógica interna desse sistema religioso, uma crença organizada,
não apenas uma mistura de crenças e ritos sem sentido. Religião entendida aqui como
“comunidade política” (WEBER, 1974). Um exemplo da origem de uma área da vida social
que cria uma ordem de preocupações, especializações e sistema de concorrências para impor
uma visão legítima da religião.
A partir dessa digressão, podemos inferir que a religiosidade é um sentimento interior
e inato a todos os seres humanos, da existência de uma Força Maior. A religiosidade é
considerada, expressão da vida e da moral privadas e, portanto, parte da dimensão da
subjetividade, como escolha pessoal, a fé. A religião por sua vez, é a determinação de um
padrão de manifestação da religiosidade, e cada religioso, manifesta sua religiosidade
conforme os preceitos dessa religião. Utilizando a expressão de Marteleto, ressaltamos que “É
esse conhecimento que fornece aos atores consciência sobre a ação” (MARTELETO, 2003,
p.02). As palavras da autora, mesmo que de maneira tácita, revelam que as implicações desse
entendimento para ação social estão na compreensão dos processos de produção, organização,
uso e apropriação dos conhecimentos na sociedade, tornando mais amenos os caminhos para
sistematizar e gerir o saber social, aquele ligado às práticas e experiências do dia a dia.
Segundo preceitua Marteleto (2003, p.02),

A primeira refere-se ao que realmente acontece no mundo vivido dos sujeitos


sociais como o trabalho, o lazer, a interação. A segunda, a experiência, é a
maneira como os atores vivem a ação, aprendem dela e com ela, o que pode
levá-los a elaborar e compartilhar vivências.

A valorização da prática da Jurema para os adeptos está inserida no imaginário social,


que por sua vez são recuperados nas representações sociais e que, por conseguinte,
relacionados à identidade cultural. Os símbolos comumente utilizados nos rituais religiosos da
Jurema apresentam-se entrelaçados com a cultura do grupo social envolvido, esclarecem
Souza e Andrade Júnior (2013). Seguindo a linha de pensamento dos autores, destacamos as
várias maneiras de valorizar a prática da Jurema: a primeira, pela dimensão de símbolos que
emanam através da comunicação, essa forma de gestos e símbolos da nossa cultura afirma o
valor de cada manifestação. A segunda refere-se à questão da rivalidade entre as
manifestações, a disputa acelera a competição incentivando a criatividade. A terceira é
afetividade, pois o afeto faz da manifestação uma divindade (SOUZA; ANDRADE JÚNIOR,
2013).
O fundamental nesse entendimento é que a Jurema se origina no imaginário religioso
coletivo, revelando um simbolismo que ultrapassa qualquer concepção tradicional. A
participação de indivíduos e grupos nos espaços sagrados da Jurema é bastante acentuada e o
predomínio da fé, nesse espaço, revela um caráter eminentemente social e popular; um espaço
capaz de revelar a força do paradigma da conservação cultural e da apropriação cultural. Sob
esses aspectos os cultos juremeiros vão sendo tecidos como um ambiente informacional,
responsável pela preservação de um espaço religioso, de apropriação da informação e da
geração de sentidos; pelos modos de produção e práticas que envolvem formas de lembrar e
esquecer, maneiras de contar, de fazer e registrar histórias nesse campo.

3 RITUAIS E PRÁTICAS RELIGIOSAS EM TEMPLOS SAGRADOS DA JUREMA


O sagrado se define por criação pura e não repetição.
Situa-se no domínio do imaginário e não da memória, e
mesmo assim podemos extrair deles tudo aquilo que
podemos chamar de pedagogia da selvageria
(BASTIDE, 1971).

