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Ciência Política

Turma A- Regência do Prof. Luís Pereira Coutinho


I. REGIMES POLÍTICOS E JUSTIÇA EM ARISTOTELES: LINHAS GERAIS

Teoria dos Regimes Políticos de Aristóteles


Regimes Retos/ Puros Regimes Desviados/ Impuros

Monarquia Tirania

Aristocracia Oligarquia

Politeia (República) Democracia (Demagogia)


Justos em termos absolutos Injustos em termos absolutos

- O que distingue estes termos é a Justiça no sentido absoluto e


invariável, ou seja, o poder que é exercido por respeito dos deuses e
homens e no interesse geral e não apenas no interesse dos governantes
(perspetiva absoluta), um sentido relevante da prossecução do interesse
comum e do respeito pelas leis num sentido estabilizador e limitador (que
se revê no regime puro mas não no desviado), e não a justiça ou injustiça
na perspetiva dos participantes (justiça num sentido relativo e variável).
- Ambos são justos em termos relativos, sendo que a todos corresponde
um determinado entendimento ou conceção de justiça.
Para que haja um Regime Político tem de haver uma conceção de justiça
subjacente pelos governantes, e só se possibilita se houver uma conceção
de justiça que se substancie o fim do poder político e que seja aceite por
governantes e governados.
Ex: Conceção de justiça relativa da democracia- Para Aristóteles era uma
conceção desviada. O que a caracteriza era que todos os que eram livres
consideravam-se iguais a nível da participação do poder.

 Na Conceção Aristotélica, um Regime político corresponde a uma


certa disposição dos cargos governativos em obediência a um
qualquer critério de justiça aceite por aqueles que, no mesmo,
ocupam a posição de governantes ou governados.

Cada Regime tem dois elementos:


 Elemento externo- revela quem exerce o poder; a estrutura
organizatória do regime, ou seja, da distribuição de cargos
governativos (Ex: 1 na monarquia e tirania, poucos aristocracia e
oligarquia e muitos no regime constitucional e na democracia).

 Elemento interno- revela a conceção de justiça partilhada por


governantes e governados, uma vez que cada regime político tem
sempre uma conceção de justiça subjacente (Ex: monarquia,
tirânica, aristocrática e oligárquica).

 Aristóteles define os regimes puros e desviados em que “Quando o


único (monarquia), os poucos (aristocracia) e os muitos (regime
constitucional) governam em vista do interesse comum, esses
regimes serão necessariamente retos. Os regimes em que se
governa em vista do único (tirania), dos poucos (oligarquia) ou dos
muitos (democracia), ou seja, dos interesses dos governantes, são
transviados”. (defeituosos, mesmo que reto numa perspetiva de
uma justiça não absoluta).

A justiça era caracterizada como a igualdade. Parece haver uma


contradição, mas esta é meramente aparente.
O que é a igualdade? A igualdade consiste num tratamento uniforme de
todos na sua diferença (ou na sua dignidade segundo o Contemporâneo).
Para Aristóteles, a igualdade exige a diferenciação (Critério de
diferenciação ou indiferenciação) de todos. Em todos há justiça, mas o que
a diferencia é o fator de desigualdade.
Se em todos os regimes existe um critério de distinção/ indistinção, em
todos há justiça e igualdade.
O que temos por pressuposto é que nos critérios de diferenciação têm
eles próprios de respeitar a dignidade.
 Na tradição que Aristóteles acolhe e desenvolve, todos os regimes
(puros e desviados) são aceitáveis na perspetiva relativa e variável
dos homens, mas apenas os regimes puros são aceitáveis na
perspetiva absoluta e invariável dos deuses- uma perspetiva presa
a um interesse comum objetivo.

 Se todos os regimes, puros ou desviados, são justos em certo


sentido relativo e variável, é por isso que todos os regimes
propriamente ditos são regimes políticos.

 A todos os Regimes corresponde um Princípio de Justiça (sentido


relativo e variável de justiça nos regimes desviados) aceite pelos
governantes, a qual precisamente, torna o regime aceitável aos seus
olhos, na sua perspetiva variável e relativa daqueles que participam
como governantes e governados.
Existe então um sentido de justiça conforme ao tipo de regime, adotando
um critério de justiça que difere de regime para regime.