Em seus estudos antropológicos, Bastide (1971) deixa claro que o sagrado se define
por criação pura e não repetição e situa-se no domínio do imaginário e não da memória,
mesmo extraindo deles tudo aquilo que podemos chamar de pedagogia da selvageria. A
selvageria consiste na independência de qualquer lei; a disciplina submete o homem às leis da
humanidade e começa a fazê-lo sentir a força das próprias leis.
É possível reconhecer o sagrado como elemento do campo religioso. Suas formas de
organização econômica e social, a distribuição de autoridades, crenças e valores são
construções idealizadas por uma sociedade. Como preceitua Oliveira (1985), por sua vez o
fenômeno da religiosidade popular é um sistema simbólico resultante do trabalho anônimo e
coletivo de agentes sociais, no qual o povo, como participante, produz e reproduz um espaço
religioso, onde os símbolos se recobrem com os nomes do sagrado.
No domínio da Ciência da Informação, podemos dizer que a Jurema constitui-se um
espaço que tem como objeto as práticas sociais de informação, ou a metainformação e suas
relações com a informação. Ou seja, um conjunto de regras e relações tecidas entre os
adeptos, revelando os processos e produções simbólicas e materiais no espaço sagrado.
Diríamos, na esteira do pensamento de Marteleto (2003), que a Jurema é apresentada como
atividade prática, a partir de seu conjunto de regras e relações tecidas entre seus componentes,
de seus processos e produções simbólicas e materiais.
No culto da Jurema as posições dos chefes se definem evocadas de uma autoridade e
de um prestígio. A iniciação aparece por efeito de polarização que permite organizar um vasto
campo semântico, aonde outros elementos vão se inserindo. Essa passagem reconduz a
oposição entre o dom e a iniciação para o ambiente das relações complementares. Não se trata
de processos indiferentes, mas de contextos onde “os meios de comunicação desempenham
um papel fundamental, não só na transmissão do saber informacional ou da imagem do poder,
mas também pode ser instrumento tanto de consolidação das relações de poder quanto da
desmistificação do poder” (ALMINO, 1986).
Como expressa Almino (1986), a informação, pensada no contexto social, é
essencialmente relacional e, portanto, organizativa e organizadora. Sua mensagem ou sentido
dependem da modalidade de interação entre os indivíduos, os quais podem ser denominados
emissor e receptor. É a intenção do emissor e a compreensão do receptor que podem atribuir
significado, qualidade, valor ou alcance à informação. No espaço religioso da Jurema não é
diferente. Por isso, vale levantar alguns dados sobre a Jurema, entre seus adeptos em João
Pessoa.
A visita ao espaço sagrado da Jurema é, antes de tudo, uma vivência afetiva, que nos
aproxima do domínio do sagrado. Pelo simbolismo religioso que possuem os espaços
religiosos e pelo caráter sagrado a eles atribuído, são chamados de “centros de convergência
de fiéis” (GONÇALVES, 2013), que com suas práticas e crenças materializam uma
organização funcional e social do espaço. Os fatores invisíveis presentes nas práticas
religiosas só estarão visíveis se interrogados. Por isso, é essencial desvendarmos os símbolos
da religiosidade juremeira, como mais um meio de conhecimento do sagrado, através dos atos
comportamentais dos fiéis. É, pois, no ritual religioso, vivido no espaço sagrado da Jurema,
que os fiéis desfrutam os bens religiosos. Esse ritual representa um conjunto de práticas
religiosas consagradas no catolicismo popular. É nesse espaço sagrado que estão as
referências da identidade popular cultural dos juremeiros.
Nas palavras de Gonçalves (2013), na Paraíba o espaço religioso se expande com a
abertura de novos terreiros, facilitado pelo pluralismo religioso e pela liberdade de culto. Em
João Pessoa, a sua formação apresenta características peculiares comparando-se a Recife e
Salvador, onde o negro teve papel fundamental.
Segundo Fernandes (1938, p.30), na Paraíba não existiram terreiros tradicionais de
religiões de matriz africana, contudo, vemos emergirem discursos de afirmação da identidade
negra, em que o Candomblé figura como forma pura de manifestação religiosa africana, ideal
difundido e defendido pelos movimentos negros. Gonçalves (2013) esclarece que os rituais
dedicados à Jurema são realizados em momentos separados dos rituais dedicados aos orixás,
que são considerados energias cósmicas e não espíritos que incorporam. Há uma preocupação
entre os adeptos em não misturar diretamente os orixás com a Jurema. Mas, conforme
apresenta Gonçalves (2009, não paginado), notam-se algumas exceções:

Em gira de orixá, não se louva e não “baixam” entidades da Jurema. Da


mesma forma, nos rituais de Jurema, os orixás não “arreiam” diretamente,
apesar de serem louvados, especialmente Oxóssi, conhecido como o patrono
da Jurema devido a sua relação com as matas. Para os adeptos, o culto aos
orixás é limpo, ao passo que na Jurema predominam a cachaça e a fumaça.

O aparato de uma mesa de Catimbó, como descrevem Souza e Andrade Júnior (2013,
p.5),
Consiste na mesa estreita, forrada ou não, onde se misturam garrafadas de
Jurema, cachimbos, imagens de santos, principalmente um crucifixo,
amarrado de cordões e fitas, pequenos alguidares, maracás, bonecas de pano,
cururus secos, fumo de rolo, entre outros. Muitos usam o alguidar sobre
brasas ao pé da mesa, fervendo raízes ou ervas. A sessão tem início com a
abertura da mesa feita em invocações cantadas e velas acessas. Distribuem
entre os presentes, a Jurema. O ritual varia com o fim desejado. Começam a
invocação aos Mestres (há vários mestres) com toadas cantadas em coro.

Observamos em alguns dos centros visitados que os trabalhos da mesa do mestre se


dão em volta de uma mesa, comandada por um mestre, que começa com rezas católicas
oferecidas aos mestres da Jurema, Nossa Senhora da Conceição e às cinco chagas de Jesus
Cristo. Cantando, o mestre abre a mesa. Em seguida defuma o ambiente e os presentes com o
cachimbo. Em alguns deles é oferecida aos presentes a bebida feita com partes da árvore de
nome Jurema. Autores como Gonçalves (2013), Souza e Andrade Júnior (2013) e Grünewald
(2009) revelam que não basta fazer uso da Jurema para se ter a experiência espiritual, ou seja,
a comunicação com os espíritos, os encantados, é necessário o desenvolvimento de uma
sensibilidade para que essa bebida promova o acontecimento. Também em nossas
observações, percebemos que o mestre de mesa começa a cantar e os mestres da Jurema vão
incorporando, além de algumas pessoas presentes ao culto, denominadas médiuns, também
incorporarem. Em relação à incorporação de espíritos, Bastide (1971, p.32) adverte: “o
espírito não pode viver fora da matéria, se essa lhe falta, ele faz uma nova”.
A prática ritualística acontece entre os participantes, os que recebem os espíritos (os
encantados) e aqueles que comungam da Jurema. Segundo esclarece Gonçalves (2013), a
bebida por eles ingerida pode provocar leve alucinação, o que proporciona uma experiência
direta com o plano espiritual, já que seu uso fundamenta esse caráter de extraordinário.
Realiza-se então um ritual de toré, como trabalho oculto. O conteúdo de tais cerimônias se
assemelha ao do Catimbó, tal como descrito por Cascudo em 1979. Segundo afiança
Gonçalves (2013), o toré é um ritual comum à maioria dos índios do Nordeste e estabelece a
indianidade dos mesmos. O toré pode religar o caboclo à sua origem indígena e reconstituir
sua ligação com a ancestralidade.
Vandezande (apud GONÇALVES, 2013, não paginado) identifica no Catimbó de
Alhandra algumas variantes e funções: a mesa do mestre; a mesa do discípulo; toré [gira] de
mestre; toré [gira] de caboclo, mesa branca e o Catimbó umbandista. Destas, a que lhe
representa o núcleo do Catimbó é a primeira, as demais seriam práticas recentes, resultado de
incorporações de elementos ou funções externas ao próprio culto aos mestres, por força das
prescrições da FECAB.
Vale ressaltar que esses rituais estão ligados a algo mais amplo que constitui os saberes
sagrados, misteriosos, que fundamentam todas as práticas rituais. De acordo com Gonçalves
(2013), cada população indígena costuma diferenciar o toré e seus trabalhos espirituais dos de
outros grupos indígenas ou de rituais não indígenas. Em alguns grupos estão presentes em
seus trabalhos os encantos das matas e o uso da Jurema preta, enquanto que em outros há mais
proeminência dos encantos das águas com uso da jurema branca.
A Jurema em todo seu contexto desperta consciência e transporta memória. A memória
marca a permanência dessa tradição, dos seus costumes. A lembrança proporcionada pela
memória permite aos indivíduos e grupos juremeiros reencontrarem as imagens de seu
passado, prolongando-o no presente. Quando esta memória enfraquece, entra em cena a
história, sendo então necessário institucionalizá-la, daí os “lugares de memória”
(HALBWACHS, 1985). A memória é sempre plural e parcial, enquanto a memória busca
identidades, durações e origens, a história sempre se ocupa do novo, da ruptura e da
descontinuidade, dessacralizando o passado. A Jurema retorna, mas se revela como uma
espécie de poesia imanente ao imaginário nordestino.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por meio da pesquisa bibliográfica e da observação de campo, procuramos refletir