A Política releva essencialmente da partilha de um sentido ou critério de


justiça pelos membros da cidade- precisamente o critério que preside ao
correspondente regime. Nenhum regime é verdadeiramente político
senão fundado num sentido ou critério de justiça percebido como tal
pelos participantes.
O sentido ou critério de justiça que define o político (que preside ao
regime enquanto regime político) é essencial ao homem, o homem é um
animal político precisamente porque se move no âmbito de tal sentido ou
critério (o sentido ou critério da pólis), nele encontrando um parâmetro
de ação, disposição de carácter ou ethos.

“Política”
O que nos diferencia dos animais é que possuímos linguagem,
conseguimos tornar claro o útil e o prejudicial, o justo do injusto.
Acidade= partilha de uma conceção de justiça, partilha de uma linguagem
Linguagem= sentidos partilhados quando ouvimos e pensamos sobre o
termo justiça. (Quando pensamos na mesma coisa temos uma linguagem
partilhada, mesmo que a palavra esteja em outra língua, desde que tenha
o mesmo sentido. Ex: Pensar em good; bem; bien).
Sem a linguagem o Homem seria um bicho. Um bicho não precisa de
linguagem, apenas dos seus instintos.
Regime sem linguagem partilhada- Problema do Estado Moderno e da
Política

O que é próprio do ser humano é, sendo um animal político, determinar-


se de acordo com o critério de justiça, determinar-se de acordo com a
linguagem da pólis. O critério do justo e injusto, bom e do mau, depende
de acordo com a linguagem de cada lugar. Ou seja, sendo os sentidos ou
critérios de justiça variáveis de cidade para cidade, o homem pode ser um
cidadão virtuoso de muitas maneiras diferentes.
Efetivamente, em Aristóteles, o que é próprio do Homem não é o facto de
lhe corresponder um sentido de justiça invariável de cidade para cidade. O
que é próprio do homem antes é o facto de o mesmo se integrar nessa
“comunidade completa” que cada cidade é, dispondo o seu carácter
segundo o que aí seja tido por subjetivamente justo, aleaçando a virtude
correspondente.
Em suma, o homem como animal político é um cidadão que, enquanto tal,
se integra e dispõe segundo o sentido de justiça da sua cidade: a sua
virtude reside aí.
A virtude do homem corresponde à virtude do cidadão, nessa medida, é
uma virtude política que varia de cidade para cidade.
“A virtude do cidadão deve necessariamente ser relativa ao regime. Posto
que há diferentes modalidades de regime, não pode existir uma única
virtude perfeita do bom cidadão”
Onde é que se encontra a melhor garantia do regime? Na educação dos
cidadãos! Então o sentido ou critério de justiça que preside ao regime e
que parametriza o cidadão, é inculcado através da educação: o homem
como animal político é um produto da educação.
 Em qualquer regime que se pretenda estável (seja puro ou
desviado) “a educação deve ser exercida de acordo com o regime,
pois importa defender o carácter próprio de cada um, tal como foi
estabelecido no começo”.
 “de todos os meios para assegurar a conservação de regimes
políticos, o que se afigura mais importante é (…) a educação cívica”.
De facto, de nada aproveitará uma legislação, por muito útil que
seja e aprovada unanimente por todos os cidadãos, se estes não
adquirirem os hábitos nem forem educados segundo o espírito do
regime estabelecido.