sobre o modo de ser da Jurema sagrada, buscando principalmente os aspectos ligados aos
processos informacionais e aos fenômenos das crenças populares.
Os dados coletados revelaram possibilidades de construção compartilhada do
conhecimento a partir da sincronização entre diferentes, uma vez que no espaço da Jurema
não cabe a divulgação dos paradigmas de uma religião oficial, muito menos a transmissão
unidirecional de informação através da comunicação entre o espaço sagrado e os praticantes
dessa religiosidade.
A Jurema faz parte de uma religiosidade tipicamente nordestina e de inclusão
espiritual, conduzida para a prática da caridade, por intermédio dos espíritos que incorporam
nos terreiros. Trata-se de um movimento de inclusão espiritual que dissemina verdades
universais, sem se importar com a filiação dos que a procuram em busca de soluções para os
seus problemas no dia a, ou por simples identificação com os preceitos dessa religiosidade.
Procuramos neste trabalho fortalecer a temática, além de esclarecer alguns conceitos a
ela relacionados. São assuntos que tratam da finalidade e a utilização da planta denominada
Jurema, das energias cósmicas, das formas de apresentação dos espíritos, da magia e os
mistérios no mundo espiritual, da ritualística nos terreiros.
A Jurema como é praticada hoje está prenha de rituais da Umbanda, embora preserve
elementos das mesas dos mestres e do ritual indígena. A identificação da Jurema com a
Umbanda é bastante estreita. Um ritual de Jurema não se diferencia estruturalmente do ritual
dos orixás, pois são assimilados os exus e pombagira, pretos velhos, assentamentos e festas de
apresentação dos iniciados, além da roda de santo, os tambores, os cânticos, pontos riscados,
entre outros. Nos espaços da Jurema são energizados tanto os objetos como as pessoas.
Também se deixam ali os pedidos e as oferendas.
As mesas de Jurema estão desaparecendo, restando sua reminiscência na chamada
Jurema de chão. A bebida da Jurema vai se tornando cada vez mais simbólica.
A religiosidade está sendo ressignificada e reapropriada na atualidade, fornecendo,
sobretudo, atribuição de sentido. Vale destacar que a religiosidade pode funcionar como
mecanismo de controle social, exploração, expropriação, podendo também, ser
instrumentalizada pelos grupos dirigentes de uma sociedade, em seu momento histórico. Hoje,
crenças, valores, conceitos, práticas religiosas estão sendo ressignificados, tanto em termos de
atribuição de sentido quanto em termos de controle.
Imprimimos neste trabalho o esforço em perceber as manifestações culturais populares
e suas religiosidades; as memórias coletivas constituídas em torno de recortes do passado,
bem como a conformação da Jurema na atualidade. Entendemos que a memória coletiva é um
fenômeno social o qual se coloca em relação não apenas ao passado, mas, ao contexto atual
mediado por representações coletivas de praticantes do culto da Jurema.

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