Justiça aqui prende-se fundamentalmente com a distribuição de


vantagens e desvantagens, desde logo com a distribuição de cargos
governativos: uma distribuição igual pelos iguais e desigual pelos desiguais
(“A justiça é relativa às pessoas e deve existir igualdade para os iguais”).
Em todos os Regimes a justiça significa “igualdade proporcional” e não
igualdade numérica e aritmética.
Se em todos os Regimes é assim, os critérios (riqueza; berço; liberdade;
etc) em razão dos quais uns e outros são iguais ou desiguais para efeitos
de participação no governo variam de cidade para cidade. Deste modo, se
em todos os regimes se entende ser a justiça distributiva “igualdade
proporcional”, à mesma corresponderá ainda assim um sentido relativo e
variável, relevante do distinto critério de diferenciação entre iguais e
desiguais que impere em cada cidade.
No princípio ou critério de distribuição relevante em cada regime,
encontra-se também o fim do governo. (Ex: Na oligarquia, a riqueza é
tanto o critério de seleção dos governantes como o fim por estes
prosseguido no exercício do poder; Na aristocracia, os governantes,
selecionados em razão da excelência, promoverão essa mesma
excelência.)

A Filosofia Política resolve a dificuldade sobre qual o melhor princípio de


distribuição ou critério de justiça, ou seja, qual é o melhor regime: aquele
ao qual preside o melhor princípio de justiça e correspondente fim do
governo em qualquer tempo ou lugar.
Justiça como um terceiro sentido, no sentido filosófico, a que ele chama
justiça por natureza, e assim conseguimos distinguir a ciência política da
filosofia política.
A Ciência Política estuda os regimes efetivamente existentes neste ou
naquele tempo e lugar, dividindo a sua estrutura e aprendendo o critério
ou princípio de justiça (variável e relativo) que lhe preside. A ciência
corresponde a uma abordagem descritiva dos regimes existentes, para a
abordagem descritiva destes regimes qual é o sentido de justiça que é
relevante? É a justiça em sentido relativo, porque nós temos que descobrir
para interpretar os regimes qual é o critério de justiça a que
correspondem.

Já a Filosofia tem uma abordagem normativa, ou seja, o que está em


causa não é descrever ou compreender os regimes existentes e classifica-
los, o que está em causa é descobrir qual é o melhor regime político, em
termos normativos.
O critério de justiça que será relevante para a filosofia política não será a
justiça relativa, mas sim um critério de justiça invariável, não é a justiça
absoluta também porque esta corresponde à tradição, da tradição
ancestral grega. A filosofia pode descobrir um critério que não
corresponde ao que é ditado pelos próprios deuses.
Para a filosofia, o problema é descobrir como devemos viver de acordo
com a razão. Para Aristóteles, a justiça como natureza é o melhor critério
subjacente a cada regime, a natureza aqui corresponde ao melhor bem do
homem, qual será o melhor regime em termos filosóficos?
Aquilo que se harmonize, corresponda ao melhor bem do homem, à
natureza do homem. O melhor bem do homem diz-nos Aristóteles, releva
de nele a razão de imperar sobre as paixões, é ser excelente ao nível da
razão quer teórica quer prática (definições kantianas), o melhor regime
será o Império dos excelentes, o melhor regime será então uma
Aristocracia, o fim do governo é a excelência (o critério de cargos
governativos não se desprende da excelência).
Ele segue Platão aqui, para os seres superiores não existe lei. A excelência
em razão prática leva-nos a todos a resultados diferentes, e por isso leva-
nos a alguns problemas.
Aristóteles é cético quanto à possibilidade de se instaurar uma aristocracia
no mundo, ou seja, é difícil que seja possível chegar ao melhor regime. Ele
diz-nos que este regime é impossível porque um regime político só é
possível se o seu critério de justiça for apreendido por todos, governantes
e governados. O critério da excelência apenas é acessível aos excelentes,
os que pretendem governar, e assim, nunca será assimilado por todos, e
se não é assimilado por todos, não é possível.
Ou irá imperar uma ideia de igualdade ou os que se diferenciam por algo
distinto que não a excelência, vão querer governar de acordo com esse
critério de distinção, e os outros vão se guiar por isso. A maior parte dos
regimes existentes ou são democracias ou oligarquias.
Ele diz-nos que a implementação do melhor regime é impossível, mas
ainda assim estamos condenados a viver em regimes desviados? É certo
que a nossa experiência acaba por ser esta.
 Nos Regimes Desviados, aqueles que são iguais ou desiguais em
algum aspeto que não a excelência consideram que devem ser
iguais ou desiguais também para efeitos de participação no governo
da cidade.

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